D.E. Publicado em 19/02/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000850-44.2014.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a revisão de aposentadoria por tempo de contribuição n.º 139.670.408-3/42, mediante reconhecimento de atividade especial no período de 06/03/1997 a 04/05/2007, bem como conversão do benefício em aposentadoria especial, sobreveio sentença de improcedência do pedido, deixando de condenar a parte autora em custas e honorários advocatícios em razão do deferimento dos benefícios da justiça gratuita.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, sustentando, preliminarmente, a necessidade do retorno dos autos à vara de origm para realização da perícia técnica, bem como, no mérito, requer a procedência do pedido para reconhecer o exercício de atividade especial no período de 06/03/1997 a 04/05/2007, nos termos inicialmente pleiteados.
Com contrarrazões apenas da parte autora, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): A parte autora é titular do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (139.670.408-3/42), com início de vigência em 04/05/2007 (fl. 23) e objetiva a revisão do benefício mediante reconhecimento de atividade especial no período de 06/03/1997 a 04/05/2007, bem como posterior conversão em aposentadoria especial.
De início, anoto que a preliminar de cerceamento de defesa, em razão da ausência de produção de prova pericial, confunde-se com o mérito e com ele será apreciada.
Superada tal questão, passa-se ao exame e julgamento do mérito da demanda.
É firme a jurisprudência no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização do denominado trabalho em regime especial é a vigente no período em que a atividade a ser considerada foi efetivamente exercida.
Para a verificação do tempo de serviço em regime especial, no caso, deve ser levada em conta a disciplina estabelecida pelos Decretos nºs 83.080/79 e 53.831/64.
Salvo no tocante aos agentes físicos ruído e calor, a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser obrigatória a partir de 05/03/1997, data da publicação do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou a Lei nº 9.032/95 e a MP 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97.
Contudo, acompanhando posicionamento adotado nesta 10ª Turma, no sentido de que em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10/12/1997, entendo que a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser exigência legal a partir de 11/12/1997, nos termos da referida lei, que alterou a redação do § 1º do artigo 58 da Lei nº 8.213/91. Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp nº 422616/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 02/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 323; REsp nº 421045/SC, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 06/05/2004, DJ 28/06/2004, p. 382.
Todavia, não se exige que a profissão do segurado seja exatamente uma daquelas descritas nos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, sendo suficiente para reconhecimento da atividade especial que o trabalhador esteja sujeito, em sua atividade, aos agentes agressivos descritos em referido anexo, na esteira de entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica dos fragmentos de ementas a seguir transcritos:
"A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o rol de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas é exemplificativo, pelo que, a ausência do enquadramento da atividade desempenhada não inviabiliza a sua consideração para fins de concessão de aposentadoria." (REsp nº 666479/PB, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 668);
"Apenas para registro, ressalto que o rol de atividades arroladas nos Decretos n.os 53.831/64 e 83.080/79 é exemplificativo, não existindo impedimento em considerar que outras atividades sejam tidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que devidamente comprovadas por laudo pericial." (REsp nº 651516/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. 07/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 291).
Ressalte-se que o artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732, de 11/12/1998, dispõe que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será efetuada nos termos da legislação trabalhista.
O art. 194 da CLT aduz que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente. Portanto, retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários.
Por sua vez, o art. 195 da CLT estabelece: A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo do Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.
A respeito da matéria, a Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 14/05/2014, em sede de recurso representativo da controvérsia (Recurso Especial Repetitivo 1.398.260/PR, Rel. Min. Herman Benjamin), firmou orientação no sentido de que o nível de ruído que caracteriza a insalubridade para contagem de tempo de serviço especial deve ser superior a 80 (oitenta) decibéis até a edição do Decreto nº 2.171/1997, de 05/03/1997, superior a 90 (noventa) decibéis entre a vigência do Decreto nº 2.171/1997 e a edição do Decreto nº 4.882/2003, de 18/11/2003, e após a entrada em vigor do Decreto nº 4.882/2003, ou seja, a partir de 19/11/2003, incide o limite de 85 (oitenta e cinco) decibéis, considerando o princípio tempus regit actum.
Ainda com relação à matéria, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o ARE 664.335/SC, em 04/12/2014, publicado no DJe de 12/02/2015, da relatoria do Ministro LUIZ FUX, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, fixou o entendimento de que a eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, quando o segurado estiver exposto ao agente nocivo ruído, bem assim que "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. (...) Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete."
No presente caso, a parte autora demonstrou haver laborado em atividade especial no período de 06/03/1997 a 04/05/2007, na empresa MÁQUINAS AGRÍCOLAS JACTO S/A. É o que comprovam o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, elaborado nos termos dos arts. 176 a 178, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 11 de outubro de 2007 (DOU - 11/10/2007) e art. 68, § 2º, do Decreto nº 3.048/99 (fls. 28/36) e o laudo pericial (fls. 151/200), trazendo a conclusão de que a parte autora desenvolveu sua atividade profissional, com execução do "acabamento final em peças e produtos em fibra de vidro através de atividades de masseamento, laminação, lixamento, pintura e polimento com base nas especificações contidas nas folhas de processos fazendo uso de ferramentas, dispositivos e materiais garantindo a qualidade do produto" (fl. 28), com exposição a agentes químicos (resina, thinner e desmoldante pva) nocivos à saúde. Referidas atividades e agentes agressivos são classificados como especiais, conforme os códigos 1.2.11 e 2.5.2 do Decreto nº 53.831/64 e códigos 1.2.10, 2.5.1 e 2.5.5 do Decreto nº 83.080/79, em razão da habitual e permanente exposição aos agentes ali descritos.
Frise-se que a situação de recebimento de adicional de insalubridade corrobora as conclusões trazidas no sentido de estar a parte autora em exercício de atividade de natureza especial (fl. 171).
Nesse sentido, vide jurisprudência da Décima Turma desta E. Corte: APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003513-70.2016.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, DJe 03/08/2017; APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0003263-13.2011.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. Lúcia Ursaia, DJe 27/07/2017.
Portanto, não há dúvida de que a parte autora tem direito ao reconhecimento de tempo especial no período de 06/03/1997 a 04/05/2007. Ressalte-se que, quando da análise do requerimento administrativo do benefício, a própria autarquia previdenciária reconheceu como especial os períodos de 14/02/1978 a 05/03/1997, restando, portanto, incontroverso (fl. 82).
Assim, na data do requerimento administrativo, a parte autora alcançou mais de 25 (vinte e cinco) anos de tempo de serviço especial, sendo, portanto, devida a aposentadoria especial, conforme o artigo 57 da Lei nº 8.213/91.
Quanto ao termo inicial para incidência das diferenças, deve ser fixado a partir da data da entrada do requerimento do benefício (04/05/2007), momento em que o segurado já preenchia os requisitos para o deferimento da aposentadora especial, conforme documentos acostados aos autos.
Conforme ementa a seguir transcrita, é nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TERMO INICIAL. DATA DO PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Os efeitos financeiros do deferimento da aposentadoria devem retroagir à data do primeiro requerimento administrativo, independentemente da adequada instrução do pedido." (AgRg no REsp nº 1103312/CE, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014).
Observo que transcorreu prazo superior a cinco anos entre a efetiva concessão do benefício (04/05/2007 - fls. 25) e o ajuizamento da demanda (24/02/2014 - fls. 02). Assim, o autor fará jus ao recebimento das diferenças vencidas a partir de 24/02/2009.
Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, § 3º, do Novo Código de Processo Civil/2015.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o decidido pelo Plenário do C. STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em Repercussão Geral, em 20/09/2017, Rel. Min. Luiz Fux, adotando-se no tocante à fixação dos juros moratórios o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, e quanto à atualização monetária, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de reembolsar custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA para, reconhecer e converter para tempo de serviço comum o período de 06/03/1997 a 04/05/2007 e determinar a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição n.º 139.670.408-3/42, convertendo para aposentadoria especial, bem como condenar o INSS ao pagamento das diferenças devidas, observada a prescrição quinquenal, acrescidas de juros de mora e correção monetária, além de honorários advocatícios fixados em sucumbência recíproca, nos termos da fundamentação.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA:10063 |
Nº de Série do Certificado: | 1B1C8410F7039C36 |
Data e Hora: | 06/02/2018 18:33:02 |