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PREVIDENCIÁRIO. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DEVOLUÇÃO. DESCABIMENTO. RE...

Data da publicação: 05/03/2024, 07:01:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DEVOLUÇÃO. DESCABIMENTO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS PELO INSS. 1. Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, a vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica ou intelectual não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade. Assim, uma interpretação constitucional do texto do Estatuto deve colocar a salvo de qualquer prejudicialidade o portador de deficiência psíquica ou intelectual que, de fato, não disponha de discernimento, sob pena de ferir de morte o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais. 2. Apelação da parte autora provida para afastar a prescrição quinquenal e determinar a restituição dos valores indevidamente descontados do benefício de pensão por morte (NB 21/165.632.634-2) desde janeiro de 2016. (TRF4, AC 5001421-96.2022.4.04.7217, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/02/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001421-96.2022.4.04.7217/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: VANDERLEI TEIXEIRA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Vanderlei Teixeira, nascido em 31-07-1971, devidamente representada, ajuizou, em 20-05-2022, ação contra o INSS, postulando a declaração de inexistência do débito no montante de R$ 75.738,49, caracterizado como percebimento indevido pelo INSS, bem como a restituição dos valores indevidamente descontados do beneficio NB 21/165.632.634-2 desde 01-2016, acrescidos de juros e correção.

Na sentença, publicada em 08-03-2023, o magistrado a quo confirmou a tutela de urgência e julgou parcialmente procedente o pedido, nestes termos (evento 29):

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, reconheço a prescrição dos valores descontados dos benefícios do autor há mais de cinco anos do ajuizamento da ação e, no mérito, JULGO PROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para declarar a inexistência de débito em relação aos valores recebidos a título de benefício assistencial nº 87/122.272.621-9, cancelando o débito em tela e determinar a restituição ao autor dos valores descontados de seus benefícios a tal título, corrigidos na forma da fundamentação.

Mantenho a tutela de urgência deferida.

Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, fixando-os em 10% sobre o valor do débito cobrado.

Sentença não sujeita à remessa necessária.

Em suas razões de apelação, a parte autora alegou, em síntese, que a prescrição quinquenal não corre contra o absolutamente incapaz. Ressalta que não há qualquer dúvida a respeito da condição de absolutamente incapaz do Apelante, a qual foi, inclusive, motivo de interdição em 2002.

Dessa forma, requer seja afastada a prescrição quinquenal, determinando a restituição dos valores descontados do beneficio do autor desde 01/2016.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo regular prosseguimento do feito (evento 5).

É o relatório.

VOTO

Prescrição

No tocante à prescrição, é pacífico o entendimento nesta Corte no sentido de que não corre contra os absolutamente incapazes (qualificação civil essa que se aplicava à parte autora desde época do primeiro desconto no benefício NB 21/165.632.634-2, em 01-2016. No ponto, cumpre esclarecer que o autor foi interditado judicialmente em 13-05-2002, sendo considerado absolutamente incapaz para prática dos atos da vida civil (evento 1 - PROCADM14 - fl. 24), tendo em conta ser portador de retardo mental grave (CID F72) (evento 1 - PROCADM14 - fl. 14).

Tal entendimento decorre das previsões legais insculpidas no art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os arts. 79 e 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios.

Não se desconhece que, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), houve a revogação parcial do art. 3º do Código Civil, sendo considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 (dezesseis) anos.

Todavia, em relação aos portadores de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, os quais eram considerados absolutamente incapazes até a edição da Lei nº 13.146/2015, entendo que devem ser considerados incapazes, especialmente em relação à manutenção e indisponibilidade (imprescritibilidade) dos seus direitos.

Nesse sentido, reproduzo trecho do voto do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz no julgamento da Apelação/Remessa Necessária Nº 5017423-95.2013.404.7108, perante a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ocorrido em 21-03-2017.

Trago algumas considerações sobre os reflexos da nova redação do art. 3º do Código Civil conferida pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), definindo como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, em confronto com o inciso I do art. 198 do Código Civil, dispondo que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º. É dizer: retirando do âmbito da incapacidade total os deficientes psíquicos e intelectuais, de forma que os portadores de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, que antes compunham o rol do artigo 3º do Código Civil (inciso II), deixaram de ser considerados incapazes, ainda que relativamente.

No desiderato de afastar qualquer restrição que pudesse colocar as pessoas com deficiência em um patamar inferior às demais em relação à capacidade civil, com medida de igualização, a lei abriu espaço para uma interpretação descuidada do seu texto que pode desamparar aqueles que necessitavam de sua proteção, especialmente no que toca à prescrição de direitos daqueles que não têm discernimento para reivindicá-los judicialmente.

Segundo meu entendimento, a vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica ou intelectual não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade.

Assim, uma interpretação constitucional do texto do Estatuto deve colocar a salvo de qualquer prejudicialidade o portador de deficiência psíquica ou intelectual que, de fato, não disponha de discernimento, sob pena de ferir de morte o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.

Bruno Henrique Silva Santos (Prescrição e decadência contra as pessoas com deficiência após a promulgação da Lei n. 13.146/15: uma análise constitucional. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50234/prescricao-e-decadencia-contra-as-pessoas-com-deficiencia-apos-a-promulgacao-da-lei-n-13-146-15-uma-analise-constitucional. Acesso em: 23 nov. 2016) sintetiza a situação paradoxal que se instalou com a equivocada compreensão da nova norma "protetiva" dos deficientes:

Atualmente, não figurando mais essas pessoas desprovidas de discernimento no rol dos absolutamente incapazes, o prazo prescricional fluiria normalmente em seu desfavor, ainda que estiverem submetidas a um regime de curatela ou de tomada de decisão apoiada (e certamente estarão ou deveriam estar, haja vista as restrições mentais impostas). Em síntese, esses indivíduos ver-se-iam em uma situação mais gravosa, porquanto, mesmo com a interferência alheia na formação ou exteriorização de sua vontade, não estariam protegidos contra a prescrição, ao contrário do que ocorria anteriormente.

A matéria foi apreciada pela 5ª Turma do TRF4, na Apelação Cível n° 5020853-36.2014.4.04.7200/SC, j. 09/08/2016, em que atuei como relator. Naquela oportunidade, assim fundamentei o voto condutor do acórdão unânime:

Na sentença, o julgador reconheceu a prescrição das parcelas anteriores a 11/06/2009 e condenou o INSS a pagar ao demandante o benefício de aposentadoria por invalidez desde aquela data.

Ocorre que, nas perícias psiquiátrica e neurológica realizadas no curso do processo (eventos 29, 41 e 42), restou comprovado que o autor é portador de retardo mental não especificado (CID F79), hidrocefalia (CID G91) e transtorno de personalidade e de comportamento decorrentes de doença cerebral (CID F07) e, em razão disso, está, desde 1974, total, absoluta e definitivamente incapacitado para o trabalho e para os atos da vida diária, necessitando, ao menos desde 1994, de auxílio permanente de terceiros para todas as atividades.

Ora, as perícias não deixam qualquer dúvida acerca da condição de absoluta incapacidade de autodeterminação do demandante, com o que não se lhe aplicaria o prazo prescricional reconhecido na sentença.

Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos - situação essa na qual não se encontra o demandante -, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, entendo que a vulnerabilidade do indivíduo - inquestionável no caso do autor - não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade.

Veja-se que, no próprio parecer do projeto de lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência apresentado no Senado Federal, foi referido que:

"Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori , causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade." (grifei)

A Lei 13.146/2015, embora editada com o propósito de promover uma ampla inclusão das pessoas portadoras de deficiência, ao contrário, justamente aniquila a proteção dos incapazes, rompendo com a própria lógica dos direitos humanos.

Com efeito, a teoria das incapacidades existe para proteger o incapaz, ou seja, protege-se o indivíduo que não tem idade suficiente ou que padece de algum mal que lhe impede de discernir bem sua conduta, ressaltando-se que a proteção não se dá apenas em relação aos outros indivíduos e contra as situações da vida, mas, também (e talvez, sobretudo), em relação ao próprio incapaz, o qual pode representar um risco a si mesmo em algumas situações. Ao suprimir a incapacidade absoluta do portador de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto contempla, da pior e mais prejudicial forma possível, o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.

No artigo "A destruição da teoria das incapacidades e o fim da proteção aos deficientes", publicado no site migalhas.com.br, em 08/04/2016, os autores Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli afirmam:

"O paradigma da inclusão dos deficientes, que tem seu marco inicial na década de 1980, substituiu, em relação a essas pessoas, "uma perspectiva exclusivamente médica ou biológica por uma perspectiva que é também social". As legislações atuais tendem a esse processo inclusivo, sempre realizado a partir do pareamento de condições em vida social através do rompimento de barreiras e de obstáculos que possam marginalizar os indivíduos portadores de deficiências. Assim, em poucas linhas, é que se encaminha o direito do século XXI. E isso está bem.

Mas o afã de promover essa etapa (inclusão) pode resultar em grandes fracassos, se não houver critérios equilibrados e racionalidade no processo legislativo acerca da matéria. Eis o erro trazido pela lei 13.146/2015. Ela não consagra os direitos humanos. Ela os contradiz, e uma simples colocação dos termos das convenções internacionais já o demonstra.

Vejamos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ao determinar que a igualdade seja promovida, a Convenção reconhece, é claro, a diferença que existe e que precisa ser dirimida o quanto possível em seus efeitos.

A definição feita para efeitos da Convenção a respeito de pessoas com deficiência é de que essas "têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".

Difícil deixar de apontar que só esses termos já tiram muito do pretenso fundamento da Lei 13.146/2015. Reconhecer que as pessoas com deficiência encontram barreiras implica em criação de mecanismos para derrubá-las. Retirar a proteção do deficiente não parece um bom mecanismo....

Já a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, cujo objetivo é prevenir e eliminar todas as formas de preconceito contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade (art. 2º), apresenta definições sutilmente mais qualificadas e recomendações bem mais concretas.

Afirma-se, em seu art. 1º, que, para os efeitos da Convenção, entende-se por deficiência "uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social".

A própria Convenção Interamericana, portanto, afirma que a deficiência importa numa limitação à capacidade de exercer atividades essenciais da vida diária. Nisso o conteúdo se aproxima da lei 13.146.

Mas a Convenção não dá azo à "sequência" funesta da referida lei brasileira.

Veja-se, a título de exemplo, o art. 3º, n. 1, a:

"Art. 3º. Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados-partes comprometem-se a:

1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:

a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração";

(...).

Será que a legislação protetiva dos deficientes mentais, especialmente o regime das incapacidades, contraria essas recomendações da Convenção?

De modo algum. A própria Convenção - e este é aqui o ponto mais relevante - determina em seu art. 1º, n. 2, b, que, "Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado-parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação."

Está claro que não há aí um repúdio às legislações internas dos Estados que, objetivando promover o bem-estar (proteção) dos deficientes, aplicam-lhes tratamento diverso, como é o caso da incapacidade - que constitui exceção - e, disso, o procedimento de interdição.

Ora, retirar a proteção de alguém que comprovadamente não pode governar sua própria conduta é aplicar a lógica dos direitos humanos? Nada mais inaceitável e cruel. O pior de tudo é que, na tentativa frenética de ganhar terreno entre os operadores do direito, a nova lei usa como justificativa.....os próprios direitos humanos!

É um disparate.

O problema que nos traz a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova Iorque, 2007), especialmente com relação ao instituto da "decisão apoiada", será analisado em uma próxima coluna. Mas, ainda assim, se o objetivo dessa Convenção é 'promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais' pelos deficientes (art. 1), a retirada de proteção trazida pela lei 13.146/2015, no Brasil, está em desacordo com esses termos.

Além disso, permitir "o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais" (art. 2) por parte dos deficientes pressupõe a existência de um aparato que impulsione essa verdadeira quebra de barreiras."

Voltando ao caso dos autos, é evidente, pelas conclusões das peritas judiciais, que o demandante não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil e, em razão disso, deve ser rigorosamente protegido pelo ordenamento jurídico, não podendo ser prejudicado pela fluência do prazo prescricional.

(...).

Assim sendo, deve ser aplicado analogicamente à hipótese dos autos o disposto no inciso I do art. 198 do Código Civil.

Bruno Henrique Silva Santos (Op. cit.) sustenta que houve flagrante inconstitucionalidade parcial sem redução do texto do art. 114 da Lei nº 13.146/2015:

a supressão da garantia do impedimento ou da suspensão da prescrição em favor daqueles que não possuem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil é incompatível com a Constituição (art. 5º, § 3º, da Constituição c/c art. 4.4 da Convenção de que se trata). É importante deixar claro que a inconstitucionalidade não reside na regra que atribuiu capacidade civil plena a todas as pessoas com deficiência, ainda que, em razão dela, não tenham discernimento para a prática de atos da vida civil. O que é acometido de inconstitucionalidade, por desrespeito ao art. 4.4 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, é a supressão da norma que assegurava que contra essas pessoas desprovidas de capacidade cognitiva não correria prazo prescricional. Não se pode, desta maneira, taxar de plenamente inconstitucional o art. 114 da Lei nº 13.146/2015, que alterou os arts. 3º e 4º do Código Civil, mas deve-se reconhecer uma inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da norma que, em decorrência dele, suprime a garantia das pessoas com deficiência contra o fluxo do prazo prescricional. Consequência de tudo isso é que, mesmo após a alteração do art. 3º do Código Civil, não corre prazo prescricional contra as pessoas com deficiência que, por essa razão, não tenham o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil.

Concluo eu que, sob pena de inconstitucionalidade, o "Estatuto da Pessoa com Deficiência" deve ser lido sistemicamente enquanto norma protetiva. As pessoas com deficiência que tem discernimento para a prática de atos da vida civil não devem mais ser tratados como incapazes, estando, inclusive, aptos para ingressar no mercado de trabalho, casar etc. Os portadores de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil persistem sendo considerados incapazes, sobretudo no que concerne à manutenção e indisponibilidade (imprescritibilidade) dos seus direitos.

Logo, no caso concreto, não há se falar em prescrição quinquenal.

Por tais razões, dou provimento ao apelo da parte autora para afastar a prescrição quinquenal e determinar a restituição dos valores indevidamente descontados do benefício de pensão por morte (NB 21/165.632.634-2) desde janeiro de 2016.

Correção monetária e juros moratórios

A atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de cada prestação, deve-se dar pelos índices oficiais, e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam: IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n. 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme o art. 31 da Lei n. 10.741/03, combinado com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP n. 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91, e REsp. n. 1.103.122/PR). A partir de 30-06-2009 até 08-12-2021, aplica-se o IPCA-E, consoante julgamento do RE n. 870.947 (Tema STF 810).

Quanto aos juros de mora, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei n. 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).

A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".

Honorários advocatícios

Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.

Desse modo, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do artigo 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre o valor do débito cobrado.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004324666v8 e do código CRC 01ff0009.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 26/2/2024, às 15:21:29


5001421-96.2022.4.04.7217
40004324666.V8


Conferência de autenticidade emitida em 05/03/2024 04:01:06.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001421-96.2022.4.04.7217/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: VANDERLEI TEIXEIRA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

Previdenciário. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DEVOLUÇÃO. DESCABIMENTO. Restituição dos valores descontados pelo INSS.

1. Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, a vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica ou intelectual não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade. Assim, uma interpretação constitucional do texto do Estatuto deve colocar a salvo de qualquer prejudicialidade o portador de deficiência psíquica ou intelectual que, de fato, não disponha de discernimento, sob pena de ferir de morte o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.

2. Apelação da parte autora provida para afastar a prescrição quinquenal e determinar a restituição dos valores indevidamente descontados do benefício de pensão por morte (NB 21/165.632.634-2) desde janeiro de 2016.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 21 de fevereiro de 2024.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004324667v5 e do código CRC 80afcc2c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 26/2/2024, às 15:21:29


5001421-96.2022.4.04.7217
40004324667 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 05/03/2024 04:01:06.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/02/2024 A 21/02/2024

Apelação Cível Nº 5001421-96.2022.4.04.7217/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR

APELANTE: VANDERLEI TEIXEIRA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO(A): DEIVID LOFFI BECKER (OAB SC028955)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/02/2024, às 00:00, a 21/02/2024, às 16:00, na sequência 981, disponibilizada no DE de 31/01/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 05/03/2024 04:01:06.

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