Apelação Cível Nº 5002859-97.2021.4.04.7216/SC
RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: ASSOCIACAO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE GAROPABA (AUTOR)
ADVOGADO: MURILO GOUVEA DOS REIS (OAB SC007258)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
O juiz da causa assim relatou a controvérsia:
Trata-se de ação com pedido de tutela de urgência ajuizada em face da União - Fazenda Nacional e do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Após remessa dos autos pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Laguna, na decisão de evento 12, foi acolhida a competência e indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
A parte autora juntou cópias de decisões liminares favoráveis ao pleito e retificou a lista das associadas (eventos 17 e 22).
A União contestou no evento 24. Após síntese dos fatos, defendeu que, em caso de procedência, seja limitada a eficácia subjetiva da decisão a ser proferida na presente ação coletiva, nos moldes previstos no artigo 16 da Lei nº 7.347/85 c/c artigo 2º-A da Lei nº 9.494/97. No mérito, requereu a improcedência dos pedidos, com fundamento nas alegações de ofensa aos princípios da legalidade, da separação dos poderes, da precedência da fonte de custeio, da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial.
O INSS apresentou contestação no evento 26. Preliminarmente, alegou incompetência da Justiça Federal, a existência de litispendência e sua ilegitimidade passiva. Arguiu, ainda, ilegitimidade ativa quanto ao pedido de concessão do salário-maternidade e com relação à autorização das empresas associadas, bem como apontou inadequação da via eleita. No mérito, versou sobre a Lei nº 14.151/2021, sobre o benefício previdenciário do salário-maternidade e acerca dos princípios e regras que regem as prestações. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos e, subsidiariamente, a comprovação da impossibilidade de a empregada gestante realizar o teletrabalho ou, ainda, a adoção das outras medidas alternativas para afastar o contato social durante a pandemia.
A parte autora juntou cópias de pareceres favoráveis ao pleito, apresentou réplica, bem como interpôs agravo de instrumento (eventos 19 e 31), no qual foi obtido o deferimento parcial do pedido de tutela de urgência (eventos 20 e 21).
Intimados para se manifestar sobre os novos documentos juntados, os réus reiteraram os termos das contestações e versaram sobre a publicação da Lei nº 14.311, de 09/03/2022, que alterou a Lei nº 14.151/21 (eventos 39 a 47).
Vieram os autos conclusos.
Ao final (Evento 50, SENT1), a demanda foi julgada nos seguintes termos:
(...)
Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra:
a) RECONHEÇO a incompetência do juízo para julgar o pedido para que sejam autorizados o afastamento das empregadas gestantes de suas atividades e a solicitação do salário-maternidade em favor da(s) empregada(s) gestante(s) durante todo o período de emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, extinguindo a fase cognitiva neste particular, nos termos do art. 485, I, do CPC;
b) JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem resolução de mérito, em relação ao INSS, ante a sua ilegitimidade passiva ad causam, com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil;
c) JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem resolução de mérito, em razão do reconhecimento da litispendência, para afastar dos pedidos veiculados pela associação autora aqueles que a beneficiam diretamente, pois já abrangidos pela ação nº 5032969-30.2021.4.04.7200, com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil;
d) JULGO PROCEDENTES os demais pedidos para DECLARAR que os valores pagos às trabalhadoras gestantes contratadas pela empresas associadas à requerente e afastadas por força da Lei nº 14.151/21, devem ser enquadrados como salário-maternidade, nos termos do art. 394-A da CLT, art. 72 da Lei nº 8.213/91, arts. 201, II, e 203, I, da Constituição Federal e item 8 da Convenção nº 103 da OIT (Decreto nº 10.088/19), de modo podem ser compensados quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias, conforme artigo 72, § 1º, da Lei nº 8.213/91.
Mantenho a tutela de urgência nos termos deferidos em grau recursal.
Condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, que fixo em R$ 1.212,00 (um mil duzentos e doze reais), haja vista o baixo valor da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 8º, do CPC, atualizado pela SELIC.
Isenção legal de custas (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96), entretanto, a ré deverá restituir os valores pagos pela parte autora.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Comunique-se nos autos do agravo de instrumento relacionado.
Na hipótese de interposição de recurso tempestivo, acompanhado do recolhimento das custas processuais respectivas (sendo o caso), intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Sentença não sujeita a reexame necessário (artigo 496 c/c § 3º, do CPC).
(...)
Em suas razões recursais (evento 60, APELAÇÃO1), a União alega, preliminarmente, que (a) a Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1990, que trata da aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública; (b) Tal norma prevê para as ações de caráter coletivo três limitações, que devem ser observadas pelo agente público, quando da interpretação e execução de sentença proferida em ações daquela natureza: (i) uma limitação territorial, dispondo-se que a sentença abrangerá apenas os substituídos que tenham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator; (ii) uma limitação temporal, pois além da observância do critério territorial, é preciso que o associado já tivesse essa qualidade por ocasião da propositura da ação; (iii) e uma limitação subjetiva, os substituídos devem ainda ser filiados à associação/sindicato demandante; (c) Os substituídos que tenham ingressado em Juízo com o mesmo pedido da presente, caso desejem se beneficiar de eventual decisão favorável desta ação coletiva (transporte ou extensão in utilibus), deverão requerer, conforme o caso, a desistência do seu mandado de segurança individual ou a suspensão da ação de conhecimento de rito comum. Quanto ao mérito, assevera que (a) o pleito do contribuinte afronta o princípio da legalidade que rege a Administração Pública (CF, art. 37), bem como os princípios constitucionais da precedência da fonte de custeio (CF, art. 195, §5º) e o do equilíbrio financeiro e atuarial (CF, art. 201, caput); (b) não é possível criar – ou estender -, nem mesmo por lei, benefício previdenciário sem que tenha havido previsão da fonte de custeio total (CR/88, art. 195, §5º) e em prejuízo do equilíbrio atual da previdência (CF, art. 201). No mesmo sentido, há determinação da Lei Complementar 101/200, quanto à impossibilidade de concessão de benefício relativo à seguridade social, sem a devida indicação da fonte de custeio total, nos termos do que dispõe o art. 24. Assim, torna-se inadmissível que seja aplicada interpretação contra legem, para o fim de deferir o benefício do salário-maternidade às gestantes com base na Lei 14.151/2021, ainda que não seja possível o exercício das atividades de forma não presencial; (c) descabe ao Poder Judiciário conceder – ou estender – o benefício para além das hipóteses legais e aquém do atendimento dos seus requisitos.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Cabe conhecer da apelação, por ser o recurso próprio ao caso, e se apresentar formalmente regular e tempestivo.
Mérito (preliminar na causa)
O Supremo Tribunal Federal, no RE nº 573.232/SC (Tema 82), estabeleceu ser imprescindível a autorização expressa dos membros da associação para sua substituição processual, limitando, inclusive, a eficácia subjetiva do título àqueles que expressamente a autorizaram quando do ajuizamento da ação. Confira-se:
REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. (RE 573232, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2014, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-182 DIVULG 18-09-2014 PUBLIC 19-09-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001)
I – A previsão estatutária genérica não é suficiente para legitimar a atuação, em Juízo, de associações na defesa de direitos dos filiados, sendo indispensável autorização expressa, ainda que deliberada em assembleia, nos termos do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal;
II – As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, são definidas pela representação no processo de conhecimento, limitada a execução aos associados apontados na inicial.
[Tese definida no RE 573.232, rel. min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. min. Marco Aurélio, P, j. 14-5-2014, DJE 182 de 19-9-2014, Tema 82.]
A parte autora, contudo, não apresentou autorização expressa para ajuizamento da presente ação coletiva, sendo patente sua ilegitimidade ativa.
Gize-se que, em tendo a presente demanda sido proposta após o julgamento do RE 573.232/SC (em 14-05-2014), não pode nem mesmo ser oportunizada a regularização da representação processual, conforme se depreende, a contrariu sensu, do seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS ASSOCIADOS E RESPECTIVA LISTA JUNTADA À INICIAL. NECESSIDADE. PRECEDENTE DO STF. FEITO AJUIZADO ANTES DO JULGAMENTO DO RE 573.232/SC. ABERTURA DE PRAZO PARA REGULARIZAÇÃO PROCESSUAL DA PARTE AUTORA. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. Cuida-se, na origem, de ação coletiva ajuizada pela Associação dos Sargentos, Subtenentes, Oficiais Administrativos, e Especialistas Ativos e Inativos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso – ASSOADE/MT, em substituição processual de seus associados, em desfavor do Estado de Mato Grosso, objetivando o pagamento da vantagem denominada "bolsa-pesquisa" aos Policiais Militares que participaram do 10º Curso de Formação de Sargentos, na vigência da Lei Estadual 408/2011.2. Ao confirmar em parte a sentença de procedência do pedido, o Tribunal de origem adotou compreensão no sentido da legitimidade ativa ad causam da ASSOADE/MT, sob o fundamento de que a subjacente ação de conhecimento foi ajuizada antes do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE 573.232/SC. 3. Na forma da jurisprudência desta Corte, "o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 573.232/SC, em 14/5/2014, firmou entendimento de que a atuação das associações não enseja substituição processual, mas representação específica, consoante o disposto no art. 5º, XXI, da Constituição Federal, sendo necessária, para tanto, autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. Confira-se a ementa do referido julgado do STF: (RE n. 573.232, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, relator(a) p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 14/5/2014, DJe-182 DIVULG 1809-2014 PUBLIC 19-9-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001)" (EDcl no AgInt no REsp 1.907.343/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 27/8/2021). 4. Em processo análogo ao deste caso concreto – ajuizamento de ação coletiva em momento anterior ao julgamento do RE 573.232/SC –, o STJ já se posicionou no sentido de que, a despeito da necessidade de aplicação do entendimento firmado pelo STF, apresenta-se razoável, antes da extinção do feito sem a resolução do mérito, permitir que a parte autora regularize sua representação processual. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.424.142/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 4/2/2016. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para reformar o acórdão recorrido, com a determinação do retorno dos autos ao Tribunal de origem para diligências e, sendo o caso, prolação de novo julgamento, como entender de direito. (STJ, Recurso Especial Nº 1.977.830 - MT (2021/0393576-5), Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em 22-03-2022)
Impõe-se, pois, dar provimento à apelação para reconhecer a ilegitimidade ad causam da parte demandante e, por conseguinte, extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, Código de Processo Civil.
Encargos da sucumbência
Em observância ao disposto no art. 85, §8º, do Código de Processo Civil, fixo os honorários advocatícios em R$ 4.000,00, montante a ser partilhado igualmente entre a União e o INSS.
Custas pela autora.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5002859-97.2021.4.04.7216/SC
RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: ASSOCIACAO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE GAROPABA (AUTOR)
ADVOGADO: MURILO GOUVEA DOS REIS (OAB SC007258)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
AÇÃO coletiva. ILEGITIMIDADE ATIVA. ASSOCIAÇÃO NÃO-SINDICAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. AUSÊNCIA. TEMA 82 DO STF.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de abril de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/04/2023 A 18/04/2023
Apelação Cível Nº 5002859-97.2021.4.04.7216/SC
RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
PRESIDENTE: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: ASSOCIACAO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE GAROPABA (AUTOR)
ADVOGADO(A): MURILO GOUVEA DOS REIS (OAB SC007258)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/04/2023, às 00:00, a 18/04/2023, às 16:00, na sequência 359, disponibilizada no DE de 28/03/2023.
Certifico que a 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 2ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
Votante: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
Votante: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
Votante: Juiz Federal RODRIGO BECKER PINTO
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
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