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AÇÃO ORDINÁRIA. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CEGUEIRA MONOCULAR. ART. 6º, XIV, DA LEI 7. 713, DE 1988. CONTRIBUIÇÃ...

Data da publicação: 16/02/2024, 07:01:27

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CEGUEIRA MONOCULAR. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713, DE 1988. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. IMUNIDADE. ART. 40, § 21, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO DA UNIÃO. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO INTEGRAL DA PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. ART. 19, §1º, I DA LEI Nº 10.522, DE 2002. INAPLICABILIDADE. (TRF4, AC 5019007-23.2019.4.04.7001, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 08/02/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5019007-23.2019.4.04.7001/PR

RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

APELANTE: JOAO EVANGELISTA QUEIROZ (AUTOR)

ADVOGADO(A): ABIMAEL ORTIZ BARROS (OAB PR060845)

ADVOGADO(A): RAFAEL PICONI NETO (OAB PR063785)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O juiz da causa assim relatou a controvérsia:

JOÃO EVANGELISTA QUEIROZ ajuizou ação pelo procedimento comum em face da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, objetivando o reconhecimento da isenção do pagamento do imposto de renda incidente sobre proventos de aposentadoria concedida pelo Ministério da Economia e de aposentadoria concedida pelo RGPS, nos termos do artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988, além da imunidade da contribuição previdenciária (PSSS) sobre as parcelas dos proventos de aposentadoria que não excederem ao dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, bem como a declaração de que a isenção pretendida abrange, além dos proventos de aposentadoria, os planos de previdência complementar e respectivos resgates, Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI), Programa Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou qualquer outro fundo de pensão ou aposentadoria, inclusive valores referentes às diferenças remuneratórias pagas na via administrativa ou judicial, com a restituição dos valores indevidamente recolhidos.

Relata o Autor que é servidor público federal aposentado desde 20/02/1995, bem como titular de aposentadoria por idade junto ao RGPS com início em 27/11/2003, e por se tratar de portador de cegueira monocular (CID 10 H54.4), conforme laudos médicos, tem direito à isenção do imposto de renda na forma prevista no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988.

Discorre sobre o direito alegado, argumentando que como termo inicial da isenção pretendida deve ser considerada a data da comprovação da doença mediante diagnóstico médico, que no caso concreto ocorreu em 17/01/2000, quando diagnosticada a moléstia irreversível, independentemente da data do pedido de isenção.

Diz que o prazo prescricional para a repetição do indébito deve ser computado a partir do pagamento realizado após a declaração de ajuste anual e não da antecipação, bem como que a isenção postulada abrange quaisquer proventos, incluindo planos de previdência complementar e respectivos resgastes, Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI), Programa Gerador de Benefício Livre (PGBL), diferenças remuneratórias pagas na via administrativa ou judicial.

Argumenta que há direito à imunidade da contribuição previdenciária (PSSS) sobre as parcelas dos proventos de aposentadoria que não excederem ao dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, na forma prevista no artigo 40, § 21, da Constituição Federal.

Pede, em sede de tutela de urgência, a suspensão da retenção em folha de pagamento do imposto de renda e eventual contribuição previdenciária.

Com a inicial vieram os documentos do evento 1.

Deferida a prioridade na tramitação do processo e determinada a intimação da parte autora para apresentar declaração de hipossuficiência e demonstrar que o valor atribuído à causa é compatível com o benefício patrimonial pretendido (evento 3, DESPADEC1, evento 12, DESPADEC1), com apresentação de manifestação e documentos (evento 10, PET1 e evento 19, PET1).

Recebida a petição do evento 19 como emenda à inicial e indeferido o benefício da justiça gratuita (evento 21, DESPADEC1), com a interposição de agravo de instrumento pela parte autora.

Apresentado novo pedido de concessão de justiça gratuita (evento 46, PET1), a parte autora foi intimada para apresentar declaração de pobreza (evento 49, DESPADEC1 e evento 54, DESPADEC1), com a interposição de agravo de instrumento.

Diante de documento anexado aos autos (evento 72, DECLPOBRE2), foi deferido o benefício da justiça gratuita, postergando-se a análise do pedido de antecipação de tutela para após as informações a serem prestadas pela Ré (evento 74, DESPADEC1).

Citada, a União apresentou contestação (evento 78, CONTES1), alegando, inicialmente, que no caso concreto não é cabível a retroação do marco interruptivo da prescrição à data da propositura da ação, na medida em que, embora tenha sido ajuizada em 2019, devido a sucessivos recursos interpostos pela parte autora, com vistas ao deferimento do benefício de gratuidade de justiça, somente em 26/01/2022 é que se proferiu o despacho citatório, com o aperfeiçoamento da relação processual na mesma data, momento a partir do qual a interrupção da prescrição produziu efeitos.

Aponta a ausência de interesse processual para a isenção pretendida, pois basta ao Autor apresentar requerimento administrativo dirigido à Receita Federal, fazendo prova do cumprimento dos requisitos legais.

Discorre sobre a legislação que trata da isenção do imposto de renda por doença grave e diz que o termo inicial, conforme entendimento firmado pelo STJ, é a data em que comprovada a doença mediante diagnóstico médico (artigo 39, § 5º, III, do Decreto nº 3.000/1999) ou a partir da inativação do contribuinte, o que for posterior, e não a data de emissão do laudo médico pericial, sendo que no caso do Autor, portador de cegueira monocular, o termo inicial é a data de 17/01/2000.

Esclarece que para o cálculo da restituição é necessário considerar os valores totais do imposto de renda, conforme apurado na declaração de ajuste anual, e não somente o valor retido em determinado mês sobre a verba a ser restituída, pois o fato gerador ocorre ao final do exercício e, portanto, para apuração correta de eventual imposto pago a maior é preciso considerar os valores globais do respectivo ano-base e não somente o valor retido sobre a determinada verba em um mês específico.

Diz que, em sendo julgado procedente o pedido, poderá ser autorizada a restituição, mediante precatório ou requisição de pagamento, mas a apuração dos valores devidos deve vincular-se à análise e recálculo dos dados globais, bem como, no que diz respeito à planilha de débitos apresentada pelo Autor, destaca que a ausência de contestação quanto ao mérito não implica concordância com os valores apresentados.

Argumenta que não existe prova de que o Autor seja beneficiário de qualquer plano de previdência complementar ou fundo de pensão ou aposentadoria, revelando-se impossível a adequada defesa da Fazenda Pública frente a pedidos que dizem respeito a verbas cujo pagamento ou cuja natureza são incertos, porém, faz considerações sobre o fato de que os resgates de previdência complementar nem sempre são isentos imposto de renda, citando a legislação atinente a tal ponto específico.

Assevera que a pretensão do Autor de que lhe seja conferida, em relação à aposentadoria que recebe, a imunidade prevista no § 21 do artigo 40 da Constituição Federal, encontra óbice no fato de que a norma em questão, que tem evidente natureza de norma constitucional de eficácia limitada, não foi regulamentada, estando sua eficácia condicionada à edição de lei que defina quais doenças são consideradas incapacitantes, o que foi reconhecido pelo STF em sede de repercussão geral (Tema 317), ressaltando que o benefício, conhecido como "dobra previdenciária", foi revogado pelo artigo 35, inciso I, alínea "a", da EC nº 103/2019.

Requer, por fim, a improcedência dos pedidos formulados na inicial.

Indeferido o pedido de antecipação de tutela e determinada a intimação da parte autora para comprovar documentalmente que formulou requerimento na esfera administrativa e teve indeferida a isenção postulada e que é beneficiário de plano de previdência complementar ou fundo de pensão ou aposentadoria, de modo a justificar o pedido apresentado na petição inicial (evento 80, DESPADEC1).

O Autor apresentou manifestação alegando que não é necessário o prévio requerimento administrativo e requereu o prosseguimento do feito (evento 88, PET1), ao passo que a União reiterou os termos da contestação (evento 91, PET1).

Os autos foram registrados para sentença.

Ao final (evento 94, SENT1), a demanda foi julgada nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO:

a) afasto a preliminar de falta de interesse processual em razão da alegada ausência de prévio requerimento administrativo;

b) julgo extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao pedido de isenção de imposto de renda sobre valores recebidos a título de plano de previdência complementar ou fundo de pensão ou aposentadoria, com fulcro no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, por falta de interesse processual;

c) julgo parcialmente procedentes os pedidos para:

c.1) declarar o direito do Autor à isenção de imposto de renda sobre os valores recebidos a título de aposentadoria, no regime próprio e no RGPS, por se enquadrar na isenção prevista no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988;

c.2) condenar a União a restituir à parte autora os valores descontados a esse título a partir dos cinco anos anteriores ao ajuizamento do presente feito, a serem atualizados com base na taxa SELIC desde as datas das retenções indevidas, nos termos do artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250/1995;

d) julgo improcedente o pedido de suspensão parcial da contribuição previdenciária sobre proventos de aposentadoria paga no regime estatutário, na forma prevista no § 21 do artigo 40 da Constituição Federal, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Concedo tutela de urgência para determinar à Ré que suspenda a retenção de imposto de renda sobre os valores recebidos pelo Autor a título de aposentadoria, no regime próprio e no RGPS, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da intimação da presente decisão.

Dada a sucumbência parcial e com base no artigo 86, caput e artigo 98, § 2º, do CPC, condeno o Autor ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais e em honorários advocatícios em favor da União, fixados em 10% (dez por cento) da diferença entre o valor atualizado da causa e o valor da condenação, com fundamento no artigo 85, § 2º, do CPC, verbas cuja exigibilidade fica suspensa em face do benefício da assistência judiciária gratuita (artigo 98, § 3º, do CPC).

Sem condenação da União em honorários advocatícios, com fulcro no artigo 19, parágrafo 1º, inciso I, da Lei nº 10.522/2002.

Sentença não sujeita à remessa necessária, considerando o disposto no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC.

Foram parcialmente acolhidos os embargos de declaração da parte autora apenas para esclarecer que não é necessária a retificação das declarações anuais de ajuste do imposto de renda, bastando que sejam considerados os reflexos da não incidência do imposto de renda nas declarações de ajuste anual na apuração do montante a ser restituído, mantendo a sentença, no mais, tal como foi lançada (evento 112, SENT1).

Apelaram as partes. Em suas razões recursais (evento 116, APELAÇÃO1), o autor sustenta que (a) O juízo a quo fixou no evento 94.1 que referida sentença não está sujeita ao duplo grau de jurisdição para reexame necessário: “Sentença não sujeita à remessa necessária, considerando o disposto no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC.”, contudo a decisão deve ser reformada, tendo em vista que julgou parcialmente procedente o pedido do Apelante e condenou a União Federal e, portanto, a presente sentença deve ser submetida ao duplo grau de jurisdição, nos termos do artigo 496, I do CPC; (b) deve ser reformada a sentença na parte em que estabeleceu que o termo inicial da prescrição “a data do recolhimento do imposto,” e não a data da declaração de ajuste anual, tendo em vista que o prazo prescricional se inicia somente após a Declaração Anual de Ajuste, de modo que o termo inicial da prescrição não se confunde com a mera retenção na fonte; (c) Ademais, em ocorrendo a retificação em 2.017 referente a DIRF de ano-exercício 2.013, tal declaração deve integrar a base de cálculo da repetição do indébito; (d) a sentença do evento 94.1 expressamente fixou que o termo inicial da prescrição corresponde a “24 de setembro de 2.014”, considerando prescritas as parcelas anteriores, contudo, nesse ponto a sentença também deve ser reformada pois o termo inicial da prescrição se inicia somente após a Declaração Anual de Ajuste, ou seja, no caso concreto, a repetição do indébito também deve corresponder ao ano-calendário de 2.014, com DIRF 2.015 [ano-exercício] e assim sucessivamente, bem como, devem integrar a repetição do indébito eventuais retificadoras; (e) propôs a presente demanda em 24 de setembro de 2.019, ou seja, antes da revogação da imunidade da contribuição previdenciária. Por sua vez, a EC 103/2.019 alterou a matéria e majorou tributo e nesse ponto, a negativa do juízo é em razão de o Apelante não ter apresentado fundamento jurídico quanto a anterioridade nonagesimal, todavia, tal questão o não exime de analisar a matéria, conforme previsto no artigo 140 do CPC; (f) desde janeiro/2.000 é acometido por doença grave e, portanto, requer seja reconhecido seu direito à imunidade da contribuição previdenciária, porquanto, não houve revogação do artigo 186, § 1º da Lei 8.112/1.990 ou subsidiariamente, limitando o termo final da imunidade até 11 de fevereiro de 2020, em relação aos valores que não excederam ao dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral da Previdência Social; (g) a Fazenda Nacional expressamente contestou os pedidos formulados pelo Apelante e por tais razões, requer a reforma da decisão, tendo em vista que a incidência do inciso I do § 1º do artigo 19 da Lei 10.522/2.002, ocorrerá apenas quando a Fazenda Nacional expressamente reconhecer a procedência do pedido, o que não se visualiza nos autos, na medida que o adverso requer a extinção ou a improcedência do pedido do Apelante.

A União (evento 132, APELAÇÃO1), por sua vez, afirma que (a) No presente caso, não é cabível a retroação do marco interruptivo da prescrição à data da propositura da ação; (b) Após o ajuizamento da ação, em 24/09/2019, e todos os trâmites processuais, restou decidido que a procuração ad judicia constante dos autos, outorgou poderes especiais, mas não incluiu aquele de assinar declaração de hipossuficiência econômica; (c) Assim, estando a declaração de hipossuficiência firmada por pessoa que não possuía poderes para tanto, restou prejudicado o pedido de concessão do benefício de justiça gratuita; (d) Contudo, somente em 25/01/2022, com base em nova procuração, o autor juntou aos autos a declaração de hipossuficiência do autor, preenchendo os requisitos legais autorizadores do benefício, o qual, ao final, foi concedido; (e) Muito embora a ação tenha sido ajuizada em 2019, devido a sucessivos recursos interpostos pela autora, com vistas ao deferimento do benefício de gratuidade de justiça, somente em 26/01/2022 é que se proferiu o despacho citatório, com o aperfeiçoamento da relação processual na mesma data; (f) No caso, portanto, o ajuizamento da ação não teve o condão de interromper a prescrição, nos termos do art. 219 do CPC, o qual exige a citação válida do réu, no período de 10 dias após o despacho que ordenar a citação, prorrogável por mais 90 dias; caso em que, se ultrapassado o prazo, e, em não sendo efetuada a citação, deve ser considerada não interrompida a prescrição; (g) O despacho de citação somente ocorreu em 26/01/2022, data que deve se considerar interrompida a prescrição. Assim, estão prescritos os valores em retroação no período de 5 anos, estando prescritos os valores recolhidos antes de 26/01/2017.

Com contrarrazões de ambas as partes, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

As apelações devem ser admitidas, por serem os recursos próprios, formalmente regulares e tempestivos.

A remessa necessária é de ser tida por interposta, por se tratar de sentença ilíquida proferida contra a União, nos termos do art. 496, inciso I, do Código de Processo Civil.

PRESCRIÇÃO

Inicialmente, cumpre tratar da questão atinente à interrupção da prescrição.

Conforme estabelece o art. 240, §1º do Código de Processo Civil, A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.

Outrossim, a demora para que fosse realizada a citação da União (a ação foi proposta em 24-09-2019 e o juiz da causa determinou a citação da União em 26-01-2022) decorreu de discussões referentes à concessão do benefício da gratuidade de justiça, e não da falta de adoção pelo autor de providências necessárias para viabilização da citação.

Nessa senda, é de ser rejeitada a alegação da União de que não é cabível a retroação do marco interruptivo da prescrição à data da propositura da ação.

No que se refere ao prazo prescricional, em se tratando de ação que visa à restituição de quantias pagas indevidamente a título de tributo, ajuizada depois de 09-06-2005, ou seja, após a vacatio legis da Lei Complementar n. 118, de 09-02-2005, que alterou o artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN), o prazo prescricional aplicável é o de cinco (5) anos, conforme orientação prevalecente neste tribunal, de conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF (cf. RE nº 566.621/RS, rel. Min. Ellen Gracie - repercussão geral, julgamento concluído pelo Pleno em 04-08-2011, DJe de 11-10-2011).

Outrossim, cumpre ressaltar que o valor retido pela fonte pagadora é mera antecipação do imposto de renda devido pelo contribuinte no ano-calendário. Como o fato gerador do tributo é daqueles chamados complexivos, somente se realizando no dia 31 de dezembro de cada ano, a quantia verdadeiramente devida somente é apurada ao final do exercício, e a pretensão de restituição de valores recolhidos a maior ao longo do ano-calendário somente pode ser exercida quando da entrega da declaração de ajuste anual.

Nessa senda, considerando que a demanda foi ajuizada em 24-09-2019, tem o autor direito à restituição dos valores pagos a título de imposto de renda cuja Declaração de Ajuste Anual tenha sido entregue após 24-09-2014 (ou seja, imposto de renda relativo aos anos-calendário 2014 e seguintes).

De salientar que o autor não faz jus à restituição do imposto de renda do ano-calendário 2012, sendo irrelevante eventual retificação da Declaração de Ajuste Anual.

No ponto, é de ser dado parcial provimento à apelação do demandante.

MÉRITO DA CAUSA

Isenção do imposto de renda

Trata-se de ação ordinária por meio da qual o autor, que afirma ser portador de cegueira monocular, busca o reconhecimento de isenção do imposto de renda em relação aos proventos de aposentadoria pagos pelo INSS e pelo Ministério da Economia. Sustenta sua pretensão no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713, de 1988, que assim dispõe:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

(...)

XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançados da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenh

Cumpre ressaltar que a exigência de laudo emitido por serviço médico oficial, prevista no artigo 30 da Lei 9.250, de 1995, vem sendo afastada na seara judicial pelo STJ, já que o magistrado não está adstrito à conclusão do exame pericial, podendo se valer das demais provas carreadas aos autos para formar sua convicção (Súmula nº 598 do STJ).

Conforme atestados médicos e laudo pericial trazidos aos autos (evento 1, LAUDO5, ATESTMED6, ATESTMED7), o demandante é portador de cegueira monocular desde o ano 2000, fazendo, pois, jus à isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria, nos termos do art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713, de 1988.

É, pois, de ser mantida a sentença, no ponto.

Imunidade da contribuição previdenciária

O § 21 do art. 40 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, tinha o seguinte teor:

§ 21. A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante.

Ocorre que, recentemente, ao julgar o Tema nº 317 da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal entendeu que tal dispositivo constitui norma de eficácia limitada, de modo que, não tendo sido editada lei prevendo as doenças incapacitantes que dariam direito à imunidade durante a vigência do referido § 21 do art. 40 da Constituição Federal, até ser revogado pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, descabe afastar a cobrança de contribuição. Confira-se:

EMENTA: Direito constitucional, tributário e previdenciário. Recurso extraordinário com repercussão geral. Contribuição previdenciária. Não incidência. Portadores de doenças incapacitantes. Norma de eficácia limitada. 1. Repercussão geral reconhecida para determinação do alcance da não incidência prevista no § 21, do art. 40, da Constituição, acrescentado pela EC nº 47/2005. O referido dispositivo previa a não incidência de contribuição previdenciária sobre a parcela dos proventos de aposentadoria e pensão que não superasse o dobro do limite máximo do regime geral de previdência social, quando o beneficiário, na forma da lei, fosse portador de doença incapacitante. O presente recurso envolve a análise de dois aspectos: (i) a autoaplicabilidade do dispositivo; e (ii) se o Poder Judiciário, na ausência de lei regulamentar, pode utilizar norma que dispõe sobre situação análoga para disciplinar a matéria. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou a norma autoaplicável e determinou a restituição dos valores retidos a partir da publicação da EC nº 47/2005. 2. Há acórdãos do Plenário desta Corte que consideram o art. 40, § 21, da Constituição Federal norma de eficácia limitada, cujos efeitos estão condicionados à edição de legislação infraconstitucional para regulamentar as doenças incapacitantes aptas a conferir ao servidor o direito à referida não incidência. Alinho-me a esses precedentes, aplicando-os ao presente caso a fim de conferir efeitos vinculantes à tese jurídica neles firmada. 3. Além disso, a jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de ser inviável a extensão pelo Poder Judiciário de norma de desoneração tributária a título de isonomia. Dessa forma, incabível a utilização, por analogia, de leis que regem situação diversa da presente hipótese. 4. Recurso extraordinário provido. Modulação dos efeitos do presente acórdão, a fim de que os servidores e pensionistas que, por decisão judicial, vinham deixando de pagar as contribuições não as tenham que restituir. Nesses casos, o acórdão terá eficácia somente a partir da publicação da ata de julgamento, momento em que os entes que não tenham editado lei regulamentando o dispositivo poderão voltar a reter as contribuições previdenciárias. 5. Fixação da seguinte tese em sede de repercussão geral: “O art. 40, § 21, da Constituição Federal, enquanto esteve em vigor, era norma de eficácia limitada e seus efeitos estavam condicionados à edição de lei complementar federal ou lei regulamentar específica dos entes federados no âmbito dos respectivos regimes próprios de previdência social”.
(RE 630137, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-047 DIVULG 11-03-2021 PUBLIC 12-03-2021)

Outrossim, a revogação, pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, do §21 do artigo 40 da Constituição visou apenas colocar em termos mais realistas e equânimes o dever de solidariedade, equiparando os servidores públicos aposentados e seus pensionistas, portadores de doenças incapacitantes, aos demais trabalhadores aposentados e pensionistas, também portadores de moléstias incapacitantes, isentados agora todos eles de contribuir para a Previdência Social, até o limite do teto do Regime Geral de Previdência Social. Além desse limite, a isenção constituía, na verdade, um privilégio, e não exatamente um direito, sendo tal privilégio incompatível com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Constituição, art. 3º), e, por conseguinte, passível de revogação a qualquer tempo. E a abolição de um privilégio, longe de constituir um retrocesso social, parece antes constituir um avanço republicano.

É, portanto, de ser negado provimento à apelação do autor, no ponto.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

O juiz da causa dispensou a União do pagamento de honorários advocatícios, com fulcro no disposto no art. 19, § 1º, da Lei nº 10.522, de 2002.

Ocorre que a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que a dispensa do pagamento de honorários advocatícios, nos termos da Lei 10.522, de 2002, só corre quando há o reconhecimento integral da procedência do pedido. Confira-se:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INAPLICABILIDADE DO § 1º DO ART. 19 DA LEI Nº 10.522. 1. A União somente é isenta de honorários advocatícios quando reconhece integralmente a procedência do pedido, nos termos do § 1º do art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002. 2. Mantida a condenação da Fazenda Nacional ao pagamento da verba honorária. (TRF4, AC 5060621-06.2017.4.04.9999, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 30/08/2018)

TRIBUTÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEI N° 10.522, DE 2002, ART. 19, §1º. INAPLICABILIDADE. A aplicação do disposto no § 1º do art. 19 da Lei nº 10.522/02 somente é cabível quando há o reconhecimento, na íntegra, da procedência do pedido por ocasião da contestação. (AC 5006927-80.2017.4.04.7200/SC, Relator ROGER RAUPP RIOS, Data da Decisão: 05/03/2018)

TRIBUTARIO E PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.CABIMENTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 19, § 1º, DA LEI Nº 10.522/02. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. CÁLCULO ARITMÉTICO. 1. A aplicação do disposto no § 1º do art. 19 da Lei nº 10.522 somente é cabível quando há o reconhecimento na íntegra da procedência do pedido. 2. Os valores excluídos da execução podem ser feitos por mero cálculo aritmético, não necessitando de substituição da CDA, uma vez que possível o mero destaque de parcelas que compõe o montante executado. (TRF4, AC 5003373-90.2011.4.04.7122, SEGUNDA TURMA, Relator ANDREI PITTEN VELLOSO, juntado aos autos em 30/08/2018)

No presente caso, é devida a condenação em honorários advocatícios, na medida em que a União reconheceu apenas subsidiariamente a procedência do pedido de isenção do imposto de renda, alegando que (a) o autor não possui interesse de agir; (b) a interrupção da prescrição não produziu efeitos a partir da propositura da ação, mas sim em 26/01/2022, ocasião em que houve o despacho de citação da União.

Por fim, considerando que a sentença é ilíquida e que houve sucumbência recíproca, a definição do percentual dos honorários advocatícios devidos pelas partes deve se dar quando da liquidação do julgado, nos termos do art. 85, § 4º, II, da Lei 13.105, de 2015, devendo ser observado, ainda, o disposto no §5º do dispositivo mencionado.

No ponto, é de ser dado provimento à apelação da autora.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação da União.



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Signatário (a): RÔMULO PIZZOLATTI
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5019007-23.2019.4.04.7001
40004262634.V16


Conferência de autenticidade emitida em 16/02/2024 04:01:26.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5019007-23.2019.4.04.7001/PR

RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

APELANTE: JOAO EVANGELISTA QUEIROZ (AUTOR)

ADVOGADO(A): ABIMAEL ORTIZ BARROS (OAB PR060845)

ADVOGADO(A): RAFAEL PICONI NETO (OAB PR063785)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

ação ordinária. iMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. cegueira monocular. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713, DE 1988. contribuição previdenciária. imunidade. ART. 40, § 21, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. honorários advocatícios. CONDENAÇÃO DA UNIÃO. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO INTEGRAL DA PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. ART. 19, §1º, I DA LEI Nº 10.522, DE 2002. INAPLICABILIDADE.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação da União, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de fevereiro de 2024.



Documento eletrônico assinado por RÔMULO PIZZOLATTI, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004262635v4 e do código CRC 53cd6b86.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 8/2/2024, às 18:6:46


5019007-23.2019.4.04.7001
40004262635 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 16/02/2024 04:01:26.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/01/2024 A 07/02/2024

Apelação Cível Nº 5019007-23.2019.4.04.7001/PR

RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

PRESIDENTE: Desembargador Federal EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA

PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL

APELANTE: JOAO EVANGELISTA QUEIROZ (AUTOR)

ADVOGADO(A): ABIMAEL ORTIZ BARROS (OAB PR060845)

ADVOGADO(A): RAFAEL PICONI NETO (OAB PR063785)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/01/2024, às 00:00, a 07/02/2024, às 16:00, na sequência 438, disponibilizada no DE de 19/12/2023.

Certifico que a 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 2ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

Votante: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

Votante: Desembargador Federal EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA

Votante: Juiz Federal MARCEL CITRO DE AZEVEDO

MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 16/02/2024 04:01:26.

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