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AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMAS JURÍDICAS. OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS EM EMPRESA PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. DECRETO N. º...

Data da publicação: 04/07/2024, 07:02:13

EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMAS JURÍDICAS. OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS EM EMPRESA PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. DECRETO N.º 20.910/32. DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÕES AFIRMATIVAS. AUTODECLARAÇÃO E HETEROIDENTIFICAÇÃO ÉTNICO-RACIAL. OBJETIVOS E DESTINATÁRIOS DAS AÇÕES AFIRMATIVAS. POLÍTICAS PÚBLICAS E IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL NEGRA (PESSOAS PRETAS E PARDAS). MANDADO DE SEGURANÇA E CONTROLE JUDICIAL. 1. A violação manifesta apta a autorizar a rescisão de decisão judicial transitada em julgado deve decorrer de contrariedade direta e inequívoca entre o comando judicial exarado e a norma jurídica invocada, não se prestando a via rescisória, por outro lado, à correção de eventual injustiça da decisão ou ao reexame de provas e argumentos. Precedentes do STJ. 2. Incide em violação manifesta ao disposto no art. 1º da Lei n.º 7.144/83 a decisão judicial que aplica o prazo prescricional previsto em tal norma a concurso público para provimento de cargos em empresa pública integrante da administração indireta, dado que o dispositivo em comento possui aplicação restrita à Administração Federal Direta e às Autarquias Federais. 3. Caso em que, nos termos do art. 1º do Decreto n.º 20.910/32, não ocorreu a prescrição para a parte autora questionar o resultado do concurso objeto da ação. 4. No âmbito do Direito Constitucional e do Direito da Antidiscriminação, ações afirmativas são medidas que, conscientes da situação de discriminação vivida por certos indivíduos e grupos, visam a combater tal injustiça, por meio da adoção de medidas concretas. 5. A tarefa da comissão é identificar, à luz dos fins e do horizonte da política pública, quem é destinatário das ações afirmativas como beneficiário, jamais proceder a classificações identitárias étnico-raciais ou atribuição delas para outros fins, para outras políticas ou para outras esferas. 6. A autodeclaração é ponto de partida legítimo para a definição identitária quanto ao pertencimento aos grupos destinatários das ações afirmativa. 7. A tarefa heteroidentificatória da comissão não implica derrogação da autodeclaração, mas atividade complementar e necessária, dissipando dúvidas e via de regra confirmatória da autodeclaração, visando à consecução dos objetivos das ações afirmativas. 8. No exercício de sua tarefa heteroidentificatória, a comissão deve corrigir eventual autoatribuição identitária dissonante dos fins da política pública, iniciativa que não se confunde com lugar para a confirmação de percepções subjetivas ou satisfação de sentimentos pessoais, cuja legitimidade não se discute nem menospreza, mas que não vinculam, nem podem dirigir, a política pública. 9. Na atividade de identificação étnico-racial, o que importa, tanto para a autodeclaração, quanto para a heteroidentificação, é a "raça social", uma vez que a discriminação e a desigualdade de oportunidades atuam de modo relacional, no contexto das relações sociais e intersubjetivamente. 10. A previsão de consideração exclusiva dos aspectos fenotípicos, presente na política pública, deve ser compreendida contextualmente, uma vez que a compreensão da raça social, da identidade racial e do racismo subjacentes às ações afirmativas é sociológica, política, cultural e histórica, e não em investigações biológicas. 11. A autodeclaração requer interpretação cuidadosa, livre de preconceitos ou desconfianças prévias de dolo ou simulação quando legitimamente questionada a identidade autoatribuída, dada a complexidade do fenômeno identitário, onde um mesmo indivíduo pode experimentar uma multiplicidade de identidades nos diversos ambientes em que vive e transita, num mesmo momento ou ao longo de sua trajetória de vida. 12. A comissão pode concluir por identidade étnico-racial diversa daquela inicialmente autodeclarada, sem que esteja presente má-fé, em virtude de conclusão por identidade étnico-racial social diversa daquela autodeclarada. 13. A imputação de declaração falsa na autoatribuição identitária, decorrente do compromisso institucional com a higidez da política pública, deve ser reservada para a hipótese em que efetivamente o candidato tenha agido conscientemente de má-fé, em situações onde não paire dúvida. 14. Nas ações afirmativas, não está em questão pretensa "verdade sobre a raça", muito menos atuação de "tribunal racial"; a função da comissão é, atenta às dinâmicas concretas de discriminação, identificar os destinatários da política pública. 15. A invocação de "mestiçagem" étnico-racial, antes de inviabilizar, reforça a importância da tarefa das comissões, pois este fenômeno, ao contrário de dissolver, perpetua discriminações ("a mistura racial nunca é representada exatamente como fusão; opera, seja positivamente (no branqueamento) ou negativamente (quando pensada como enegrecimento), algum tipo de hierarquia"). 16. No controle judicial da atividade das comissões há que observar a legitimidade das decisões administrativas, sendo insubsistentes juridicamente "conclusões administrativas insustentáveis", tais como aquelas afastadas de qualquer consenso científico ou refutadas inequivocamente pelo estado da arte do conhecimento especializado, aquelas que incorrem em erro grosseiro e aquelas que desconsideram elementos inequívocos cuja presença resultaria em inversão da decisão, como também, decorrentes de desvio de finalidade. 17. Caso em que os registros fotográficos ofertados nos autos não autorizam concluir por prolação de "decisão administrativa insustentável", impondo-se a improcedência dos pedidos. 18. Ação julgada procedente em sede de juízo rescindente, provido o apelo da parte autora em sede de juízo rescisório, para o fim de afastar a ocorrência de prescrição, e, na forma do art. 1.013, §4º, do CPC, julgados improcedentes os pedidos iniciais. (TRF4, ARS 5010034-96.2020.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 27/06/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

RELATÓRIO

Trata-se de ação rescisória ajuizada por PRISCILA CONCEIÇÃO em face de EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH e de INSTITUTO AOCP por meio da qual busca a desconstituição do acórdão proferido pela Quarta Turma deste Regional nos autos da Apelação Cível n.º 5001069-47.2017.4.04.7110, sob alegação de violação manifesta a normas jurídicas, nos termos do art. 966, inc. V, do CPC.

Sustenta a parte autora, em síntese, que o acórdão rescindendo violou frontalmente o disposto no art. 1º da Lei n.º 7.144/83 ao aplicar o prazo prescricional de 1 (um) ano a concurso público para provimento de cargos em empresa pública integrante da administração indireta, no caso a EBSERH. Refere que a previsão legal é expressa ao mencionar concursos públicos para provimento de cargos junto à Administração Federal Direta e às Autarquias Federais, não se cogitando de sua incidência em relação a empresas públicas. Assevera que, para a hipótese em apreço, o prazo prescricional aplicável é o de 5 (cinco) anos, previsto no Decreto n.º 20.910/32. Pugna, em sede de juízo rescisório, pela prolação de novo julgamento no processo originário, com a apreciação do mérito da ação.

Citados, os réus apresentaram contestação (evento 25, PET1 e evento 26, CONTES1).

Réplica pela autora no evento 33.

É o breve relatório.

VOTO

Preliminarmente

Ratifico a decisão do ev. 2 no que diz respeito à tempestividade da ação rescisória, dado que o trânsito em julgado do processo originário se deu em 30/07/2018 (evento 16, CERT1) e o ajuizamento da ação em 12/03/2020.

Na mesma linha, ratifico a dispensa da parte autora quanto ao recolhimento do depósito prévio previsto no art. 968 do CPC, uma vez que deferidos os benefícios da gratuidade da justiça (ev. 2).

Juízo rescindendo

Consoante relatado, busca a presente ação rescisória a desconstituição do acórdão proferido pela Quarta Turma deste Regional nos autos da Apelação Cível n.º 5001069-47.2017.4.04.7110, sob alegação de violação manifesta ao disposto no art. 1º da Lei n.º 7.144/83.

Consabido é que a violação manifesta apta a autorizar a rescisão de decisão judicial transitada em julgado deve decorrer de contrariedade direta e inequívoca entre o comando judicial exarado e a norma jurídica invocada, não se prestando a via rescisória, por outro lado, à correção de eventual injustiça da decisão ou ao reexame de provas e argumentos (STJ, AgInt no REsp n. 1412343/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 31-10-2017; STJ, AR 4.264/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 27-04-2016, DJe de 02-05-2016; STJ, AR 3.920/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 25-02-2016, DJe de 25-05-2016; entre outros).

Assentada tal premissa, convém reproduzir o acórdão rescindendo (evento 6, ACOR1):

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRAZO DE PRESCRIÇÃO. LEI 7.144/83. PREVALÊNCIA SOBRE O DECRETO 20.910/32. LEI ESPECÍFICA.

- O artigo 1º da Lei 7.144/83 dispõe que "Prescreve em 1 (um) ano, a contar da data em que for publicada a homologação do resultado final, o direito de ação contra quaisquer atos relativos a concursos para provimento de cargos e empregos na Administração Federal Direta e nas Autarquias Federais".

- Aplica-se o prazo prescricional de um ano previsto na Lei 7.144/83 em detrimento do prazo de cinco anos do Decreto 20.910/32, pois se trata de lei específica que regula a prescrição de pretensões deduzidas em face de concursos públicos para provimento de cargos públicos federais.

O dispositivo de lei alegadamente violado, por sua vez, assim estatui:

Art. 1º Prescreve em 1 (um) ano, a contar da data em que for publicada a homologação do resultado final, o direito de ação contra quaisquer atos relativos a concursos para provimento de cargos e empregos na Administração Federal Direta e nas Autarquias Federais.

Sustenta a parte autora que a violação manifesta, na espécie, decorre do fato de que o concurso público objeto da ação originária destinava-se ao provimento de cargos junto à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH, empresa pública vinculada ao Ministério da Educação e, portanto, não abrangida pela previsão do art. 1º da Lei n.º 7.144/83.

Com razão a demandante.

Do quanto se colhe do item 1.2 do edital de abertura do concurso objeto da ação originária, o certame destinava-se ao provimento de cargos junto à EBSERH, senão vejamos (evento 28, EDITAL4 - grifei):

O Concurso Público destina‐se a selecionar candidatos para o provimento de vagas em empregos públicos efetivos de nível superior e médio, do plano de cargos, carreiras e salários da EBSERH, com lotação no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas - HE-UFPEL, relacionados no quadro de vagas constantes do Anexo I.

Ocorre que a EBSERH é, de fato, uma empresa pública vinculada ao Ministério da Educação, cuja criação, pelo Poder Executivo, foi autorizada pela Lei n.º 12.550/2011.

Evidencia-se, portanto, que o art. 1º da Lei n.º 7.144/83, que tem a sua aplicação restrita aos concursos para provimento de cargos junto à Administração Pública Federal Direta e às Autarquias Federais, não poderia ser invocado como fundamento para o reconhecimento da prescrição do direito da parte autora para discutir judicialmente questões relacionadas ao concurso promovido pelo EDITAL Nº 03 – EBSERH – ÁREA ASSISTENCIAL, DE 06 DE MARÇO DE 2015.

Procedente a alegação de violação manifesta ao disposto no art. 1º da Lei n.º 7.144/83, impõe-se a desconstituição do acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n.º 5001069-47.2017.4.04.7110.

Juízo rescisório

Trata-se, na origem, de apelação interposta por PRISCILA CONCEIÇÃO em face de sentença que, nos autos de ação ordinária na qual a demandante busca a declaração de que possui direito a concorrer às vagas reservadas aos candidatos negros/pardos, na forma da Lei n.º 12.990/2014, para o cargo de Técnica em Enfermagem, do Concurso Público n.º 02/2015 – EBSERH/HE-UFPEL, Edital n.º 03 – EBSERH - Área Assistencial, reconheceu a ocorrência de prescrição para a parte autora questionar o resultado do mencionado concurso.

Conforme examinado em sede de juízo rescindendo, o art. 1º da Lei n.º 7.144/83 possui aplicação restrita aos concursos públicos destinados ao provimento de cargos na Administração Federal Direta e nas Autarquias Federais, ao passo que o certame em questão - Concurso Público 02/2015 – EBSERH/HE-UFPEL, Edital nº 03 – EBSERH - Área Assistencia - destina-se ao provimento de cargos na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, empresa pública vinculada ao Ministério da Educação e, portanto, integrante da administração indireta.

Assim sendo, forçoso reconhecer que a prescrição deve ser apreciada à luz do que dispõe o art. 1º do Decreto n.º 20.910/32, in verbis:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem

A propósito, é conhecida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em se tratando de controvérsia envolvendo empresa pública integrante da administração indireta, incide o prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto n.º 20.910/32 (STJ, AgInt no AREsp n. 2.039.357/DF, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, DJe de 17/8/2022; STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 204.848/PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, DJe 25/06/2020; STJ, REsp 1.196.158/SE, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJe 30/8/2010; entre outros).

Daí que, tendo havido a homologação do resultado final do concurso em 19/08/2015 (evento 17, OUT4), e tendo sido ajuizada a ação originária em 10/02/2017, não há falar em prescrição.

Afastada a ocorrência de prescrição, e estando o feito originário devidamente instruído, possível o prosseguimento do julgamento com o exame do mérito, na forma do art. 1.013, ,§4º, do CPC.

A questão colocada ao Tribunal diz respeito à exclusão da parte autora dentre os beneficiários da política de ação afirmativa destinada a candidatos autodeclarados pessoas negras (pretas ou pardas). Para tanto responder, este voto estrutura-se em seções: (1) sobre a política pública e o lugar da identidade étnico-racial em sua configuração, (2) sobre o tratamento jurídico da identidade étnica-racial, (3) sobre a atividade das comissões de aferição de autodeclaração étnico-racial em geral e a revisão judicial, (4) sobre a atividade das comissões de aferição e identidades étnico-racial no contexto nacional, especificamente diante da mestiçagem, da raça social e do critério fenótipico e (5) controle judicial da aplicação da norma jurídica antidiscriminatória afirmativa pela Comissão em casos concretos.

Discute-se a legitimidade de ato administrativo que excluiu a parte autora do certame público, ao fundamento de que não se enquadra dentre os destinatários da política pública afirmativa. Não obstante a identidade étnico-racial afirmada na inscrição, a comissão de aferição da autodeclaração étnico-racial concluiu pelo afastamento da parte autora dentre o universo dos albergados pela ação afirmativa, por não considerar atendido o requisito fenotípico. Trata-se de questão de extrema relevância, não só no âmbito jurídico, como também social na realidade brasileira. Como fundamentação deste voto, tomo parcialmente e prossigo na argumentação desenvolvida alhures ("PRETOS E PARDOS NAS AÇÕES AFIRMATIVAS: DESAFIOS E RESPOSTAS DA AUTODECLARAÇÃO E DA HETEROIDENTIFICAÇÃO", In: Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos/ Gleidson Renato Martins Dias e Paulo Roberto Faber Tavares Junior, organizadores. – Canoas: IFRS campus Canoas, 2018, disponível em https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/39/Documentos/Heteroidentificacao_livro_ed1-2018.pdf., acesso em 09março2021).

Não bastasse a polêmica em torno da constitucionalidade de ações afirmativas baseadas na identidade étnico-racial, já equacionada pelo Supremo Tribunal Federal (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186 – DF), remanescem várias questões na implementação dessas políticas, em especial quanto à identificação dos seus destinatários. De fato, antes mesmo do desenho da política pública (englobando, por exemplo, a oportunidade de adoção das ações afirmativas, os percentuais de vagas reservadas e a ordenação de candidatos aprovados simultaneamente em listas classificatórias distintas), a primeira pergunta a ser enfrentada é a definição dos beneficiários de tais medidas positivas. Essa resposta, que depende da compreensão do fenômeno identitário, revela-se assaz desafiadora, sobretudo em uma nação onde, ao mesmo tempo que a mestiçagem é fenômeno marcante, a injustiça racial é tão pronunciada. Neste contexto, não surpreende que se registrem litígios contestando a rejeição administrativa da identidade étnico-racial declarada. Nesses julgados, a controvérsia ultrapassa muito a legalidade dos ritos e procedimentos administrativos para a aferição da respectiva autodeclaração: o que está em questão é a identificação étnico-racial em si mesma.

Daí a pergunta sobre a identificação dos beneficiários de ações afirmativas fundadas no critério étnico-racial. Diante da experiência das ações afirmativas nas universidades públicas federais e dos efervescentes debates contemporâneos havidos na jurisprudência, nos movimentos sociais e na sociedade em geral, há que se compreender a questão identitária no contexto mais amplo da política pública, os elementos e conceitos fundamentais para o tratamento jurídico das ações afirmativas para, então, aquilatar-se sobre o papel dos comitês de aferição de autodeclaração étnico-racial e sobre a extensão da revisão judicial nesses casos

(1) Ações afirmativas: equacionando políticas públicas e identidades étnico-raciais

A relação entre a implementação de ações afirmativas com base em critérios étnico-raciais e a identificação de seus beneficiários pode ser proposta, pelo menos, de dois modos. O primeiro caminho inicia-se pela definição das identidades étnico-raciais em si mesmas que, uma vez estabelecidas, possibilitam a aplicação das medidas positivas intentadas; dito de outro modo e resumidamente, primeiro definem-se as identidades e depois vai-se para a execução da política pública. O segundo itinerário inverte, por assim dizer, esse percurso: parte-se da compreensão da política pública para, na sua concretização e em seu interior, identificar quem são, para a finalidade da política pública, seus beneficiários.

Tendo em mente a execução das medidas, trata-se de duas equações cuja ordem dos termos altera de modo significativo e dramático os desafios para sua concretização.

Iniciemos, portanto, pela explicitação dos objetivos das ações afirmativas, relacionando-os com o debate identitário. Como ora se propõe, esse roteiro parece revelar-se promissor, ainda que não seja panaceia, nem “receita de bolo” para toda a rica e complexa realidade social incrustada pelos fenômenos identitários étnico-raciais.

Ações afirmativas: objetivos

Ações afirmativas são medidas que, conscientes da situação de discriminação vivida por certos indivíduos e grupos, visam a combater tal injustiça, por meio da adoção de medidas concretas e benéficas (RIOS, R. R. 2008. Direito da Antidiscriminação. Porto Alegre, Ed. Livraria do Advogado, p.156); como deflui desse conceito, no desenho das respectivas políticas públicas, a identificação de seus destinatários é elemento crucial, sem o que compromete-se a legitimidade e a efetividade das medidas positivas.

No campo do direito da antidiscriminação, a indicação dos indivíduos e dos grupos destinatários das medidas afirmativas dá-se a partir dos critérios proibidos de discriminação. Para os fins e o objeto desta reflexão, destaca-se o critério da identidade étnico-racial, encarnado na rica complexidade das relações sociais brasileiras, tópico que reclama visitar as principais proposições sobre os fenômenos identitários, possibilitando assim relacioná-los com as políticas públicas afirmativas.

O fenômeno identitário

Considerando o objetivo desta reflexão, adota-se, dentre as várias abordagens possíveis do fenômeno identitário, a dicotomia entre duas concepções de identidade: o essencialismo e o construcionismo. (JARDIM, I. R. . s.d. “Identidades e Narrativas”. Disponível em https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/4360/4360_6.PDF, acesso em 18jul2018). Em linhas muito amplas e apertadas, pode-se dizer que, na perspectiva essencialista, às diversas identidades correspondem certos traços distintivos, essenciais à identificação do indivíduo e do grupo, distinguíveis de modo imutável ao longo do tempo, em suma, a presença de algo presente na “natureza da coisa”. Umbilicalmente conectado ao projeto iluminista e da modernidade política, o essencialismo identitário, de base biológica ou histórica, tende a reificar, cristalizar e naturalizar as relações sociais e as posições que indivíduos e grupos nelas ocupam. Já a perspectiva construcionista percebe as identidades como resultantes da atribuição de significado a certos atributos que são tomados como diferenças relevantes, engendradas de acordo com os processos históricos concretos, onde certas características (biológicas ou históricas) estruturarão uma relação constitutiva do binômio identidade/diferença. Nesse diapasão, à afirmação da diversidade, no quadro do essencialismo identitário, corresponde a ênfase na diferença, no painel do construcionismo identitário.

Na esfera das relações étnico-raciais, com a primazia das ciências sociais para a compreensão dos conceitos de raça e de racismo, sem referência necessária a um “realismo ontológico” calcado em “biologias vulgares” (GUIMARÃES, A. S. F. 1999. Racismo e Anti-Racismo no Brasil, SP: Ed. 34, p. 28), importa avançar a consideração das ações afirmativas sob a ótica da perspectiva construcionista quanto ao fenômeno identitário étnico-racial.

Ações afirmativas, raça e racismo: uma questão sociológica

Superado o essencialismo biológico e assentada a dinâmica relacional, profundamente desigual, entre as identidades raciais branca e negra no Brasil, evidencia-se não só a propriedade, como a premente necessidade, da consideração das identidades étnico-raciais no desenho e na implementação das políticas públicas. No caso das ações afirmativas conhecidas como “cotas raciais” nas universidades públicas, pode-se então progredir por meio da afirmação de que são destinatários das medidas positivas todos os indivíduos racializados pretos e pardos na sociedade brasileira.

"Racialismo”, conforme Guimarães, é conceito sociológico que independe de realismos ontológicos, designando uma ideologia ou teoria taxonômica em que o conceito de raça faz sentido. Ele descreve o fenômeno cultural que se utiliza de diferentes regras para traçar filiação e pertença grupal, conforme o contexto histórico, demográfico e social, “... um sistema de marcas físicas (percebidas como indeléveis e hereditárias), ao qual se associa uma ‘essência’, que consiste em valores morais, intelectuais e culturais.” Nesse sistema, apesar da necessidade da ideia de ‘sangue’ como transmissor dessa ‘essência’, “...as regras de transmissão podem variar, amplamente, segundo os diferentes racialismos.” (Guimarães, 1999: 28).

Nessa altura, pode-se prosseguir conjugando as duas premissas até aqui assentadas. A primeira, quanto ao objetivo da política pública, que é combater os efeitos do racismo, compreendido como todo preconceito e discriminação que pressupõem ou se referem à ideia de raça (Guimarães, 1999: 34); a segunda, que esse enfrentamento do racismo opera mediante medidas concretas conscientes que tomam por base a identidade racial para a distribuição de benefícios determinados, identidade racial essa resultante de um processo de racialização de indivíduos e grupos sociologicamente identificados como pretos e pardos. Da junção dessas ideias parece correto postular que sempre que os executores da política pública depararem-se com indivíduos racializados como pretos e pardos estaremos diante de destinatários das ações afirmativas.

Pode-se objetar que essa conclusão não passa de um truísmo: dizer que os destinatários são indivíduos racializados pretos e pardos é somente repetir, sem nada acrescentar, o que desde o início da colocação do problema já se sabe. Sem esquecer do acréscimo da ideia de racialização, nem querer abusar da leitura bondosa que me permito solicitar, retomo a segunda equação indicada nos primeiros parágrafos, caminho reflexivo mais promissor. Assim, uma vez mais explicitando o desafio da identificação racial, agora enfatizo um elemento central, cujo desenvolvimento servirá de bússola para a segunda parte deste esforço: a racialização sobreleva o caráter contextual do processo de identificação étnico-racial, cujo influxo informará o tratamento jurídico da identificação étnico-racial nas ações afirmativas.

(2) Sobre o tratamento jurídico da identificação étnico-racial

A percepção dos processos sociais de formação identitária é decisiva para a reflexão sobre o desenho e os critérios adotados na concretização das ações afirmativas. Dentre esses processos, a compreensão sociológica da raça e das identidades étnico-raciais depende da consideração da racialização de indivíduos pretos e pardos, de observância fundamental sejam quais forem o método pela política pública e o desenho institucional adotado. Sob essa ótica é que as técnicas da autodeclaração e da heteroidentificação devem ser realizadas, bem como a tomada de decisões sobre a enumeração de critérios (como o fenotípico), a adoção de medidas de aferição de autodeclaração, presença e composição de comitês, e até mesmo regras procedimentais e de distribuição de competências entre autoridades administrativas.

Todos esses são elementos a reclamar um adequado tratamento jurídico, informados a partir da compreensão sociológica da raça, da identidade étnico-racial e do processo de racialização. Nesse contexto é que ganharão mais consistência respostas diante de preocupações com falsidade de autodeclaração e, mais importante ainda, a praticabilidade das políticas no cenário da mestiçagem.

Técnicas de identificação étnico-racial: heteroidentificação e autodeclaração

Diante da necessidade de identificar os destinatários de ações afirmativas, prevalecem duas técnicas: a autodeclaração e a heteroidentificação.

A heteroidentificação é o método de identificação que utiliza a avaliação de um terceiro para a identificação étnico-racial de um indivíduo. Ela pode se valer de diversos critérios, tais como elementos biológicos, como o fenótipo e a cor da pele; ancestralidade, ou até mesmo servir-se do construcionismo identitário. Os partidários dessa técnica argumentam com (1) maior objetividade em relação à classificação racial e (2) maior efetividade às políticas públicas destinadas às minorias raciais, tendo em vista a adequada alocação desses benefícios, evitando casos de fraude (BALLENTINE, C. 1983. ‘Who is a Negro--Revisisted: Determining Individual Racial Status for Purposes of Affirmative Action’ .U.Fla. L. Rev., v. 35, p. 686); os opositores dessa técnica advertem para o perigo de (1) reforçar os estereótipos estigmatizantes de certas categorias raciais e de (2) criar a necessidade de enquadramento dos indivíduos analisados em padrões estabelecidos por terceiros, bem como (3) tratar-se de um modo de imposição das identidades raciais e (4) de circunstâncias em que a identificação seja vulnerável a influências externas (RODRIGUEZ, C. 2008. ‘Against Individualized Consideration’. Indiana Law Journal, v. 83, p. 1409).

Por sua vez, a autodeclaração étnico-racial é o método de identificação racial que tem como pressuposto a ideia de que a identidade racial relaciona-se à subjetividade, cabendo somente ao indivíduo atribuir-se identidade. Em favor da autodeclaração, argumenta-se que esse método (1) dá espaço para o reconhecimento do caráter social das identidades étnico-raciais; (2) respeita coerentemente direitos como a dignidade, a liberdade e a privacidade dos indivíduos (RICH, C. G. 2013. ‘Elective Race: Recognizing Race Discrimination in the Era of Racial Self-Identification’. Geo. LJ, v. 102, p. 1501) e (3) possibilita agência pelo próprio indivíduo diante de sua história e contexto social. Contrariamente, defende-se que tal método (1) não é adequado ao contexto de mestiçagem brasileiro (FRY, Peter. 2005. A persistência da raça: ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África Austral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 238); (2) pode deixar de alocar adequadamente os benefícios das ações afirmativas, favorecendo indevidamente quem não pertence ao grupo discriminado e (3) desconsidera a percepção de terceiros quanto à identidade étnico-racial.

Autodeclaração e heteroidentificação no direito brasileiro: prevalência e harmonia

Do ponto de vista normativo, o ordenamento jurídico brasileiro privilegia a autodeclaração como critério de reconhecimento de pertença a determinado grupo, seja no âmbito da raça, seja nas discussões sobre etnia, conforme a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. 2003. Convenio n. 169 sobre pueblos indígenas y tribales: un manual. OIT: Genebra), de 1989, tudo dentro de uma perspectiva não assimilacionista. A Convenção 169 garante a proteção destes povos, o respeito a sua cultura, às formas de vida, às tradições e costumes próprios, prevendo seu direito a continuarem existindo e determinar suas formas de desenvolvimento (OIT, 2003). Esta perspectiva tem consequências na determinação de quem são os grupos protegidos pela Convenção. Este diploma internacional conjuga um critério objetivo (art. 1º), ao mesmo tempo que reconhece a autodeclaração como critério fundamental de pertencimento aos grupos por ela protegidos. (OIT, 2003). Ou seja, a “persona se identifica a sí misma como perteneciente a este grupo o pueblo; o bien el grupo se considera a sí mismo como indígena o tribal de conformidad con las disposiciones del Convenio” (OIT, 2003, p. 8). Esta é uma inovação no direito internacional, sendo o primeiro instrumento internacional que reconhece o direito à autodeclaração (OIT, 2003).

A autodeclaração também é prevista no Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 2010), com o objetivo de “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. O parágrafo único do art. 1º do Estatuto da Igualdade Racial, ao trazer a definição de quem é a população negra, adota a autodeclaração como método de identificação do pertencimento étnico-racial:

Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:

[...]

IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;

Ainda, a autodeclaração foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, que analisa a constitucionalidade da reserva de vagas para negros na Universidade de Brasília (UNB). Apesar de o objeto desta ADPF não versar especificamente sobre a autodeclaração, o seu uso foi discutido, tendo o Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, se manifestado pela possibilidade da autodeclaração nos sistemas de seleção para o ingresso do ensino superior, combinada ou não com sistemas de heteroidentificação.

Este quadro normativo é muito importante. Ele confere à autodeclaração um lugar especial, sem todavia descartar a possibilidade de identificação objetiva. Pode-se dizer que, sistematicamente, ao menos três conclusões se colocam: (1) a autodeclaração é preferida pelo ordenamento jurídico, não só pela sua previsão destacada no instrumento internacional e na legislação interna, como também pela concordância prática com outros direitos fundamentais, como a liberdade, da privacidade e a dignidade humana; (2) a autodeclaração, como a heteroidentificação, tem a mesma finalidade: materializar mecanismos de proteção antidiscriminatória, atuando conjuntamente, e não competindo, em face da maior proteção jurídica possível à igualdade e à dignidade; (3) dada a prevalência da autodeclaração, a combinação de técnicas de heteroidentificação é admitida, sempre visando à correta aplicação e concretização das políticas afirmativas.

Identidade étnico-racial: multiplicidade e “eletividade”

A proteção antidiscriminatória de grupos minoritários (sejam eles raciais, étnicos, sexuais) envolve um dilema constitucional: de um lado, os mecanismos de proteção dependem da institucionalização da definição de quem são estes grupos ou pessoas por eles protegidos; de outro, a determinação clara de pertença a grupos minoritários é um desafio, especialmente porque se parte da premissa equivocada de que para definir quem faz parte de um grupo minoritário deve-se levar em conta certas características fixas e imutáveis a ele associadas. Contudo, as características de um grupo que merecem especial proteção e reconhecimento variam de acordo com a história e com a sociedade em questão, estando, portanto, em constante transformação.

Ainda, a inclusão de um grupo na proteção às minorias depende de como as suas demandas são vistas e compatibilizadas com a cultura majoritária. Desta forma, a escolha de quais grupos ou características merecem proteção é uma questão política, mais do que uma análise objetiva de certos critérios (PAP, András L. 2014-2015. ‘Is there a legal right to free choice of ethno-racial identity? Legal and political difficulties in defining minority communities and membership boundaries’. Columbia Human Rights Law Review, n. 153, p. 153-232). Salienta-se, ademais, que a atribuição da identidade racial para determinado grupo traz consigo um perigo, pois pode servir a propósitos políticos diversos. Ou seja, pode ser utilizada tanto na luta por direitos, como para subordinar grupos.

Pap (2014-2015) analisa este dilema constitucional, partindo da tradicional tríade “minorias étnicas, raciais e nacionais”, para demonstrar que os conceitos de raça, etnia e minorias nacionais são difíceis de serem definidos e muitas vezes se confundem. Ademais, o conceito de minoria é, em verdade, fluido e ambíguo, não havendo um critério fixo e universal para estabelecer quem deve ou não ser reconhecido como pertencente a um grupo minoritário. Nos casos de demandas étnico-raciais antidiscriminatórias, por exemplo, as percepções externas são usadas como base de classificação do grupo. Já os pleitos por tratamento diferenciado ou por certos privilégios são analisados com base em critérios legais objetivos, somados à identificação subjetiva do grupo.

A percepção tradicional de raça, que a relaciona com critérios objetivos e determináveis de modo preciso, é incompatível com a compreensão de que a raça é um construto social e político e que pode ser exercida e avaliada de diversas formas.

Neste sentido, como alternativa ao modelo tradicional, Rich trabalha com a perspectiva da “raça eletiva”, que reconhece a possibilidade de mudança na definição e na compreensão da raça, abrindo espaço para compatibilizar a proteção antidiscriminatória com a definição da identidade racial pelos próprios indivíduos. Assim, na abordagem tradicional da discriminação por motivo de raça esta ocorre a partir do status inconteste entre dois grupos raciais bem definidos. Já a perspectiva da raça eletiva, pode solucionar casos que envolvem indivíduos que ocupam as margens das categorias raciais, cujas demandas se relacionam com o controle dos desdobramentos das definições de raça e dos termos em que seus corpos recebem sentidos raciais. Segundo seus termos, há quatro diferentes formas de reconhecimento racial: a raça documental, constante em documentos e formulários administrativos; a raça social, atribuída pela sociedade de forma heterônoma; a raça privada, que corresponde à visão da pessoa sobre a sua própria identidade e a raça pública, que é a identidade racial que a pessoa está preparada para ser reconhecida pelos outros. Todas estas formas de reconhecimento racial coexistem, especialmente levando-se em conta a realidade complexa de sujeitos multirraciais, fenotipicamente ambíguos ou que estão no limiar entre raças, e podem ser invocadas conforme o contexto específico (RICH, 2013).

A performatividade é um conceito chave para compreensão da raça eletiva, pois o ato de autodeclaração contribui para a construção da identidade racial de uma pessoa. Este ato pode ter efeitos sociais diversos, dependendo de como a pessoa o utilizará. Muitas vezes um sujeito declara sua raça levando em conta como é percebido pelos outros, como acha que se espera que se identifique ou mesmo de forma a se adequar a maioria, evitando o estigma e a discriminação. Desta forma, uma mesma pessoa pode declarar diferentes raças, conforme o modo usado para a sua identificação, sem que estas inconsistências comprometam a aplicação da legislação antidiscriminatória, nem sejam relacionadas a fraudes raciais. (RICH, 2013-2014). Apesar do reconhecimento de que os sujeitos podem declarar sua raça ora de um jeito, ora de outro, o enfoque da raça eletiva não impede que o Estado utilize uma forma de reconhecimento racial diversa daquela declarada pelo sujeito para fins de acesso a políticas afirmativas, para proteção deste sujeito contra a discriminação ou mesmo para alimentar registros de dados para consumo interno (RICH, 2013-2014). Esta movimentação fluida dos sujeitos entre as diversas identidades raciais se relaciona com a ideia de performatividade (BUTLER, J. 2003. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira), na medida em que estas identidades vão sendo colocadas ao longo da vida das pessoas de forma voluntária e involuntária, a fim de identificá-las com um ou outro grupo. Ou seja, as diversas raças não são dadas e estanques, são produto das próprias forças de poder que criam e classificam os sujeitos.

Diante desta complexidade inerente à raça, percebe-se a insuficiência de modelos e compreensões que trabalham com conceitos rígidos e fixos. Assim, há a necessidade, do ponto de vista institucional, de que as normas e as decisões judiciais se adequem para dar conta destas identidades inconstantes, reconhecendo-as e protegendo-as da discriminação. (RICH, 2013).

Os aportes aqui arrolados (1 - os objetivos da ações afirmativas; 2 - a compreensão sociológica da raça, do racismo e do racialismo nas formações identitárias; 3 - as técnicas de identificação e sua relação; 4 - a multiplicidade (“eletividade”) das identidades a depender dos contextos em que experimentadas) subsidiam a compreensão da implementação das ações afirmativas no Brasil.

(3) Autodeclaração étnico-racial: comissões de aferição e revisão judicial

A regulação jurídica, no que tange ao reconhecimento de beneficiários das ações afirmativas, combina técnicas de autodeclaração e de heteroidentificação. No regime vigente, por “população negra” entende-se o “conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga” (Estatuto da Igualdade Racial, art. 1, p. único, III), ao lado da adoção da autodeclaração nas ações afirmativas para o acesso às universidades (Lei n. 12.711, de 2002, art. 3) e para os concursos públicos (Lei n. 12.990, de 2014, art. 2); ao mesmo tempo, prevê-se comissão de heteroidentificação complementar à autodeclaração, com função deliberativa (Orientação Normativa n. 4, de 2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão).

A preocupação com a possibilidade de declaração falsa é explícita, penalizada com eliminação do concurso (ou anulação de admissão no serviço público, conforme o caso), em procedimento sujeito ao contraditório e à ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Com relação à heteroidentificação complementar da autodeclaração, a comissão só pode avaliar “exclusivamente o critério fenotípico”, de forma presencial ou, excepcionalmente e por decisão motivada, telepresencial, mediante utilização de recursos de tecnologia de comunicação”, e por “membros distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade”, nos termos da citada orientação normativa (respectivamente, art. 8, p. 1; art. 9; art. 6, p. 4).

Esses elementos fazem mais que dispor sobre o regime jurídico da identificação étnico-racial brasileiro, centrado na autodeclaração, sujeita a verificação heterônoma (heteroidentificação), por comissão plural e diversa em termos de gênero, cor e naturalidade; eles informam as diretrizes para o desenho administrativo e a praticabilidade das políticas públicas positivas. É da confluência dos aportes expostos nas seções anteriores com esse referencial normativo que devem ser respondidas as perguntas sobre as deliberações identitárias étnico-raciais das respectivas comissões e a repressão a eventual declaração falsa.

Comissões de verificação e deliberação sobre a identidade étnico-racial

A instituição e o funcionamento das comissões de verificação de autodeclaração, previstas na regulamentação do art. 2 da Lei n. 12.990/2014 (que institui a reserva de vagas para candidatos negros nos concursos), alcança não só a administração pública federal, como também os demais poderes além do Executivo, como exemplifica a Resolução n. 203, de 2015, do Conselho Nacional de Justiça. Cabe à comissão confirmar a autodeclaração de identidade preta ou parda (O.N. n. 4, de 2018, art. 3), de acordo com métodos de verificação previstos e detalhados no edital do respectivo concurso público (O.N. n. 4, de 2018, art. 4). Acerca dos métodos de verificação de veracidade da autodeclaração, a regulamentação avançou, ao dispor que “serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação”, desconsiderando explicitamente “quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais” (art. 9, p. 1 e 2).

No que respeita à identificação étnico-racial, e em especial à concorrência da autodeclaração pelo candidato e à atuação posterior da comissão, pode-se constatar o encontro de dois pontos de vista: um subjetivo, decorrente da participação do candidato; outro objetivo, respeitante à atribuição da comissão.

Essa divisão de papéis, relevantes e necessários para a concretização dos objetivos das ações afirmativas e dos direitos fundamentais dos indivíduos participantes, atende às necessidades de higidez da política pública, voltada para o enfrentamento e superação da discriminação, mediante o uso correto dos recursos públicos direcionado aos legítimos destinatários dos benefícios disponíveis (nesse sentido, a O.N. n. 4, art. 1, p. único, V e VI). De fato a compreensão equivocada das ações afirmativas, por parte de uns, e até mesmo a eventual intenção de beneficiar-se indevidamente por parte de outros, devem ser evitadas e reprimidas, seja pela proibição e repressão de comportamentos de má-fé, seja antes de mais nada pelos objetivos de combate à discriminação e de promoção da igualdade de oportunidades.

Num esforço sistematizador, pode-se assinalar:

I. a autodeclaração é ponto de partida legítimo para a definição identitária quanto ao pertencimento aos grupos destinatários das ações afirmativas;

II. a tarefa heteroidentificatória da comissão não implica derrogação da autodeclaração, mas atividade complementar e necessária, dissipando dúvidas e via de regra confirmatória da autodeclaração, visando à consecução dos objetivos das ações afirmativas;

III. no exercício de sua tarefa heteroidentificatória, a comissão deve corrigir eventual autoatribuição identitária equivocada, à luz dos fins da política pública, iniciativa que não se confunde com lugar para a confirmação de percepções subjetivas ou satisfação de sentimentos pessoais, cuja legitimidade não se discute nem menospreza, mas que não vinculam, nem podem dirigir, a política pública;

IV. na atividade de identificação étnico-racial, o que importa, tanto para a autodeclaração, quanto para a heteroidentificação, é a raça social, uma vez que a discriminação e a desigualdade de oportunidades atuam de modo relacional, no contexto das relações sociais e intersubjetivamente;

V. a previsão de consideração exclusiva dos aspectos fenotípicos, presente na política pública, deve ser compreendida contextualmente, uma vez que a compreensão da raça social, da identidade racial e do racismo subjacentes às ações afirmativas é sociológica, política, cultural e histórica, e não em investigações biológicas;

VI. a autodeclaração requer interpretação cuidadosa, livre de preconceitos ou desconfianças prévias de dolo maldoso ou simulação quando legitimamente questionada a identidade autoatribuída, dada a complexidade do fenômeno identitário, onde um mesmo indivíduo pode experimentar uma multiplicidade de identidades nos diversos ambientes em que vive e transita, num mesmo momento ou ao longo de sua trajetória de vida;

VII. a comissão pode deliberar por identidade étnico-racial diversa daquela inicialmente autodeclarada, com a consequente exclusão do certame do candidato autodeclarante, sem que esteja presente má-fé, em virtude de conclusão por identidade étnico-racial social diversa daquela autodeclarada;

VIII. a imputação de declaração falsa na autoatribuição identitária, decorrente do compromisso institucional com a higidez da política pública, deve ser reservada somente para a hipótese em que efetivamente o candidato tenha agido conscientemente de má-fé, em situações onde não paire dúvida;

IX. as decisões da comissão, sempre que concluírem por atribuição identitária diversa daquela autodeclarada, requerem decisão fundamentada, sempre possibilitando a presença, a ampla defesa e o contraditório pelo candidato;

Proposta essa síntese como contribuição para o debate sobre a praticabilidade da identificação étnico-racial nas ações afirmativas, resta avançar acerca da tarefa heteroidentificatória embasada, nos termos da regulamentação, “exclusivamente no critério fenotípico”. Esse tópico merece especial destaque, dada a intensidade do debate público e do desafio das comissões nele presente, apontado por uns inclusive como um aparente nó górdio da política pública.

(4) Pardos e identidade étnico-racial no Brasil: mestiçagem, raça social e fenótipo

Ao cumprir sua tarefa institucional, as comissões de verificação de autodeclaração são chamadas a pronunciarem-se diante de impugnações à identidade racial autoatribuída de candidatos às ações afirmativas. Tirante as hipóteses em que indivíduos ostentam fenótipo indiscutivelmente branco, e aquelas outras em que não paira qualquer controvérsia sobre a negritude daqueles que se apresentam como pretos, o desafio se apresenta em face da identidade étnico-racial de indivíduos pardos, cuja negritude autodeclarada é controvertida ou ao menos posta em dúvida.

As premissas para essa reflexão, acima explicitadas, podem ser assim resumidas: (a) os objetivos das políticas públicas positivas são enfrentar a discriminação e incrementar a igualdade de oportunidades, considerada a realidade social vivida pela população negra (pretos e pardos); (b) para esses fins, a identidade étnico-racial que importa vincula-se à raça social, pois é nessa esfera que o estar no mundo implica a indivíduos e grupos o preconceito e a discriminação, o que corresponde plenamente aos objetivos das ações afirmativas; (c) os aspectos fenotípicos são decisivos para o trabalho da comissão, pelo efeito que tem para a racialização subordinante de indivíduos pretos e pardos e pelo papel que desempenham na constituição do racismo.

Feito o encadeamento de tais premissas, o próximo passo é tentar desenlear o, para alguns invencível, nó górdio: como pode a Comissão concluir por identidades étnico-raciais pardas, quando contestadas, num Brasil mestiço e miscigenado? A mestiçagem brasileira implicaria, em muitos casos, uma ambiguidade insuperável, tornando a tarefa ingrata e arbitrária de aferir a “veracidade” da autodeclaração.

Antes de avançar nesse destrinchar nessa fiação intrincada, um esclarecimento. Quando a regulamentação da política pública fala de “aferir”, “verificar” a “veracidade”, não se se trata de uma pretensa “verdade sobre a raça”, no sentido de um realismo ontológico, apelando para dados biológicos, essências irredutíveis, fixas e cristalizadas, ou porta-vozes indiscutíveis e “donos da verdade”. Como visto, o que importa para as ações afirmativas é a “raça social”, resultante histórico, social e cultural, dos processos de racialização onde atribuídas identidades, socialmente engendradas, a indivíduos e grupos. Nada a ver, portanto, com oficializar “a verdade sobre a raça” (Hofbauer, 2003: 95), mas sim com a tarefa de investigar os sentidos que, ao longo da história e no presente, quando concretizada a política, são socialmente atribuídos mediante a construção social da identidade racial, como visto acima. Verificar a veracidade, portanto, encerra dupla tarefa: desvendar a que identidade racial (documental, privada, pública, social) referiu-se o autodeclarante, além de aferir se a vivência declarada atende, de modo concreto, à centralidade que os objetivos da política pública dão à raça social.

Desembaraçado esse primeiro fio, o desemaranhar agora se detém nos “aspectos fenotípicos”, notadamente referidos na regulamentação como critério exclusivo para a consideração da comissão. Assim como na “verificação da veracidade”, é preciso cautela: a indicação do fenótipo como elemento fundamental não deve ser mal entendida, para o que mais uma vez chamo o já citado A. S. A. Guimarães. Reconhecer ao fenótipo papel decisivo decorre da constatação de que, no racismo e na atribuição de identidades étnico-raciais, organiza-se uma taxinomia de indivíduos e de grupos humanos a partir da ideia de raça, fenômeno cultural que se utiliza de diferentes regras para traçar filiação e pertença grupal, conforme o contexto histórico, demográfico e social, “... um sistema de marcas físicas (percebidas como indeléveis e hereditárias), ao qual se associa uma ‘essência’, que consiste em valores morais, intelectuais e culturais”, associação esta que se valeu, ao longo da história, de vários marcadores, desde a cor, até outras características antropofísicas e psíquicas).

A invocação do fenótipo, aqui, responde precisamente ao reconhecimento de uma dinâmica social, e não de uma tipologia de grupos humanos por caracteres biológicos em si mesmos, tais como pigmentação abdominal, cor e tipo de cabelo, formato nasal e labial; até porque, mesmo nesses, não há como fugir de avaliações subjetivas e de critérios arbitrários (Santos, 1996).

Desenleado o emprego do fenótipo no processo de atribuição de identidade étnico-racial, passa-se a desfiar outro dos fios que alegadamente impediriam qualquer conclusão razoável e não-arbitrária por parte das comissões: a ambiguidade insuperável decorrente da mestiçagem, ao menos em face de uma zona cinzenta tão extensa, de um gradiante tão esticado, onde a indeterminação cromática e fenotípica não se deixa encaixar na pureza da dicotomia branco/preto. Pelo fato de o Brasil não ter institucionalizado um sistema classificatório racial rígido e inequívoco, tal qual ocorreu em outros cantos do mundo (o caso do Estados Unidos, pela regra da “gota de sangue” é o perfeito contraste), pelo fato de a miscigenação aqui ter campeado como em nenhum outro lugar, resultando na “festejada” mestiçagem (ao menos a partir da metade do século XX, na pena de clássicos como Gilberto Freyre), por tudo isso e muito mais, teríamos desembocado numa “democracia racial” praticamente livre de racismo, e, daí decorrente, numa sociedade onde a raça não importaria, mas sim a classe, ao lado de outras formações identitárias (tais como sexo, região, idade, orientação sexual, etc.) para a promoção da igualdade de oportunidades.

Não me deterei aqui nas alegações sobre a inexistência de racismo, ou sobre o mito da “democracia racial”. Não porque não seja muito necessário e importante disputar o senso comum que não quer ver a presença e os efeitos mortais do racismo entre nós, o que para muitos é um obstáculo paralisante e desresponsabilizador que concorre para a manutenção da injustiça racial, nem porque a Constituição e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já tenham superado este estágio. Parte-se aqui da indiscutível presença do racismo e da falácia do mito da democracia racial; interessa agora examinar a alegada impossibilidade de aferir a negritude como identidade étnico-racial quando declarada por indivíduos pardos, em especial por aqueles que, situados em posição intermediária no espectro de cor no Brasil, são posicionados (ou se posicionam) mais perto da branquitude.

Retome-se o enredo para desfazer-se o nó górdio. Do estabelecer (a) os objetivos das ações afirmativas, (b) a compreensão de identidade étnico-racial e de racismo e (c) a raça social como identidade fundamental para a concretização da política pública, decorre a necessidade de aferir se à autoatribuição identitária proposta pelo candidato corresponde a identificação do lugar social que caracteriza a negritude. Para os fins da política pública, indivíduos negros são pretos e pardos, cujo posicionar da identidade étnico-racial, independente do subjetivismo próprio de cada ser humano, situa o indivíduo numa “cidadania de segunda classe”, subordinada em virtude de uma hierarquia racial a que corresponde, por sua vez, uma sistema classificatório étnico-racial.

Nesse desenleio, o fato de coexistirem diversos sistemas classificatórios de identidades étnico-raciais no Brasil contemporâneo (o oficial, o múltiplo e o bipolar; ver MOUTINHO, L. 2004 Razão," cor" e desejo: uma análise comparativa sobre relacionamentos afetivo-sexuais" inter-raciais" no Brasil e na África do Sul. Unesp, 2004, p. 192) em nada prejudica a tarefa da comissão. Ao contrário, enriquece e possibilita, de forma mais concreta, a avaliação, sempre contextual, de como a racialização dos indivíduos e grupos produz a negritude como raça social, inclusive para aqueles que se autodeclaram pardos. Desse modo, pode-se acompanhar a dinâmica social e política que articula ‘cor’, ‘raça’, ‘gênero’ e ‘sexualidade’ como aspectos de fundamental importância para o acesso a bens, status, serviços e prestígio social, o que nos auxilia “...a compreender alguns dos sentidos e significados relativos a ‘raça’, ‘cor’ e ‘racismo’, gênero e sexismo - e suas complexas dimensões e mais maléficas atuações.” (MOUTINHO, L. 2004. ‘"Raça", Sexualidade e Saúde: Discutindo Fronteiras e Perspectivas’. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 14(2):191-196, p. 193).

Para os fins desta investigação, o que interessa para a política pública e perpassa todos os sistemas de classificação, é a persistência da negritude como condição identitária subordinada, razão legítima da adoção das ações afirmativas. De fato, um olhar mais atento à realidade e ao estado atual do debate nas ciências sociais demonstra que tais alegações de impraticabilidade e de impossibilidade de verificação de identidade étnico-racial, para os fins das ações afirmativas, não se sustentam. Basicamente, em virtude da (a) possibilidade de verificação de processos subordinantes e hierárquicos de formação de identidade étnico-racial parda, conforme o contexto em que situado o indivíduo e (b) a permanência de hierarquias raciais nos arranjos sociais da mestiçagem, em vez da superação do racismo. Inicio pela segunda, mais ampla e pano de fundo onde a primeira toma contornos mais nítidos.

Com efeito, admitir a mestiçagem interracial como dado da realidade brasileira, ilustrada pelas famosas 135 categorias de autoatribuições cromáticas e fenotípicas pelo IBGE, não significa, nem daí decorre logicamente, a superação de hierarquias raciais, muito menos a inexistência de racismo. Na linha de pesquisadores como Jacques d’Adesky (D’ADESKY, Jacques. 2001. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas.), Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (GUIMARÃES, A. S. F. 1999. Racismo e Anti-Racismo no Brasil, SP: Ed. 34) e Luiz Felipe de Alencastro (ALENCASTRO, L. F. 1985. ‘Geopolítica da mestiçagem’, Novos Estudos, São Paulo: CEBRAP.), trata-se de “uma forma de organização e de exclusão baseada na suposta existência de raças superiores e inferiores, de raças valorizadas e de raças depreciadas” (D`Adesky, 2001:36); trata-se, portanto, de “uma realidade concreta [...] que permite [...] reunir mulatos, morenos, sararás, jambos numa categoria única – negro – [que] é, exatamente, a relação de oposição entre dominadores e dominados, que impõe um modelo estético inadequado para o conjunto da população, bem como o critério de hierarquização que subvaloriza mulatos, morenos, sararás e jambos à categoria branco. Pode-se igualmente dizer que o que reúne louros, ruivos, castanhos, etc., na categoria única branco é essa mesma relação de dominação que, associada ao critério de hierarquização, valoriza os louros, ruivos, etc., em relação aos mulatos, sararás, etc.” (p. 35).

Colaboram para superar quaisquer dúvidas acerca da natureza hierarquizante inerente à ideia de mestiçagem as advertências quanto à forma como a mistura racial é representada, a perversa dimensão “arqueológica” da mestiçagem e o aprisionamento estereotipado da negritude que caracteriza esse discurso. Conforme alerta Moutinh), “a “mistura racial nunca é representada exatamente como fusão; opera, seja positivamente (no branqueamento) ou negativamente (quando pensada como enegrecimento), algum tipo de hierarquia”; Machado (MACHADO, I. J. R. 2002. ‘Mestiçagem arqueológica’. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro , v. 24, n. 2, p. 385-408. em 19 jul. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-546X2002000200007), ao analisar evento preparatório para as comemorações dos 500 anos do Brasil, desvenda a perversidade no discurso da miscigenação, “[como se ela]... tivesse, num passado remoto, resolvido e criado um povo brasileiro que, embora misturado, quer ter uma cara branca, europeia (a velha e conhecida ideia de branqueamento). Joga-se para um passado remoto o conflito e deixa-se implícito que a história o resolveu. Embora algumas poucas palavras tenham lembrado a situação atual de populações negras e indígenas, todas as situações de conflito foram sufocadas no encontro, com a mágica da expressão ‘águas passadas não movem moinhos’”; Sueli Carneiro (CARNEIRO, S. 2011. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, p. 70), por sua vez, diante da vivência de negros de pele clara, denuncia que “uma das características do racismo é a maneira pela qual ele aprisiona o outro em imagens fixas e estereotipadas, enquanto reserva para os racialmente hegemônicos o privilégio de serem representados em sua diversidade. [Brancos]... são individualidades, são múltiplos, complexos, e assim devem ser representados. Isso é demarcado também no nível fenotípico, em que se valoriza a diversidade da branquitude: morenos de cabelos castanhos ou pretos, loiros, ruivos, são diferentes matizes da branquitude que estão perfeitamente incluídos no interior da racialidade branca, mesmo quando apresentam alto grau de morenice, como ocorre com alguns descendentes de espanhóis, italianos ou portugueses, os quais, nem por isso, deixam de ser considerados ou de se sentir brancos. A branquitude é, portanto, diversa e policromática. A negritude, no entanto, padece de toda sorte de indagações.”

Tudo isso ponderado e bem entendido, conclui-se que, especialmente em cenários de mestiçagem, é salutar a atuação de comissões de aferição de autodeclaração. Isso porque são necessários a aquisição e o acúmulo de expertise, conhecimentos e de experiência, diante da riqueza e da complexidade do mundo globalizado e da sociedade brasileira em particular. Sem esse conjunto de saberes e de práticas, a tarefa de empregar, de modo simultâneo e complementar, as técnicas de autodeclaração e de heteroidentificação, visando à constatação da identidade étnico-racial social, para o cumprimento das finalidades das ações afirmativas, fica dificultada de modo extremo.

A concretização das ações afirmativas requer, de modo inescapável, a capacidade de compreensão da raça, do racismo, dos processos de racialização, das nuanças e dinâmicas dos processos de subjetivação e constituição, no mundo social, das identidades étnico-raciais, de modo contextualizado, ou, como disse Oracy Nogueira ao introduzir seu estudo clássico sobre as relações raciais, “...a percepção da cor e outros traços negróides é ‘gestáltica’, dependendo, em grande parte, a tomada de consciência dos mesmos pelo observador, do contexto de elementos não-raciais (sociais, culturais, psicológicos, econômicos) a que estejam associados – maneiras, educação sistemática, formação profissional, estilo e padrão de vida – tudo isso obviamente ligado à posição de classe, ao poder econômico e à socialização daí decorrente.” (NOGUEIRA, O. 1985. Tanto preto quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, p. 6). Desse modo, atendem-se às exigências de não cair na tentação de uma taxinomia artificial, enrijecedora da dinâmica cultural, da fluidez e da transformação típicas das formações identitárias ao longo da história, bem como de possibilitar a praticabilidade das ações afirmativas, mantendo a higidez da política pública, empregando-se da forma mais efetiva e justa os recursos públicos destinados ao enfrentamento do racismo e à promoção da igualdade de oportunidades.

Muito importante salientar que, ao cabo de sua tarefa, a decisão pela confirmação ou não de autoatribuição de identidade racial social preta ou parda, firma-se, repita-se uma vez mais, no horizonte e para os fins da implementação da política pública; vale dizer, trata-se de uma definição operacional (AABBAGNANO, N. 1970. Dicionário de filosofia. São Paulo, Ed. Mestre Jou, p. 220), que expressa a compreensão das identidades étnico-raciais, particularmente pardas, no contexto das ações afirmativas dada a mestiçagem na sociedade brasileira contemporânea. Não se trata, de modo algum, de pretender legitimar ou instituir, no seio do Estado ou de ações afirmativas em iniciativas privadas, comissões encarregadas de dizer “a verdade sobre a raça”, ou desautorizar sentimentos e percepções subjetivas, ou afirmações identitárias positivas, vivenciadas em outros ambientes, espaços e dinâmicas.

(5) Controle judicial da aplicação da norma jurídica antidiscriminatória afirmativa pela Comissão

Bem compreendido o âmbito e o programa normativos em que situadas as políticas e a regulação jurídica das ações afirmativas, impende analisar o cabimento e os limites de revisão judicial das decisões das comissões, no que respeita à atribuição de identidade étnico-racial. O que se examina aqui diz respeito ao mérito das deliberações das comissões, uma vez que, tratando-se de atos administrativos inseridos num procedimento administrativo complexo, aspectos relativos a requisitos formais, andamento e regularidade procedimental, e atendimento de garantias processuais, como as expressamente aludidas ampla defesa e contraditório, sempre estarão sujeitas à revisão judicial.

Em primeiro lugar, assentada a natureza definitória operacional da identidade étnico-racial inerente à implementação das ações afirmativas, não estão em questão direitos fundamentais como a intimidade, a vida privada e a imagem, ou direitos de personalidade como o direito à identidade e ao respeito. Isso porque a tarefa da comissão limita-se a identificar, à luz dos fins e do horizonte da política pública, quem é destinatário das ações afirmativas como beneficiário, jamais proceder a classificações identitárias étnico-raciais ou atribuição delas para outros fins, para outras políticas ou para outras esferas. Como dito, a conclusão, sempre fundamentada, objetiva e cuidadosa, tomada em regular procedimento administrativo, quanto à atribuição de identidade étnico-racial para os fins e no horizonte da política pública não traduz manifestação ou classificação estatal heterônoma quanto à “verdadeira” identidade étnico-racial dos indivíduos. Não é objetivo, não está no âmbito da política pública, não há repercussões jurídicas perante terceiros, muito menos desautoriza a liberdade, a privacidade e a autoimagem do candidato, eventual deliberação da comissão em dissonância com a autopercepção identitária do indivíduo.

Daí que, não incorrendo em arbitrariedade (por qualquer vício material ou processual, tais como contradição, tratamento anti-isonômico em relação a outros candidatos, procedimento desrespeitoso ao indivíduo e à sua autopercepção, falta de fundamentação, inobservância de regramento procedimental e ou de garantias processuais), autoridades judiciais, no exercício da jurisdição, não podem em regra adentrar no mérito das deliberações relativas à qualidade de beneficiários das políticas públicas.

Acaso se entender que é possível revisão judicial do mérito da deliberação da comissão, relativa à identificação identitária necessária para a qualificação de determinado indivíduo como destinatário da política pública, será de rigor observar a finalidade restrita e circunscrita da atribuição identitária para os fins e nos limites da implementação da política pública. Também será impositiva a observância do regime jurídico vigente, onde as técnicas de autodeclaração e de heteroidentificação coexistem e se complementam visando ao mesmo fim antidiscriminatório por meio de ações afirmativas; nisso se incluem o acatamento do desenho administrativo institucional onde não só a compreensão de raça, racismo e identidade étnico-racial tomam sentido no saber trabalhado pelas ciências sociais, como também a atenção à raça social dentre os diversos tipos de identidade racial experimentadas pelos indivíduos em sociedade (aporte este que será fundamental também para juízo acerca de imputação de declaração falsa ou má compreensão quanto à multiplicidade de identidades experimentadas pelos indivíduos, por exemplo).

Dados estes contornos, admitida a revisão judicial do mérito da deliberação administrativa, o procedimento judicial há que se cercar de todas as cautelas inerentes à atividade jurisdicional, em especial a prudência na produção probatória, à distribuição dos ônus argumentativos (visto que a comissão tem caráter deliberativo na política pública) e à necessária fundamentação de mérito que não pode ser furtar a considerar os aportes das ciências sociais para a compreensão da rica, complexa e contextual realidade fática subjacente ao litígio, tudo, evidentemente, informado pelos comandos constitucionais antidiscriminatórios e indicativos na adoção e implementação de ações afirmativas.

No eventual cabimento de exame judicial de mérito, portanto, há que se empregar cautela e ponderação. Devem-se evitar juízos apressados ou simplistas, decorrentes da falta de formação nas questões étnico-raciais e as dificuldades culturais disseminadas no senso comum em face das políticas públicas positivas, no que não se distinguem, em geral, os operadores do direito.

O ato administrativo impugnado radica-se na conclusão da comissão de aferição da autodeclaração, cuja atividade contrasta com a declaração ofertada pela parte impetrante. O ato administrativo toma, portanto, o motivo (situação de fato e de direito que enseja a prática do ato) e a motivação (demonstração das razões que sustentam o ato). Concretamente, ao responder o recurso administrativo, a Comissão arrazoou que a parte impetrante não apresenta a fenotipia caracterizadora dos destinatários.

Em sua atividade decisória, o ato administrativo respeitante à qualificação da parte impetrante como destinatário da ação afirmativa é de sua esfera de atribuição, contribuindo para a cadeia de atos que resultarão no ato administrativo complexo ora impetrado. Ao decidir, a Comissão atua de modo vinculado, vale dizer, não há espaço quanto à conveniência e oportunidade para a prática do ato: a comissão deve decidir se, para os fins da política antidiscriminatória, a parte autora ostenta a identidade étnico-racial prevista como beneficiária da medida positiva.

Está-se, portanto, diante de atividade administrativa decisória pautada pela legalidade, que requer compreender se a parte impetrante preenche o pressuposto fático abstrato elencado no dispositivo, a saber, identidade étnica-racial negra, considerado seu fenótipo. Não obstante a sofisticada e profunda elaboração sobre a hermenêutica jurídica, destaco dois tópicos cujo conteúdo permite avançar na prática decisória judicial ora demandada. Um deles tomo emprestado de Robert Alexy, acerca da argumentação empírica presente na interpretação jurídica (Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy Editora, 2001); o outro, a ideia de interpretação sistemática.

Quanto ao primeiro, salienta-se que a argumentação jurídica envolve, tantas vezes, elementos empíricos, o que a "identidade étnico-racial" exemplifica e, nessa medida, reclama uma atividade de “cooperação interdisciplinar” (ALEXY, 2001, p. 226), o que foi desenvolvido acima, na seção sobre o estado da arte nas ciências sociais sobre racismo e mestiçagem; quanto ao segundo, a definição legislativa da finalidade da política pública, o que reafirma o objetivo de enfrentar discriminações étnico-raciais, sofridas na vida em sociedade por determinados indivíduos, qualificando-se assim como destinatários das ações afirmativas, ponto também desenvolvido anteriormente. Disso tudo pode-se concluir que é a percepção da identidade social negra, indicada socialmente pelo fenótipo que deflagra a discriminação, que é juridicamente relevante para a definição dos destinatários da política pública.

A prática decisória da comissão, particularmente em face de candidatos autodeclarados pardos, é desafiada pela compreensão de conceito jurídico empírico que carrega consigo margem de apreciação inevitável, ensejando com certa frequência diversidade de opiniões. O controle judicial, nesse quadro, há de observar a legitimidade de "decisões administrativas sustentáveis", afastando somente aquelas conclusões administrativas "insustentáveis", por incorrerem em apreciações indefensáveis.

Nessa linha, a ponderação de Almiro do Couto e Silva (PODER DISCRICIONÁRIO NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, Revista da Procuradoria-Geral do Estado [do Rio Grande do Sul]. - Porto Alegre : Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, v. 27 n. 57 Supl. p. 1 - 387, 2004):

14. Bem por isso é que na doutrina e na jurisprudência tem sido sustentado que, em tais casos, pode haver um controle jurisdicional limitado da aplicação pela Administração Pública de conceitos jurídicos indeterminados. Reconhece-se, desse modo, em favor dos órgãos administrativos do Estado, a existência de uma “área de apreciação” (Beurteilungsspielraum) , como quer Bachof, ou a impossibilidade de o Judiciário substituir a decisão tomada pela Administração Pública ao eleger uma das várias soluções “sustentáveis” (Vertretbaren) ou razoáveis, como pretende Ule, pois em todas essas situações teria a Administração Pública o que Hans Julius Wolf chama de “prerrogativas de avaliação” (Einschützungsprärogative) .Nesses casos altamente duvidosos, como a Administração Pública está mais perto dos problemas e, de regra, está mais bem aparelhada para resolvê-los, parece que só a ela deve caber a decisão final, não indo, pois, excepcionalmente, o controle judicial ao ponto de modificar ou de substituir a decisão administrativa.

Essa impossibilidade relativa do controle judicial da aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados pela Administração Pública não os transforma, entretanto, em fonte de poder discricionário. A diferença fundamental que há entre poder discricionário e conceito jurídico indeterminado, no que se liga ao controle jurisdicional, está em que, no primeiro o controle restringe-se aos aspectos formais, externos, do ato resultante do seu exercício, ou aos seus pressupostos de validade (competência do agente, forma, desvio de poder, etc.), mas não entra na apreciação do juízo de conveniência ou oportunidade da medida - no mérito do ato administrativo, como se costuma dizer no direito brasileiro. Todavia, no pertinente aos atos de aplicação de conceitos jurídicos indeterminados, o controle judicial é, em princípio, total, só esbarrando na fronteira da impossibilidade cognitiva de declarar se a aplicação foi correta ou equivocada.

15. Em conclusão, relativamente à diferença, quanto à sindicabilidade judicial, dos atos administrativos que aplicam conceitos jurídicos indeterminados e dos que envolvem exercício de poder discricionário é possível resumir tudo do seguinte modo: (a) - O exame judicial dos atos administrativos de aplicação de conceitos jurídicos indeterminados não está sujeito a um limite a priori estabelecido na lei. O próprio julgador, no instante de decidir, é que verificará se há um limite, ou não, ao controle judicial. Haverá limite se, em face da complexidade do caso, da diversidade de opiniões e pareceres, não podendo ver com clareza qual a melhor solução, não lhe couber outra alternativa senão a de pronunciar um non liquet, deixando intocada a decisão administrativa.

Neste quadro, "decisões administrativas insustentáveis", a abrir espaço para revisão judicial, são, exemplificativamente, aquelas totalmente afastadas de qualquer consenso científico ou refutadas inequivocamente pelo estado da arte do conhecimento especializado, aquelas que incorrem em erro grosseiro, aquelas que desconsideram elementos inequívocos cuja presença resultaria em inversão da decisão, como também, decorrentes de desvio de finalidade.

A nota decisiva para a atividade da Comissão e, se for o caso, para eventual intervenção judicial, é a constatação da identidade étnico-racial a partir da fenotipia. Daí que, por mais sinceros e merecedores de respeito que sejam, percepções subjetivas, ascendência e outras circunstâncias disso apartadas, elas não se revelam pertinentes para a solução do litígio. A revisão judicial reserva-se, pelos motivos expostos, aos casos onde, diante dos elementos ofertados, a decisão administrativa mostra-se insustentável, ultrapassando o campo da eventual divergência razoável ou até mesmo da dúvida.

Em demandas como esta, o contraste entre a decisão administrativa impugnada e a sustentação da parte autora é apresentado mediante a indicação de imagens fotográficas, reproduzidas digitalmente nas peças processuais. A utilização de fotografias digitalizadas requer cautela redobrada, dadas as variações nas propriedades imagéticas presentes, dificuldade essa que desautoriza intervenção judicial cujo pressuposto é, como referido, a constatação de decisão administrativa insustentável.

No caso concreto, as fotografias ofertadas (evento 1, RG3, evento 1, FOTO6, evento 1, FOTO7, evento 1, FOTO8, evento 1, FOTO9, evento 28, OUT10) não autorizam concluir por prolação de "decisão administrativa insustentável". Com a vênia da argumentação empreendida na inicial, tais elementos não conduzem à revisão judicial do ato impugnado. Ainda que possam desencadear divergência legítima de apreciação por parte de eventuais observadores, os registros fotográficos não se revelam elementos inequívocos que façam concluir por erro grosseiro, nem como elementos desprezados pela decisão que importariam em sua inversão, nem decisão insustentável.

Neste quadro, sem em nenhum momento questionar a sinceridade e a percepção íntima da demandante, muito menos a ancestralidade, o decisivo é a aferição da fenotipia atual da parte autora, cuja imagem, ainda que possa legitimamente fazer emergir percepções divergentes, não autoriza qualificar a decisão administrativa como insustentável.

Assim sendo, em sede de juízo rescisório, impõe-se o provimento do apelo da parte autora, para o fim de afastar a ocorrência de prescrição e, na forma do art. 1.013, §4º, do CPC, o julgamento de improcedência dos pedidos iniciais, na linha da fundamentação supra.

Ônus sucumbenciais

Procedente a ação em sede de juízo rescindendo, devem os requeridos suportar, pro rata, o pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor da parte autora, estes fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa.

Improcedente a ação em sede de juízo rescisório, deve a parte autora restar condenada ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa. Ante o deferimento da gratuidade da justiça, porém, resta suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais impostas à demandante.

Conclusão

Procedente a ação em sede de juízo rescindendo para, ante o reconhecimento da ocorrência de violação manifesta a normas legais, desconstituir o acórdão proferido na Apelação Cível n.º 5001069-47.2017.4.04.7110.

Provido o apelo da parte autora em sede de juízo rescindendo, para o fim de afastar a ocorrência de prescrição e, na forma do art. 1.013, §4º, do CPC, julgados improcedentes os pedidos iniciais.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação em sede de juízo rescindente, prover o apelo da parte autora em sede de juízo rescisório e, na forma do art. 1.013, §4º, do CPC, julgar improcedentes os pedidos iniciais.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003874426v5 e do código CRC 68a90f91.Informações adicionais da assinatura:
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Conferência de autenticidade emitida em 04/07/2024 04:02:13.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

ADVOGADO(A): LAURA BRAGA GOTUZZO (OAB RS102018)

ADVOGADO(A): FIDEL SAALFELD RIBEIRO (OAB RS086467)

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

VOTO DIVERGENTE

Com a vênia do eminente relator apresento divergência à conclusão alcançada quanto ao juízo rescisório.

Nesta rescisória a demandante suscita ter havido violação manifesta à norma jurídica no julgamento do processo nº 5001069-47.2017.4.04.7110, ajuizado em face da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH e pelo qual impugnava a não homologação de sua autodeclaração apresentada para concorrer às vagas reservadas na forma da Lei 12.990/14 junto ao concurso público promovido pela empresa pública.

Aponta a autora ter sido aplicada, em face da EBSERH, o previsto no art. 1º da Lei 7.144/83, que dispõe sobre o prazo prescricional de ação contra quaisquer atos relativos a concursos públicos e empregos na Administração Federal Direta e nas Autarquias Federais, o que violaria de forma manifesta o teor da aludida norma na medida em que àquela não seria oponível tal prazo porque caracterizada como empresa pública.

Com efeito, a rescisão de julgado com fundamento em violação de literal disposição de lei exige que a conclusão judicial seja flagrantemente contrária à ordem legal, manifestando inequívoco malferimento do direito objetivo. Para as hipóteses do art. 485, V, do CPC/73 e do art. 966, V, do CPC/2015, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça exige que tal violação seja direta e inequívoca, conforme se depreende dos recentes julgados:

RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. LEI N. 9.032/95.MAJORAÇÃO DO SEU PERCENTUAL. RETROAÇÃO AOS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTES DA SUA VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. DEVOLUÇÃO DA DIFERENÇA DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. PEDIDO RESCISÓRIO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1.
A rescisória fundada no inciso V do artigo 485 do CPC, por violação a literal disposição de lei, para ser admitida, requer a constatação, primo ictu oculi, de que a interpretação dada pelo acórdão rescindendo revela-se, de forma clara e inequívoca, contrária ao dispositivo de lei apontado, exigindo-se que o acórdão rescindendo tenha expressamente se manifestado acerca da norma legal e, ao apreciá-la, infringido a sua literalidade de forma direta e frontal.
(...)
5. Pedido rescindendo julgado parcialmente procedente para, no juízo rescisório, desprover o Recurso Especial.
(AR 4.179/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2018, DJe 05/10/2018 - grifei)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE - DELIBERAÇÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS AUTORES.
1.
Consoante orientação jurisprudencial do STJ "a violação a literal dispositivo de lei autoriza o manejo da ação rescisória apenas se do conteúdo do julgado que se pretende rescindir extrai-se ofensa direta a disposição literal de lei, dispensando-se o reexame de fatos da causa." (ut. AgRg no AREsp 450.787/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 26/05/2014) Precedentes: EDcl no AgRg no REsp 1184763/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 22/05/2014; (AgRg no AREsp 695.678/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2015, DJe 25/06/2015.
2. A antecipação de tutela em Ação Rescisória é medida excepcional e depende da presença de prova inequívoca da verossimilhança da alegação e do receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Elementos inexistentes na hipótese dos autos. Precedentes.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 610.134/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2017, DJe 29/03/2017 - grifei)

A respeito da alegada violação a literal dispositivo de lei ou norma jurídica, sabe-se que para reconhecê-la é necessário que tenha sido flagrante e inequívoca, o que se entende ocorrido nas hipóteses em que houve propriamente a negativa de vigência a norma imperativa ou quando se deixou de aplicá-la, acrescendo ainda a jurisprudência da Corte Superior a necessidade de que tenha havido expresso pronunciamento do órgão julgador a caracterizar a alegada a violação:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL.
SOLIDARIEDADE PASSIVA. PRAZO DECADENCIAL. INÍCIO. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO PROFERIDA NO ÚLTIMO RECURSO INTERPOSTO. SÚMULA 401/STJ. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO QUANDO DA PROPOSITURA DA AÇÃO. DESNECESSIDADE.
VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INOCORRÊNCIA. ERRO DE FATO CONFIGURADO. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE.
(...)
2. Tendo em vista não ser a presente
rescisória dirigida ao capítulo do acórdão que afastou uma das rés da demanda originária em virtude da ilegitimidade passiva, é dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário quanto àquela ré que não diga respeito ao capítulo rescindendo.
3. Não se mostra viável a ação rescisória ajuizada com base em violação à literal disposição de lei quando não há nenhum pronunciamento acerca das questões tidas como violadas na decisão que se pretende desconstituir. Precedentes.
(...)
(AR 5.064/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/02/2015, DJe 03/03/2015)

O preenchimento dos requisitos jurisprudenciais acerca da caracterização da hipótese prevista no inciso V do art. 966 do CPC encontram-se presentes haja vista o fato de a ação originária ter sido extinta com fundamento no reconhecimento expresso da prescrição nos termos do art. 1º da Lei 7.144/83 tanto em primeiro grau quanto por esta Corte.

Assim, dado que a ação originária foi proposta dentro do prazo prescricional quinquenal previsto no art. 1º do Dec. 20.910/32, tem-se como superada a prejudicial de mérito.

Nesse tópico, portanto, convirjo à conclusão alcançada pelo relator no sentido da procedência do juízo rescindendo.

Em juízo rescisório, no entanto, em que pese os admiráveis e contundentes fundamentos elaborados pelo eminente relator, apresento divergência por entender que, a partir dos parâmetros estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADC 41, há de prevalecer, no caso presente, o conteúdo da autodeclaração da candidata para a finalidade da reserva de vagas a que se refere a Lei 12.990/14

De fato, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, declarou a integral constitucionalidade da Lei 12.990/2014, conferindo interpretação conforme à Constituição ao parágrafo único do artigo 2º para entender legítimo o controle da autodeclaração a partir de critérios subsidiários de heteroidentificação, devendo ser respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa (ADC 41, Tribunal Pleno, rel. Ministro Luiz Roberto Barroso, julgado em 8-6-2017).

O artigo 2º da Lei 12.990/2014 atrelou a garantia de participação no concurso público com reserva de vagas aos que se autodeclarassem pretos ou pardos "conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE".

Rafael Guerreiro Osório, pesquisador da Diretoria de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, em artigo intitulado "A classificação de cor ou raça do IBGE revisitada", contido na obra "Estudos e Análises, Informação Demográfica e Socieconômica, Características Étnico-Raciais da População, Classificação e Identidades" produzida pelo IBGE, bem alerta para a situação peculiar identificada na sociedade brasileira acerca da autoafirmação e da autoidentificação a partir do preconceito racial que há muito assola e prejudica o desenvolvimento do país nesse aspecto. Assim, considerando a influência social acerca do preconceito racial que notoriamente ainda se faz presente na sociedade brasileira, o pesquisador concluiu ser o critério adotado pelo IBGE – autodeclaração e, subsidiariamente, heteroatribuição – o mais adequado:

Globalmente, as evidências da PCERP 2008 mostram que o sistema de classificação racial do IBGE continua adequado, pois a população em geral sabe qual é seu enquadramento, definido principalmente pela cor da pele, e a maioria usa uma das categorias do Instituto espontaneamente para se classificar. Além disso, a PCERP 2008 revelou que a população representada majoritariamente considera que a cor ou a raça influencia a vida das pessoas, o que reforça a necessidade de continuidade dos estudos sobre as consequências do pertencimento a grupos raciais. A autoatribuição funciona tão bem quanto a heteroatribuição, dado o baixo grau de discordância entre entrevistadores e entrevistados, concentrado nos tipos limítrofes, mais difíceis de serem classificados. Obviamente, a classificação não é absolutamente precisa ou objetiva, e nem poderia ser, pois o fenômeno que pretende captar varia circunstancialmente. As categorias abrangentes e de fronteiras fluidas da classificação permitem lidar com essa imprecisão: embora não se possa, a partir dos resultados de seu emprego, saber exatamente qual é o fenótipo nacional ideal do pardo, ou do preto, ou do branco, sabe-se que identificou pessoas que se enquadram nessas categorias em seus contextos relacionais locais.
(grifou-se)

Vê-se, portanto, que apesar de ter sido identificada a equiparação funcional entre o critério da autoatribuição e da heteroatribuição na maior parte dos casos, há tipos limítrofes nos quais a divergência entre ambos os critérios deve ser aferida casuisticamente.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 41, a par de ratificar o critério da autodeclaração como lídimo à participação do candidato na política afirmativa destinada à reserva de vagas em concursos públicos, consignou que o controle da administração sobre a autodeclaração seria válido e necessário à fiscalização daquela política, sob pena de se desvirtuar sua finalidade, bem como os demais valores que a sociedade brasileira busca fazer valer em suas mais diversas relações.

Em sua antecipação de voto, o relator daquela ação, Ministro Luiz Roberto Barroso, em reflexão precisa sobre o tema assim se posicionou sobre o controle de fraudes na situação ora em debate:

Quanto à questão da autodeclaração, essa é uma das questões mais complexas e intrincadas em uma política de ação afirmativa, porque, evidentemente, você deve respeitar as pessoas tal como elas se autopercebem. Assim, pode ser que alguém que eu não perceba como negro se perceba como negro, ou vice-versa. Essa é uma questão semelhante à que enfrentamos aqui na discussão sobre transgêneros e de acesso a banheiro público. Às vezes, a pessoa tem fisiologia masculina, mas um psiquismo feminino ou vice-versa. E, nesse caso, obrigar alguém que se perceba como mulher a frequentar um banheiro masculino é altamente lesivo à sua dignidade, ao seu direito fundamental. Assim, como regra geral, deve-se respeitar a autodeclaração, como a pessoa se percebe. Porém, no mundo real, nem sempre as pessoas se comportam exemplarmente, e há casos - e, às vezes, eles se multiplicam - de fraude.

Portanto, o que a Lei 12.990 faz? Ela estabelece, como critério principal, a autodeclaração, mas permite que, no caso de uso irregular, inveraz, desonesto da autodeclaração, haja algum tipo de controle. É o que diz o parágrafo único do artigo 2º:

"Art. 2º, Parágrafo único - Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis."

Assim, a meu ver, não é incompatível com a Constituição, respeitadas algumas cautelas, que se faça um controle heterônomo, sobretudo, nos casos em que haja fundadas razões para acreditar que houve abuso na autodeclaração.

A hipótese de controle de fraudes é para evitar, de um lado, que o candidato tente fraudar a reserva de vagas e, de outro lado, para evitar que a Administração tente fraudar a política, por exemplo, abrindo concursos sem reservar as vagas.

Mais adiante, o Ministro destacou que a fraude à política de ação afirmativa tanto pode ser oriunda de uma conduta indesejada daquele que busca se valer de forma indevida da reserva de vagas como de uma conduta da própria Administração Pública, quando, sob o pretexto de exercer o controle daquela política, vai de encontro a ela ao restringir seu alcance ou desvirtuar seus objetivos.

Além disto, o Ministro também destacou, em conclusão, que nas hipóteses que se enquadrarem em zonas cinzentas, prevalecerá o critério da autodeclaração da identidade racial, devendo-se impedir que a Administração Pública se furte ao cumprimento da lei, veja-se:

Por fim, deve-se ter bastante cautela nos casos que se enquadrem em zonas cinzentas. Nas zonas de certeza positiva e nas zonas de certeza negativa sobre a cor (branca ou negra) do candidato, não haverá maiores problemas. Porém, quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial.

69. Por fim, deve-se impedir que a administração pública possa se furtar ao cumprimento da lei, mediante artifícios que limitem o seu alcance ou impeçam a incidência da reserva de vagas em determinados concursos. Os órgãos públicos são obrigados a conferir aos dispositivos da Lei nº 12.990/2014 a interpretação mais favorável à concretização dos seus objetivos. (grifou-se)

Nesse mesmo sentido, a manifestação naquele julgamento do Ministro Alexandre de Moraes, na mesma linha do que também preconizado pela Ministra Cármen Lúcia, para quem o procedimento de avaliação da autodeclaração do candidato deverá a ele garantir a ampla produção de provas:

Diante da necessidade de manter a fidelidade teleológica das ações afirmativas de recorte racial, considera-se relevante que a Corte estabeleça interpretação conforme à Constituição do artigo 2º, parágrafo único, da Lei 12.990/2014, para fixar que: a) é mandatória a realização de fase apuratória da veracidade das declarações dos candidatos interessados em concorrer às vagas reservadas aos negros; e b) nesse procedimento, deve ser priorizada a avaliação de natureza documental, fundada em fotografias e documentos públicos, figurando a entrevista como opção residual.

O Ministro Edson Fachin, de igual forma, contribuiu de maneira inequívoca para elucidar a finalidade do ato da administração no exercício do controle da autodeclaração do candidato:

À luz desse entendimento, a leitura do art. 2º, e de seu parágrafo único, da Lei 12.990 poderia indicar, dentre outras interpretações possíveis, que o critério adotado pelo legislador é apenas o da autoidentificação e que a apuração de eventual fraude, ou seria inconstitucional, na medida em que admitiria um terceiro interveniente, ou deveria ser provada por má-fé, porquanto a falsa declaração recai sobre a própria pessoa. O argumento da inconstitucionalidade é facilmente afastado: é a própria jurisprudência desta Corte que admite a heteroidentificação.

(...)

Na esteira desse entendimento, a interpretação a ser dada ao dispositivo constante do art. 2º deveria necessariamente conduzir a rejeição do critério de heterorreconhecimento, não por sua inconstitucionalidade, mas porque a opção legislativa envolveria apenas um controle de fraude relativamente à autoidentificação. Nessa linha de compreensão, se a declaração é uma verdade sobre o próprio sujeito, a fraude só poderia ser apurada por má-fé, tendo em vista que é a essência da má-fé implica, como falava Jean Paul Sartre, "que o mentiroso está em posse completa da verdade que ele esconde" (SARTRE, Jean Paul. Bad Faith. The Philosophy of Existencialism. Selected Essays . Tradução livre). Assim, o critério legal de fraude só poderia ser empregado se o autor da declaração reconhece-se não abrangido pela política afirmativa, mas ainda assim declarasse estar nela incluso. (grifou-se)

É possível, assim, concluir que a constitucionalidade da Lei 12.990/2014 declarada pelo Supremo Tribunal Federal trouxe parâmetros contundentes ao dar interpretação conforme à Constituição Federal ao parágrafo único do artigo 2º daquele diploma, no sentido de que a autodeclaração do candidato deve prevalecer, sendo, contudo, possível o controle pela administração do ato de declaração como forma de ratificação da política pública de ação afirmativa, o que significa dizer que será ilegal, porque contrário à finalidade, o ato administrativo que desconsiderar a autodeclaração firmada pelo candidato sem que seja comprovada, a partir da garantia do contraditório e da ampla defesa, a intenção fraudulenta daquele que pretende se valer da reserva de vagas.

Com efeito, especialmente em razão das características do preconceito racial na sociedade brasileira e de seus efeitos históricos e já, infelizmente, incrustados no agir da população objeto do preconceito, a autodeclaração representa não só a confirmação de um fenótipo, mas também a exteriorização do sentimento de pertencimento a um determinado grupo social estigmatizado pelo preconceito. A miscigenação característica da sociedade brasileira há séculos, é certo, dificulta o estabelecimento de parâmetros objetivos para que se possa definir com precisão a parcela da sociedade brasileira considerada preta ou parda. Há notoriamente uma dificuldade científica de se fazê-lo. O que não deve, contudo, obstar que o Estado torne efetiva a política de reparação histórica, através de uma política afirmativa, à população neste aspecto estigmatizada.

É dizer, em que pese os traços fenótipos serem critérios primordiais para a aferição da validade da autodeclaração, não se olvida que a primazia da autodeclaração busca justamente assegurar ao indivíduo que, ainda que não detenha traços externos marcantes, tenha experimentado os efeitos nefastos do preconceito racial durante seu desenvolvimento humano. Não se está a admitir, como não se admite pela legislação, que a hereditariedade seja critério subsidiário a tanto. Mas que, em hipóteses para as quais os traços fenótipos sejam objeto de controvérsia, é dizer, que a heteroidentificação realizada pela Administração vá de encontro ao conteúdo da autodeclaração do candidato, seja permitido que este demonstre que, a despeito da controvérsia concreta acerca da fenotipia, esta, aliada às demais provas a serem apresentadas, revela-se harmônica à finalidade da lei.

Nesse contexto, o Judiciário não tem se eximido do seu papel, tendo adentrado à análise da questão, não com o intento de corrigir a heteroidentificação feita na via administrativa, mas tão somente para fazer valer o regramento, mais especificamente, a prevalência da presunção de veracidade da autodeclaração quando existente a dúvida a respeito da classificação do fenótipo do candidato e, simultaneamente, não suficientemente motivados ou legalmente embasados os critérios outros adotados para o fim suplantá-la.

Nesse sentido, transcrevo alguns julgados desta Corte:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INSCRIÇÃO NO VESTIBULAR DA UNIPAMPA PARA CANDIDATO EGRESSO DO SISTEMA PÚBLICO DE ENSINO MÉDIO, INDEPENDENTE DE RENDA FAMILIAR, AUTODECLARADO PRETO, PARDO OU INDÍGENA. COMISSÃO DE HOMOLOGAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. 1. Esta Terceira Turma tem se posicionado por entender que o rigor judicial em relação ao dever de fundamentação das decisões proferidas nos procedimentos administrativos das Comissões de Heteroidentificação não pode se sobrepor à realidade da situação analisada, sob pena de se chancelar que candidatos brancos continuem ocupando as vagas destinadas aos candidatos negros (pretos ou pardos). Existem casos nos quais haverá dúvida quanto ao enquadramento do sujeito como negro, principalmente os negros pardos, uma vez que raramente as comissões de concurso deixam de validar a autodeclaração de negros pretos. Nesses casos, a comissão de heteroidentificação terá de buscar elementos de convicção subsidiários para fundamentar a decisão sobre a pessoa fazer jus ou não à vaga de cotista. 2. No caso dos autos, as fotografias constantes da petição inicial, revelando a aparência parda da candidata, bem como a de seus ascendentes, são suficientes, no mínimo, para que haja dúvida razoável sobre a sua alegada condição de pessoa parda. 3. A decisão agravada merece reforma, para que seja deferido pedido de liminar em mandado de segurança "no sentido de ordenar a Universidade Federal do Pampa, para que realize, incontinenti, a inscrição da Impetrante no curso de medicina dentro das cotas raciais[...]". (TRF4, AG 5042860-44.2021.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 03/02/2022)

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. COTAS PARA CANDIDATO COM FENOTIPIA DE NEGRO OU PARDO. AUTODECLARAÇÃO. EXAME NA VIA ELEITA. POSSIBILIDADE. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DEMONSTRAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO. - Havendo nos autos prova pré-constituída que demonstram os traços do fenotipo de negro ou de pardo do impetrante, autorizado está o exame do pedido na estreita via do mandado de segurança, oportunizando o reconhecimento do alegado direito líquido e certo, com a consequente concessão da segurança reclamada. (TRF4 5010154-42.2020.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 06/12/2021)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS PARA CANDIDATOS NEGROS. LEI N.º 12.990/2014. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL DA DECISÃO DE COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO DA VERACIDADE DA AUTODECLARAÇÃO RACIAL. PROVA DA ILEGALIDADE DA DECISÃO. 1. A reserva de um percentual das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta às pessoas negras foi estabelecida pela Lei n.º 12.990/2014, declarada integralmente constitucional pelo Plenário do STF, no julgamento da ADC 41. 2. Diante da necessidade de mecanismos de controle, para evitar-se o desvirtuamento das finalidades da política pública, estabeleceu a Suprema Corte, no julgamento da ADC 41, que é "legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa". 3. Não há óbice à revisão pelo Poder Judiciário, inclusive na via mandamental, dos atos das comissões de verificação da veracidade da autodeclaração racial, para fins de ingresso de candidatos habilitados em concursos públicos às vagas reservadas por cotas raciais, quando constatada a ilegalidade dessa avaliação. 4. Existindo, no caso, demonstração de ilegalidade no ato de exclusão da impetrante da lista de candidatos habilitados às vagas reservadas aos candidatos negros, é de ser concedida a segurança. (TRF4 5026007-91.2020.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator para Acórdão JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 03/12/2021)

No caso dos autos, a demandante participou do concurso público 02/2015 para contratação pela EBSERH no cargo de Técnica em Enfermagem com lotação no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas, cujo edital previa a reserva de vagas na forma da Lei 12.990/14.

Entretanto, sua participação no certame para tais vagas foi indeferida pelo Edital nº 47 (E1 - EDITAL10 dos autos originários) sem a apresentação de fundamentação idônea a tanto, motivo da insurgência da requerente.

Os documentos e fotos acostados aos autos confirmam a cor da pele parda da candidata (E1 - FOTO6 a FOTO9) a demonstrar que ela preenche as características para a aprovação no processo seletivo pelo sistema de cotas, pois demonstrado que tem fenótipo situado, no mínimo, em zona cinzenta, junto à qual, como acima abordado, preconiza o entendimento do Supremo Tribunal Federal que haverá de prevalecer o conteúdo da autodeclaração, salvo inequívoca má-fé do postulante, o que não parece ser o caso dos autos.

Nessa medida, em juízo rescisório, julgo procedente o pedido apresentado pela autora nos autos do processo nº 5001069-47.2017.4.04.7110 para o fim de declarar seu direito a concorrer às vagas reservadas pela Lei 12.990/14 junto ao Concurso Público 02/2015 regido pelo Edital nº 03 EBSERH, assegurando-lhe, em virtude disso, todos os direitos e vantagens correspondentes à classificação obtida.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por julgar procedente a presente ação rescisória para, em juízo rescindente, desconstituir a coisa julgada formada nos autos do processo n º 5001069-47.2017.4.04.7110 com fundamento no art. 966, V, do CPC, e, em juízo rescisório, julgar procedente o pedido apresentado naquela ação para o fim de reconhecer o direito da autora à participação no referido processo seletivo junto às vagas reservadas pela Lei 12.990/14.



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Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

VOTO COMPLEMENTAR

Em atenção aos argumentos veiculado por ocasião da sustentação oral ocorrida na sessão de julgamentos de 30/11/2023, perante a Corte Especial deste Regional, e levando em conta especialmente a referência constante da peça inicial do processo originário à ocorrência de vícios no procedimento adotado por ocasião da realização de entrevista para a confirmação de autodeclaração como negro/pardo no concurso público realizado pela EBSERH, passo a proferir voto complementar. ​

Pois bem, quanto à entrevista para confirmação de autodeclaração como negro/pardo, o Edital n.º 3/2015 do concurso público realizado pela EBSERH assim previa em seus tópicos 5.7 e 5.8 (evento 28, EDITAL4):

5.7 Os candidatos inscritos como negros e aprovados nas etapas do Concurso Público, serão convocados pelo Instituto AOCP, para Entrevista de confirmação da autodeclaração como negro, com a finalidade de atestar o enquadramento conforme previsto na Lei nº 12.990/2014.

5.7.1 O não comparecimento ou a reprovação na Entrevista de confirmação da autodeclaração como negro acarretará a perda do direito às vagas reservadas aos candidatos negros e eliminação do concurso, caso não tenha atingido os critérios classificatórios da ampla concorrência.

5.7.2 A avaliação da Comissão quanto à condição de pessoa preta ou parda considerará os seguintes aspectos:

5.7.2.1 a) informação prestada no ato da inscrição quanto à condição de pessoa preta ou parda; b) autodeclaração assinada pelo(a) candidato(a) no momento da Entrevista de confirmação da autodeclaração como negro, ratificando sua condição de pessoa preta ou parda, indicada no ato da inscrição; c) fenótipo apresentado pelo(a) candidato(a) em foto(s) tirada(s) pela equipe do Instituto AOCP no momento da Entrevista de confirmação da autodeclaração como negro.

5.7.3 O(A) candidato(a) será considerado(a) não enquadrado(a) na condição de pessoa preta ou parda quando:

5.7.3.1 Não cumprir os requisitos indicados no subitem 5.7.2.

5.7.3.2 Negar-se a fornecer algum dos itens indicados no subitem 5.7.2, no momento solicitado pelo Instituto AOCP.

5.7.3.3 Houver unanimidade entre os integrantes da Comissão quanto ao não atendimento do quesito cor ou raça por parte do(a) candidato(a).

5.8 Quanto ao não enquadramento do candidato da reserva de vaga para negros, caberá pedido de recurso, conforme o disposto no item 12 deste Edital.

​A parte autora da ação, por outro lado, alega, em breve síntese, a ocorrência de vícios procedimentais, conforme trecho da peça inicial que ora reproduzo (evento 1, INIC1):

"(...) A Autora foi aprovada na prova objetiva com 51 pontos, conforme demonstra boletim de desempenho em anexo (Edital nº 34), sendo chamada para ENTREVISTA DE CONFIRMAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO COMO NEGRO/PARDO.

A citada ENTREVISTA foi agendada para o dia 20/06/2015. Nesse dia, a autora e seus concorrentes assinaram a autodeclaração de pessoa negra/parda, assim como foram enfileirados e obrigados a segurarem uma placa com o número de inscrição. Após, foram posicionados diante da comissão do concurso que tirou uma fotografia de frente e outra de perfil de cada candidato.

Nesse sentido, não foi realizada qualquer pergunta ou solicitação de documentos aos candidatos. O nome “entrevista” não passou de uma mera formalidade editalícia, visto que após a fotografia os candidatos foram dispensados e orientados a aguardarem a publicação do resultado sobre o deferimento ou não da condição de negro/pardo.

Oportuno destacar que as fotos não foram disponibilizadas a Autora para que pudesse verificar a “condição” que foram tiradas ou, ainda, contestar o matiz e demais condições técnicas que deram o resultado às fotos.

Em síntese, a aludida “entrevista”, na verdade, não passou de mera assinatura em declaração racial pré-elaborada pela comissão, somada às fotografias raciais exigidas dos autodeclarados negros/pardos. (...)" (destaquei)

Como se vê, o próprio relato feito pela parte autora da ação - de cujo excerto destaquei o reconhecimento de que o procedimento de avaliação de autodeclarações deu-se na presença dos membros integrantes da respectiva comissão - permite concluir pela inexistência de qualquer vício ou nulidade no procedimento adotado pela Comissão de confirmação de autodeclaração.

Com efeito, está claro que o procedimento levou em consideração a autodeclaração firmada pelos candidatos, que foi realizada sessão presencial de confirmação da autodeclaração, momento em que foram, de tato, extraídas fotografias dos candidatos - estas, a toda evidência, para o fim de registrar e arquivar o momento da entrevista - e que o julgamento da correção da autodeclaração de cada candidato se deu mediante avaliação pessoal e presencial de cada um dos membros da Comissão, através do exame de características fenotípicas, conforme consta de parecer fundamentado exarado pela Comissão ao final do procedimento (evento 28, OUT9).

Noutras linhas, não se desincumbiu a parte autora da ação de demonstrar, de forma inequívoca, a ocorrência de vícios nos procedimentos adotados pela Comissão de confirmação de autodeclaração.

Com tais considerações, ratifico o voto anteriormente proferido.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação em sede de juízo rescindente, prover o apelo da parte autora em sede de juízo rescisório e, na forma do art. 1.013, §4º, do CPC, julgar improcedentes os pedidos iniciais.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004268895v3 e do código CRC 99b958da.Informações adicionais da assinatura:
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Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMAS JURÍDICAS. OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS EM EMPRESA PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. DECRETO N.º 20.910/32. DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÕES AFIRMATIVAS. AUTODECLARAÇÃO E HETEROIDENTIFICAÇÃO ÉTNICO-RACIAL. OBJETIVOS E DESTINATÁRIOS DAS AÇÕES AFIRMATIVAS. POLÍTICAS PÚBLICAS E IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL NEGRA (PESSOAS PRETAS E PARDAS). MANDADO DE SEGURANÇA E CONTROLE JUDICIAL.

1. A violação manifesta apta a autorizar a rescisão de decisão judicial transitada em julgado deve decorrer de contrariedade direta e inequívoca entre o comando judicial exarado e a norma jurídica invocada, não se prestando a via rescisória, por outro lado, à correção de eventual injustiça da decisão ou ao reexame de provas e argumentos. Precedentes do STJ.

2. Incide em violação manifesta ao disposto no art. 1º da Lei n.º 7.144/83 a decisão judicial que aplica o prazo prescricional previsto em tal norma a concurso público para provimento de cargos em empresa pública integrante da administração indireta, dado que o dispositivo em comento possui aplicação restrita à Administração Federal Direta e às Autarquias Federais.

3. Caso em que, nos termos do art. 1º do Decreto n.º 20.910/32, não ocorreu a prescrição para a parte autora questionar o resultado do concurso objeto da ação.

4. No âmbito do Direito Constitucional e do Direito da Antidiscriminação, ações afirmativas são medidas que, conscientes da situação de discriminação vivida por certos indivíduos e grupos, visam a combater tal injustiça, por meio da adoção de medidas concretas.

5. A tarefa da comissão é identificar, à luz dos fins e do horizonte da política pública, quem é destinatário das ações afirmativas como beneficiário, jamais proceder a classificações identitárias étnico-raciais ou atribuição delas para outros fins, para outras políticas ou para outras esferas.

6. A autodeclaração é ponto de partida legítimo para a definição identitária quanto ao pertencimento aos grupos destinatários das ações afirmativa.

7. A tarefa heteroidentificatória da comissão não implica derrogação da autodeclaração, mas atividade complementar e necessária, dissipando dúvidas e via de regra confirmatória da autodeclaração, visando à consecução dos objetivos das ações afirmativas.

8. No exercício de sua tarefa heteroidentificatória, a comissão deve corrigir eventual autoatribuição identitária dissonante dos fins da política pública, iniciativa que não se confunde com lugar para a confirmação de percepções subjetivas ou satisfação de sentimentos pessoais, cuja legitimidade não se discute nem menospreza, mas que não vinculam, nem podem dirigir, a política pública.

9. Na atividade de identificação étnico-racial, o que importa, tanto para a autodeclaração, quanto para a heteroidentificação, é a "raça social", uma vez que a discriminação e a desigualdade de oportunidades atuam de modo relacional, no contexto das relações sociais e intersubjetivamente.

10. A previsão de consideração exclusiva dos aspectos fenotípicos, presente na política pública, deve ser compreendida contextualmente, uma vez que a compreensão da raça social, da identidade racial e do racismo subjacentes às ações afirmativas é sociológica, política, cultural e histórica, e não em investigações biológicas.

11. A autodeclaração requer interpretação cuidadosa, livre de preconceitos ou desconfianças prévias de dolo ou simulação quando legitimamente questionada a identidade autoatribuída, dada a complexidade do fenômeno identitário, onde um mesmo indivíduo pode experimentar uma multiplicidade de identidades nos diversos ambientes em que vive e transita, num mesmo momento ou ao longo de sua trajetória de vida.

12. A comissão pode concluir por identidade étnico-racial diversa daquela inicialmente autodeclarada, sem que esteja presente má-fé, em virtude de conclusão por identidade étnico-racial social diversa daquela autodeclarada.

13. A imputação de declaração falsa na autoatribuição identitária, decorrente do compromisso institucional com a higidez da política pública, deve ser reservada para a hipótese em que efetivamente o candidato tenha agido conscientemente de má-fé, em situações onde não paire dúvida.

14. Nas ações afirmativas, não está em questão pretensa "verdade sobre a raça", muito menos atuação de "tribunal racial"; a função da comissão é, atenta às dinâmicas concretas de discriminação, identificar os destinatários da política pública.

15. A invocação de "mestiçagem" étnico-racial, antes de inviabilizar, reforça a importância da tarefa das comissões, pois este fenômeno, ao contrário de dissolver, perpetua discriminações ("a mistura racial nunca é representada exatamente como fusão; opera, seja positivamente (no branqueamento) ou negativamente (quando pensada como enegrecimento), algum tipo de hierarquia").

16. No controle judicial da atividade das comissões há que observar a legitimidade das decisões administrativas, sendo insubsistentes juridicamente "conclusões administrativas insustentáveis", tais como aquelas afastadas de qualquer consenso científico ou refutadas inequivocamente pelo estado da arte do conhecimento especializado, aquelas que incorrem em erro grosseiro e aquelas que desconsideram elementos inequívocos cuja presença resultaria em inversão da decisão, como também, decorrentes de desvio de finalidade.

17. Caso em que os registros fotográficos ofertados nos autos não autorizam concluir por prolação de "decisão administrativa insustentável", impondo-se a improcedência dos pedidos.

18. Ação julgada procedente em sede de juízo rescindente, provido o apelo da parte autora em sede de juízo rescisório, para o fim de afastar a ocorrência de prescrição, e, na forma do art. 1.013, §4º, do CPC, julgados improcedentes os pedidos iniciais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos os Desembargadores Federais CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, PAULO AFONSO BRUM VAZ, JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS e ROGERIO FAVRETO, julgar procedente a ação em sede de juízo rescindente, prover o apelo da parte autora em sede de juízo rescisório e, na forma do art. 1.013, §4º, do CPC, julgar improcedentes os pedidos iniciais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de junho de 2024.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003874427v5 e do código CRC 5af4e731.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/09/2023 A 09/10/2023

Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

ADVOGADO(A): LAURA BRAGA GOTUZZO (OAB RS102018)

ADVOGADO(A): FIDEL SAALFELD RIBEIRO (OAB RS086467)

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/09/2023, às 00:00, a 09/10/2023, às 16:00, na sequência 12, disponibilizada no DE de 19/09/2023.

Certifico que a 2ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL ROGER RAUPP RIOS NO SENTIDO DE JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO EM SEDE DE JUÍZO RESCINDENTE, PROVER O APELO DA PARTE AUTORA EM SEDE DE JUÍZO RESCISÓRIO E, NA FORMA DO ART. 1.013, §4º, DO CPC, JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ANTONIO BONAT, A JUÍZA FEDERAL ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO, O DESEMBARGADOR FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, A DESEMBARGADORA FEDERAL VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA E O DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO PEDRO GEBRAN NETO E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR NO SENTIDO DE JULGAR PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO RESCISÓRIA PARA, EM JUÍZO RESCINDENTE, DESCONSTITUIR A COISA JULGADA FORMADA NOS AUTOS DO PROCESSO N º 5001069-47.2017.4.04.7110 COM FUNDAMENTO NO ART. 966, V, DO CPC, E, EM JUÍZO RESCISÓRIO, JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO APRESENTADO NAQUELA AÇÃO PARA O FIM DE RECONHECER O DIREITO DA AUTORA À PARTICIPAÇÃO NO REFERIDO PROCESSO SELETIVO JUNTO ÀS VAGAS RESERVADAS PELA LEI 12.990/14, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELOS DESEMBARGADORES FEDERAIS MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS E ROGERIO FAVRETO, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC, PARA ENCAMINHAMENTO NOS TERMOS DO ART. 111 DO REGIMENTO INTERNO.

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT

Votante: Juíza Federal ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO

Votante: Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

LEONARDO FERNANDES LAZZARON

Secretário

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha a Divergência - GAB. 43 (Des. Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS) - Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS.

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 121 (Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO) - Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO.

Acompanho o(a) Relator(a)

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 41 (Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE) - Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE.

Acompanho o(a) Relator(a)

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 123 (Des. Federal GISELE LEMKE) - Juíza Federal ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO.

Acompanho o(a) Relator(a)

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 122 (Des. Federal LUIZ ANTONIO BONAT) - Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT.

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 44 (Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA) - Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA.

Acompanha a Divergência - GAB. 31 (Des. Federal ROGERIO FAVRETO) - Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO.



Conferência de autenticidade emitida em 04/07/2024 04:02:13.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 30/11/2023

Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

PROCURADOR(A): ANA LUISA CHIODELLI

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: FIDEL SAALFELD RIBEIRO por PRISCILA CONCEICAO

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

ADVOGADO(A): LAURA BRAGA GOTUZZO (OAB RS102018)

ADVOGADO(A): FIDEL SAALFELD RIBEIRO (OAB RS086467)

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 30/11/2023, na sequência 16, disponibilizada no DE de 20/11/2023.

Certifico que a Corte Especial, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS A LEITURA DO RELATÓRIO E A SUSTENTAÇÃO ORAL PELO DR. FIDEL SAALFELD RIBEIRO REPRESENTANTE DE PRISCILA CONCEICAO, O JULGAMENTO FOI SUSPENSO POR INDICAÇÃO DO RELATOR.

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 04/07/2024 04:02:13.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 25/04/2024

Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

PROCURADOR(A): ANA LUISA CHIODELLI

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

ADVOGADO(A): LAURA BRAGA GOTUZZO (OAB RS102018)

ADVOGADO(A): FIDEL SAALFELD RIBEIRO (OAB RS086467)

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 25/04/2024, na sequência 25, disponibilizada no DE de 15/04/2024.

Certifico que a Corte Especial, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

RETIRADO DE PAUTA.

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 04/07/2024 04:02:13.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/06/2024 A 27/06/2024

Ação Rescisória (Seção) Nº 5010034-96.2020.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

PROCURADOR(A): ANA LUISA CHIODELLI

AUTOR: PRISCILA CONCEICAO

ADVOGADO(A): LAURA BRAGA GOTUZZO (OAB RS102018)

ADVOGADO(A): FIDEL SAALFELD RIBEIRO (OAB RS086467)

RÉU: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH

RÉU: INSTITUTO AOCP

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/06/2024, às 00:00, a 27/06/2024, às 16:00, na sequência 24, disponibilizada no DE de 11/06/2024.

Certifico que a Corte Especial, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DOS DESEMBARGADORES FEDERAIS MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS E CELSO KIPPER ACOMPANHANDO O RELATOR E OS VOTOS DOS DESEMBARGADORES FEDERAIS PAULO AFONSO BRUM VAZ, JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA E VÂNIA HACK DE ALMEIDA ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, A CORTE ESPECIAL DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES FEDERAIS CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, PAULO AFONSO BRUM VAZ, JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS E ROGERIO FAVRETO, JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO EM SEDE DE JUÍZO RESCINDENTE, PROVER O APELO DA PARTE AUTORA EM SEDE DE JUÍZO RESCISÓRIO E, NA FORMA DO ART. 1.013, §4º, DO CPC, JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha a Divergência - GAB. CORREG (Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA) - Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA.

Acompanha a Divergência - GAB. 91 (Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ) - Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ.

Com a vênia do i. Relator, diante das fotos 6 a 9 do feito originário (processo 5001069-47.2017.4.04.7110/RS, evento 1, FOTO6), acompanho o voto divergente no sentido de julgar procedente a presente ação rescisória para, em juízo rescindente, desconstituir a coisa julgada formada nos autos do processo n º 5001069-47.2017.4.04.7110 com fundamento no art. 966, V, do CPC, e, em juízo rescisório, julgar procedente o pedido apresentado naquela ação para o fim de reconhecer o direito da autora à participação no referido processo seletivo junto às vagas reservadas pela Lei 12.990/14.

Acompanho integralmente a divergência inaugurada pelo Desembargador Candido Alfredo Silva Leal Júnior.

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 92 (Des. Federal CELSO KIPPER) - Desembargador Federal CELSO KIPPER.

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 101 (Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO) - Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO.

Acompanho o(a) Relator(a)

Acompanha a Divergência - Vice-Presidência - Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA.

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 111 (Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS) - Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS.

Acompanho o(a) Relator(a)

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 21 (Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE) - Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE.

Acompanho o(a) Relator(a)



Conferência de autenticidade emitida em 04/07/2024 04:02:13.

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