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ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. REALOCAÇÃO DE FAMÍLIAS. MORADIAS DIGNAS. RESPONSABILIDADEÁREA NON AEDIFICANDI. LEI...

Data da publicação: 05/05/2023, 07:00:59

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. REALOCAÇÃO DE FAMÍLIAS. MORADIAS DIGNAS. RESPONSABILIDADEÁREA NON AEDIFICANDI. LEI Nº 13.913/2019. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. É cediço na jurisprudência a orientação no sentido de que as condições da ação, inclusive a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial, sem qualquer incursão no mérito da demanda ou instrução probatória (STJ, AgInt no AREsp n. 2.056.137/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/9/2022, DJe de 23/9/2022). Nessa perspectiva, é inafastável a legitimidade da ANTT, em face da alegação de que foi omissa no cumprimento do dever legal. A existência, ou não, de efetiva responsabilidade é questão atinente ao mérito da lide e, como tal, deve ser examinada. 2. Tratando-se de imóveis situados em área urbana, incide a atual redação do art. 4º, §5º da Lei nº 6.776/79, dada pela Lei nº 13.913/2019, e, por consequência, evidenciada a existência de fato novo superveniente decorrente da alteração legislativa em questão, sobressai a perda do interesse processual em relação à área non aedificandi. 3. A faixa de domínio de rodovia (constituída pela pista de rolamento, canteiros, acostamentos e sinalização, estendendo-se até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou do espaço de recuo) pertence à União e é indispensável à segurança na utilização das pistas de rolamento e à eventual ampliação e manutenção destas. 4. Desse modo, estando as edificações em situação de irregularidade em razão de ocupação indevida de domínio de bem público, o seu desfazimento é medida que se impõe. 5. Não cabe à concessionária, tampouco à ANTT -, ante o seu papel regulatório de supervisão e de fiscalização sobre a prestação de serviços e exploração das rodovias e ferrovias federais e respectivas faixas de domínio -, a assunção de responsabilidades no campo de políticas públicas ligadas ao direito à moradia. Tal intento deve ser buscado em demanda própria, individual ou coletiva, em face do Poder Público. 6. A previsão de custeio no caso de desocupação da faixa de domínio não está relacionada à realocação dos particulares, mas, sim, a todos custos que se incorrerá para efetivamente desocupar a área, como é o caso do monitoramento da área, do ajuizamento de ações de reintegração de posse e de demolição de eventuais construções. (TRF4, AC 5005916-26.2016.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 27/04/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005916-26.2016.4.04.7208/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (RÉU)

APELANTE: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (RÉU)

APELADO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (AUTOR)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

INTERESSADO: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas contra sentença proferida nos seguintes termos:

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, afasto as preliminares, nos termos da fundamentação, e resolvo o mérito (art. 487, inciso I, CPC) JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pleito inicial para:

(1) CONFIRMAR a decisão de ev. 160 e CONDENAR o Município de Itajaí a elaborar e apresentar um plano de realocação das 23 (vinte e três) famílias moradoras nos imóveis que estão localizados sob as pontes e na faixa de domínio, cujas casas encontram-se demarcadas em vermelho no levantamento topográfico constante no ev. 138 - Laudo4, mediante coordenação e acompanhamento pela Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Habitação e Coordenadoria da Defesa Civil do Município, para: (a) inclusão no programa de auxílio moradia previsto na Lei Municipal nº 5398/09, caso não existam moradias populares disponíveis para imediata mudança, com a manutenção do benefício até o recebimento de moradia popular; (b) auxílio na locação de imóvel compatível com o valor do benefício concedido e remoção dos móveis e pertences; (c) inscrição em lista de programa de habitação popular;

(2) CONDENAR a Autopista Litoral Sul S.A. e a ANTT, solidariamente, a ressarcirem o Município de Itajaí pelo cumprimento da decisão de ev. 160; e

(3) CONDENAR o Município de Itajaí na obrigação de inscrever em programa de habitação popular as famílias ainda não realocadas, residentes na área non aedificandi no trecho da BR-101, no quilômetro 123,5, em ambos os lados, em Itajaí, cuja casas encontram-se demarcadas na cor azul do levantamento topográfico de ev. 138 – LAUDO4, mantendo-se a posse das respectivas áreas até serem contempladas e receberem outro imóvel, quando deverão deixar a atual residência no prazo de 60 (sessenta) dias, vendando-se qualquer alienação/transmissão da área a ser desocupada a terceiros interessados. As famílias realocadas neste item deverão se submeter às regras vigentes para os programas de habitação popular.

Cópia da presente sentença deverá ser averbada na(s) matrícula(s) dos imóveis demarcados na cor azul do levantamento topográfico de ev. 138 - LAUDO4.

Sem custas, nem honorários advocatícios, consoante recentes decisões do STJ: “A jurisprudência da Primeira Seção, ao interpretar o art. 18 da Lei nº 7.347/85, firmou compreensão no sentido de que, por critério de simetria, não cabe a condenação do réu, em ação civil pública, ao pagamento de honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé, o que não ocorreu na espécie" (AgInt no RESP 1.127.319 / SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, 1ª Turma, Dje 18.08.2017).

Condeno os réus Autopista Litoral Sul S.A. e a ANTT, pro rata, ao pagamento dos honorários periciais.

Comunique-se a ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO – ACAERT.

Expeçam-se os ofícios à Justiça Estadual com cópia da presente sentença (antigos processos ns. 50047927620144047208, 50047320620144047208 e 50048109720144047208).

Junte-se cópia da presente sentença nos processos 50048412020144047208, 50048126720144047208, 50048870920144047208, 50048889120144047208, 50047814720144047208, 50047684820144047208, 50047693320144047208, 50047745520144047208 para as providências pertinentes.

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Apresentada apelação por uma das partes, intime-se o apelado para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias e remetam-se ao segundo grau independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1.010 do CPC).

Oportunamente, arquive-se.

Em sede de embargos de declaração, a sentença foi ratificada.

Em suas razões, Autopista Litoral Sul S.A. defendeu que: (1) (...), para que sentença fosse certa, nos termos do art. 492 do CPC, seria preciso fixar o limite da prestação, vale dizer, o prazo máximo pelo qual a Concessionária Apelante e a ANTT custeariam a locação dos imóveis nos quais acomodadas as famílias, período em que o Município deveria cumprir a obrigação de transferi-las para residências populares; (2) o Juízo de origem se equivocou na interpretação do contrato de concessão, notadamente porque a Concessionária cumpriu todos os deveres que lhe foram impostos quanto à fiscalização e adoção das medidas necessárias à desocupação da faixa de domínio, nos exatos termos do ajuste e nos limites da sua atuação; (3) (...) o concessionário de serviço público somente será responsabilizado por prejuízos gerados pelo próprio ato ilícito, consistente no descumprimento dos termos contratuais. Logo, “nem todos os danos ocorridos no âmbito ou relacionados com o serviço público concedido lhe são imputáveis ou são de sua responsabilidade”; (4) É fato que o contrato de concessão contempla a obrigação de promover desapropriações necessárias à execução das obrigações estabelecidas no PER, bem como a adoção de medidas que visem a desocupação irregular da faixa de domínio da rodovia. É o que infere das Cláusulas 16.28, 16.29 e 16.30 do referido instrumento. Contudo, ao contrário do entendido pela sentença recorrida, tais cláusulas compreendem a adoção de medidas judiciais e materiais necessárias à reintegração de posse da área de domínio irregularmente ocupada, como a propositura de ações e o custeio das despesas necessárias para realização de demolições, limpeza e restauração do local, e não à distribuição de moradia gratuita a pessoas carentes ou à promoção de política pública habitacional. Da mesma forma, as desapropriações previstas no contrato de concessão têm por escopo a execução de obras de ampliação e melhoria do sistema viário, nos exatos termos ajustados, e não a indenização de turbações de bem público por particular; (5) (...) há muito o Município vem enfrentando a necessidade de promover o reassentamento das famílias que invadiram a faixa de domínio da rodovia e outras áreas próximas. Ao contrário do entendido pela sentença recorrida, o problema das ocupações irregulares na região não é novo, tampouco se agravou após o início da concessão; (6) (...) a Concessionária executou, desde o primeiro ano de concessão, o levantamento e cadastro das ocupações irregulares existentes ao longo do trecho concedido e, tão logo identificou as áreas invadidas, notificou os ocupantes para que se retirassem do local (evento 85). Diante da ineficácia das notificações, a Concessionária, que não detém poder de polícia, promoveu as competentes ações de reintegração de posse no ano de 2012, como lhe competia; (7) ...) ao atribuir a Concessionária obrigações distintas daquelas assumidas no Contrato de Concessão, a sentença recorrida violou o Princípio da Legalidade que regulamenta a relação jurídica firmada com o Poder Concedente (inciso II do art. 5º e caput do art. 37 da Constituição Federal), bem como rompeu o equilíbrio econômico-financeiro da avença, culminando, se mantida, a necessidade de revisão das tarifas; e (8) (...), ao atribuir a Concessionária o ônus de custear a execução da política pública habitacional, a sentença colidiu com o imposto pelo inciso art. 30, inciso VIII, da CF, que impõe ao Município o ônus de “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Cabe à Municipalidade, no âmbito da sua função institucional, promover a política pública habitacional de natureza assistencial, bem como coibir ocupações irregulares. Nesses termos, requereu: (...) a) O provimento do presente recurso por violação ao parágrafo único do art. 492 do CPC para anular a sentença recorrida, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para que seja proferida decisão certa e determinada quanto ao tópico. b) Subsidiariamente, requer-se o provimento da apelação por infringência dos incisos I e II do art. 1022 do CPC para declarar a nulidade da decisão do Evento 472 e determinar que o Juízo de origem complemente a sentença mediante a delimitação precisa do conteúdo e limite da condenação. c) Caso desprovidas as pretensões anteriores, requer-se o provimento do presente apelo por infringência ao inciso II do art. 5º, ao inciso VIII do art. 30 e ao caput do art. 37 da Constituição Federal, ao art. 15 da Lei 8742/1993 e aos arts. 247 e 389 do Código Civil para julgar improcedentes as pretensões iniciais em face da Apelante, afastando-se, por consequência, a obrigação de custear a remoção e reassentamento das famílias. d) Subsidiariamente, na remota hipótese de se entender pela manutenção da condenação ao pagamento de alugueres sociais das 23 famílias removidas, requer-se o provimento do presente recurso por violação ao art. 944 do CPC para limitar a obrigação ao período máximo de 6 (seis) meses, contados do cumprimento de tutela de urgência, ou seja, a partir de 06/12/2016.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres, a seu turno, alegou que: (1) à ANTT compete a gestão da infraestrutura de transportes terrestres, não tendo qualquer ingerência sobre políticas públicas habitacionais, não podendo ser voltado contra a autarquia nenhum pedido dessa natureza.(...) Por outro lado, incumbe à municipalidade o dever constitucional de proporcionar moradias dignas e seguras aos moradores locais, com a promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano
(art. 30, inciso VIII, da CF e art. 15, inciso IV, da Lei nº 8.742/93);
(2) Existindo programas próprios de moradia, com regras de acesso aplicáveis a todas as famílias de baixa renda, não se mostra adequado conceder às famílias que ocuparam a área pública em litígio o privilégio de não cumprirem os requisitos do programa, e muito menos de querer impor à ANTT os custos da realocação e das moradias. (...) o precedente colacionado à sentença para justificar a legitimidade passiva da ANTT não é adequado ao caso em questão, pois se refere a ação de reintegração de posse ajuizada por concessionária (relação jurídica afeita à infraestrutura de transportes terrestres), e não a ação que vise assegurar direito à moradia; (3) (...), necessário seja definido precisamente o alcance da condenação em ressarcimento do Município, bem como estabelecido um prazo máximo para duração do auxílio moradia, sob pena de se ficar à mercê da vontade política da Município na efetiva implementação do programa e transferência das famílias para moradias populares; (4) A condenação da concessionária e da ANTT em ressarcir o Município de Itajaí/SC pelas despesas de realocação de 23 (vinte e três) famílias implica impor à autarquia, por vias transversas, a promoção de política pública habitacional, o que não se pode admitir. Em verdade, nem mesmo o direito das famílias à inclusão em programa habitacional ficou suficientemente delineado; (5) Existindo programas próprios de moradia, com regras de acesso aplicáveis a todas as famílias de baixa renda, não se mostra adequado conceder às famílias que ocuparam a área pública em litígio o privilégio de não cumprirem os requisitos do programa, permitindo que continuem a ocupar área destinada à segurança do tráfego. Entendimento diverso implica ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal), implementando um programa de moradia à revelia dos Poderes Legislativo e Executivo; (6) (...) a previsão de custeio no caso de desocupação da faixa de domínio não está relacionada à realocação dos particulares. Trata-se, isso sim, de todos custos que se incorrerá para efetivamente desocupar a área, como a adoção de medidas judiciais e materiais necessárias à reintegração de posse da área de domínio irregularmente ocupada, como a propositura de ações e o custeio das despesas necessárias para realização de demolições, limpeza e restauração do local, e não à distribuição de moradia gratuita a pessoas carentes ou à promoção de política pública habitacional; (7) (...) foram adotadas, sim, providências para combater as invasões, tanto que a liminar (evento 14) reconheceu a conexão por prejudicialidade com as ações individuais de reintegração de posse propostas pela concessionária; (8) (...) de parte da ANTT pode ser visto que não houve omissão, já que oficiou à empresa para que atuasse (como dito pelo próprio Município) e a empresa, por sua vez, quando ajuizou as ações reintegratórias. Veja-se, ainda, que a concessionária estava dentro do prazo previsto no contrato para o ajuizamento das ações (e no PER - Ações de Reintegração de Posse no ano de 2012 antes dos 5 anos - PER, 1.2.6.3), as quais, após longo tempo de discussão acerca da competência para julgamento, vieram a ser redistribuídas no âmbito federal, tendo três delas retornado para a Justiça Estadual; e (9) (...), a manutenção da posse das famílias na área não edificável implica indevida imposição de obrigação de não fazer à concessionária e ao poder público, contrária à lei. Nesses termos, pugnou (...) seja conhecido e provido o presente recurso de apelação, para o fim de: a) extinguir o feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, VI, do CPC, diante da ilegitimidade passiva a ANTT; b) declarar a nulidade do provimento jurisdicional, pois a sentença condicional mostra-se incompatível com a própria função estatal de dirimir conflitos; c) no mérito, reformar a sentença do juízo a quo pelos fundamentos acima expostos, julgando-se improcedente a pretensão, com a inversão do ônus da sucumbência; d) subsidiariamente, reconhecer a impossibilidade de condenação solidária da ANTT.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTO

I - Defendem as apelantes a nulidade da sentença por imposição de condenação incerta/sentença condicional, além de negativa de prestação jurisdicional, em violação aos arts. 1.022 e 492, ambos do CPC.

Nos dizeres da Autopista Litoral Sul S.A., a sentença objurgada padece de tal vício, pois a extensão e eficácia da condenação estão condicionadas a evento futuro e aleatório, qual seja o pagamento de aluguel social às 23 famílias removidas, se necessário, até que o Município de Itajaí proveja solução habitacional definitiva, de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade da Administração Pública. Alega, ainda, que: (i) (...) a r. sentença recorrida condenou a ANTT e a Concessionária Apelante, “solidariamente, a ressarcirem o Município de Itajaí pelo cumprimento da decisão de ev. 160”, que impôs a realocação das famílias instaladas sob o viaduto de Canhanduba mediante a “(a) inclusão no programa de auxílio moradia previsto na Lei Municipal nº 5398/09, caso não existam moradias populares disponíveis para imediata mudança, com a manutenção do benefício até o recebimento de moradia popular; (b) auxílio na locação de imóvel compatível com o valor do benefício concedido e remoção dos móveis e pertences; (c) inscrição em lista de programa de habitação popular” (evento 444, sem grifo no original); (ii) tal decisão não estabeleceu, de forma certa, a natureza e extensão da obrigação de ressarcir o Município pelo “cumprimento” da ordem de remoção das famílias; (iii) Diante das três providências impostas pela decisão do Evento 160, indaga-se: a condenação contempla o pagamento do auxílio moradia a cada uma das 23 famílias ou apenas os custos da remoção da área litigiosa? Se há imposição de pagamento do aluguel social, por quanto tempo se estende a obrigação? Considerando que a tutela de urgência impõe ainda a inscrição das famílias em lista de programa de habitação popular, a condenação envolveria também os custos decorrentes da solução habitacional definitiva?; (iv) Lamentavelmente, a sentença recorrida não esclarece estas questões, apesar da oposição de embargos declaratórios especificamente para este fim, deixando de estipular precisamente o alcance da condenação e sujeitando as partes à grave insegurança jurídica; (v) Não bastante, observa-se ainda que a amplitude da condenação (se se entender que contempla o pagamento do auxílio-moradia) se sujeita a evento futuro e incerto, qual seja a vontade do Município de Itajaí a prover solução habitacional definitiva para as famílias removidas; e (vi) Ora, para que sentença fosse certa, nos termos do art. 492 do CPC, seria preciso fixar o limite da prestação, vale dizer, o prazo máximo pelo qual a Concessionária Apelante e a ANTT custeariam a locação dos imóveis nos quais acomodadas as famílias, período em que o Município deveria cumprir a obrigação de transferi-las para residências populares.

A ANTT, a seu turno, alega que: (1) A Lei Municipal nº 5.398/09 “institui o auxílio moradia destinado às famílias atingidas por situação anormal”. Tal auxílio consiste no pagamento mensal do valor correspondente até 5 (cinco) Unidades Fiscais do Município (UFM), por família, devendo ser empregado na locação ou outro meio de obtenção de moradia para a família beneficiada, com duração de até 06 (seis) meses, podendo ser prorrogado por igual período. Aqui já surge a primeira dúvida sobre a extensão da condenação. Considerando que o programa de auxílio moradia previsto na Lei Municipal nº 5.398/09 já é dotado de orçamento próprio, quer parecer que, no ponto, não haveria que se falar em ressarcimento. Assim, o ressarcimento alcançaria apenas as despesas com remoção dos móveis e pertences ou também o pagamento do auxílio moradia?; (2) Veja-se que essa situação deve ficar esclarecida no título executivo, não se tratando de ponto solúvel com liquidação de sentença. Observa-se, outrossim, que tal lei prevê prazo certo para o auxílio moradia. Contudo, a sentença extrapolou a limitação legal, estabelecendo a “manutenção do benefício até o recebimento de moradia popular”. Aqui (caso o ressarcimento também alcance o pagamento de auxílio moradia – o que não ficou claro), se está diante de evento futuro e incerto; (3) Ora, a solução habitacional definitiva, consistente na disponibilização de residências populares pelo Município, depende exclusivamente da sua vontade política, ação a ocorrer em tempo incerto e que pode deixar de ser atendida pelo conveniente fato de que as despesas com aluguel seriam reembolsadas, enquanto o implemento do programa de habitação correria às expensas da municipalidade; (4) É de se notar pelo próprio levantamento município que nem todas as famílias efetivamente precisam de moradia custeada pelo poder público. Algumas famílias, por exemplo, possuem renda superior aos requisitos do “Programa Minha Casa, Minha Vida”, destinado às famílias de baixa renda. Sendo os recursos públicos escassos, é natural que sejam priorizadas as famílias em situação de maior vulnerabilidade econômica e social. É inadequado presumir que todas as famílias estão ali porque precisam, sendo que algumas evidentemente possuem renda suficiente para residir em áreas lícitas e sem os riscos de segurança envolvidos; e (5) Logo, constata-se que se trata de sentença condicional, que relega à fase de liquidação a apuração da própria existência e extensão da obrigação. Assim, necessário seja definido precisamente o alcance da condenação em ressarcimento do Município, bem como estabelecido um prazo máximo para duração do auxílio moradia, sob pena de se ficar à mercê da vontade política da Município na efetiva implementação do programa e transferência das famílias para moradias populares. Desse modo, é de ser declarada a nulidade do provimento jurisdicional, pois a sentença condicional mostra-se incompatível com a própria função estatal de dirimir conflitos.

Dispõe o art. 492 do Código de Processo Civil:

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.

Colhe-se, sobre o tema, do Código de Processo Civil - Volume II - Anotado, Interpretado e Comentado, Artur César de Souza, Editora Almedina, 2015, SP, págs. 815/816):

Sobre a denominada sentença condicional, assim leciona Francesco Carnelutti:

"Em matéria de atos processuais, não me consta que nenhuma norma expressa ocupe-se da condição voluntária. A doutrina concentrou suas indagações quase exclusivamente sobre a figura da sentença condicional. A prática, sem se dar conta exatamente da importância do problema, inclina-se a admitir a condição servindo-se da analogia com a norma sobre os contratos. Antes de tudo, é exato que unicamente se deve falar em ato processual 'sub conditione' quando a esta se vincule qualquer efeito ou algum efeito jurídico do ato, de tal modo que de sua produção dependa que o fato se realize ou se extinga. Não é necessário mais para esclarecer que não são hipótese de sentença condicional as daquelas que constituam ou acertem uma relação dependente de um determinado evento, como tampouco as que em relação com um evento futuro ou incerto contém uma disposição condicional...; aqui o evento futuro não é uma condição da qual dependa a eficácia da sentença, a não ser um fato transcendente para o acertamento da relação.

Desse modo, é individualiazda a figura da sentença condicional com aquela cuja eficácia depende de um evento futuro e incerto determinado na mesma sentença, a doutrina pode dizer que é unânime quanto a excluir sua admissibilidade; o motivo comumente aduzido e indubitavelmente fundamentado consiste exatamente no conflito entre o estado de pendência d a função de acertamento do processo".

Ainda, in Curso de Direito Processual Civil, Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória, de Fredie Didier Jr. Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira, 13ª Edição, Editora JusPODIVM, 2018, BA, págs. 433/434:

(...)

Certo é o pronunciamento do juiz quando ele expressamente certifica a existência ou inexistência de um direito afirmado pela parte, ou ainda quando expressamente certifica a inviabilidade de analisá-lo (quando falta requisito de admissibilidade do procedimento). A certeza consubstancia-se, portanto, na necessidade de o juiz, ao analisar o pedido que lhe foi dirigido, firmar um preceito, definindo a norma jurídica para o caso concreto e, com isso, retirar as partes do estado da dúvida em que se encontravam.

(...)

A certeza é requisito que deve ser observado mesmo quando o pedido se refira a uma relação jurídica condicional, isto porque um coisa é a condição que eventualmente recaia sobre o direito reconhecido na decisão, outra coisa é a condição que se impõe para o reconhecimento desse mesmo direito.

In casu, entendo que a sentença não é condicional, pois não depende de evento futuro e incerto para que seja aplicável, apenas deixou de estabelecer o prazo final para o cumprimento, pelo Município de Itajaí/SC, das ações contantes do item 1 do dispositivo sentencial.

Ademais, é possível o saneamento do vício por ser medida que privilegia os princípios da economia e da celeridade processual, forte no disposto no art. 1.013, §3º, II, do CPC.

PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGIA. PERICULOSIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. EFEITOS FINANCEIROS. TERMO INICIAL. TEMA STJ 1124. DIFERIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 1. Não é condicional a sentença que apenas deixa de apresentar o cálculo do tempo de contribuição, pois não depende de evento futuro e incerto para que seja aplicável. Ademais, é possível o saneamento do vício, forte no disposto no art. 1.013, §3º, II, do CPC. 2. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 3. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 4. As atividades de vigia exercidas até 28/04/1995 devem ser reconhecidas como especiais em decorrência do enquadramento por categoria profissional previsto à época da realização do labor. 5. Para o período posterior a 29/04/1995, é admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo desde que haja a comprovação de efetiva exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do segurado, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1031. 6. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição. 7. Diferida para momento posterior à decisão final do STJ (Tema 1124) a solução definitiva da questão pertinente ao termo inicial dos efeitos financeiros do benefício. 8. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, sem modulação de efeitos. 9. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E. 10. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29/06/2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança. 11. A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, nos termos do art. 3º da EC 113/2021, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5020610-61.2019.4.04.9999, 6ª Turma, Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 08/04/2022)

Rejeito, portanto, a preliminar.

II - É cediço na jurisprudência a orientação no sentido de que as condições da ação, inclusive a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial, sem qualquer incursão no mérito da demanda ou instrução probatória (STJ, AgInt no AREsp n. 2.056.137/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/9/2022, DJe de 23/9/2022). É dizer, os argumentos veiculados pelo autor devem permitir a inferência, ainda que abstratamente, de que o réu possa ser o sujeito responsável pela violação do direito subjetivo invocado (STJ, REsp n. 1.964.337/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 17/3/2022).

Nessa perspectiva, é inafastável a legitimidade da ANTT, em face da alegação de que foi omissa no cumprimento do dever legal. A existência, ou não, de efetiva responsabilidade é questão atinente ao mérito da lide e, como tal, deve ser examinada.

III - Ao analisar o pleito deduzido na inicial, o magistrado a quo assim decidiu:

1. RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública ajuizada pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU em face de AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT, AUTOPISTA LITORAL SUL S.A. e MUNICÍPIO DE ITAJAÍ, por meio da qual pretende obter provimento jurisdicional a fim de realocar e proporcionar moradias dignas para as famílias ocupantes da área localizada às margens da BR-101, no quilômetro 123,5, em ambos os lados e também sob a ponte sobre o Rio Canhanduba, em Itajaí-SC.

Narra que "constituiu-se uma comunidade de pessoas extremamente pobres às margens da Rodovia BR-101, situada na faixa de domínio, acessos e área não edificante, no quilômetro 123,5, em ambos os lados da via e, também, sob a ponte sobre o Rio Canhanduba, em Itajaí-SC. Trata-se de comunidade composta por aproximadamente 60 famílias em situação de pobreza extrema, sendo que grande parte trabalha como coletores e recicladores de materiais, estando na localidade há muitos anos (existem relatos de pessoas que estão há mais de dez anos residindo na área)".

A Defensoria Pública da União noticia, ainda, que compareceu no local, por meio dos seus defensores, e verificou que os moradores vivem em verdadeiro estado de pobreza. Informa que somente em 2012, após a atuação da Defesa Civil de Itajaí e comunicação à ANTT, é que houve a atuação das interessadas a fim de promoverem a desocupação e regularização da área.

Aduz que a parte ré Autopista Litoral Sul S.A. deve ser responsabilizada, visto que é administradora da rodovia desde 2008 e deixou de fiscalizar as ocupações em faixa de domínio, possibilitando a construção irregular de imóveis na localidade. Alega que a agência reguladora também deve responder, em razão de não ter fiscalizado o serviço prestado pela Concessionária.

Argumenta, por fim, que o Município de Itajaí tem o dever constitucional de realocar as famílias que residem na área, proporcionando moradias dignas, bem como promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano.

Embasa sua pretensão no direito constitucional à moradia e no respeito à dignidade da pessoa humana, requerendo provimento de urgência no sentido de que os réus se abstenham de praticar qualquer ato tendente à desocupação da área, enquanto não providenciadas as novas moradias.

Intimado acerca do pedido liminar (ev. 3) o Município de Itajaí argumentou "que nos parece clara a tentativa de repassar ao ente público municipal, tanto por parte da empresa Autopista Litoral Sul, bem como pela Defensoria Pública da União, de uma maneira desproporcional, uma responsabilidade que não é dele" (ev. 8).

A ANTT, por sua vez, manifestou-se no sentido de que: (1) inexiste direito subjetivo a moradia; (2) trata-se de área não edificável; (3) a prática de ato ilícito não gera direito a indenização; (4) prevalece o direito público sobre o direito privado neste caso concreto (ev. 11).

Intimada a Autopista Litoral Sul, por meio dos procuradores que a representam nas demandas individuais de reintegração de posse, foi informado que eles não têm procuração para atuar nos presentes autos e que, portanto, deveria a empresa ser intimada na pessoa de seu representante legal (ev. 12), o que se regularizou nos evs. 49 e 83.

No ev. 14 foi deferido o pleito liminar, bem como reconhecida a conexão por prejudicialidade com as ações individuais de reintegração de posse propostas pela concessionária nesta Subseção Judiciária, determinada a realização de vistoria no local pela Defesa Civil de Itajaí, além de determinada a realização de prova pericial antecipada. Foram, ainda, suspensas as ações de reintegração de posse para as quais foi reconhecida a prejudicialidade.

A Autopista Litoral Sul S.A e a ANTT interpuseram agravos de instrumento da referida decisão (evs. 84 e 98).

O auto de constatação realizado pela Coordenadoria de Defesa Civil do Município foi anexado no ev. 36.

Citado, o Município de Itajaí (ev. 67) contestou o feito, defendendo tratar-se a realocação das famílias e seu custeio de obrigação contratual da Autopista Litoral Sul, bem como da ANTT, subsidiariamente; referiu os autos do processo n. 5004770-18.2014.4.04.7208 e menciona área viável para realocação das famílias, às expensas da ANTT. Preliminarmente suscita ilegitimidade passiva e chamamento ao processo da União. No mérito reputa necessária perícia judicial a fim de diferenciar as ocupações na faixa de domínio e na área non aedificandi, ponderando os respectivos regimes jurídicos. Por fim, refere os direitos sociais de comunidades carentes, defendendo não estarem compreendidas na presente demanda pessoas que não se encontrem em condições de vulnerabilidade econômica, além de sustentar a inexistência de omissão do Município.

Novos documentos pelo Município nos evs. 68-69.

A Autopista Litoral Sul S.A. contestou no ev. 85, defendendo que edificações em faixa de domínio caracterizam mera detenção, não possuindo o condão de caracterizar prescrição aquisitiva; defende, ainda, o direito à reintegração de posse das áreas irregularmente ocupadas, cumulado com o pleito demolitório, enquanto concessionária, e aponta o dever do Município em garantir o acesso à moradia digna das famílias instaladas no local, a fim de proceder às obras de segurança viária. Por fim, refere que a previsão contratual que rege a concessão prevê verba para custeio de desocupação da faixa de domínio, porém não compreendendo realocação de ocupantes irregulares, devendo, sendo o caso, ser objeto de reequilíbrio econômico-financeiro.

A ANTT contestou no ev. 94, arguindo ilegitimidade passiva e litisconsórcio passivo necessário da União e Estado de Santa Catarina; no mérito, defendeu a inexistência do direito à moradia no caso concreto, bem como de indenização ante a ocupação ilícita, sustentando, ainda, a inexistência de obrigação, pela ANTT e concessionária, em indenizar ou realocar as famílias locais. Anexou documentos no ev. 95.

No ev. 99 foi determinado o cumprimento da decisão de segundo grau que revogou a decisão liminar, determinando o prosseguimento das ações de reintegração de posse.

O laudo pericial foi anexado ao ev. 138. Manifestaram-se sobre o laudo o Município de Itajaí, a DPU, a Autopista Litoral Sul e a ANTT (evs. 146, 150, 152 e 153, respectivamente). O MPF manifestou-se no ev. 158.

A decisão do ev. 160 determinou ao Município a realocação de parte das famílias moradoras do local. O Município formulou pedido de Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela (ev. 175) e interpôs Agravo de Instrumento (ev. 176), providos em parte tão somente para excluir a multa diária. Apresentou embargos declaratórios com efeitos infringentes (ev. 179), estes rejeitados no ev. 198, decisão agravada novamente pelo Município (ev. 208), negando-se seguimento a este último recurso.

Manifestação complementar do perito no ev. 182, do que foram intimadas as partes.

No ev. 195 o Município apresentou plano de realocação, intimando-se as partes para manifestação.

Novas determinações acerca da realocação foram emanadas na decisão do ev. 224. Após, o Município solicitou reconsideração no ev. 242, anexando documentos, propondo cronograma para a realocação das famílias no ev. 244, o qual restou homologado pela decisão do ev. 246.

No ev. 241 a ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO – ACAERT requereu sua intervenção na condição de amicus curiae.

Houve réplica às contestações no ev. 379.

O feito foi saneado nos evs. 389 e 409.

Alegações finais pelo Município de Itajaí, pela Autopista Litoral Sul S.A, pela ANTT, pela parte autora, sucedidos de parecer do MPF (evs. 416, 418, 424, 425 e 430, respectivamente).

Novas manifestações pelo Município de Itajaí no ev. 428, pela Autopista Litoral Sul S.A no ev. 439, pelo MPF no ev. 441 e pela ANTT no ev. 442.

O feito foi registrado concluso para sentença.

É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Preliminares

O Município de Itajaí e a ANTT suscitaram ilegitimidade passiva, preliminares que devem ser afastadas, em se tratando de imóvel localizado na faixa de domínio de rodovia federal, caso em que há interesse jurídico da ANTT, bem como por versar direito de acesso à moradia digna da comunidade local.

Cito precedente em relação à ANTT:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE AJUIZADA POR CONCESSIONÁRIA DA ANTT. IMÓVEL LOCALIZADO NA FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. INTERESSE JURÍDICO DA ANTT. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Embora o contrato de concessão estabeleça ser responsabilidade da concessionária a manutenção da integridade da faixa de domínio, devendo adotar, inclusive, as providências judiciais necessárias à garantia do patrimônio das rodovias que compõem o lote rodoviário objeto do contrato, é dever da ANTT a fiscalização e manutenção dos bens outorgados nas concessões para administração de rodovias (art. 24-VIII da Lei nº 10.233 /2001). Além disso, em se tratando de reintegração de posse de bem público federal, a atuação da ANTT parece ir além das atribuições decorrentes de sua condição de agente regulador ou fiscalizador, ante a presença de interesse público a ser protegido, o que evidencia o interesse jurídico e autoriza seu ingresso no feito como assistente simples da parte autora. (TRF4, AG 5024679-39.2014.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 20/03/2015).

Por outro lado, incumbe à municipalidade o dever constitucional de proporcionar moradias dignas e seguras aos moradores locais, com a promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, incumbindo ao ente público a colaboração efetiva na resolução da questão dos autos (art. 30, inciso VIII, da CF e art. 15, inciso IV, da Lei nº 8.742/93).

Com base nestes mesmos fundamentos, afasto as preliminares de chamamento ao processo da União e litisconsórcio passivo necessário com o Estado de Santa Catarina.

2.2 Intervenção de amicus curiae

Acerca do pedido de intervenção formulado pela ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO – ACAERT no ev. 241 tenho não haver fundamento pra sua acolhida.

Apesar de não ter sido intimada conforme determinação de ev. 318, infiro que seu interesse se restringia ao bloqueio de verba orçamentária municipal destinada à publicidade, determinado liminarmente, e que, no entanto, foi levantado na própria decisão do ev. 318, deixando, portanto, de existir o interesse ventilado.

2.3 Mérito

A controvérsia nos presentes autos versa sobre a concessão do direito a moradias dignas para as famílias ocupantes da área localizada às margens da BR-101, no quilômetro 123,5, situadas em faixa de domínio e respectiva área non aedificandi em ambos os lados, e também sob a ponte sobre o Rio Canhanduba, em Itajaí-SC, a qual deve passar por estudo técnico e obras de manutenção e reparação.

Por ocasião da decisão liminar do ev. 14, manifestei o seguinte entendimento acerca do conflito:

(...)

O direito à moradia é direito social previsto constitucionalmente (art. 6º da CF/88). O direito fundamental social à moradia foi inserido no contexto dos direitos sociais por meio da EC nº 26, de14.02.2000. Veja-se:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Antes mesmo da EC nº 26/2000 esse direito já era reconhecido no Brasil por meio dos tratados internacionais, em virtude da previsão na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, no art. XXV, item 1. Confira-se:

Todos têm direito ao repouso e ao lazer, bem como a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, e serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença,invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

O direito social à moradia também é uma decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), já que este reclama, na sua dimensão positiva, a satisfação das necessidades existenciais básicas para uma vida com dignidade, podendo servir até mesmo como fundamento direto e autônomo para o reconhecimento de direitos fundamentais não expressamente positivados, mas inequivocamente destinados à proteção da dignidade e do chamado mínimo existencial.

É certo, porém, que tal direito não é ilimitado. Aliás, não existem direitos absolutos, tendo seu limite nos demais direitos igualmente consagrados pela Constituição Federal.

No caso dos autos, dois são os valores jurídicos tutelados que se mostram em colisão: de um lado, o suposto direito à reintegração de posse e, de outro, o direito constitucional à moradia das famílias que residem na área.

Neste caso entendo deva prevalecer, por ora, o direito à moradia, ao menos até restar demonstrada a existência de dano iminente e irreparável decorrente da não realização imediata das obras de reforma do viaduto.

Repiso que em uma das liminares apreciadas e concedidas pelo TRF4 assim ficou consignado: "O juiz da causa, mais próximo das partes e dos fatos, terá condições de gerenciar a situação de crise e encontrar o melhor caminho para a desocupação, com adoção das providências necessárias para assegurar a integridade dos envolvidos e o resguardo de seus direitos." - grifos nossos (TRF4, AG 5045144-35.2015.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 19/02/2016)

Em outras palavras, compete a este juízo, ao menos por ora, tutelar os direitos das famílias que estão residindo na área, algumas há mais de 10 (dez) anos, conforme relatado pela Defensoria Pública da União, para que não ocorra a simples e imediata retirada do local por desocupação forçada, em desrespeito ao que decidido pelo TRF4, sem antes existir um início de solução adequada para o caso.

Colhe-se da jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR CONCEDIDA PARA DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL FUNCIONAL. EX-ESPOSA. MANUTENÇÃO NA POSSE ATÉ JULGAMENTO DEFINITIVO. RAZOABILIDADE. INTERESSE PÚBLICO.Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que deferiu a desocupação liminar do imóvel descrito nos autos da ação de reintegração de posse.É de se ponderar que um dos dependentes da agravante apresenta deficiência visual de caráter permanente e irreversível o que deve exigir maior reflexão do intérprete sobre o dispositivo que melhor atende aos anseios do interesse público, nesta hipótese (arts. 5º, inc. XXIII, 6º, caput e 226, caput e § 4º, todos da Constituição Federal). A função social da propriedade, bem assim o direito à educação, moradia e assistência, obviamente, sobrepujam-se a quaisquer formalidades ou mandamentos que visem exclusivamente a organização do Poder Público ou o uso e a administração de seus bens imóveis. Outrossim, a proteção estatal à família deve ser entendida como dever incondicional, pelo que a manutenção da agravante e de sua família na posse direta do bem é imperativa, ao menos até que se torne definitiva a prestação jurisdicional de mérito, a ser exarada nos autos do processo originário. Agravo de instrumento provido (TRF2, AG 17386/RJ, Órgão Julgador: Primeira Turma, relator Desembargador Federal Ricardo Regueira, DJU 20.6.2003) - grifos nossos

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIRETO AMBIENTAL. DIREITO À MORADIA. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. DESOCUPAÇÃO FORÇADA E DEMOLIÇÃO DE MORADIA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSE ANTIGA E INDISPUTADA. AQUIESCÊNCIA DO PODER PÚBLICO. DISPONIBILIDADE DE ALTERNATIVA PARA MORADIA. TERRENO DE MARINHA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA, DESPEJO E DEMOLIÇÃO FORÇADAS PARA PROTEÇÃO AMBIENTAL. PREVENÇÃO DE EFEITO DISCRIMINATÓRIO INDIRETO.1. Não há nulidade pela não realização de perícia judicial quanto à qualificação jurídica da área onde reside a autora como terreno de marinha, à vista dos laudos administrativos e da inexistência de qualquer elemento concreto a infirmar tal conclusão.2. A área de restinga, fixadora de dunas, em praia marítima, é bem público da União, sujeito a regime de preservação permanente.3. A concorrência do direito ao ambiente e do direito à moradia requer a compreensão dos respectivos conteúdos jurídicos segundo a qual a desocupação forçada e demolição da moradia depende da disponibilidade de alternativa à moradia.4. Cuidando-se de família pobre, chefiada por mulher pescadora, habitando há largo tempo e com aquiescência do Poder Público a área de preservação ambiental em questão, ausente risco à segurança e de dano maior ou irreparável ao ambiente, fica patente o dever de compatibilização dos direitos fundamentais envolvidos.5. O princípio de interpretação constitucional da força normativa da Constituição atenta para a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental, no caso, o direito ao ambiente e direito à moradia.6. Incidência do direito internacional dos direitos humanos, cujo conteúdo, segundo o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU (The Right to adequato housing (art. 11.1): forced evictions: 20/05/97. CESCR General comment 7), implica que "nos casos onde o despejo forçado é considerado justificável, ele deve ser empreendido em estrita conformidade com as previsões relevantes do direito internacional dos direitos humanos e de acordo com os princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade" (item 14, tradução livre), "não devendo ocasionar indivíduos "sem-teto" ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos. Onde aqueles afetados são incapazes para prover, por si mesmos, o Estado deve tomar todas as medidas apropriadas, de acordo com o máximo dos recursos disponíveis, para garantir que uma adequada alternativa habitacional, reassentamento ou acesso a terra produtiva, conforme o caso, seja disponível." 8. Proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que o sujeito diretamente afetado seria visto como meio cuja remoção resultaria na consecução da finalidade da conduta estatal, sendo desconsiderado como fim em si mesmo de tal atividade.9. Concretização que busca prevenir efeitos discriminatórios indiretos, ainda que desprovidos de intenção, em face de pretensão de despejo e demolição atinge mulher chefe de família, vivendo em sua residência com dois filhos, exercendo, de modo regular, a atividade pesqueira. A proibição da discriminação indireta atenta para as consequências da vulnerabilidade experimentada por mulheres pobres, sobre quem recaem de modo desproporcional os ônus da dinâmica gerados das diversas demandas e iniciativas estatais e sociais. (TRF4, AC 2006.72.04.003887-4, Terceira Turma, Relator Roger Raupp Rios, D.E. 10/06/2009) - grifos nossos

CIVIL. AÇÃO DEMOLITÓRIA. EDIFICAÇÕES EM FAIXA DE DOMÍNIO. EXTENSÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. INVASÃO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. INOCORRÊNCIA. DIREITO À MORADIA. PREVALÊNCIA NO CASO CONCRETO. - Evidencia-se no feito dois interesses públicos distintos. O primeiro relativo à segurança no trânsito, invocado pelo DNER para embasar o pedido de demolição e retirada dos réus das casas edificadas na faixa de domínio da rodovia federal (BR -153). O segundo diz respeito ao direito social à moradia, consagrado no art. 6º, caput, da Constituição Federal, e que não se trata, como quer fazer crer o apelante, de mero interesse de cada um dos réus, mas verdadeiro direito fundamental. - Diante do inequívoco conflito entre os interesses expostos, cumpre ao juiz fazer preponderar aquele que no caso concreto atenda aos critérios de justiça e razoabilidade, conferindo-lhe, assim, a respectiva tutela. - A perícia realizada nos autos constatou que as casas edificadas à margem da rodovia encontram-se dentro da faixa de domínio e da área non-aedificandi. Dessa forma, em se tratando de edificação em áreas de segurança, nada impede que o Poder Público promova a desocupação da área e a demolição da edificação com fundamento no exercício regular do poder de polícia. - No entanto, a extensão de 50,00m para faixa de domínio no sentido Sul-Norte do trecho em comento configura medida não razoável, mesmo porque do outro lado da pista, a mesma faixa possui distância de 30,00m. Não obstante a alegada existência de estudos técnicos para motivar a largura das faixas, a falta de apresentação de tais estudos não permite definir a legitimidade do ato, visto que o ônus da juntada cabia ao apelante, a teor do art. 333, I, do CPC. - Deve ser afastado o argumento de que o Poder Judiciário não pode adentrar no mérito do ato administrativo sob pena de ofensa ao princípio constitucional da Separação de Poderes. Em face do princípio da universalidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), não há óbice para o controle judicial dos atos discricionários que transmudam-se em verdadeiras ilegalidades. - O que é vedado ao Judiciário é a substituição da discricionariedade da Administração por um juízo de oportunidade e conveniência levado a efeito no processo, hipótese inocorrente neste feito. Com efeito, limita-se o julgado a reconhecer que a extensão da faixa de domínio em 50,00m constitui medida desarrazoada, e, portanto, ilegítima. A invasão do mérito administrativo estaria caracterizada se o Juiz determinasse a extensão da faixa de domínio para aquele local. - O direito à moradia, direito fundamental de 2ª geração, acarreta ao Poder Público o dever de adotar as medidas necessárias para implementar um programa que conceda aos cidadãos o direito à uma vida digna (art. 1º, III, CF). - No entanto, a implantação de um programa efetivo torna-se extremamente tormentosa em um país de poucos ou mal aplicados recursos como o nosso, de modo que não cabe ao Poder Judiciário eximir-se da análise da questão. - Conferindo a devida eficácia ao direito fundamental à moradia, conclui-se por sua prevalância sobre à segurança no trânsito no caso concreto. - Embora possa causar espanto a manutenção de estranhos em faixa de domínio de rodovia federal, especialmente ante a impossibilidade de usucapião de bens públicos, os postulados de justiça social impõem que os réus permaneçam no local nesse momento visto que a ocupação é situação consolidada ao longo dos anos. - Outrossim, a rejeição do pedido no mérito (art. 269, I, do CPC: poderia levar a conclusão que os réus permanecessem indefinidamente no local. Todavia, creio que a melhor solução é que o Poder Público, através de um procedimento prévio, defina o destino dos requeridos, com o eventual assentamento em outro lugar, para que ajuíze nova ação demolitória posteriormente. Saliento que os efeitos negativos da coisa julgada estarão afastados já que se formará nova demanda, com causa de pedir diversa. - Apelação improvida. (TRF4, AC 2002.72.03.000824-7, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, DJ 18/01/2006)

Do voto da relatora:

Saliente-se que não se está aqui querendo implementar um programa de moradia à revelia dos Poderes Legislativo e Executivo. A fundamentação exposta tem por objetivo exclusivo resolver o conflito desta lide entre o direito à segurança no trânsito e o direito à moradia, conferindo, ao final, a devida eficácia a este último direito fundamental.

Note-se que estamos diante de pessoas extremamente humildes que, uma vez retiradas de suas casas, não terão as condições mínimas necessárias para a sua sobrevivência. De outra monta, a presente demanda não enseja grandes repercussões a ponto de se temer o "estabelecimento de moradias junto as rodovias federais de todo o país." (fl. 101).

Assim como a retirada da família no local não implicaria qualquer manifestação da opinião pública, sua permanência no local, que data de mais de 20 anos também não levaria a ocupação generalizada dos terrenos lindeiros às rodovias federais.

Nesse contexto, a eficácia do direito fundamental à moradia deve prevalecer sobre à segurança no trânsito no presente feito.

Reconheço, por oportuno, que causa espanto a manutenção de estranhos em faixa de domínio de rodovia federal, especialmente ante a impossibilidade de usucapião de bens públicos. Entretanto, os postulados de justiça social impõem que os réus permaneçam no local nesse momento, visto que a ocupação é situação consolidada ao longo dos anos.

Outrossim, a rejeição do pedido no mérito (art. 269, I, do CPC) poderia levar a conclusão que os réus permanecessem indefinidamente no local. Todavia, creio que a melhor solução é que o Poder Público, através de um procedimento prévio, defina o destino dos requeridos, com eventual assentamento em outro lugar, para que ajuíze nova ação demolitória posteriormente. Saliento que os efeitos negativos da coisa julgada estarão afastados já que se formará nova demanda, com causa de pedir diversa. - grifos nossos

(...)

Assim, diante do direito à moradia constitucionalmente garantido como direito social fundamental e inerente à dignidade da pessoa humana, bem como da hipossuficiência das 60 (sessenta) famílias presentes no local, o que pode ser aferido pelas fotos inseridas na inicial, devem ser mantidas as famílias na posse provisoria do imóvel até decisão judicial em contrário, caso reste demonstrado o iminente risco de desabamento e/ou outro dano grave, ou ao menos até que seja providenciado um plano de retirada/realocação provisória das famílias.

(...)

Em razão da gravidade e urgência da situação narrada, foi determinada, em caráter antecipatório, a realização de perícia no local para aferir as condições de segurança e a existência de risco iminente de desabamento do viaduto/pontes ou outro tipo de dano, além da delimitação das áreas referentes à faixa de domínio e non aedificandi.

Após o laudo proferi a decisão do ev. 160 nos seguintes termos, os quais transcrevo por aproveitarem à solução da lide:

(...)

Em princípio, destaco que nos presentes autos foi deferida medida liminar para manutenção das famílias que ocupam a área localizada às margens da BR-101, no quilômetro 123,5, em ambos os lados e também sob a ponte sobre o Rio Canhanduba, em Itajaí, na posse provisória do imóvel até decisão judicial em contrário, caso reste demonstrado o iminente risco de desabamento e/ou outro dano grave, ou ao menos até que seja providenciado um plano de retirada/realocação provisória das famílias (ev. 14).

Em razão da gravidade e urgência da situação narrada nos autos, foi determinada, em caráter antecipatório, a realização de perícia no local, para aferir as condições de segurança e da existência de risco iminente de desabamento do viaduto/pontes ou outro tipo de dano, além da delimitação das áreas referentes à faixa de domínio e non eadificandi.

Nesse sentido, constato que o laudo pericial (ev. 138 - p. 98 e ss;) corroborou a preocupação e urgência manifestada por este Juízo com a situação trazida aos autos, tendo elencado as seguintes condições das construções sob e no entorno das pontes:

11.4.1 Riscos Físicos / acidentes nas pontes

Existe uma série de possíveis eventos que colocam em risco a segurança e a vida, tanto das pessoas que vivem sob as pontes quanto dos usuários da rodovia. A possibilidade de queda de elementos da ponte sobre os moradores, bem como a já existência de relatos de tropelamentos e acidentes entre veículos em razão de tentativas de atravessar as pistas pelos moradores.

11.4.2 Riscos à saúde

A insalubridade do local é relevante, pela ausência de saneamento básico.

11.4.3 Riscos de Incêndio

Ligações clandestinas e sem qualquer segurança, potencializam o risco.

11.4.4 Riscos de Enchente

Segundo relatos, chuvas intensas causam alagamentos rotineiramente, tendo como situações críticas as enchentes de 2008 e 2011, que destruiu diversas moradias no local. Por esta razão, alguns moradores se previnem elevando a construção de suas moradias.

11.4.5 Desrespeito ao meio ambiente

Identifica-se também desrespeito ao meio ambiente, com o lançamento indiscriminado de efluentes sanitários e resíduos sólidos diretamente no Rio Canhanduba.

Demonstra o laudo que a situação do viaduto e das edificações existentes sob a obra e adjacências compõe um quadro em que estão presentes todos os elementos necessários a uma tragédia, traduzindo-se num alerta que não pode ser ignorado pelas partes, como se verifica do trecho abaixo:

1) Trecho de rodovia classificado entre os 100 (cem) mais críticos do País; 2) presença de tráfego pesado, 3) Estrutura com mais de 50 anos com dimensionamento defasado, sem manutenção, com evidentes sinais de deterioração e dificuldade de acesso a pontos vitais de inspeção; 4) Casebres de madeira sob sua estrutura e no seu entorno, com muitos moradores, entre os quais crianças e idosos.

Ressalto o consignado pelo expert de que a situação, por qualquer ângulo que seja visualizada, induz à iminência da tragédia, restando imprevisível a dimensão dos danos que poderá causar, como se vê do excerto que segue:

Temos um espectro de possibilidades que vai de simples queda de guarda-corpo a vitimar algum dos moradores sob a ponte até a triste lembrança do acidente ocorrido em 03/07/2016 na BR 277, em seu Km 33, sentido Paranaguá, quando um caminhão tanque perdeu os freios e tombou, explodindo e fazendo vítimas fatais em outros veículos.

O que imaginar das consequências ao projetar fato semelhante em uma das pontes no local objeto desta perícia vitimando pessoas que lá não deveriam estar?

Ressaltamos, porém, que outra situação que beira a uma tragédia já está em pleno desenrolar. As condições degradantes, indignas e sub-humanas que estão vivenciando os moradores do local em especial os instalados sob a estrutura das pontes, expondo a saúde de crianças e de idosos no ocaso de suas vidas a condições insalubres.

Frisamos, com o devido respeito que as partes merecem, que este alerta não tem o condão de tecer qualquer crítica a possíveis falhas que permitiram o ingresso e consolidação da presença irregular de pessoas naquele local, mas sim uma forma de contribuir, diante da realidade fática encontrada, para que ações sejam tomadas com a brevidade que a situação exige.

A permanecer a atual situação todos perdem:

1) Os moradores pela falta de segurança e insalubridade do local; 2) o meio ambiente duramente atingido pelo lançamento indevido de efluentes e lixo; 3) os usuários da rodovia, pela insegurança em transitar por pontes carentes de reforma, reforço estrutural, ampliação e manutenção; 4) a Concessionária que descumprirá prazos contratuais de execução; 5) finalmente todos os contribuintes, pois patrimônio da União, haja vista o custo para recuperação da estrutura, que com o passar do tempo se torna mais onerosa, dado oavanço da deterioração e agravamento das manifestações patológicas.

Recomenda-se ainda que a concessionária revise todos os pontos no trecho concedido passíveis de existência de situação de alto risco semelhante ao caso em tela.

Conclui o perito seu trabalho, recomendando:

1. Pela necessidade imediata de retirada dos moradores e remoção das construções existentes sob as pontes e na faixa de domínio conforme levantamento topográfico em anexo (casas em vermelho).

2. Após a remoção das construções sob as pontes, deve a concessionária proceder imediato início dos trabalhos de inspeção técnica especial nas estruturas, coletando dados para realização de adequação ao projeto de recuperação dando início aos trabalhos das etapas relativas a reforma e ampliação da ponte no sentido sul e de restauração geral da ponte no sentido norte da Rodovia BR 101 – km 123+500m.

3. A permanência das casas construídas sobre a área“non aedificandi” (casas em azul) não é óbice a execução das obras nas pontes, porém, ressaltamos que estão em condição irregular, afrontando o disposto na Lei. 6.766/79.

Extrai-se do exposto acima a imperiosa a necessidade de imediata remoção das edificações que se encontram sob as pontes, as quais estão sinalizadas no laudo pericial com a cor vermelha (ev. 138-Laudo4) e a realocação das famílias/moradores.

Nesse sentido é a manifestação da Defensoria Pública da União, pugnando pela determinação ao Município de Itajaí para que proceda à realocação das famílias que ocupam a área, as quais se encontram em situação de vulnerabilidade extrema, bem como a fixação de multa para o caso de descumprimento, além do sequestro da verba pública municipal destinada à publicidade institucional (ev. 150).

Na mesma direção, apresentou o Ministério Público Federal proficiente manifestação, pronunciando-se desde logo acerca do mérito do pedido e pela procedência da ação, com a consequente realocação das famílias expostas à situação de risco e por ter ficado evidenciada a responsabilidade dos entes integrantes do polo passivo da ação (ev. 158).

Acrescento às substanciosas considerações a manifestação da eminente relatora, Desembargadora Federal Marga inge Barth Tessler, nos autos do Agravo de Instrumento Nº 5022679-95.2016.4.04.0000 (ev. 97), ao se referir à questão da falta de segurança para os moradores do local:

No âmbito da 2ª Seção do TRF da 4ª Região, há entendimento consolidado no sentido de que havendo conflito entre o direito à moradia e à segurança, deve prevalecer este último, porquanto diz com a coletividade. É o interesse público que deve prevalecer sobre o interesse particular: AC nº 50019623620114047211, Rel. Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha. Por outro lado, em se tratando de área em faixa de segurança de rodovia federal não há óbice à retomada: AC nº 500013309720124047203, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, julgado em 17/12/2015. A maioria dos casos decididos envolve justamente habitação e construções na BR 101, rodovia de intenso tráfego de veículos e grandes congestionamentos. No caso, embora se reconheça os bons propósitos da Defensoria Pública da União em proporcionar moradias dignas para as famílias ocupantes da área e se reconheça também o cuidado do eminente Magistrado prolator do despacho agravado, as moradias situadas ao abrigo da ponte que necessita de reparos e manutenção, são fator de risco para os próprios moradores e também para a segurança do trânsito pela BR 101, com possibilidade de desabamento da ponte. A vistoria ordenada, s.mj., quer conclua pela segurança da ponte, não tem o condão de legitimar a ocupação. A situação por si só oferece risco a ocupantes e condutores.

Ressalto, por salutar, a responsabilidade direcionada ao Município na r. decisão: Melhor para o Município réu é remover os ocupantes a local provisório mais seguro, inscrevendo-os em programas de políticas públicas como minha casa minha vida, do que manter ocupações inseguras e ilegais.

Aqui cumpre destacar que a própria Defesa Civil do Município de Itajaí, no auto de constatação apresentado no ev. 36 – AUTO1, além de corroborar os riscos especificados no laudo pericial, trata da situação como um “grave problema para o município, que requer medidas drásticas e emergenciais”:

Do risco para comunidade:

(...) De acordo com os mapas de inundação desta Coordenadoria, o local está classificado como uma área de Risco Muito Alto, referente à processos de inundação fluvial. Destaca-se, ainda, o grau elevado de insalubridade do local,sendo um dos principais agravantes, o lançamento de esgoto sanitário sem tratamento prévio, diretamente no rio. O local também é propício para o surgimento de animais peçonhentos e transmissores de doenças, tendo como agravante, a presença de vulneráveis (crianças e idosos) na comunidade.

(...)

Possíveis Soluções e Orientações

(...) Com relação aos moradores sob a ponte, ressaltamos que na ocorrência de um evento de grande magnitude poderá acarretar perdas humanas com números significativos. O fato se trata de um grave problema para o município, que requer medidas drásticas e emergenciais.

Outro fator importante a se destacar, seria o risco de um incêndio,devida a precariedade das ocupações e da utilização de energia elétrica clandestina. Desta forma ocorrendo tal sinistro, poderia gerar grandes danos a estrutura das pontes, comprometendo o fluxo de veículos na BR 101.”

Pelo exposto, com respaldo no laudo pericial e auto de constatação da Defesa Civil de Itajaí, a cujos documentos agrego a respeitável decisão proferida em sede de agravo de instrumento, bem como as manifestações das partes, imperiosa se faz a desocupação da área para que seja viabilizada a realização de vistoria minuciosa, hoje prejudicada pela existências das construções sob a ponte, e dado início às obras no viaduto/pontes do Rio Canhanduba, incontestavelmente indispensáveis à segurança dos moradores dolocal, dos usuários do rodovia e todos aqueles que por ali trafegam.

Saliento que o ônus da realocação deve ser suportado pelo Município, tendo em vista que o problema social trazido a lume diz respeito especialmente à municipalidade e seus gestores, os quais têm o dever constitucional de proporcionar moradias dignas e seguras aos moradores locais, com a promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, incumbindo ao ente público a colaboração efetiva na resolução da questão dos autos (art. 30, inciso VIII, da CF e art. 15, inciso IV, da Lei nº 8.742/93).

3.1. Ante o exposto, deverá o Município de Itajaí, no prazo de até 10 (dez) dias, elaborar e apresentar um plano de realocação das 23 (vinte e três) famílias moradoras nos imóveis que estão localizados sob as pontes e na faixa de domínio, cujas casas encontram-se demarcadas em vermelho no levantamento topográfico constante no ev. 138 - Laudo4, mediante coordenação e acompanhamento pela Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Habitação e Coordenadoria da Defesa Civil do Município, para:

(a) inclusão no programa de auxílio moradia previsto na Lei Municipal nº 5398/09, caso não existam moradias populares disponíveis para imediata mudança, com a manutenção do benefício até o recebimento de moradia popular;

(b) auxílio na locação de imóvel compatível com o valor do benefício concedido e remoção dos móveis e pertences;

(c) inscrição em lista de programa de habitação popular.

(...) (grifei)

Denota-se que este juízo, considerando o grave risco a que estavam expostas as famílias residentes no local, notadamente situadas na faixa de domínio, e a necessidade de se assegurar o acesso da Concessionária para realização de manutenção e reparos no viaduto, entendeu pela harmonização dos direitos envolvidos (segurança pública e direito de moradia) mediante reconhecimento da imediata obrigação do Município em relação ao ônus de realocação, incumbindo ao ente público a colaboração efetiva na resolução da questão dos autos com fulcro nos art. 30, inciso VIII, da CF e art. 15, inciso IV, da Lei nº 8.742/93.

Para o deslinde da causa resta imperioso definir a solução jurídica para as edificações irregulares em faixa de domínio e área non aedificandi, ao final decidindo-se a quem cabe o ônus de eventual determinação de desocupação/demolição e realocação das famílias situadas no local.

2.4 Ocupação irregular em faixa de domínio e área non aedificandi

A espécie versa sobre construção em faixa de domínio e área non aedificandi. Acerca do tema assim leciona Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 21. ed., p. 470-471):

As estradas de rodagem compreendem, além da faixa de terra ocupada com o revestimento da pista, os acostamentos e as faixas de arborização, áreas, essas, pertencentes ao domínio público da entidade que as constrói, como elementos integrantes da via pública. Tais áreas ou são originariamente do Poder Público que as utiliza com a rodovia, ou lhes são transferidas por qualquer dos meios comuns de alienação (compra e venda, doação, permuta, desapropriação), ou são integradas no domínio público, excepcionalmente, por simples destinação, que as torna irreivindicáveis por seus primitivos proprietários. Esta transferência por destinação opera-se pelo só fato da transformação da propriedade privada em via pública sem oportuna oposição do particular, independentemente, para tanto, de qualquer transcrição ou formalidade administrativa. (...)

A faixa de domínio, deste modo, compreende as pistas de rolamento, canteiros, acostamentos, sinalização, faixa lateral de segurança, sendo submetida ao regime dos bens públicos.

O espaço limitado às construções é ainda complementado pela área non aedificandi, que se refere aos 15 (quinze) metros contíguos à faixa de domínio da BR 101, nos termos do que dispõe o art. 4º, III, Lei nº. 6.766/79, cuja redação é a seguinte:

Art 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

(...);

III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (grifei)

O estabelecimento de faixa não edificável se insere no âmbito das limitações administrativas, cujo conceito extraído da doutrina é:

As limitações administrativas são medidas decorrentes de normas gerais e abstratas, impostas com fundamento no poder de polícia do Estado a propriedades indeterminadas, mediante imposição aos proprietários de obrigações positivas, negativas e permissivas, em benefício de interesse geral, independentemente de qualquer indenização. (...). (Curso Prático de Direito Administrativo / coordenação de Carlos Pinto Coelho Motta - Belo Horizonte: Del Rey. 2ª. Ed. Ver. Atual. Ampl. 2004, p. 778).

A existência de área não edificável, portanto, representa limitação ao direito de construir e deveria ter sido obedecida pelos ocupantes da área. Via de regra a existência de limitação administrativa não gera direito a indenização, uma vez que se consubstancia em restrições de caráter geral ao direito de propriedade que visam ao bem comum. Sobre a limitação administração mais uma vez cumpre registrar as lições de Hely Lopes Meirelles:

Limitações administrativas são, p. ex., o recuo de alguns metros das construções em terrenos urbanos e a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de construção ou de desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade, e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem. Pois ninguém adquire terreno urbano em que seja vedada a construção, como, também, nenhum particular adquire terras ou matas que não possam ser utilizadas economicamente, segundo sua destinação normal. Se o Poder Público retira do bem particular seu valor econômico, há de indenizar o prejuízo causado ao proprietário. Essa regra, que deflui do princípio da solidariedade social, segundo o qual só é legítimo o ônus suportado por todos, em favor de todos, não tem exceção no Direito pátrio, nem nas legislações estrangeiras. (Grifei) (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 28ª ed. 2003, p. 612 - 613)

Tais áreas comportam severas restrições de uso e ocupação, primeiro por representar a faixa de domínio bem de uso comum do povo (art. 99, inciso I, do Código Civil); e também diante da disciplina albergada no Código Brasileiro de Trânsito, verbis:

Art. 50. O uso de faixas laterais de domínio e das áreas adjacentes às estradas e rodovias obedecerá às condições de segurança do trânsito estabelecidas pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via. [...]

Art. 93. Nenhum projeto de edificação que possa transformar-se em polo atrativo de trânsito poderá ser aprovado sem prévia anuência do órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e sem que do projeto conste área para estacionamento e indicação das vias de acesso adequadas. [...]

Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.

A razão dessas limitações reside na necessidade de resguardo da segurança dos usuários das rodovias e das pessoas que circulam em sua área contígua. Trata-se de critério técnico, pré-definido pelo legislador, não competindo ao Judiciário majorar, diminuir ou mitigar a área restrita (TRF4, AC 200672050048487, Rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, Quarta Turma, public. em 29/03/2010).

Diante dessas limitações, a ocupação dos terrenos que compõem a faixa da rodovia, sem prévia e expressa autorização do Poder Público, assim como qualquer construção nela é irregular e passível de desocupação. Neste sentido:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DEMOLITÓRIA . CONSTRUÇÃO NA FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. ÁREA NON AEDIFICANDI" Tratando-se de edificação em área de segurança, o Poder Público está obrigado a promover a desocupação da área e a demolição da edificação com fundamento no exercício regular do poder de polícia. Tanto a Ordem de Embargo, quanto as notificações extrajudiciais se referem à construção de um barraco/barracão para fins comerciais, o que afasta a alegação do réu de necessidade de "abrigo". (TRF4, AC 200672050048505, Rel. Sérgio Renato Tejada Garcia, Quarta Turma, DE 03/11/2009)

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DEMOLITÓRIA. PRESCRIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. EDIFICAÇÃO EM FAIXA DE DOMÍNIO E ÁREA NON AEDIFICANDI. INTERESSE PÚBLICO. SEGURANÇA NO TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. - Com a afetação da área ao domínio público, trata-se de edificações levantadas em faixa de domínio e área non aedificandi de rodovia federal, a questão tomou caráter publicista, desautorizando a mera aplicação do prazo prescricional do Código Civil. O eventual reconhecimento da prescrição nesta ação demolitória impediria que o Poder Público efetuasse qualquer ato tendente a regularizar a situação da construção, com base no seu poder de polícia. Em outras palavras, configuraria, a contrariu sensu, prescrição aquisitiva de imóvel público, expressamente afastada pelo ordenamento jurídico (art. 183, § 3º, e art. 191, parágrafo único, da CF). Evidencia-se, neste feito, o interesse público relativo à segurança no trânsito a fim de embasar o pedido de demolição e a retirada da construção edificada na faixa de domínio e na área não-edificável da rodovia federal (BR -470). A faixa de domínio e a área não-edificável possuem natureza de limitações administrativas (TRF 4ª Região, AC 200104010128959, Rel.. Juiz Ilan Paciornik, DJU de 26/06/2001, p. 621), pois implicam um dever de não-fazer ao administrado. - No caso, o documento da fl. 09 constatou a existência de "galpão de madeira" edificado, em sua maioria, dentro da faixa de domínio e da área non-aedificandi. Tal documento possui força probatória e atende à pretensão da União. Dessa forma, em se tratando de edificação irregular em área de segurança, nada impede que o Poder Público promova a desocupação da área e a demolição da edificação com fundamento no exercício regular do poder de polícia. Não está caracterizado o tratamento desigual em relação a outros imóveis da região, diante da falta de comprovação desta alegação. Por fim, no que se refere ao pedido de indenização, a área non aedificandi, pela sua natureza de limitação administrativa, não gera direito à indenização, por não retirar a propriedade do imóvel. Em relação à faixa de domínio, que o eventual pedido de indenização deverá ser vertido em ação própria, de desapropriação indireta, evitando-se sua discussão nos estreitos limites desta ação demolitória. Apelo improvido. (TRF4, AC 200172030018236, Rel. Vânia Hack de Almeida, DJ 06/09/2006)

No caso, a pequena comunidade ("Comunidade do Carvalho") ficou bem caracterizada no Relatório Fotográfico confeccionado no laudo pericial (ev. 138 - LAUDO2, p. 40 e ss.), indicando nível baixo de infraestrutura urbana da comunidade, sem pavimento ou calçadas, e a drenagem e coleta de esgoto são realizadas por instalações sem padrões técnicos adequados, com efluentes lançados diretamente no Rio Canhanduba. Constou, ainda, a existência de residentes debaixo da ponte, com obstrução de dispositivos de drenagem da estrutura e deposição de diversos objetos sólidos sob a ponte e no entorno.

Conforme o laudo pericial (ev. 138 - LAUDO3, fl. 7 e ss.) a faixa de domínio no local é de 29,30 metros a partir da barreira de concreto tipo "new jersey", para o bordo direito (sentido norte) e 40,70 metros para o bordo esquerdo (sentido sul), conforme projeto “As Built” de Desapropriação do DNIT (anexo) e confirmação da Concessionária, verificando-se o desrespeito à faixa de domínio por várias construções, ilustradas na cor vermelha conforme figura do ev. 138 - LAUDO4.

Relativamente à área non aedificandi, medida de 15,00 metros a partir e ao longo da faixa de domínio, no local atinge 44,30 metros (29,30m + 15m) a partir da barreira de concreto tipo “new jersey”, para o bordo direito (sentido norte), e 55,70 metros a partir da barreira de concreto tipo “new jersey”, para o bordo esquerdo (sentido sul), verificando-se desrespeito também à esta área por várias construções, ilustradas pela cor azul na mesma figura supracitada.

A prova da ocupação irregular consta do laudo pericial e também está estampada no ev. 85, OFIC3-7, documento produzido pela concessionária de serviço público, de modo que, em princípio, goza de presunção de legitimidade (TRF4, AC 0000168-29.2006.404.7118, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 16/02/2011).

A maioria das edificações abrange 100% na faixa de domínio, e em boa parte sobre a área non aedificandi, conforme fotos e listagem juntados no ev. 138 - LAUDO3 – p. 91/92.

Logo, constatada a ocupação irregular deverão os réus promover a desocupação das construções.

Em relação às edificações sob a ponte e faixa de domínio a medida já foi implementada no curso do processo, conforme determinação de ev. 160.

No que tange às edificações situadas na faixa não-edificável, considerando (a) a manifesta omissão da Autopista Litoral Sul e ANTT, ante notícia da ocupação remontar ao ano de 2008 e haver notificações em 2011 e 2012, e (b) tendo o laudo pericial concluído expressamente que "A permanência das casas construídas sobre a área“non aedificandi” (casas em azul) não é óbice a execução das obras nas pontes, porém, ressaltamos que estão em condição irregular, afrontando o disposto na Lei. 6.766/79, tenho que a solução que melhor compatibiliza o direito à moradia defendido pela DPU com a segurança viária é a inscrição das famílias em programas de habitação popular pelo Município de Itajaí e manutenção da posse na área atualmente ocupada, em caráter precário, até a obtenção de nova moradia.

Encontrada a solução jurídica para as ocupações situadas na faixa de domínio e faixa não edificável cumpre atribuir responsabilidade aos demandados.

2.5 Da responsabilidade dos réus pelo ônus da desocupação e realocação

A Concessionária Autopista Litoral Sul detém responsabilidade contratual de manutenção do bem arrendado, corroborada pelo Contrato de Concessão nº 003/2007, em suas cláusulas 16.6 "e", 16.7, "c", 16.29 e 16.30, transcritas na contestação da ANTT (ev. 94):

(...)

Responsabilidade da Concessionária

16.6 Incumbe, também, à Concessionária:

e) adotar todas as providências necessárias, inclusive judiciais, à garantia do patrimônio das Rodovias que compõem o Lote Rodoviário, inclusive as faixas de domínio e de seus acessos;

16.7 E também:

c) controlar todos os terrenos e edificações integrantes da Concessão e tomar todas as medidas necessárias para evitar e sanar uso ou ocupação não autorizada desses bens, inclusive na "area non aedificandi", mantendo a ANTT informada a esse respeito;

Verba para Custeio de Desocupação da Faixa de Domínio

16.29 É responsabilidade da Concessionária manter a integridade da faixa de domínio da Rodovia, inclusive adotando as providências necessárias a sua desocupação se e quando invadida por terceiros.

16.30 A Concessionária disporá de verba destinada a promover, ao longo da Concessão, as desocupações da faixa de domínio, necessárias ao cumprimento das metas e objetivos da Concessão, nos valores descritos no PER.

(...)

A cláusula 16.29 atribui responsabilidade à Concessionária em manter a integridade da faixa de domínio e a cláusula 16.30 traz previsão de recursos financeiros (verbas) destinados a promover as desocupações da faixa de domínio.

A ANTT, por sua vez, é responsável pela fiscalização da prestação de serviços e manutenção dos bens integrantes dos contratos de concessão de rodovias federais.

O art. 24, inciso VIII, da Lei n. 10.233/2001 assim dispõe:

Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais:

(...)

VIII – fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento;

A propósito, vale mencionar que os relatórios de monitoramento confeccionados pela ré Concessionária em cumprimento do contrato de concessão, anexados à contestação no ev. 85, demonstram que tinha - ou deveria ter - pleno conhecimento da ocupação no local.

Neste particular, não deixa dúvidas do conhecimento - e, diga-se de passagem, da omissão - das rés as comunicações pela Prefeitura de Itajaí e Defesa Civil acerca das ocupações irregulares, com relatório fotográfico e exata indicação da localidade (Ponte do Rio Canhanduba) já nos anos de 2011 e 2012 (ev. 68 - OFIC12-14), por meio do "Projeto Vidas", consistente em programa de prevenção e contenção de ocupações irregulares em áreas de risco. Vale salientar, ainda, que remontam a 2008 os primeiros registros de assentamento precária no local e risco aos ocupantes, ocasião em que se promoveu o cadastro de 67 famílias para remoção e realocação com "alta prioridade".

Forçoso reconhecer a responsabilidade por omissão da Autopista Litoral Sul S.A e da ANTT, as quais não promoveram a adequada fiscalização da faixa de domínio no trecho discutido na presente ação civil pública, mesmo sendo formalmente instadas para tanto pelo Município de Itajaí.

Ao Município de Itajaí, ente mais próximo da situação fática e devidamente preparado para ações dessa natureza, considerando a competência constitucional de promoção do adequado ordenamento territorial (art. 30, inciso VIII, CF) e a incumbência legal para atender as ações assistenciais de caráter de emergência prevista no art. 15, inciso IV, da Lei nº 8.742/93, foi estabelecida responsabilidade pela elaboração e cumprimento de plano emergencial de realocação das famílias residentes sob a ponte e na faixa de domínio. Estas seriam as áreas mais sensíveis e de emergencial desocupação para averiguação das condições de segurança do viaduto e respectiva realização das obras de manutenção.

Assim, ante o reconhecimento da omissão da Autopista Litoral Sul e ANTT deverá o Município de Itajaí ser por elas reembolsado das despesas que teve com o cumprimento da decisão de ev. 160 - item 3.1: "(...) elaborar e apresentar um plano de realocação das 23 (vinte e três) famílias moradoras nos imóveis que estão localizados sob as pontes e na faixa de domínio, cujas casas encontram-se demarcadas em vermelho no levantamento topográfico constante no ev. 138 - Laudo4, mediante coordenação e acompanhamento pela Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Habitação e Coordenadoria da Defesa Civil do Município, para: (a) inclusão no programa de auxílio moradia previsto na Lei Municipal nº 5398/09, caso não existam moradias populares disponíveis para imediata mudança, com a manutenção do benefício até o recebimento de moradia popular; (b) auxílio na locação de imóvel compatível com o valor do benefício concedido e remoção dos móveis e pertences; (c) inscrição em lista de programa de habitação popular".

Em relação às edificações e famílias situadas na área non aedificandi, para as quais não fora constatada a urgência da desocupação em laudo pericial, reitero os fundamentos do item anterior para reconhecer a obrigação do Município de Itajaí de incluir as famílias em programas de habitação popular.

Após ser contemplada pelo programa de habitação popular com a disponibilização de novo imóvel deverá a família deixar a atual residência no prazo de 60 (sessenta) dias, restando vedada qualquer alienação/transmissão de sua posse a terceiros interessados, remetendo-se eventuais pretensões indenizatórias para as vias próprias.

2.6 Reintegrações de posse

A conexão entre o presente processo e todas as ações individuais de reintegração de posse apensas, ajuizadas pela Autopista Litoral Sul S.A. e ANTT, foi reconhecida em decisão proferida no dia 19.02.2016.

Assim constou na decisão proferida no ev. 35 do Processo 5004667-11.2014.404.7208, com distribuição mais antiga:

(...)

De se registrar, ainda, que essas 33 ações de reintegração encontram-se em fases diversas.

No âmbito deste juízo de 1º grau há processos com pedido liminar indeferido e que não foram objeto de agravo, encontrando-se aguardando a expedição dos mandados de citação (50048516420144047208, 50048412020144047208, 50048091520144047208, 50048083020144047208, 50047814720144047208, 50047797720144047208, 50047771020144047208 e 50047684820144047208), bem como feitos que aguardam a digitalização dos autos físicos oriundos da Comarca do Juízo Estadual (50048923120144047208, 50048862420144047208, 50048464220144047208, 50048403520144047208, 50047883920144047208, 50047701820144047208, 50046844720144047208, 50046827720144047208, 50046671120144047208).

Para os processos com recurso de agravo interposto há casos com negativa de seguimento em decisão monocrática (50048889120144047208 e 50048126720144047208), outros tiveram o pedido de antecipação de tutela recursal indeferido (50046836220144047208 e 5004871552014047208) e alguns com deferimento do pedido de efeito suspensivo e de antecipação da tutela recursal para deferir a liminar de reintegração da área esbulhada e permitir a execução das obras de reforma e reforço estrutural do viaduto sobre o Rio Canhanduba em Itajaí.

Contudo, não foi determinada a imediata reintegração mediante desocupação forçada. Assim constou na decisão do MM. Desembargador Relator:

Não se está, entretanto, determinando a desocupação imediata ou a reintegração na posse no dia seguinte à presente decisão. Isso caberá ao juízo de origem controlar, com medidas prévias e preparatórias de eventual cumprimento forçado, como seria o caso de audiência de conciliação, acompanhamento pela Coordenadoria de Defesa Civil da Prefeitura Municipal de Itajaí, apoio do Conselho Tutelar local, estabelecimento de prazo para desocupação voluntária, etc. O juiz da causa, mais próximo das partes e dos fatos, terá condições de gerenciar a situação de crise e encontrar o melhor caminho para a desocupação, com adoção das providências necessárias para assegurar a integridade dos envolvidos e o resguardo de seus direitos.

Por fim, os autos 50048109720144047208, 50047927620144047208, 50047320620144047208 aguardam o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça de recurso especial admitido sem efeito suspensivo da decisão proferida pelo Egrégio TRF4 no sentido de ser incompetente o Juízo Federal.

2. Como se verifica do relatório acima, diversas são as situações em que se encontram os processos. Em todas, contudo, o quadro demanda providências imediatas pelo Poder Judiciário.

À toda evidência, considerando que os pedidos versam sobre uma mesma área, faz-se necessário o gerenciamento conjunto desses processos, tendo em vista que espelham a mesma realidade, fazendo-se imprescindíveis providências de cunho processual e social que abranjam todos os processos e esbulhadores que, pelos documentos e fotografias anexadas, são pessoas de pouca ou nenhuma condição financeira.

No âmbito do agravo de instrumento nº 5022679-95.2016.404.0000/SC o TRF4 concedeu efeito suspensivo e determinou o regular processamento da reintegração de posse. Posteriormente foi proferida decisão monocrática declarando prejudicado o recurso, nos seguintes termos:

Consoante decisão prolatada no Evento 318 da Ação Civil Pública nº 50059162620164047208, a desocupação dos imóveis em questão e a realocação das famílias foram providenciadas pelo Município de Itajaí.

Nesse contexto, o presente agravo de instrumento restou sem objeto, tendo em conta as providências acima referidas, realizadas pelo Município de Itajaí/SC.

Ante o exposto, não conheço do agravo de instrumento por prejudicado, com supedâneo no inciso III, do artigo 932, do novo Código de Processo Civil.

Intime-se.

Apesar do agravo de instrumento ter sido julgado prejudicado, verifica-se que as demandas individuais de reintegração foram regularmente impulsionadas em respeito à decisão inicial do recurso.

Entre as ações individuais apensas, aquelas relativas às edificações localizadas na faixa de domínio foram extintas em razão da desocupação determinada pela decisão de evento 160, remanescendo oito processos: 50048412020144047208, 50048126720144047208, 50048870920144047208, 50048889120144047208, 50047814720144047208, 50047684820144047208, 50047693320144047208, 50047745520144047208.

Em princípio, tais demandas deverão seguir a sorte daquelas já extintas após o julgamento da presente ação civil pública, seja pela perda superveniente do interesse processual, uma vez que contidas nesta, seja pelo reconhecimento do direito de ocupação da área não edificável até que as famílias sejam contempladas em programas de habitação popular.

Em consequência, determino o desapensamento dos processos supracitados e a juntada de cópia da presente sentença em cada um dos feitos, intimando-se as partes para manifestação no prazo de 15 (quinze) dias.

Ademais, deve ser oficiado ao juízo estadual, com cópia desta sentença, relativamente aos 03 (três) processos que foram remetidos para aquela instância (processos ns. 50047927620144047208, 50047320620144047208 e 50048109720144047208).

2.7. Ônus periciais

O acórdão proferido pelo TRF4 no julgamento de embargos de declaração no agravo de instrumento 5022679-95.2016.404.0000 restou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. ADIANTAMENTO PELO RÉU. ARTIGO 91 DO CPC.

1. São cabíveis embargos de declaração quando houver no acórdão/decisão obscuridade ou contradição ou for omisso em relação a algum ponto sobre o qual o Tribunal devia se pronunciar e não o fez (CPC, art. 1.022). Ou, ainda, por construção jurisprudencial, para fins de prequestionamento, como indicam as Súmulas 356 do c. STF e a 98 do e. STJ.

2. De fato, a decisão embargada não examinou a insurgência da agravante, quanto ao adiantamento dos honorários periciais.

3. Nos termos do artigo 91 do Código de Processo Civil, deverá, o juízo originário, ao proferir a sentença, fixar os ônus sucumbenciais, indicando a parte a qual deve arcar com os honorários periciais. (grifei)

Reconhecida a responsabilidade por omissão da Autopista Litoral Sul S.A. e ANTT, nos termos dos itens 2.4 e 2.5, deverão se responsabilizar pelos honorários periciais.

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, afasto as preliminares, nos termos da fundamentação, e resolvo o mérito (art. 487, inciso I, CPC) JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pleito inicial para:

(1) CONFIRMAR a decisão de ev. 160 e CONDENAR o Município de Itajaí a elaborar e apresentar um plano de realocação das 23 (vinte e três) famílias moradoras nos imóveis que estão localizados sob as pontes e na faixa de domínio, cujas casas encontram-se demarcadas em vermelho no levantamento topográfico constante no ev. 138 - Laudo4, mediante coordenação e acompanhamento pela Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Habitação e Coordenadoria da Defesa Civil do Município, para: (a) inclusão no programa de auxílio moradia previsto na Lei Municipal nº 5398/09, caso não existam moradias populares disponíveis para imediata mudança, com a manutenção do benefício até o recebimento de moradia popular; (b) auxílio na locação de imóvel compatível com o valor do benefício concedido e remoção dos móveis e pertences; (c) inscrição em lista de programa de habitação popular;

(2) CONDENAR a Autopista Litoral Sul S.A. e a ANTT, solidariamente, a ressarcirem o Município de Itajaí pelo cumprimento da decisão de ev. 160; e

(3) CONDENAR o Município de Itajaí na obrigação de inscrever em programa de habitação popular as famílias ainda não realocadas, residentes na área non aedificandi no trecho da BR-101, no quilômetro 123,5, em ambos os lados, em Itajaí, cuja casas encontram-se demarcadas na cor azul do levantamento topográfico de ev. 138 – LAUDO4, mantendo-se a posse das respectivas áreas até serem contempladas e receberem outro imóvel, quando deverão deixar a atual residência no prazo de 60 (sessenta) dias, vendando-se qualquer alienação/transmissão da área a ser desocupada a terceiros interessados. As famílias realocadas neste item deverão se submeter às regras vigentes para os programas de habitação popular.

Cópia da presente sentença deverá ser averbada na(s) matrícula(s) dos imóveis demarcados na cor azul do levantamento topográfico de ev. 138 - LAUDO4.

Sem custas, nem honorários advocatícios, consoante recentes decisões do STJ: “A jurisprudência da Primeira Seção, ao interpretar o art. 18 da Lei nº 7.347/85, firmou compreensão no sentido de que, por critério de simetria, não cabe a condenação do réu, em ação civil pública, ao pagamento de honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé, o que não ocorreu na espécie" (AgInt no RESP 1.127.319 / SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, 1ª Turma, Dje 18.08.2017).

Condeno os réus Autopista Litoral Sul S.A. e a ANTT, pro rata, ao pagamento dos honorários periciais.

Comunique-se a ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO – ACAERT.

Expeçam-se os ofícios à Justiça Estadual com cópia da presente sentença (antigos processos ns. 50047927620144047208, 50047320620144047208 e 50048109720144047208).

Junte-se cópia da presente sentença nos processos 50048412020144047208, 50048126720144047208, 50048870920144047208, 50048889120144047208, 50047814720144047208, 50047684820144047208, 50047693320144047208, 50047745520144047208 para as providências pertinentes.

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Apresentada apelação por uma das partes, intime-se o apelado para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias e remetam-se ao segundo grau independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1.010 do CPC).

Oportunamente, arquive-se.

Em sede de embargos de declaração, a sentença foi ratificada, in verbis:

1. RELATÓRIO

No ev. 460 a Autopista Litoral Sul S.A. interpôs recurso de embargos de declaração contra a sentença proferida no ev. 444.

Aduz, em síntese, a existência de obscuridade e omissão na condenação ao ressarcimento do Município de Itajaí pelas despesas decorrentes do plano de realocação das famílias, a primeira em razão da impossibilidade de se precisar a extensão da obrigação e a segunda em virtude da sentença não ter fixado um prazo máximo de custeio do aluguel social.

Intimada a DPU se manifestou no ev. 466 pela rejeição dos embargos.

É o essencial. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o artigo 1.022 do CPC:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;

II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1o.

Assim, os embargos de declaração têm cabimento sempre que a sentença/decisão proferida trouxer em seu bojo omissão, obscuridade ou contradição, não se prestando mencionado recurso à reforma da sentença/decisão, de forma a ocasionar um novo julgamento da causa. Há casos, porém, que a situação apresentada permite o Juízo de Retratação, de modo a ser sanado eventual erro material no decisum.

Não vislumbro a existência dos vícios apontados pela embargante.

Em relação à obscuridade pela impossibilidade de se precisar a extensão da obrigação, cabe registrar que se trata de sentença ilíquida, a qual deverá se sujeitar à liquidação para definição dos valores devidos, após seu trânsito em julgado.

Quanto à suposta omissão pela necessidade de estabelecer prazo limite na condenação ao ressarcimentos das despesas de aluguel social, denota-se que se trata de interpretação da embargante em relação à provisoriedade do aluguel social, pretendendo assim rediscutir o mérito da decisão.

Os embargos de declaração não são o remédio processual adequado para o reexame dos fundamentos do julgado.

Nova apreciação de fatos e argumentos deduzidos, já analisados ou implicitamente afastados por ocasião do julgamento do recurso, destoa da finalidade a que se destinam os embargos declaratórios:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. NOVA APRECIAÇÃO DOS FATOS. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. 1. São pré-requisitos autorizadores dos embargos de declaração a omissão, a contradição ou a obscuridade na decisão embargada. 2. A decisão hostilizada apreciou todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia, exaurindo o tema, como se verifica facilmente do aresto, restando explicitadas as razões de convencimento do julgador. 3. A embargante pretende fazer prevalecer a tese por ela defendida; porém, a inconformidade com a decisão proferida deve ser veiculada na via recursal própria. 4. Nova apreciação de fatos e argumentos deduzidos, já analisados ou implicitamente afastados por ocasião do julgamento do recurso, destoa da finalidade a que se destinam os embargos declaratórios. 5. Embargos de declaração improvidos. (TRF4 5003578-05.2013.404.7105, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 25/09/2014).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. PREQUESTIONAMENTO.1. Os embargos de declaração não são o remédio processual adequado para o reexame dos fundamentos do julgado, tampouco o julgador está obrigado a se pronunciar a respeito de todos os dispositivos legais invocados.2. O acórdão não está obrigado a contemplar todos os argumentos articulados na apelação, ou fazer menção explícita a todo e qualquer dispositivo legal ou constitucional eventualmente aplicável ao caso em julgamento, mas apenas aqueles que têm relevância para o desate da controvérsia. Portanto, não está o julgador compelido a esmiuçar todos os pontos aventados pelo demandante, se seus fundamentos encerram linha de raciocínio capaz de demonstrar sua posição jurídico-doutrinária.3. Tendo em vista o disposto nas Súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, de forma a viabilizar o acesso às Instâncias Superiores, explicito que a decisão vergastada não contrariou e/ou negou vigência aos artigos mencionados pelo embargante. (TRF4, EDAG 5020329-42.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D"azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 06/12/2013) - grifos nossos

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTENTE. PREQUESTIONAMENTO. Não se acolhem os embargos de declaração quando o embargante pretende, na verdade, a pretexto de vício no julgado, apenas a rediscussão do mérito e o prequestionamento de dispositivos legais. (TRF4 5013288-96.2015.404.7002, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 22/11/2016)

Por fim, considero prequestionados todos os dispositivos legais e constitucionais apontados pela parte embargante.

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração, nos termos da fundamentação supra.

Reabro o prazo para recurso, nos termos do artigo 1.026 do novo CPC (Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso).

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Em que pese ponderáveis os fundamentos que amparam a sentença, razão assiste aos(às) apelantes. Senão vejamos.

A faixa de domínio de rodovia (constituída pela pista de rolamento, canteiros, acostamentos e sinalização, estendendo-se até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa de recuo) pertence à União e é indispensável à segurança na utilização das pistas de rolamento e à eventual ampliação e manutenção destas.

A área non aedificandi adjacente possui, no mínimo, 15 (quinze) metros de largura em cada lado, contados a partir da faixa de domínio, salvo prescrição legal em contrário, e, quando pertence a particular, sofre limitação administrativa, pois nela não são permitidas edificações (artigo 4º, inciso III, da Lei n.º 6.766/1979).

As restrições de uso e ocupação de tais espaços são definidas por critérios técnicos, estabelecidos pelo legislador, e justificam-se pela necessidade de resguardo da segurança dos usuários das rodovias e das pessoas que circulam em sua área contígua, sendo vedado ao Judiciário ampliar, reduzir ou mitigá-las (artigos 50, 93 e 95 do Código Brasil de Trânsito).

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA. COBRANÇA. TAXA DE USO E OCUPAÇÃO DE SOLO E ESPAÇO AÉREO. CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO. DEVER-PODER E PODER-DEVER. INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO EM BEM PÚBLICO. LEI MUNICIPAL 1.199/2002. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO. ARTIGOS 21 E 22 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Às empresas prestadoras de serviço público incumbe o dever-poder de prestar o serviço público. Para tanto a elas é atribuído, pelo poder concedente, o também dever-poder de usar o domínio público necessário à execução do serviço, bem como de promover desapropriações e constituir servidões de áreas por ele, poder concedente, declaradas de utilidade pública. 2. As faixas de domínio público de vias públicas constituem bem público, inserido na categoria dos bens de uso comum do povo. 3. Os bens de uso comum do povo são entendidos como propriedade pública. Tamanha é a intensidade da participação do bem de uso comum do povo na atividade administrativa que ele constitui, em si, o próprio serviço público [objeto de atividade administrativa] prestado pela Administração. 4. Ainda que os bens do domínio público e do patrimônio administrativo não tolerem o gravame das servidões, sujeitam-se, na situação a que respeitam os autos, aos efeitos da restrição decorrente da instalação, no solo, de equipamentos necessários à prestação de serviço público. A imposição dessa restrição não conduzindo à extinção de direitos, dela não decorre dever de indenizar. 5. A Constituição do Brasil define a competência exclusiva da União para explorar os serviços e instalações de energia elétrica [artigo 21, XII, b] e privativa para legislar sobre a matéria [artigo 22, IV]. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com a declaração, incidental, da inconstitucionalidade da Lei n. 1.199/2002, do Município de Ji-Paraná. (STF, RE 581.947, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 26/08/2010 PUBLIC 27/08/2010 - grifei)

EMENTA: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E DEMOLITÓRIA. FAIXA DE DOMÍNIO. RODOVIA FEDERAL. OCUPAÇÃO IRREGULAR. COMPROVAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Ação de reintegração de posse cumulada com pretensão demolitória a propósito de faixa de domínio de rodovia federal ocupada irregularmente. 2. Suficiente comprovação nos autos a respeito da irregularidade destacada na exordial, uma vez que a planta de situação da área examinada que foi carreada ao feito dispensa a produção de prova pericial. 3. No tocante ao tema atinente à prévia desapropriação da área por ocasião da construção da rodovia em tempo pretérito, melhor sorte não assiste aos réus. Na linha da jurisprudência desta Turma, a questão logra inserção em processo apartado, comumente em ação de desapropriação indireta ao seu devido tempo manejada, não na ação de reintegração de posse. 4. Por versar reintegração de posse dirigida contra núcleo familiar individual, não é aplicável ao caso o decidido pelo colendo STF na ADPF nº 828, que trata de desocupações coletivas. 5. Recurso desprovido. (TRF4, 3ª Turma, AC 5008066-72.2019.4.04.7208, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 11/10/2022)

EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BEM PÚBLICO. IMÓVEL LOCALIZADO EM FAIXA DE DOMÍNIO E EM ÁREA NÃO EDIFICANTE. ESBULHO. COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO. EMPRESA REQUERIDA QUE CONTESTOU O FEITO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. EXCLUSÃO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. 1. O Código Civil garante a todo aquele que tem, de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade o direito de ser mantido na posse no caso de turbação e de restituição no caso de esbulho (artigos 1.196 e 1.210). 2. No que se refere ao esbulho, o mecanismo processual de tutela da posse é a ação reintegratória, que é o interdito possessório que tem como finalidade restituir ao possuidor o bem que lhe foi tomado, sendo que para sua procedência é necessário o preenchimento dos requisitos do art. 561 do Código de Processo Civil. 3. Tratando-se de bem público, ademais, inexiste a posse por particular, mas, sim, mera detenção, incapaz de gerar direitos em face da Administração Pública. 4. Sendo a UNIÃO não só a legítima proprietária, como também a possuidora da área ocupada pelos requeridos, que nela só permanecem por mera liberalidade da Administração, inexistem dúvidas de que houve a ocupação irregular (ou detenção de natureza precária) de forma a caracterizar o esbulho possessório e ensejando, assim, o acolhimento do pedido de reintegração deduzido na inicial pelo DNIT. 5. Mesmo não tendo sido oportunizada a regularização da sua representação processual, são devidos honorários advocatícios à ré que contestou o feito e foi excluída da lide pela sentença por ilegitimidade passiva ad causam. (TRF4, 3ª Turma, AC 5010116-73.2016.4.04.7209, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 12/10/2022)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ESBULHO. CONFIGURADO. 1. A construção de edificação em área da faixa de domínio de ferrovia federal, sem autorização, constitui esbulho possessório, autorizando o manejo do interdito. 2. Não é possivel a posse de bem público, constituindo a sua ocupação mera detenção de natureza precária, conforme súmula 619 do STJ. (TRF4, 4ª Turma, AC 5006392-38.2014.4.04.7110, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 05/10/2022)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONSTRUÇÃO IRREGULAR. FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA. ESBULHO POSSESSÓRIO. EDIFICAÇÃO. DEMOLIÇÃO. 1. As limitações ao uso de faixa de domínio são estabelecidas com base em critérios técnicos predefinidos pelo legislador e justificam-se pela necessidade de garantir a segurança dos usuários das rodovias e das pessoas que circulam em área contígua, não cabendo ao Judiciário ampliar, reduzir ou flexibilizar tais restrições. 2. À míngua de autorização para edificação em faixa de domínio de rodovia federal, a ocupação irregular desse espaço (ou detenção de natureza precária) constitui esbulho possessório, que autoriza o manejo de ação de reintegração de posse pela concessionária (artigos 1.208 e 1.210 do Código Civil, artigos 560 a 562 do Código de Processo Civil, e artigo 71 do Decreto-Lei n.º 9.760/1946). 3. Configurada a ocupação irregular, impõe-se a reintegração da concessionária na posse da faixa de domínio e a ordem de demolição da construção irregular localizada nela, com a remoção dos entulhos, às expensas da parte ré. Tal conclusão não é alterada pelo fato de a única construção na referida faixa ser um muro, especialmente pelo fato de o imóvel avançar por 30 m² da área de domínio. 4. Inexiste urgência que autorize a concessão de liminar, uma vez que a perícia constatou a inexistência de riscos concretos e a construção não é recente. 5. Apelações das autoras providas. Apelação da ré desprovida. (TRF4, 4ª Turma, AC 5007747-46.2015.4.04.7208, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 06/10/2022)

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E DEMOLITÓRIA. CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO. PRÉVIA POSSE. ÁREA NÃO EDIFICÁVEL. 1. A posse da autora está suficientemente fundada no contrato de concessão de serviço público de exploração da rodovia juntado aos autos. 2. A área não edificável é limitação administrativa imposta sobre propriedade privada, e o pedido de demolição de construções realizadas sobre a área não edificável não se confunde com o pedido de reintegração de posse. Este pedido depende apenas da existência de interesse jurídico da demandante no provimento jurisdicional relativo à demolição das construções irregulares. Esse interesse jurídico está presente justamente porque à concessionária incumbe a prestação do serviço público objeto da concessão, estando a adequada prestação desse serviço atrelada à observância da proibição da construção de imóveis na área não edificável. 3. Apelação do réu improvida. (TRF4, 4ª Turma, AC 5003848-61.2015.4.04.7104, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 16/10/2019)

A construção da rodovia federal BR 101, no Estado de Santa Catarina, remonta à década de 1960, época em que os espaços afetados pelas obras foram declaradas de utilidade pública, para esse fim, na forma do Decreto-Lei n.º 3.365/1941. Quanto às áreas atingidas pela implantação da via e respectivas faixas de domínio da rodovia, coube indenização aos proprietários, por se tratar de desapropriação, e, se eventualmente o pagamento devido não se efetivou na esfera administrativa ou judicial, a parte interessada deve promover o ajuizamento de ação de indenização (desapropriação indireta), uma vez que a ação reintegração/manutenção de posse não comporta tal discussão.

Assentadas tais premissas, infere-se da análise dos autos que a posse da Concessionária Autopista Litoral Sul S.A. sobre a rodovia e a faixa de domínio (artigo 561 do CPC), assim como a responsabilidade pela manutenção da integridade desse espaço e da área adjacente, tem lastro no contrato de concessão, firmado com a União, por intermédio da Agência Nacional de Transportes Terrestres, para exploração de infraestrutura e prestação de serviços públicos e obras no trecho ali especificado (CONTR2 do evento 1 dos autos originários).

A documentação acostadas aos autos comprova a ocupação de faixa de domínio da rodovia federal e de área non aedificandi.

À míngua de autorização para edificação em faixa de domínio de rodovia federal, a ocupação irregular desse espaço (ou detenção de natureza precária) constitui esbulho possessório, que autoriza o manejo de ação de reintegração de posse pela concessionária (artigos 1.208 e 1.210 do Código Civil; artigos 560 a 562 do Código de Processo Civil, e artigo 71 do Decreto-Lei n.º 9.760/1946) e o respectivo desfazimento das construções, às expensas da parte ré.

Além disso, é firme na jurisprudência a orientação no sentido de que:

(1) a antiguidade da ocupação em si, a boa-fé do ocupante e a suposta “tolerância” ou inércia das autoridades por longa data são irrelevantes, pois não geram o direito de ali permanecer (faixa de domínio) ou de manter construções que comprometem a segurança do trânsito local (área non aedificandi), seja porque a faixa de domínio não é passível de usucapião, por se tratar de bem público (artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da Constituição Federal), seja porque as restrições de uso de área non aedificandi, impostas por lei, atendem ao interesse público;

(2) a ocupação irregular de bem público ou a construção em área não edificável não pode ser legitimada, com fundamento na dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal), no direito social à moradia (artigo 6º da Constituição Federal) - cuja concretização reclama a existência de políticas públicas - ou no direito à propriedade e sua função social (artigos 5º, incisos XXII e XXIII, 170, inciso II, e 182, § 2º, da Constituição Federal), porquanto (2.1) é dever do Estado protegê-los; (2.2) o interesse particular não prevalece ao da coletividade, nem se sobrepõe à necessidade de o Poder Público garantir segurança na circulação de pessoas e veículos nas vias rodoviárias; (2.3) chancelar o esbulho de área pública viola, ainda que indiretamente, normas expressas da Constituição Federal, e (2.4) a boa-fé do ocupante ou o longo tempo de sua permanência no local não lhe conferem o direito de manter-se no imóvel, e

(3) a tutela da pretensão possessória não pressupõe a comprovação de posse anterior da Concessionária ou do ente público concedente relativamente ao imóvel sub judice, porquanto (3.1) a definição da faixa de domínio e da área non aedificandi é legal; (3.2) a faixa de domínio é espaço indissociável da pista de rolamento, dada sua finalidade precípua - a segurança do trânsito (artigo 50 do Código de Trânsito Brasileiro), constituindo a sua ocupação detenção de natureza precária, a afastar qualquer direito real de posse oponível ao Poder Público (artigo 1.225, inciso XI, da Código Civil, artigo 561 do CPC e artigo 71 do Decreto-Lei n.º 9.760/1946), e (3.3) a manutenção de edificação situada no espaço adjacente à rodovia envolve risco à segurança de todos, inclusive de ocupantes irregulares e terceiros que trafegam nela e circulam em área contígua, que é justamente o que a restrição de uso visa a eliminar ou, pelo menos, mitigar (artigos 5º, caput, e 144, § 10, caput e inciso I, da Constituição Federal).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVO TIDO POR VIOLADO. SÚMULA 211/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 1.025 DO CPC/2015. INOVAÇÃO RECURSAL. IMÓVEL IRREGULAR EM FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE PERMISSÃO/AUTORIZAÇÃO DO DNIT. CONCESSÃO DE USO ESPECIAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o seu conhecimento, a teor da Súmula 211/STJ. 2. O art. 1.025 do CPC/2015, tido por violado, não foi objeto do recurso especial interposto pelo ora agravante, tratando-se de verdadeira inovação recursal, o que torna inviável a análise do pleito ante a configuração da preclusão consumativa. 3. A Corte de origem, após ampla análise do conjunto fático-probatório, firmou compreensão de que "a localização do imóvel mostra-se irregular, pois, além de não contar com a devida permissão do DNIT, foi construído dentro da área de domínio público, conforme consta da planta acostada pelo DNIT (Id. 4058200.596416), colocando em risco a vida e a segurança de pedestres e motoristas que trafegam pela rodovia federal BR-110/PB, sendo evidente a contrariedade aos dispositivos constantes nos art. 93 e 95 da Lei 9.503/97, e no inciso III do art. 4º da Lei 6.766/79, acima destacados" (fl. 259). Assim, verifica-se que rever o entendimento do acórdão recorrido ensejaria o reexame do conjunto fático-probatório da demanda, providência vedada em sede de recurso especial ante a Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.812.816/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, julgado em 28/10/2019, DJe 30/10/2019)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ENTE PÚBLICO. RODOVIA. FAIXA DE DOMÍNIO. TENDA. USO POR PARTICULAR. SÚMULAS 5 E 83/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Reintegração de Posse proposta pelo DAER/RS, autarquia estadual, contra possuidor de tenda às margens da rodovia RS-040, Km 76-860, situada na faixa de domínio. 2. A sentença julgou a ação procedente, fixando o prazo de 90 (noventa) dias para a parte recorrente desfazer as construções na área reintegrada, o que foi mantido pelo Tribunal. 3. Não conheço do Recurso Especial em relação a eventual violação a cláusulas do contrato de concessão, por não se enquadrar no conceito de lei federal previsto no art. 105, III, a da Constituição Federal, atraindo a incidência da Súmula 5/STJ. A propósito: AgInt no REsp 1.569.566/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/4/2017; AgRg no AREsp: 572.866/RJ, Relator: Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 20/11/2014; AgRg no REsp 845.056/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 13.10.2009. 4. Não se apresenta como ponto controvertido na lide o direito de propriedade do ente federativo em relação à rodovia onde instalada a tenda da parte recorrente, nem à ausência de autorização do poder público para a utilização pelo particular do espaço público às margens da rodovia. 5. Desse modo, é inquestionável que, mesmo existindo concessão do serviço público a terceiros, tal fato não retira a legitimidade do poder público concedente relativamente à utilização dos instrumentos processuais para a retomada da posse do bem público, pois conserva os direitos inerentes à propriedade. 6. Ademais, a jurisprudência do STJ afirma que, nos casos em que o imóvel objeto do litígio é público, a discussão da posse em ação possessória decorre do próprio direito de propriedade, razão pela qual deve-se permitir o manejo de institutos processuais de natureza possessória pelos entes públicos. Nesse sentido: EREsp 1.134.446/MT, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 4/4/2018; REsp 1.370.254/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 29/11/2016; AgRg no REsp 1.282.207/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 2/2/2016; REsp 780.401/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 21/9/2009. 7. Em casos como o apreciado nestes autos, é legítimo ao ente estatal propor demanda para discutir a reintegração de posse de bem público ocupado por particulares, considerando que o direito de posse do recorrido decorre do direito de propriedade do Estado sobre a rodovia. 8. Exigir do poder público o exercício de poder de fato sobre a coisa para legitimar o manejo de Ações Possessórias, especialmente nos casos da utilização das margens de rodovias pelos particulares para fins privados, inviabilizaria a realização de política pública relacionada à segurança e conservação das vias públicas. 9. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." 10. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp n. 1.766.791/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/11/2018, DJe de 19/11/2018 - grifei)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E REAIS. RECURSO ESPECIAL. POSSE DE BEM PÚBLICO OCUPADO SEM PERMISSÃO. INVIABILIDADE. LIMINAR EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, TENDO POR OBJETO ÁREA OCUPADA HÁ MAIS DE ANO E DIA. POSSIBILIDADE. 1. O artigo 1.208 do Código Civil dispõe que não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade‟. 2. A jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal, é firme em não ser possível a posse de bem público, constituindo a sua ocupação mera detenção de natureza precária. 3. Portanto, no caso vertente, descabe invocação de ‘posse velha’ (artigo 924 do Código de Processo Civil), para impossibilitar a reintegração liminar em bem imóvel pertencente a órgão público. 4. Recurso especial não provido (STJ, REsp n.º 932.971, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 26/05/2011)

No tocante à indenização por acessões e benfeitorias, o e. Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento no sentido de que "A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias" (súmula n.º 619). Configurada hipótese de detenção (que não se confunde com posse), a pretensão indenizatória carece de amparo legal, independentemente da boa-fé ou não do ocupante (artigos 1.219 e 1.255 do Código Civil).

Desse modo, estando as edificações em situação de flagrante irregularidade em razão de ocupação indevida de domínio de bem público, o seu desfazimento é medida que se impõe.

Cumpre destacar que não cabe à concessionária, tampouco à ANTT -, ante o seu papel regulatório de supervisão e de fiscalização sobre a prestação de serviços e exploração das rodovias e ferrovias federais e respectivas faixas de domínio -, a assunção de responsabilidades no campo de políticas públicas ligadas ao direito à moradia. Tal intento deve ser buscado em demanda própria, individual ou coletiva, em face do Poder Público.

Colhe-se da sentença que:

A Concessionária Autopista Litoral Sul detém responsabilidade contratual de manutenção do bem arrendado, corroborada pelo Contrato de Concessão nº 003/2007, em suas cláusulas 16.6 "e", 16.7, "c", 16.29 e 16.30, transcritas na contestação da ANTT (ev. 94):

(...)

Responsabilidade da Concessionária

16.6 Incumbe, também, à Concessionária:

e) adotar todas as providências necessárias, inclusive judiciais, à garantia do patrimônio das Rodovias que compõem o Lote Rodoviário, inclusive as faixas de domínio e de seus acessos;

16.7 E também:

c) controlar todos os terrenos e edificações integrantes da Concessão e tomar todas as medidas necessárias para evitar e sanar uso ou ocupação não autorizada desses bens, inclusive na "area non aedificandi", mantendo a ANTT informada a esse respeito;

Verba para Custeio de Desocupação da Faixa de Domínio

16.29 É responsabilidade da Concessionária manter a integridade da faixa de domínio da Rodovia, inclusive adotando as providências necessárias a sua desocupação se e quando invadida por terceiros.

16.30 A Concessionária disporá de verba destinada a promover, ao longo da Concessão, as desocupações da faixa de domínio, necessárias ao cumprimento das metas e objetivos da Concessão, nos valores descritos no PER.

(...)

A cláusula 16.29 atribui responsabilidade à Concessionária em manter a integridade da faixa de domínio e a cláusula 16.30 traz previsão de recursos financeiros (verbas) destinados a promover as desocupações da faixa de domínio.

A ANTT, por sua vez, é responsável pela fiscalização da prestação de serviços e manutenção dos bens integrantes dos contratos de concessão de rodovias federais.

O art. 24, inciso VIII, da Lei n. 10.233/2001 assim dispõe:

Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais:

(...)

VIII – fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento;

(...)

Consoante bem apontado pela Autopista Litoral Sul S.A. em suas razão de apelação (evento 485, APELAÇÃO1): (1) Cumpriu todos os deveres que lhe foram impostos quanto à fiscalização e adoção da medidas necessárias à desocupação da faixa de domínio, nos exatos termos do ajuste e nos limites da sua atuação; (2) É fato que o contrato de concessão contempla a obrigação de promover desapropriações necessárias à execução das obrigações estabelecidas no PER, bem como a adoção de medidas que visem a desocupação irregular da faixa de domínio da rodovia. É o que infere das Cláusulas 16.28, 16.29 e 16.30 do referido instrumento. Contudo, ao contrário do entendido pela sentença recorrida, tais cláusulas compreendem a adoção de medidas judiciais e materiais necessárias à reintegração de posse da área de domínio irregularmente ocupada, como a propositura de ações e o custeio das despesas necessárias para realização de demolições, limpeza e restauração do local, e não à distribuição de moradia gratuita a pessoas carentes ou à promoção de política pública habitacional. Da mesma forma, as desapropriações previstas no contrato de concessão têm por escopo a execução de obras de ampliação e melhoria do sistema viário, nos exatos termos ajustados, e não a indenização de turbações de bem público por particular; (3) (...) o Contrato de Concessão rodoviária não é instrumento de execução de medidas públicas habitacionais. Tal tese extrapola o escopo da concessão e atropela a lógica. Entendimento desta natureza inviabilizaria os Contratos de Concessão em todo o país e promoveria verdadeira enxurrada de revisão das tarifas de pedágio para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos certames, atribuindo aos usuários da rodovia, em última análise, o custo deste grave problema social.

Destarte, nos termos do acima exposto, resta afastada a responsabilidade das apelantes pelo ressarcimento ao Município de Itajaí/SC pelo cumprimento da decisão de ev. 160 (realocação das famílias estabelecidas em faixa de domínio), uma vez que a previsão de custeio no caso de desocupação da faixa de domínio não está relacionada à realocação dos particulares, mas, sim, está relacionada a todos custos que se incorrerá para efetivamente desocupar a área, como é o caso do monitoramento da área, do ajuizamento de ações de reintegração de posse e de demolição de eventuais construções.

Ilustram tal entendimento:

ADMINISTRATIVO. USO DE FAIXA DE DOMÍNIO EM RODOVIA. ESGOTAMENTO SANITÁRIO. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. ANTT. LEGITIMIDADE PASSIVA. BEM DE USO COMUM DO POVO. COBRANÇA DE TAXA. IMPOSSIBILIDADE. I. Presente a legitimidade da ora Agravante para figurar no pólo passivo da demanda, ante o seu papel regulatório de supervisão e de fiscalização sobre a prestação de serviços e exploração das rodovias e ferrovias federais e respectivas faixas de domínio. II. Em se tratando de serviço público relevante, essencial e público, como é o caso do esgotamento sanitário, nada é devido pelo uso da faixa de domínio, público adjacente às rodovias/ferrovias, que é bem de uso comum da população. III. Este Tribunal firmou entendimento no sentido de que a cobrança em face de concessionária de serviços públicos pelo uso de solo, subsolo ou espaço aéreo é ilegítima porque a utilização reverte em favor da sociedade, razão pela qual não cabe a fixação de preço público, e porque a natureza do valor cobrado não é taxa, pois não há serviço público prestado ou poder de polícia exercido. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5024364-30.2022.4.04.0000, 3ª Turma, Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 31/08/2022)

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE AJUIZADA POR CONCESSIONÁRIA DA ANTT. IMÓVEL LOCALIZADO NA FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. INTERESSE JURÍDICO DA ANTT. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Embora o contrato de concessão estabeleça ser responsabilidade da concessionária a manutenção da integridade da faixa de domínio, devendo adotar, inclusive, as providências judiciais necessárias à garantia do patrimônio das rodovias que compõem o lote rodoviário objeto do contrato, é dever da ANTT a fiscalização e manutenção dos bens outorgados nas concessões para administração de rodovias (art. 24-VIII da Lei nº 10.233 /2001). Além disso, em se tratando de reintegração de posse de bem público federal, a atuação da ANTT parece ir além das atribuições decorrentes de sua condição de agente regulador ou fiscalizador, ante a presença de interesse público a ser protegido, o que evidencia o interesse jurídico e autoriza seu ingresso no feito como assistente simples da parte autora. (TRF4, AG 5024679-39.2014.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 20/03/2015).

Relativamente à apelação da ANTT, no sentido de que (...), a manutenção da posse das famílias na área não edificável implica indevida imposição de obrigação de não fazer à concessionária e ao poder público, contrária à lei, cabe ressaltar que, por força da Lei nº 13.913, de 29-11-2019, foi alterada a Lei nº 6.766/79, permitindo, no seu artigo 4º, inciso III, por meio de lei municipal ou distrital, a redução da área não edificável contígua à faixa de domínio das rodovias, que anteriormente era de 15 metros, até o limite mínimo de 5 metros.

O § 5º do artigo 4º da referida Lei ainda dispôs que as construções nas áreas non aedificandi que atravessem perímetros urbanos ou áreas urbanizadas passíveis de serem incluídas em perímetro urbano construídas até a data da promulgação da lei ficam dispensadas da observância da exigência prevista no inciso III.

Dessa forma, tratando-se de imóveis situados em área urbana, incide a atual redação do artigo 4º, §5º, da Lei nº 6.776/79 e, por consequência, evidenciada a existência de fato novo superveniente decorrente da alteração legislativa em questão, sobressai a perda do interesse processual em relação à área non aedificandi, impondo-se a extinção do feito no ponto sem resolução do mérito.

Sem condenação em honorários, nos termos do art. 18 da Lei n.º 7.347/85.

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por reconhecer a parcial perda de objeto da ação e, quanto à lide remanescente, dar provimento às apelações.



Documento eletrônico assinado por SERGIO RENATO TEJADA GARCIA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003822483v76 e do código CRC 8fcb24b6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SERGIO RENATO TEJADA GARCIA
Data e Hora: 27/4/2023, às 8:21:14


5005916-26.2016.4.04.7208
40003822483.V76


Conferência de autenticidade emitida em 05/05/2023 04:00:59.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005916-26.2016.4.04.7208/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (RÉU)

APELANTE: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (RÉU)

APELADO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (AUTOR)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

INTERESSADO: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. REALOCAÇÃO DE FAMÍLIAS. MORADIAS DIGNAS. RESPONSABILIDADEÁREA NON AEDIFICANDI. LEI Nº 13.913/2019. legitimidade passiva ad causam.

1. É cediço na jurisprudência a orientação no sentido de que as condições da ação, inclusive a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial, sem qualquer incursão no mérito da demanda ou instrução probatória (STJ, AgInt no AREsp n. 2.056.137/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/9/2022, DJe de 23/9/2022). Nessa perspectiva, é inafastável a legitimidade da ANTT, em face da alegação de que foi omissa no cumprimento do dever legal. A existência, ou não, de efetiva responsabilidade é questão atinente ao mérito da lide e, como tal, deve ser examinada.

2. Tratando-se de imóveis situados em área urbana, incide a atual redação do art. 4º, §5º da Lei nº 6.776/79, dada pela Lei nº 13.913/2019, e, por consequência, evidenciada a existência de fato novo superveniente decorrente da alteração legislativa em questão, sobressai a perda do interesse processual em relação à área non aedificandi.

3. A faixa de domínio de rodovia (constituída pela pista de rolamento, canteiros, acostamentos e sinalização, estendendo-se até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou do espaço de recuo) pertence à União e é indispensável à segurança na utilização das pistas de rolamento e à eventual ampliação e manutenção destas.

4. Desse modo, estando as edificações em situação de irregularidade em razão de ocupação indevida de domínio de bem público, o seu desfazimento é medida que se impõe.

5. Não cabe à concessionária, tampouco à ANTT -, ante o seu papel regulatório de supervisão e de fiscalização sobre a prestação de serviços e exploração das rodovias e ferrovias federais e respectivas faixas de domínio -, a assunção de responsabilidades no campo de políticas públicas ligadas ao direito à moradia. Tal intento deve ser buscado em demanda própria, individual ou coletiva, em face do Poder Público.

6. A previsão de custeio no caso de desocupação da faixa de domínio não está relacionada à realocação dos particulares, mas, sim, a todos custos que se incorrerá para efetivamente desocupar a área, como é o caso do monitoramento da área, do ajuizamento de ações de reintegração de posse e de demolição de eventuais construções.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, reconhecer a parcial perda de objeto da ação e, quanto à lide remanescente, dar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de abril de 2023.



Documento eletrônico assinado por SERGIO RENATO TEJADA GARCIA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003822484v6 e do código CRC a6ec2021.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SERGIO RENATO TEJADA GARCIA
Data e Hora: 27/4/2023, às 8:21:14


5005916-26.2016.4.04.7208
40003822484 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 05/05/2023 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 26/04/2023

Apelação Cível Nº 5005916-26.2016.4.04.7208/SC

RELATOR: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: JUCÉLIA CORRÊA por CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: ADILSON MIRANDA GASPARELLI por AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT

APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (RÉU)

APELANTE: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (RÉU)

APELADO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (AUTOR)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 26/04/2023, na sequência 555, disponibilizada no DE de 13/04/2023.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, RECONHECER A PARCIAL PERDA DE OBJETO DA AÇÃO E, QUANTO À LIDE REMANESCENTE, DAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 05/05/2023 04:00:59.

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