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ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ACIDENTE DE TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELO INS...

Data da publicação: 07/07/2020, 07:34:54

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ACIDENTE DE TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELO INSS COMO BENEFÍCIO. CONTRIBUIÇÃO DE SAT/RAT - NÃO EXCLUI OBRIGAÇÃO DA EMPRESA EM RESSARCIR O INSS. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA. CONFIGURADA. - Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. - É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada. - O fato de as empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. - Restando demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e à fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, a ação regressiva proposta pela autarquia deve ser julgada procedente, condenando-se a ré a ressarcir ao autor o total dos valores desembolsados a título de benefícios previdenciários decorrentes de acidente do trabalho, até a cessação da benesse. - Em se tratando de ressarcimento, via regressiva, dos valores despendidos pelo INSS em virtude de concessão de benefício previdenciário, improcede o pleito de constituição de capital, caução ou diversa medida processual para dar conta das parcelas posteriores, uma vez que não se trata de obrigação de natureza alimentar. (TRF4, AC 5009673-74.2015.4.04.7204, QUARTA TURMA, Relatora MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, juntado aos autos em 19/09/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009673-74.2015.4.04.7204/SC

RELATORA: Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN

APELANTE: METALFOR METALURGIA E SERVIÇOS LTDA (RÉU)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

RELATÓRIO

O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS ajuizou ação ordinária, em 29/10/2015, contra a empresa METALFOR METALURGIA E SERVIÇOS LTDA., objetivando o ressarcimento de todos os valores despendidos com auxílio-acidente/auxílio-doença acidentários concedidos ao segurado Marlon Feltrin da Silva, em razão de acidente de trabalho ocorrido em 14/12/2010.

A sentença, prolatada em 27/10/2016 (evento 88 do processo originário), julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos:

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, extinguindo o processo na forma do art. 487, I, do CPC, a fim de condenar a ré a:

(a) ressarcir ao INSS todos os valores pagos em razão da concessão dos benefícios de auxílio-doença acidentário nº 91/544.215.075-0 e do auxílio-acidente nº 94/552.633.643-0, até a data da cessação deste último, e de outros benefícios que porventura forem concedidos em razão do acidente sofrido por Marlon Feltrin da Silva, até a data da sua cessação;

(b) efetuar o pagamento ao INSS, até o dia 20 de cada mês, do valor correspondente às prestações dos referidos benefícios que se vencerem após a liquidação, por meio de Guia da Previdência Social – GPS, pela própria ré preenchida e devidamente identificada com o número do processo judicial e o código específico de pagamento (9636).

Na atualização dos valores da condenação deve-se observar a incidência de: a) correção monetária pelo IPCA-E desde o desembolso de cada parcela dos benefícios (STJ, Súmula nº 43) até o efetivo pagamento; b) juros de mora de 1% ao mês para as parcelas que vencerem até a liquidação (CC, artigo 406; CTN, artigo 161, § 1º) desde a citação (Código Civil, artigo 405); c) com relação às prestações que vencerem após a liquidação, correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora de mora de 1% ao mês desde a data em que o INSS efetuar o pagamento.

Condeno a empresa ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em percentual a ser fixado por ocasião da liquidação, considerando a relativamente rápida tramitação e a relativa importância da causa, a ausência de recursos incidentais, o elevado grau de diligência e zelo dos patronos do autor e a necessidade de dilação probatória, com a produção de prova oral, atendido o disposto no artigo 85, §§ 2º e 3º, e 4º, II, do CPC.

Apela a parte demandada (autos originários, evento 88), pugnando pela reforma da sentença recorrida, a fim de que seja acolhida a prejudicial de prescrição e, no mérito, a total improcedência da ação, atendidas no mais as cautelas de estilo inerentes à espécie.

Após as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Em sua petição inicial, narrou a autarquia que o segurado Marlon Feltrin da Silva obteve a concessão de auxílio-doença acidentário nº 91/544.215.075-0 e benefício de auxílio-acidente nº 94/552.633.643-0. Referiu que o acidente de trabalho em questão, no dia 14/12/2010, decorreu de negligência da ré, na condição de empregadora, tendo em vista o descumprimento de normas de segurança do trabalho.

No que se refere à prescrição, a jurisprudência deste Tribunal tem entendimento no sentido de que, ante à inexistência de prazo prescricional geral expressamente fixado para as ações movidas pela Fazenda Pública contra o particular, há que se aplicar, por simetria, o Decreto nº 20.910/32, o qual prevê:

Art. 1º - As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Nesse sentido, precedente da 2ª Seção desta Corte, baseado na orientação jurisprudencial trazida pelo STJ:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELO INSS A TÍTULO DE AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

1. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de auxílio-doença acidentário concedido a empregado, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

2. Nulidade da sentença, afastando-se a prescrição, e determinado o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito, com produção probatória, para que seja aferido se a hipótese dos autos (doença ocupacional) está albergada na previsão legal de direito de regresso, nos termos dos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91.

(EMBARGOS INFRINGENTES Nº 5006331-06.2011.404.7201, 2ª Seção, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/10/2012)

Ademais, a prescrição atinge o fundo do direito de ação, ou seja, o próprio direito de regresso postulado pelo INSS, e não apenas as parcelas vencidas anteriormente ao seu ajuizamento. Isto porque a pretensão regressiva do INSS tem por fundamento a 'negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva', conforme expressa dicção do artigo 120 da Lei nº 8.213/1991.

Portanto, a periodicidade do pagamento das prestações previdenciárias não desnatura a pretensão de indenização em prestação de trato sucessivo, uma vez que se trata de relação jurídica instantânea de efeitos permanentes. O mesmo raciocínio se faz com relação à concessão de outro benefício previdenciário decorrente do mal causado pelo mesmo acidente, como, por exemplo, a aposentadoria por invalidez que segue o auxílio-doença acidentário.

Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. (...) RESSARCIMENTO DE VALORES DESPENDIDOS COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - NATUREZA JURÍDICA DO VÍNCULO EXISTENTE ENTRE O INSS E A EMPRESA EMPREGADORA DO SEGURADO. 1. A relação de trato sucessivo que se verifica na espécie diz com aquela entabulada entre a autarquia federal e o seu beneficiário, de natureza eminentemente previdenciária. A relação jurídica entre o INSS e a empresa SADIA S.A., por sua vez, é relação jurídica instantânea de efeitos permanentes. Em tal conformação, caracterizada a conduta omissiva da empresa ré com produção na esfera jurídica da autarquia federal - acionada ao pagamento de benefício previdenciário pelo seu segurado, vítima daquela conduta omissiva -, tem-se nessa data o termo inicial do prazo prescricional à ação de regresso. O protraimento no tempo da relação previdenciária deflagrada a partir de então, não transmuda a natureza instantânea da relação estabelecida entre o INSS e a empresa Sadia S.A, inexistindo na espécie, pois, hipótese de incidência da orientação da Súmula n.º 85 do Superior Tribunal de Justiça na espécie. (...) (ED em Agravo em AC nº 5000153-42.2010.404.7212/SC, Rel. Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, 3ª T., un., j. 19-04-2011)

No caso dos autos, dado que o auxílio-doença por acidente do trabalho foi concedido em 30/12/2010 (evento 1, INFBEN3, p. 1), tendo ocorrido o ajuizamento da presente demanda em 29/10/2015, não há se falar em prescrição.

A ação de regresso proposta pelo INSS encontra fundamento no precitado artigo 120 da Lei nº 8.213/91, in verbis:

Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Estamos diante de responsabilidade civil subjetiva, na qual, além dos pressupostos (a) da ação ou omissão do agente, (b) do dano experimentado pela vítima e (c) do nexo causal entre a ação e omissão e o dano, deve ficar comprovada também (d) a culpa do agente, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, que dispõem:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Logo, torna-se necessária, no caso dos autos, a verificação de conduta negligente dos requeridos no evento que ocasionou o acidente do empregado da empresa, para que se proceda à restituição pugnada pela autarquia.

Ainda no que tange à responsabilidade civil nas hipóteses envolvendo acidente do trabalho, duas situações merecem destaque. A primeira, de que há presunção de culpa por parte do empregador quanto à segurança dos trabalhadores a ele vinculados, recaindo sobre aquele o ônus de provar a adoção de medidas preventivas ao acontecimento de infortúnios no ambiente laboral. A segunda, o fato de que cabe ao empregador a direção e a fiscalização no andamento das atividades com observância das diretrizes de segurança e saúde do trabalho.

A propósito, o seguinte julgado deste Tribunal:

PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. COMPETÊNCIA. PROVA ORAL. LEGITIMIDADE DO INSS. CULPA DO EMPREGADOR. AÇÃO REGRESSIVA. POSSIBILIDADE. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BENEFÍCIOS SUCESSIVOS AINDA NÃO EFETIVADOS. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS.

1 a 12 (...)

13. Vale notar, no tocante, que, em se tratando de responsabilidade civil por acidente do trabalho, há uma presunção de culpa do empregador quanto à segurança do trabalhador, sendo da empregadora o ônus de provar que agiu com a diligência e precaução necessárias a evitar ou diminuir as lesões oriundas do trabalho repetitivo, ou seja: cabe-lhe demonstrar que sua conduta pautou-se de acordo com as diretrizes de segurança do trabalho, reduzindo riscos da atividade e zelando pela integridade dos seus contratados.

14. É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas conseqüências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada, afirmando de modo simplista que cumpriu com seu dever apenas estabelecendo referidas normas.

15. Demonstrada a negligência da empregadora quanto à instalação e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei n° 8.213/91.

16 a 20 (...)

(TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003484-56.2010.404.7107, 3ª TURMA, Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 08/05/2014) (grifei)

Sob outro aspecto, é pacífica a jurisprudência desta Casa em afirmar que o empregador privado não se exime da responsabilidade civil em face de acidente do trabalho sofrido por seus trabalhadores contratados, em razão do recolhimento de tributos e contribuições que custeiam o Regime Geral de Previdência Social, em especial o SAT - Seguro de Acidente do Trabalho. Assim, não há dúvida sobre a constitucionalidade do art. 120 da Lei de Benefícios, dispondo sobre a ação regressiva de que dispõe a Previdência Social quando imputável ao contratante da força laborativa negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva.

Observe-se o seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. CONTUTUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LEI 8.213/91. SAT. COMPENSAÇÃO. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA DO EMPREGADOR.

1. A constitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91 restou reconhecida por esta Corte, nos autos da Argüição de Inconstitucionalidade na AC nº 1998.04.01.023654-8. Portanto, se o benefício é custeado pelo INSS, este é titular de ação regressiva contra o responsável negligente, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, sem que tal previsão normativa ofenda a Constituição Federal.

2. O fato das empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas àquela destinada ao seguro de acidente de trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.

3. Impossibilidade de devolução/compensação dos valores despendidos a título de seguro de acidente de trabalho - SAT. O SAT possuiu natureza de contribuição para a seguridade social (arts. 114, VIII, e 195, I, "a", da CF/88), e não de seguro privado.

4. O nexo causal foi configurado diante da negligência e imprudência da empresa empregadora, que desrespeitou diversas normas atinentes à proteção da saúde do trabalhador. 5. Recurso da parte ré improvido na totalidade. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003462-60.2013.404.7117, 3ª TURMA, Juíza Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/02/2015) (grifei)

Inclusive em sede de Arguição de Inconstitucionalidade afirmou-se o mesmo, senão vejamos:

CONSTITUCIONAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS ARTS. 120 DA LEI Nº 8.213/91 E 7º, XXVIII, DA CF.

Inocorre a inconstitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91 (Art. 120.

Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.) em face da disposição constitucional do art. 7º, XXVIII, da CF (Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;), pois que, cuidando-se de prestações de natureza diversa e a título próprio, inexiste incompatibilidade entre os ditos preceitos.

Interpretação conforme a Constituição.

Votos vencidos que acolhiam ante a verificação da dupla responsabilidade pelo mesmo fato.

Argüição rejeitada, por maioria.

(INAC 1998.04.01.023654-8, Corte Especial, rel. p/ acórdão MANOEL LAURO VOLKMER DE CASTILHO, DJU DE 13-11-2002) (grifei)

Por fim, destaca-se a redação do §10, art. 201 da CF/88: "§10º. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado".

De sua simples leitura infere-se que o setor privado também deve arcar com os riscos atinentes aos acidentes de trabalho, principalmente quando o sinistro decorrer de culpa do empregador.

Por tudo isso, não há falar no acolhimento da pretensão em afastar o cabimento da ação regressiva em face do pagamento da SAT/RAT.

Na análise do caso concreto, irrefutáveis são as conclusões da decisão singular hostilizada, a qual bem aprecia a prova dos autos, atenta à situação de ser hipótese plausível para o infortúnio a negligência da ré ao não oportunizar o devido treinamento ao segurado para a execução de atividades de risco, ou a fiscalização dos procedimentos por ele adotados, circunstâncias diretamente relacionadas com o acidente do trabalho. Ainda, não se demonstrou de forma segura conduta culposa de outro empregado que pudesse afastar a responsabilidade da empresa. Vejamos trecho da fundamentação da sentença:

Com a petição inicial, o INSS juntou aos autos cópia da Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT, emitida pela empresa ré em 16/12/2010 (evento 1 - INF2), na qual consta o segurado como "mecânico de manutenção de máquinas em geral" e que houve "impacto sofrido por pessoa, de obj", resultando em amputação traumática de dois ou mais dedos, tendo como agente causador uma máquina.

O INSS também juntou peças da ação trabalhista nº 0000484-22.2013.5.12.0027, no curso da qual foram ouvidos o empregado acidentado, o representante da empresa e duas testemunhas:

DEPOIMENTO DO/A AUTOR/A: 1) a partir de 2013 o creme para proteção das mãos foi fornecido com frequência, mediante assinatura no controle de EPI; 2) realizava as mesmas tarefas que os paradigmas após retornar do afastamento oriundo do acidente. Nada mais.

DEPOIMENTO DO/A REPRESENTANTE DO RÉU(RÉ): 1) tanto o autor quanto os paradigmas realizavam as mesmas tarefas; 2) o autor estava trabalhando em uma prensa quando ocorreu o acidente, esclarecendo que os ajudantes são treinados para operar esta máquina, não havendo o cargo de operador de prensa; 3) o autor havia iniciado o trabalho na máquina de prensa dois dias antes do acidente; 4) antes de passar operar a maquina de prensa o supervisor havia chamado o autor e “mostrado como funcionado a máquina”; 5) o técnico em segurança da ré era terceirizado, não havendo empregado no local; 6) atualmente a maquina continua operando “do mesmo jeito”. Nada mais.

a) TESTEMUNHA DO AUTOR:

1. JAIRO DA SILVA, brasileiro/a, casado, mecânico, residente na Rua Evanio Locateli, 27, Bairro Vila Franca, Forquilhinha/SC. Advertido/a e compromissado/a. I. R. que: 1) que trabalhou na reclamada como mecânico de caldeireiro de 2008 até 2012; 2) não havia um cargo específico para operar a prensa, sendo que todos operavam; 3) apesar de simples manuseio, a prensa era uma máquina perigosa; 4) não havia treinamento para operar a prensa, sendo que era dito como funcionava, a quantidade de peças para produzir e o funcionário já começava a operá-la; 5) não havia técnico de segurança para orientar os empregados; 6) nunca participou de treinamento; 7) eram fornecidos EPIs básicos. Nada mais.

b) TESTEMUNHA DA RÉ:

1. MARCOS ROBERTO SOGA, brasileiro/a, solteiro, eletricista, residente na Rua Orlando Sebastião da Silva, 786, Bairro Nova York, Forquilhinha/SC. Advertido/a e compromissado/a. I. R. que: 1) que trabalha na reclamada desde 2005, como eletricista; 2) recebeu treinamento referente a suas atividades; 3) não havia treinamento específico para a prensa, porém para outras atividades havia, como exemplo treinamento de segurança para uso de EPIs, ministrado pela Ergomed, sendo que os encarregados ficavam “pegando no pé”; 4) o depoente e os ajudantes operavam a prensa; 5) havia fornecimento regular de EPIs, como também fiscalização quanto ao uso. Nada mais.

Na referida ação trabalhista, os pedidos foram julgados parcialmente procedentes condenando-se a ré ao pagamento das diferenças decorrentes da equiparação salarial e projeções, adicional de insalubridade e projeções, bem como de indenização por dano moral e de pensão mensal estipulada em 50% do salário atual do autor.

Nestes autos, por sua vez, foram ouvidas 3 testemunhas:

Marlon Feltrin da Silva, empregado que sofreu o acidente de trabalho em dezembro de 2010, disse que estava trabalhando na máquina e seu "braço já estava cansado", razão pela qual pediu para alternar as tarefas com o colega que estava trabalhando junto com o depoente. Assim, o colega passou a controlar a prensa enquanto o depoente assumiu a tarefa de colocar/retirar as peças da máquina. O colega que estava no controle da máquina foi distraído por outro empregado e acabou soltando a prensa que caiu em cima da mão do depoente. A operação da máquina era de fácil execução e o treinamento disponibilizado pela empresa consistia na demonstração do funcionamento por outro funcionário, que já tinha experiência com o equipamento.

Jairo da Silva foi empregado da empresa ré e disse que estava trabalhando ao lado dos colegas no momento do acidente. Marlon estava colocando as placas e Marquinho "puxando a prensa". "Não sabe como aconteceu", mas Marlon deixou a mão e teve os dedos esmagados pela prensa. No período em que trabalhou na ré não recebeu treinamento específico para o operação da máquina em que ocorreu o acidente.

Marcos Soga, empregado que estava executando as tarefas em conjunto com Marlon no momento do acidente, disse que no início dos trabalhos Marlon estava no comando da alavanca da prensa, mas depois de muito tempo da rotina os dois resolveram inverter as funções. O colega Jonatas se aproximou e fez uma brincadeira cutucando o depoente, que se assustou e largou a alavanca, fazendo a prensa cair sobre a mão do colega Marlon. O treinamento para a operação da máquina consistia em receber orientações de funcionários mais experientes e o colega acidentado tinha experiência no manuseio do equipamento.

Jairo da Silva foi empregado da empresa ré e disse que estava trabalhando ao lado dos colegas no momento do acidente. Marlon estava colocando as placas e Marquinho "puxando a prensa". "Não sabe como aconteceu", mas Marlon deixou a mão e teve os dedos esmagados pela prensa. No período em que trabalhou na ré não recebeu treinamento para o operação da máquina em que ocorreu o acidente.

Depreende-se daí que a ré não proporcionou à vítima treinamento específico, a despeito de se tratar de trabalho realizado em máquina perigosa. Aliás, o "treinamento" na empresa se resume, como visto, a ensinar apenas "na prática" como o funcionário deverá realizar a tarefa, sem qualquer preocupação metodológica ou teórico-formal.

Veja-se, a propósito, o que dispõe o item nº 12.24 da Norma Regulamentadora nº 12, que estabelece requisitos mínimos para a prevenção de acidentes do trabalho na utilização de máquinas e equipamentos de todos os tipos (os grifos são meus):

Capacitação.

12.135. A operação, manutenção, inspeção e demais intervenções em máquinas e equipamentos devem ser realizadas por trabalhadores habilitados, qualificados, capacitados ou autorizados para este fim.

12.136. Os trabalhadores envolvidos na operação, manutenção, inspeção e demais intervenções em máquinas e equipamentos devem receber capacitação providenciada pelo empregador e compatível com suas funções, que aborde os riscos a que estão expostos e as medidas de proteção existentes e necessárias, nos termos desta Norma, para a prevenção de acidentes e doenças.

12.137. Os operadores de máquinas e equipamentos devem ser maiores de dezoito anos, salvo na condição de aprendiz, nos termos da legislação vigente.

12.138. A capacitação deve:

a) ocorrer antes que o trabalhador assuma a sua função;

b) ser realizada pelo empregador, sem ônus para o trabalhador;

c) ter carga horária mínima que garanta aos trabalhadores executarem suas atividades com segurança, sendo distribuída em no máximo oito horas diárias e realizada durante o horário normal de trabalho;

d) ter conteúdo programático conforme o estabelecido no Anexo II desta Norma; e

e) ser ministrada por trabalhadores ou profissionais qualificados para este fim, com supervisão de profissional legalmente habilitado que se responsabilizara pela adequação do conteúdo, forma, carga horaria, qualificação dos instrutores e avaliação dos capacitados.

12.139. O material didático escrito ou audiovisual utilizado no treinamento e o fornecido aos participantes, devem ser produzidos em linguagem adequada aos trabalhadores, e ser mantidos a disposição da fiscalização, assim como a lista de presença dos participantes ou certificado, currículo dos ministrantes e avaliação dos capacitados.

12.140. Considera-se trabalhador ou profissional qualificado aquele que comprovar conclusão de curso específico na área de atuação, reconhecido pelo sistema oficial de ensino, compatível com o curso a ser ministrado.

12.141. Considera-se profissional legalmente habilitado para a supervisão da capacitação aquele que comprovar conclusão de curso específico na área de atuação, compatível com o curso a ser ministrado, com registro no competente conselho de classe.

12.142. A capacitação só terá validade para o empregador que a realizou e nas condições estabelecidas pelo profissional legalmente habilitado responsável pela supervisão da capacitação.

Cumpre destacar que, conforme a legislação de regência, afora a comprovação da realização de curso específico na área, cabe ao empregador realizar capacitação compatível com as funções do trabalhador, que aborde os riscos a que estão expostos e as medidas de proteção existentes e necessárias. Assim, a principal causa do acidente e de suas conseqüências foi a negligência da ré, tendo apresentado relevantes deficiências em relação à atividade preventiva, pois não forneceu treinamento adequado.

Cumpre ressaltar, ainda, que a tentativa de atribuição de culpa ao empregado de nome Jonata não afasta a responsabilidade da empresa. A um, porque a prova produzida não permite concluir com segurança que a conduta de Jonata tenha sido preponderante para a ocorrência do acidente. A dois, porque ainda que esse fato fosse comprovado, remanesceria a culpa preponderante da , decorrente da responsabilidade da empresa pelo ato culposo praticado pelo seu empregado e da ineficiência das medidas anteriormente adotadas para a proteção do trabalhador na realização de atividade envolvendo sérios riscos de acidente.

Tudo considerado, há inegavelmente ilícito perpetrado, uma vez que a conduta omissiva da ré na adoção das medidas de proteção ao meio ambiente de trabalho dos seus empregados, consubstanciou infração a dever legal que lhe incumbia (art. 19, § 1º, LBPS).

Diante disso, a ré deve ser condenada a ressarcir todos os valores - pretéritos e futuros - decorrentes dos benefícios de auxílio-acidente e auxílio-doença acidentários pagos ao segurado Marlon Feltrin da Silva, como consequência do acidente laboral sofrido no dia 14/12/2010.

Consectários legais

Correção monetária e juros de mora na forma da sentença, já que não se discute o ponto em grau recursal.

Sucumbência recursal

Por fim, mantida a condenação da parte ré em custas e honorários advocatícios. Sucumbente, deve a parte ré arcar com a verba honorária, que vai fixada em 11% sobre o valor da condenação, já considerada a atuação recursal, a teor do art. 85, § 3º, I, e § 11, do novo CPC.

Dispositivo

Diante do exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001317919v7 e do código CRC 51b699e5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARIA ISABEL PEZZI KLEIN
Data e Hora: 19/9/2019, às 14:30:10


5009673-74.2015.4.04.7204
40001317919.V7


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:34:54.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009673-74.2015.4.04.7204/SC

RELATORA: Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN

APELANTE: METALFOR METALURGIA E SERVIÇOS LTDA (RÉU)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ACIDENTE DE TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELO INSS COMO BENEFÍCIO. CONTRIBUIÇÃO DE SAT/RAT - NÃO EXCLUI OBRIGAÇÃO DA EMPRESA EM RESSARCIR O INSS. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA. CONFIGURADA.

- Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

- É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada.

- O fato de as empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.

- Restando demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e à fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, a ação regressiva proposta pela autarquia deve ser julgada procedente, condenando-se a ré a ressarcir ao autor o total dos valores desembolsados a título de benefícios previdenciários decorrentes de acidente do trabalho, até a cessação da benesse.

- Em se tratando de ressarcimento, via regressiva, dos valores despendidos pelo INSS em virtude de concessão de benefício previdenciário, improcede o pleito de constituição de capital, caução ou diversa medida processual para dar conta das parcelas posteriores, uma vez que não se trata de obrigação de natureza alimentar.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de setembro de 2019.



Documento eletrônico assinado por MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001317920v5 e do código CRC 52fb9c37.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARIA ISABEL PEZZI KLEIN
Data e Hora: 19/9/2019, às 14:21:57


5009673-74.2015.4.04.7204
40001317920 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:34:54.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 18/09/2019

Apelação Cível Nº 5009673-74.2015.4.04.7204/SC

RELATORA: Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN

PRESIDENTE: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

SUSTENTAÇÃO ORAL: BRUNA SARTOR DE BONA por METALFOR METALURGIA E SERVIÇOS LTDA

APELANTE: METALFOR METALURGIA E SERVIÇOS LTDA (RÉU)

ADVOGADO: WILLIAN PERES BITTENCOURTE (OAB SC020404)

ADVOGADO: JUCELI FRANCISCO JUNIOR (OAB SC014400)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Ordinária do dia 18/09/2019, na sequência 824, disponibilizada no DE de 02/09/2019.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO. DETERMINADA A JUNTADA DO VÍDEO DO JULGAMENTO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN

Votante: Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Voto em 18/09/2019 17:27:36 - GAB. 41 (Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR ) - Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR.



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:34:54.

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