
Apelação Cível Nº 5084866-09.2021.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença proferida em ação de procedimento comum, nos seguintes termos (evento 106 dos autos originários):
DISPOSITIVO
ISSO POSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. Condeno a Parte Autora ao pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em 8% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 3º, II, do CPC, cuja exigibilidade resta suspensa em face da gratuidade judiciária deferida. Havendo recurso, seu efeito será meramente devolutivo, ante a natureza negativa desta sentença. Intime(m)-se a(s) Parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Em suas razões, o(a)(s) autor(a)(es) alegou(aram) que: (1) o anistiado, à época da Ditadura Militar, era comerciante e suspeito de participar de atividades políticas contra o regime militar, por estar vinculado ao então partido de oposição PTB; (2) foi preso de 06/05/1964 até 08/05/1964, na cidade de Erechim/RS, por motivos puramente políticos; (3) no dia 05/05/1964, a residência da família foi invadida por um grupo de militares, os quais revistaram e reviraram todas as dependências, alegando que estavam em busca do de cujus, de material subversivo e armas; (4) foi interrogado sob forte armamento, ameaçado de prisão permanente somente por pertencer ao partido político contrário à ditadura militar, o PTB; (5) não chegou a ser fisicamente torturado; (6) teve depressão após ter sido preso e achincalhado; (7) por meio do livro cujo título é “Resistência em Arquivo: Memórias e Histórias da Ditadura no Brasil” é possível visualizar a participação do falecido como testemunha de outros anistiados políticos, bem como cita – e é citado – como companheiro de prisão; (8) a anistia política buscada pelo apelante não foi postulada na via administrativa porque em âmbito administrativo Federal, cediço que, no governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro, a conjuntura da Comissão de Anistia desaconselhava e desestimulava qualquer movimentação nesse sentido; (9) por esses motivos, não foi recebida reparação econômica de natureza patrimonial na via administrativa; (10) sendo sabidamente necessário procurar o Judiciário para tanto; (11) a sentença reconhece toda a ilicitude dos atos perpetrados pela UNIÃO e os danos experimentados pelo anistiado, porém entende que não há prova da prisão do ora sucedido, e (12) a existência de prévio requerimento administrativo não é pré-requisito para o ajuizamento deste processo judicial, sendo que este, inclusive, tem objeto mais amplo, envolvendo reparação por danos extrapatrimoniais – a qual sequer pode ser alcançada pela Administração através da Comissão de Anistia – e pode ser apreciado pelo Judiciário, seja pelo efetivo interesse de agir da parte, seja pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição. Com base nesses argumentos, requereu(ram) o provimento do recurso, para: a) que seja reconhecida, judicialmente, nos termos do art. 19 do CPC, assim como no art. 1º da Lei nº 10.559/2002, a condição de Anistiado Político de ALBINO CARLOTTO; b) condenar a União ao pagamento de indenização por danos patrimoniais, consubstanciada na reparação econômica em prestação única até o valor do teto previsto no art. 4º da Lei nº 10.559/2002, juros a contar do evento danoso, conforme aduz a súmula 54 do STJ; c) reconhecido o direito à reparação econômica até o teto previsto no art. 4º da Lei nº 10.559/2002, condenar a recorrida ao pagamento de indenização por danos patrimoniais, consubstanciada na correção do valor do teto da reparação econômica, nos termos da fundamentação; d) condenar a União ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial no patamar de R$ 200.000,00, a ser acrescida de juros e correção monetária; e) fixar como marco inicial dos juros o evento danoso consubstanciado na data da primeira prisão do anistiado em 06/05/1964; ou, em última análise e sucessivamente – o que se cogita apenas por amor ao debate –, adotar a data da Lei nº 10.559/2002; f) com o acolhimento da insurgência recursal, determinar a inversão do ônus sucumbencial, devendo incidir sobre o percentual de no mínimo 10% sobre o valor atualizado da condenação, inclusive majorando-se estes no percentual de pelo menos 2% em razão da atuação na via recursal, nos termos do art. 85 do CPC (evento 118 dos autos originários).
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Ao apreciar o(s) pedido(s) formulado(s) na petição inicial, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos (evento 106 dos autos originários):
1. Relatório
C. F., E. T. C. D. P., E. P. C., N. A. C. e R. M. C. P. ajuizaram ação contra a UNIÃO FEDERAL, por meio da qual postulam o reconhecimento da condição de Anistiado Político de Albino Carlotto, genitor dos Autores, bem como a indenização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais que dela resultam (
).Narram que o Sr. Albino Carlotto sofreu perseguição política durante o período de ditadura militar no Brasil. No ano de 1964, chegou a ser preso por alguns dias, tendo que ficar se apresentando periodicamente perante as autoridades militares, justificando suas atividades. Relatam que o de cujus era filiado ao Partido dos Trabalhadores Brasileiros - PTB, agremiação de oposição ao regime imposto, razão pela qual sofreu repressão. Alegam que exerceu mandato de vereador em seu município, não auferindo qualquer vencimento. Sustentam que sofreu abalo psicológico, o que atentou contra sua dignidade. Aduzem que o falecido foi reconhecido pela Administração Pública Federal como anistiado político, sendo negado, no entanto, a indenização prevista na Lei nº 10.559/2002, só consignando o período em que exerceu mandato na Câmara de Vereadores como tempo de contribuição para fins de benefício previdenciário. Diante desse contexto fático, postulam a condenação da Parte Ré ao pagamento da indenização prevista em lei, bem como a indenização por danos extrapatrimoniais em valor não inferior a R$ 200.000,00.
A União Federal contestou a ação. Alegou a prescrição das pretensões externadas pelos Autores. No mérito propriamente dito, arguiu a competência exclusiva do Ministro da Justiça para análise de requerimentos alicerçados em atos pretéritos de perseguição política, o que impossibilitaria a revisão do ato administrativo impugnado. Sustentou a impossibilidade de cumulação de indenizações e negou a comprovação de dano efetivo e nexo de causalidade. Subsidiariamente, postulou a fixação de um valor indenizatório módico, abaixo daquele que pleiteiam os Autores, bem como a consideração da data da prolação da sentença como termo inicial da contabilização dos juros moratórios (
).Os Autores apresentaram réplica (
), requerendo a produção de prova testemunhal ( ).Deferido o pedido, a Parte Autora apresentou rol de testemunhas a serem inquiridas (
).Designada audiência, esta foi realizada no dia 12 de julho de 2023, oportunidade em que foram ouvidos Benicio Braghiroli Galon, Euclides João Borba Vasco e Ezilena Lionço dal Pra (
).Os Demandantes apresentaram alegações finais (
).Intimada para comprovar documentalmente o período de prisão do de cujus (
), a Parte Autora manifestou-se no .A Demandada requereu esclarecimentos por parte dos Demandantes acerca de eventual recebimento de indenização paga pelo Estado do Rio Grande do Sul (
), os quais foram prestados no .A União apresentou sua manifestação final (
).Vieram os autos conclusos para sentença.
É o breve relatório. Decido.
2. Fundamentação
2.1. Prejudicial de prescrição
Tratando-se de demanda na qual a Parte postula a indenização por danos decorrentes de ofensa a direitos fundamentais, a pretensão é imprescritível, conforme pacífico entendimento jurisprudencial, tanto do STJ quanto do TRF da 4ª Região.
Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. RESSARCIMENTO DE DANOS. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA, PRISÃO E TORTURA DURANTE A DITADURA MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO PREQUESTIONADOS. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Na hipótese dos autos, o recorrido propôs ação ordinária visando à condenação da União ao pagamento de indenização pelos danos que alegou ter sofrido quando preso e sujeitado a atos de exceção por convicção ideológica durante o período da ditadura militar. (...) 3. Conforme o entendimento jurisprudencial do STJ, em face do caráter imprescritível das pretensões indenizatórias decorrentes dos danos a direitos da personalidade ocorridos durante o regime militar, não há que se falar em aplicação do prazo prescricional do Decreto 20.910/32. (...) 7. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1428635/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 09/08/2012)
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. DANOS MORAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. PRETENSÃO CUMULADA COM REPARAÇÃO ECONÔMICA DEFERIDA PELA COMISSÃO DE ANISTIA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS. ANISTIA POST MORTEM. SUCESSÃO PROCESSUAL.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a prescrição quinquenal não se aplica aos casos de reparação de danos causados por violações dos direitos fundamentais, que são imprescritíveis, notadamente em relação a fatos ocorridos na ditadura militar, quando os jurisdicionados não podiam buscar a contento suas pretensões.
2. É possível a cumulação da reparação econômica da Lei 10.559/2002 com indenização por danos morais, ainda que com base no mesmo episódio político.
3. A condição de anistiado político da autora, reconhecida pelo Ministério da Justiça, é suficiente para caracterizar a conduta estatal antijurídica (perseguição política), o dano moral (abalo psíquico) e o nexo de causalidade, a atrair a responsabilidade civil do Estado na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
4. Não se desconhece o comando legal contido no artigo 13 da Lei nº 10.559/2002, segundo o qual "No caso de falecimento do anistiado político, o direito à reparação econômica transfere-se aos seus dependentes, observados os critérios fixados nos regimes jurídicos dos servidores civis e militares da União". Todavia, conforme bem apontou a sentença, o processo administrativo foi regularmente ajuizado pelo Sr. Hélio Lino Frizzo, tratando-se, portanto, de hipótese de regular sucessão processual, e não de transferência de expectativa de direito a indenização futura, tampouco de pagamento decorrente da condição de dependente, conforme previsto na Lei nº 10.559/2002.
5. Apelação desprovida. (TRF/4ª Região. AC 5003401-35.2022.404.7102. Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios. Data da decisão: 18/07/2023).
Ademais, entende ainda a jurisprudência, inclusive da Corte Superior, que a edição da Lei nº 10.559/2002, que regulamentou o disposto no art. 8º do Atos das Disposições Transitórias - ADCT e instituiu o Regime do Anistiado Político, resultou em autêntica renúncia tácita à prescrição:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA PELA COMISSÃO DE ANISTIA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A superveniência da Lei 10.559, de 13/11/02, que regulamentou o disposto no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, constitui renúncia tácita à prescrição, porquanto passou a reconhecer, por meio de regime próprio, direito à indenização aos anistiados políticos. Ademais, deve ser negado o reconhecimento da prescrição nos moldes do Decreto nº 20.910/32, já que se trata de ação que visa à salvaguarda da dignidade da pessoa humana. 2. A reparação econômica prevista na Lei 10.559/02 possui caráter indenizatório, sem qualquer espécie de ressalva quanto à natureza dessa indenização - se exclusivamente quanto aos danos materiais, ou se abrangeria, também, os danos morais. A natureza dúplice da indenização concedida aos anistiados políticos fica evidenciada nos arts. 4º a 6º da Lei de Anistia. Precedentes STJ. (TRF4, APELREEX 5053702-07.2013.404.7100, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 16/07/2015)
Assim, rejeito a prejudicial meritória.
2.2. Mérito propriamente dito
Postula a Parte Autora o reconhecimento da condição de Anistiado Político de Albino Carlotto, com a consequente condenação da União em reparação econômica e indenização por danos extrapatrimoniais, em razão da perseguição política sofrida pelo falecido à época da ditadura militar, cujos atos teriam lhe causado prejuízos de ordem psicológica e financeira.
De antemão, há de se delinear bem a diferença entre os pedidos dos Demandantes. O primeiro deles consiste na declaração da condição de Anistiado Político do sucedido Albino Carlotto. O segundo, por sua vez, decorre do primeiro, já que se refere à reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 às pessoas que obtêm o reconhecimento da condição de Anistiado Político. O terceiro, por fim, diz respeito à indenização pelos danos extrapatrimoniais resultantes da perseguição política sofrida pelo extinto à época da ditadura militar.
Assim sendo, cumpre pontuar que tanto a jurisprudência do STJ quanto a do TRF4 são pacíficas no entendimento de que a reparação econômica da Lei nº 10.559/2002 não se confunde com a indenização por danos extrapatrimoniais, já que são verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas, sendo possível a sua cumulação.
Cito os seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS DECORRENTES DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA NA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR. ANISTIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA DECORRENTE DA LEI N. 10.559/2002. POSSIBILIDADE. SÚMULA 37 DO STJ.
1. A Corte de origem negou a pretensão autoral ao afirmar que, "em que pese a injusta demissão do autor à época, a reparação econômica alcançada na forma da Lei n. 10.559/2002 abrange os danos materiais e morais sofridos em decorrência da perseguição política, não havendo falar em indenização por danos morais com base nos mesmos fatos".
2. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, com amparo na Súmula 37 do STJ, firmou a orientação de que "inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade" (REsp 1.664.760/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2017). Precedentes.
3. Nos termos da Sumula 37 do STJ: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundas do mesmo fato".
4. Embargos de declaração acolhidos, com efeito modificativo, para dar provimento ao recurso especial e determinar o retorno dos autos a origem, para que se pronuncie quanto à procedência do pedido autoral (AgInt no AgInt no REsp 1593182 / RS, Relator Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DATA DO JULGAMENTO 09/11/2021, DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 16/12/2021).
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ANISTIADA POLÍTICO. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA DA LEI 10559/2002. VALOR DA COMPENSAÇÃO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. 1. Conforme entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar. 2. É possível a cumulação da reparação econômica da Lei 10559/2002 com indenização por danos morais, ainda que com base no mesmo episódio político. 3. Caracterizados a conduta estatal antijurídica (perseguição política), o dano moral (abalo psíquico) e o nexo de causalidade, a parte autora tem direito à indenização pelos danos morais sofridos. 4. Caso em que a família da vítima teve de exilar-se por longos anos em terras estrangeiras, enfrentando todas a sorte de dificuldade inerente à vida no exílio. Houve evidente violação a seus direitos fundamentais, razão pela qual merecedora de uma compensação pelos danos morais no patamar de R$ 100.000,00 (cem mil reais). 5. O valor da compensação por dano moral deverá ser acrescido de juros de mora a contar do evento danoso, que coincide com a data do início da violência estatal cometida contra a vítima da perseguição política, a teor da súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça. (TRF4, AC 5009140-92.2022.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 09/05/2023)
Ainda, o tema em questão éstá consolidado, conforme o enunciado da Súmula 624 do STJ:
É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei n. 10.559/2002 (Lei da Anistia Política).
Nesse contexto, sedimentado que se trata aqui de duas indenizações definitivamente independentes, passo à analise de cada um dos pedidos.
2.2.1. Do reconhecimento da condição de Anistiado Político e da reparação econômica prevista pela Lei nº 10.559/2002
Em relação à declaração da condição de Anistiado Político de Albino Carlotto, entendo ser inviável a sua obtenção na via judicial.
A Lei nº 10.559/2002, que regulamentou o disposto no art. 8º do Atos das Disposições Transitórias - ADCT e instituiu o Regime do Anistiado Político, assim dispõe:
Art. 10. Caberá ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos decidir a respeito dos requerimentos baseados nesta Lei.
(...)
Art. 12. Fica criada, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar os requerimentos referidos no art. 10 desta Lei e de assessorar o Ministro de Estado em suas decisões.
Sendo de competência exclusiva do Ministro da Justiça (no texto legal, ao Ministro da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) a análise dos requerimentos fundamentados na Lei nº 10.559/2002, e se tratando a decisão de ato administrativo discricionário, a regra geral será a da não interferência do Poder Judiciário nesse mérito, sob pena de afronta ao princípio da separação dos Poderes.
Nesse sentido, menciono:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FILHA DE ANISTIADO POLÍTICO QUE SE EXILOU. COMISSÃO DE ANISTIA QUE RECOMENDOU O DEFERIMENTO DA REPARAÇÃO ECONÔMICA. MINISTRA DE ESTADO QUE, TODAVIA, INDEFERIU O REQUERIMENTO. EXÍLIO POR CINCO ANOS. DANOS MORAIS CONFIRMADOS. VALOR DA COMPENSAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. ENTENDIMENTOS SUMULADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. O indeferimento do pleito de anistia política pela Ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ainda que se possa questionar a justiça da decisão - tanto que a Comissão de Anistia havia recomendado a concessão reparação econômica nos termos da Lei 10.559/2002 - está dentro do âmbito de conveniência e oportunidade da administração pública, que não pode ser sindicado pelo Judiciário, cuja atuação restringe-se ao exame da legalidade do ato, sendo defeso ao juízo incursionar no mérito desse ato administrativo. 2. Caso em que a autora, filha de anistiado político e menor de idade à época do golpe militar, teve de se exilar com os pais por cinco anos, somente retornado ao Brasil depois de contrair casamento. A comprovação do exílio é suficiente para ensejar a condenação do Estado à compensação dos prejuízos causados aos direitos da personalidade da autora, uma vez que presentes os pressupostos da responsabilidade civil do Estado. 3. Em situações nas quais ocorreu prisão prolongada, tortura física e psicológica, exílio e morte, a jurisprudência tem fixado indenização por danos morais na faixa de R$ 100.000,00, teto previsto na Lei 10.559/2002 e que tem servido de parâmetro em casos envolvendo anistiados políticos. 4. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extracontratual (súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça). 5. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento (súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça). (TRF4, AC 5010285-24.2020.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 15/03/2022)
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REPARAÇÃO. LEI 10.559/2002. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE A DITADURA MILITAR. VÍTIMA FALECIDA. ANISTIADO POLÍTICO. REPARAÇÃO ECONÔMICA DEFERIDA EM PRESTAÇÃO ÚNICA. AÇÃO AJUIZADA PELA EX-ESPOSA QUE VISA SEJA A REPARAÇÃO CONCEDIDA NA FORMA DE PRESTAÇÃO MENSAL, PERMANENTE E CONTINUADA. REEXAME DO CASO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. ATUAÇÃO RESTRITA DO PODER JUDICIÁRIO AOS CASOS DE ILEGALIDADE OU ERRO EVIDENTE. 1. Afastada pelo Superior Tribunal de Justiça a prescrição, cumpre reexaminar o mérito do caso concreto. 2. Não é dado ao Judiciário revisar a decisão da Comissão de Anistia substituindo o juízo de valor feito pela administração, sob pena de indevida intervenção no mérito administrativo, o que só é possível em caso de ilegalidade ou erro evidente. (TRF4, AC 5001219-78.2015.4.04.7116, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 12/11/2019)
Assim, será possível o controle judicial desses atos administrativos somente nos casos em que constatada distância considerável entre o conteúdo da decisão e o conjunto fático-probatório, hipótese na qual, sob a égide do princípio da razoabilidade, o ato se tornaria antijurídico; como também nos casos de manifesta ilegalidade.
Não é o que se verifica no caso em tela, no qual o Ministro da Justiça entendeu pelo deferimento parcial do requerimento administrativo do de cujus, conferindo-lhe apenas a contagem, para fins previdenciários, do tempo em que exerceu gratuitamente o mandato de vereador. Não há suporte probatório para que se possa afirmar que a decisão administrativa é manifestamente irrazoável e/ou ilegal, motivo pelo qual não cabe ao Poder Judiciário incursionar no mérito administrativo no caso concreto.
Dessa forma, tenho por rejeitar o pedido de reparação econômica baseado na Lei nº 10.559/2002, entendo que a solução adotada pela Administração Pública Federal é adequado ao presente caso.
2.2.2. Da indenização por danos extrapatrimoniais
Como já referido no início da fundamentação, a indenização por danos morais não guarda vínculo legal com a Lei nº 10.559/2002, sendo possível até mesmo o recebimento de ambas as indenizações de forma cumulada.
Isso quer dizer que a sua análise não está vinculada à declaração da condição de Anistiado Político do Requerente, sendo possível a sua concessão com base no conjunto probatório dos autos. É certo que, havendo o reconhecimento formal, a análise se torna mais simples, pois essa é a melhor prova que se pode obter da perseguição sofrida, caso em que o direito à indenização, penso, é presumido, in re ipsa.
Contudo, isso não faz da declaração formal um requisito para a obtenção da indenização por danos morais. Nesse caso de ausência, o direito deverá ser verificado a partir da prova produzida no processo, a qual passo a examinar.
Da narrativa apresentada pela Parte Autora na inicial, restou demonstrado que o de cujus, de fato, era ativo na política de sua cidade e opositor ao regime militar - foi eleito vereador de Paim Filho, RS, pelo MDB em 1968 (página 16 do
), partido antagônico ao situacionista ARENA em tempos de bipartidarismo no país. Porém, o mesmo não se verifica em relação à suposta prisão do Sucedido, a qual teria ocorrido, segundo a exordial, entre os dias 6 e 8 de maio de 1964.Na tentativa de comprovar a segregação a que teria sido submetido o Extinto, os Autores juntaram aos autos uma publicação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul - ERGS, na qual Albino Carlotto é apontado como testemunha e companheiro de cárcere de pessoas indenizadas pela legislação estadual, as quais tiveram suas respectivas prisões reconhecidas pelo ente federado. Entretanto, trata-se de elemento probatório frágil, uma vez que não há qualquer especificação das circunstâncias das prisões referidas nos verbetes, sendo que o nome do de cujus está apontado em meio a outros vários.
O mesmo ocorre em relação à prova oral produzida em juízo. Todas as três testemunhas ouvidas dizem saber por comentários que Albino havia sido preso, mas que isso teria ocorrido em cidade diversa (Erechim), não tendo nenhum dos depoentes presenciado o fato (
).Pesa contra a narrativa dos Autores também a documentação juntada por eles próprios no
. Trata-se do processo administrativo em que foi analisado o requerimento de indenização do Falecido por enquadramento na Lei Estadual nº 11.042/1997. Como provas, foram anexadas àquele expediente três declarações acerca do período em que Albino teria sido preso:Todas os relatos destacados afirmam que o senhor Albino Carlotto esteve à disposição das autoridades em período próximo ou igual ao mencionado na inicial. Todavia, ainda que pareça claro que o de cujus foi, de fato, obrigado a prestar esclarecimentos às forças de segurança, nenhuma das declarações descreve a sua prisão, sendo que dois dos declarantes referem que eles, sim, estiveram presos naquele período.
Essa foi a justificativa para o indeferimento, pelo ERGS, do pedido de indenização do Falecido:
Logo, a partir da análise de todos os elementos aqui elencados, inviável concluir que demonstrada nos autos a prisão do Sucedido.
É importante frisar que, praticamente na totalidade dos casos análogos, há registros oficiais das prisões dos respectivos Requerentes, seja em cópias dos inquéritos policiais a que responderam na época; seja em certidões atuais expedidas pelos órgãos de segurança pública, ou em qualquer outro documento timbrado. No caso em tela, por outro lado, não há prova documental da suposta prisão do Extinto. Na verdade, há inclusive duas certidões negativas de registros envolvendo o nome do Sucedido, expedidas pela Justiça Militar Federal (página 6 do
) e pela Subsecretaria de Inteligência da Presidência da República (página 8 do ).Não havendo prova de prisão e nenhum outro indício de perseguição concreta ao Falecido (como necessidade de exílio ou de mera mudança de cidade, por exemplo), entendo que não está caracterizado dano moral passível de indenização por parte da União.
Saliento que não se está aqui a desvalorizar o sofrimento do de cujus frente aos acontecimentos inaugurados com o golpe de 1964. Entretanto, é necessário considerar que a ditadura civil-militar gerou consequências dessa natureza a todos aqueles e aquelas que não eram partidários do regime. Nesse contexto, entendo que o dever de indenizar surge apenas nos (muitos) casos em que se demonstra que o cotidiano do Demandante foi concretamente alcançado e abalado pelo aparato repressivo do Estado, cenário que não observo na presente demanda.
Assim sendo, o indeferimento do pedido de indenização por danos extrapartimoniais é medida imperativa ante a insuficiência probatória.
3. Dispositivo
ISSO POSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno a Parte Autora ao pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em 8% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 3º, II, do CPC, cuja exigibilidade resta suspensa em face da gratuidade judiciária deferida.
Havendo recurso, seu efeito será meramente devolutivo, ante a natureza negativa desta sentença. Intime(m)-se a(s) Parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Em que pese ponderáveis tais fundamentos, é de se acolher, em parte, a irresignação recursal.
Por primeiro, não há se falar em recurso intempestivo, tendo em vista que o termo final do prazo recursal era 21/09/2023 e a apelação foi interposta no dia 20/09/2023.
No tocante à preliminar de prescrição, é firme, na jurisprudência, o entendimento no sentido de que são imprescritíveis as ações em que se discute violação de direitos fundamentais da pessoa humana (direitos de personalidade), decorrente de atos abusivos praticados por agentes do Estado, por motivação político-ideológica, durante o regime militar:
Súmula 647 do STJ - São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CARACTERIZADA. ANISTIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO POLÍTICA NÃO COMPROVADA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONSIDERADOS PROTELATÓRIOS, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. 1. Constata-se que não se configura a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. 2. No que concerne à questão da prescrição, a jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalment quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões. 3. A Lei 10.559/2002 proíbe a acumulação de: a) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º); b) pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado político, nesta hipótese, a escolha da opção mais favorável (art. 16). 4. Inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. 5. Com relação ao preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, melhor sorte não assiste à parte. Isso porquanto o acórdão recorrido entendeu tratar-se de prisão com motivação exclusivamente política, não podendo este Tribunal, em Recurso Especial, alterar tal entendimento, o que exige revolvimento de matéria fática e probatória. Incide, portanto, o óbice da Súmula n. 7/STJ. 6. Modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher a tese da recorrente de que "não há caráter protelatório nos Embargos Declaratórios opostos (...)", demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp 1.783.581/RS, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 21/03/2019, DJe 01/07/2019 - grifei)
Especificamente em relação à Lei n.º 10.559/2002 (Lei da Anistia), que regulamentou o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelecendo o regime jurídico do anistiado político, a 3ª Turma desta Corte, em sua composição ampliada, decidiu que:
(...)
Ainda que não seja necessário o exaurimento da via administrativa para o ingresso da ação judicial que busca a reparação econômica da Lei 10559/2002, prévio requerimento há de ser feito, a fim de que se colha a manifestação da administração, necessária para que se possa exercer o direito de ação. Logo, ausente requerimento administrativo, extingue-se o processo sem resolução de mérito em razão da falta de interesse de agir, com base no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. (TRF4, AC 5087967-54.2021.4.04.7100, Terceira Turma, Relatora para Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 21/06/2023 - grifei)
(...)
Do voto condutor do julgado, extrai-se:
(...)
Pede-se nesta ação, além de uma compensação por danos morais, a concessão da reparação econômica prevista na Lei 10559/2002, benefício cuja competência para decidir era do Ministro da Justiça e hoje pertence ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
A questão é que a reparação não foi requerida administrativamente. Tal pleito deveria ter sido endereçado à Comissão de Anistia, nos termos da aludida lei, para posterior decisão do Ministro de Estado.
Ainda que não seja necessário o exaurimento da via administrativa para o ingresso da ação judicial que busca a reparação econômica (afinal, não é admissível que esses pedidos fiquem sem a devida análise pela administração pública, ainda mais quando abarquem direitos fundamentais violados pelo Estado, pois tal atitude colidiria com os princípios da legalidade e eficiência inseridos no artigo 37 da Constituição Federal), prévio requerimento há de ser feito, a fim de que se colha a manifestação da administração, necessária para que se possa exercer o direito de ação.
A propósito, cita-se o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DITADURA MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. REPARAÇÃO ECONÔMICA. ARTIGO 4º, § 2º, DA LEI 10.559/2002. AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA. FALTA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. Não tendo a parte autora comprovado que antes do ajuizamento da ação requereu a reparação econômica prevista no artigo 4º, § 2º, da Lei 10.559/2002, à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, é caso de extinção do processo sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir. (TRF4, AC 5004597-53.2016.4.04.7101, 4ª Turma, rel. Juiz Federal Giovani Bigolin, juntado aos autos em 3-2-2021)
Colhe-se do precedente citado os seguintes fundamentos, aqui reproduzidos como razão de decidir:
Enfrento, inicialmente, a questão da ausência do interesse de agir da parte autora, a legitimar o ajuizamento da presente ação.
Como é sabido, o exercício do direito de ação pressupõe a ocorrência de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, CF/88). Segundo o artigo 17 do Código de Processo Civil para postular em juízo "é necessário ter interesse e legitimidade". Com efeito, o legítimo interesse - ou interesse de agir- pressupõe a lesão do interesse substancial e a idoneidade da providência reclamada para protegê-lo e satisfazê-lo, constituindo-se, em consequência, na relação entre aquela situação antijurídica e esta tutela invocada, na lição de Liebman.
Sem que haja interesse processual o direito de ação não pode validamente ser exercitado, pois representa ele a medida das ações em juízo (OLIVEIRA JÚNIOR, Waldemar Mariz de. Curso de direito processual civil. 1. ed. S. Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, v. 1., p. 75).
O interesse de agir emerge de uma pretensão resistida, caracterizadora da existência da lide, que pode ser real ou presumida. Será real quando quando a pretensão do segurado for expressamente indeferida. Será presumida quando for público e notório que o ente estatal não atende as postulações dos interessados por divergência de interpretação de normas legais ou constitucionais.
Note-se que não se exige o esgotamento da via administrativa, o que, a propósito, é rechaçado pela ratio que inspirou as Súmulas 213 do extinto TFR e 89 do Superior Tribunal de Justiça.
Exaurimento da via administrativa, ou seja, esgotamento de todas as instâncias a ela inerentes, todavia, não se confunde com prévio requerimento. A provocação da via administrativa, a fim de que se colha a manifestação da Administração Pública, de regra é necessária para que se possa exercer o direito de ação, ressalvadas as hipóteses acima referidas.
No caso, segundo consta, nenhum pedido foi formulado pelo autor.
Comparece ele diretamente perante o poder judiciário para ver reconhecida sua condição de anistiado e, decorrentemente, o direito ao pagamento de diversas verbas.
O reconhecimento da condição de anistiado, e bem assim dos direitos que dessa condição emergem, depende de ato do Ministro da Justiça, após manifestação da Comissão de Anistia, nos termos da Lei 10.559/2002.
A Comissão de Anistia é composta por diversos Conselheiros, designados nos termos da lei e das normas regulamentares específicas, e exerce competência própria.
É certo que os atos da Comissão e do Ministério da Justiça podem ser discutidos junto ao Poder Judiciário. Mas o Judiciário, que tem como uma de suas funções controlar a legalidade dos atos da Administração, de regra não se substitui a ela.
Havendo previsão de postulação administrativa, com órgão específico instituído para apreciá-la, não pode a questão desde logo ser submetida ao Poder Judiciário.
Nessa linha, ausente requerimento administrativo, descabida a propositura de ação judicial, como já consignei em julgado que tratou de questão similar:
DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DITADURA MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. REPARAÇÃO ECONÔMICA. ARTIGO 4º, § 2º, DA LEI 10.559/2002. AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA. FALTA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. Não tendo a parte autora comprovado que antes do ajuizamento da ação requereu a reparação econômica prevista no artigo 4º, § 2º, da Lei 10.559/2002, à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, é caso de extinção do processo sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir. (TRF4, AC 5046595- 09.2013.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 15/07/2016)
Mesmo o oferecimento de contestação não afasta a carência de ação. Até por dever de ofício o Procurador do réu, inclusive para afastar os riscos que da inação decorrem, tem a necessidade de contestar a pretensão. Ademais, sabido é, a via judicial acarreta pagamento de despesas processuais que não são previstas se observado o regular processo administrativo.
Cabe referir que - como sabido - ao tratar dos casos relacionados a requerimento de benefícios previdenciários o Supremo Tribunal Federal já afirmou a necessidade do prévio requerimento administrativo, como demonstra o seguinte precedente:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE MÁ APLICAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 350. 1. O Código de Processo Civil de 2015 previu a possibilidade de ajuizamento da reclamação para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou que a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão ao direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS (ARE 631.240-RG, julgado de minha relatoria - Tema 350). 3. A contestação da ação previdenciária pelo INSS, por si só, não configura notório e reiterado entendimento da Administração contrário à postulação do segurado, a justificar a dispensa do requerimento administrativo para interposição da ação. 4. Correta aplicação da tese firmada pelo STF. 5. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, em caso de decisão unânime. (Rcl 30999 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-224 DIVULG 19-10-2018 PUBLIC 22-10-2018)
A situação dos direitos reconhecidos aos anistiados não difere muito, impondo-se, como regra, o prévio requerimento administrativo.
Ausente o interesse processual, pois inexiste processo administrativo, e não se trata de situação em que haja notória resistência da Administração, é caso de extinção.
Logo, dá-se provimento à apelação da União no particular para extinguir o processo sem julgamento do mérito em razão da falta de interesse de agir, com base no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, restando prejudicado o recurso do demandante na parte em que postula a correção do valor-teto estabelecido no artigo 4º da Lei 10559/2002.
(...)
À vista de tais fundamentos, forçoso concluir que o(a)(s) autor(a)(es) carece(m) de interesse processual quanto aos pedidos de reconhecimento da condição de anistiado político e de reparação econômica, na forma da Lei n.º 10.559/2002, devendo ser extinto o feito, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.
No que tange à indenização por danos morais, é cediço que os pedidos de reparação econômica, com fulcro na Lei n.º 10.559/2002, e de indenização por danos morais, formulados pelos anistiados políticos, são autônomos, uma vez que tais verbas tem fundamentos e finalidades distintas - aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), e esta, a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. O que a Lei proíbe é a percepção cumulativa de: (i) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º), e (ii) pagamentos, benefícios ou indenizações com idêntico fundamento, facultando-se ao anistiado político (ou seus sucessores), nessa hipótese, a escolha pela opção mais favorável (artigo 16).
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. DANOS MORAIS. INTERESSE PROCESSUAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. Quanto aos pedidos de a) reconhecimento judicial da condição de anistiado político do de cujus; e b) a concessão da reparação econômica prevista na Lei 10.559/2002, aponto que somente em caso de indeferimento do pedido de declaração da condição de anistiado político, ou da demora injustificada da análise do requerimento, após a prévia provocação da administração, é que se abre a via judicial para a apreciar as razões expostas. 2. Por outro lado, em relação ao pedido de condenação da União ao pagamento de indenização a título de danos extrapatrimoniais pelos danos sofridos pela perseguição política durante a Ditadura Militar, aponto que configura pleito inteiramente diverso daquele referente à reparação econômica prevista na Lei 10.559/2002, inexistindo, quanto a ele, qualquer óbice à análise direta pelo Judiciário, uma vez que tal indenização não está abrangida pelo referido diploma legal. Precedentes. (TRF4, AC 5054051-92.2022.4.04.7100, Terceira Turma, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 10/09/2024 - grifei)
No caso concreto, não há controvérsia quanto aos fatos narrados na petição inicial, comprovados pela documentação e depoimentos, os quais evidenciam (i) a perseguição sofrida pelo genitor do(a)(s) autor(a)(es), por motivação exclusivamente política, em face de sua vinculação ao partido de oposição PTB; (ii) ele teve sua casa invadida, revistada e revirada, não tendo sido preso nesse dia, porque não estava no local; (iii) ele apresentou-se às autoridades policiais e ficou detido no período de 05/05/1964 a 08/05/1984, e (iv) após esse episódio, foi acometido por depressão e fechou o seu comércio por alguns dias.
A despeito da ausência de provas documentais robustas, há prova testemunhal que confirma o que foi alegado. A testemunha, Benício Braghiroli Galon, declarou que quando o Albino voltou de viagem se apresentou e ficou isolado lá uns dois ou 3 dias; que invadiram a casa da família dele e reviraram tudo para ver se achavam arma. Já a testemunha, Euclides Vasco, declarou que ele foi preso; foi invadida a casa dele, mas ele não tava, ele tava viajando; e daí, revistaram toda a casa e, depois, deixaram uma ordem ali que quando ele chegasse, ele fosse se apresentar; ficou bastante abalado, porque além de voltar de uma viagem e encontrar a família daquele jeito, a casa toda revirada e ir direto pra prisão; ele fechou o comércio dele por uns dias. A testemunha Ezilena Dal, por sua vez, declarou que ele se apresentou pra Justiça e ele ficou dois dias preso em Erechim; ele voltou de lá muito, muito triste, muito abalado, porque, afinal de contas foi muito humilhante o que eles passaram; eles fecharam o comércio e ficaram assim, como é que, muito abatidos e sentia-se humilhado que, afinal de contas, era uma pessoa bem-quista, tinha comércio e muito conhecido.
Além disso, (i) existem elementos indiciários que corroboram com as alegações, como o livro Resistência em Arquivo: Memórias e Histórias da Ditadura no Brasil, no qual consta o nome do de cujus como companheiro de prisão de outros perseguidos políticos, e (ii) não pode ser desconsiderado que os fatos ocorridos naquela época eram pouco registrados documentalmente.
EMENTA: ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. SERVIDOR PÚBLICO. EXONERAÇÃO. MOTIVAÇÃO POLÍTICA. REINGRESSO. CONJUNTO PROBATÓRIO. 1. O contexto histórico a partir do ano de 1964 não permite que se desconsidere, para fins de comprovação da condição de perseguido político do autor, a prova testemunhal apresentada, nem que se exija produção de prova documental mais substanciosa. 2. Demonstrada, pelo conjunto probatório apresentado, a perseguição política sofrida pela parte autora a lhe garantir a benesse de anistia política e a conseqüente reintegração junto ao serviço público federal. (TRF4, AC 2000.71.00.007257-0, Terceira Turma, Relator LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, D.E. 18/07/2007)
Outrossim, o dano moral decorrente de perseguição política - que envolve injusta privação de liberdade e/ou atentado à integridade física e psíquica da pessoa - é in re ipsa, dispensando comprovação específica.
Para o arbitramento do valor indenizatório, o julgador deve se valer do bom senso e atentar às peculiaridades do caso concreto, não podendo fixar quantum irrisório ou insuficiente para a devida reparação, tampouco vultoso que acarrete enriquecimento sem causa da vítima.
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. (...) 2. O valor da indenização sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na sua fixação, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso e atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.3. In casu, o quantum fixado pelo Tribunal a quo a título de reparação de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso.4. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no Ag 884.139/SC, 4ª Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 18.12.2007, DJ 11.02.2008 p. 1)
Ponderando a natureza e gravidade do dano, as circunstâncias do caso concreto, o princípio da razoabilidade e os parâmetros adotados em casos semelhantes, afigura-se adequado o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), sobre o qual incidirão juros e correção monetária que o incrementarão substancialmente.
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. CUMULAÇÃO DA REPARAÇÃO ECONÔMICA COM A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. DANOS MATERIAIS. ART. 13 DA LEI 10.559/02. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO CARACTERIZADA. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO COMISSIVO: TEORIA OBJETIVA. ATO DE ESTADO, DANO E NEXO DE CAUSALIDADE. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS. 1. À luz de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é possível a cumulação da reparação econômica da Lei 10.559/2002 com indenização por danos morais, ainda que com base no mesmo episódio político. Isso porque a reparação econômica da Lei 10.559/2002 foi instituída para repor a perda patrimonial sofrida pelo anistiado quando destituído ou impedido de exercer seu direito à atividade laboral. Em toda a lei há menção à perda do "vínculo com atividade laboral" como pressuposto para seu recebimento. Essa referência torna clara a intenção do legislador em compensar o anistiado por seus danos materiais, inexistindo qualquer alusão a dano moral. 2. O direito à reparação pelos danos materiais sofridos pelos anistiado, nos termos do art. 13 da Lei 10.559/02, transfere-se a seus dependentes econômicos, qualificação que pelos requerentes não foi demonstrada, acarretando a improcedência do pedido. 3. A condição de anistiado político do autor, reconhecida pelo Ministério da Justiça, é suficiente para caracterizar a conduta estatal antijurídica (perseguição política), o dano moral (abalo psíquico) e o nexo de causalidade, a atrair a responsabilidade civil do Estado na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 4. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano. 5. Em situações limítrofes, nas quais ocorreu prisão prolongada, tortura física e psicológica, exílio e até morte, a jurisprudência tem fixado indenização por danos morais na faixa de R$ 100.000,00. 6. A prova dos autos comprovou a prisão do anistiado por um período de 60 e outro de 30 dias, sem comprovar, por outro lado, a ocorrência de tortura física ou psicológica, ou mesmo o exílio, sendo razoável a quantia de R$ 50.000,00 a título de reparação pelos danos extrapatrimoniais vivenciados. (TRF4, AC 5069624-88.2013.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora para Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 04/03/2021) (grifei)
O termo inicial da atualização monetária do valor da indenização por dano moral é a data de seu arbitramento (súmula n.º 362 do Superior Tribunal de Justiça) e, dos juros de mora, a data de edição da Lei n.º 10.599/2002, afastada, excepcionalmente, a diretriz estabelecida na súmula n.º 54 do Superior Tribunal de Justiça, dadas as peculiaridades do caso concreto e a situação normativa específica, na esteira da jurisprudência desta Corte.
Enfatize-se que foi a Lei n.º 10.559/2002 que reconheceu a condição de anistiado político daqueles que, no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988, foram perseguidos, por motivação exclusivamente política, e o direito à percepção de reparação econômica, paga pelo Estado. Logo, a União só poderia incorrer em mora, a partir da edição da Lei, momento em que surgiu o direito aqui vindicado.
No que tange aos consectários legais, observe-se a diretriz estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça no tema n.º 905:
(...)
3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral. As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.
(...)
Após a edição da Emenda Constitucional n.º 113, deve incidir o índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) acumulado mensalmente (artigo 3º), para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, de uma única vez até o efetivo pagamento.
Conclusivamente, impõe-se a condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), com incidência de juros de mora a contar da data de edição da Lei n.º 10.599/2002, nos termos da fundamentação.
Considerando a sucumbência mínima do(a)(s) autor(a)(es), a natureza e complexidade da causa, o trabalho executado pelos advogados e os limites legais, os honorários advocatícios, a serem suportados unicamente pela parte ré, são fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observados, se aplicáveis, os limites percentuais mínimos previstos nos §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Dado o parcial provimento do recurso, inaplicável a majoração recursal prevista no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e n.º 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004741492v19 e do código CRC 01641496.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 22/11/2024, às 17:0:59
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 21:52:50.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5084866-09.2021.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
EMENTA
ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. LEI N.º 10.559/02. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. IMPRESCRITIBILIDADE. CUMULAÇÃO DE VERBAS INDENIZATÓRIAS. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL.
1. É firme, na jurisprudência, o entendimento no sentido de que são imprescritíveis as ações em que se discute violação de direitos fundamentais da pessoa humana (direitos de personalidade), decorrente de atos abusivos praticados por agentes do Estado, por motivação político-ideológica, durante o regime militar.
2. Inexiste vedação à acumulação da reparação econômica, prevista na Lei n.º 10.559/2002, com indenização por danos morais, uma vez que tais verbas tem fundamentos e finalidades distintas - aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), e esta, a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. O que a Lei proíbe é a percepção cumulativa de: (i) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º), e (ii) pagamentos, benefícios ou indenizações com idêntico fundamento, facultando-se ao anistiado político (ou seus sucessores), nessa hipótese, a escolha pela opção mais favorável (art. 16).
3. Comprovada a perseguição política sofrida pelo genitor do(a)(s) autor(a)(es), é de se reconhecer o direito à percepção de indenização por dano moral.
4. O dano moral decorrente de perseguição política - que envolve injusta privação de liberdade e/ou atentado à integridade física e psíquica da pessoa - é in re ipsa, dispensando comprovação específica.
5. No arbitramento do valor da indenização advinda de danos morais, o julgador deve se valer do bom senso e atentar às peculiaridades do caso concreto, não podendo fixar quantum irrisório ou insuficiente para a devida reparação, tampouco vultoso que acarrete enriquecimento sem causa da vítima.
6. O termo inicial da atualização monetária do valor da indenização por dano moral é a data de seu arbitramento (súmula n.º 362 do Superior Tribunal de Justiça) e, dos juros de mora, a data de edição da Lei n.º 10.599/2002, afastada, excepcionalmente, a diretriz estabelecida na súmula n.º 54 do Superior Tribunal de Justiça, dadas as peculiaridades do caso concreto e a situação normativa específica, na esteira da jurisprudência desta Corte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004741493v7 e do código CRC 94d72f36.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 13/11/2024
Apelação Cível Nº 5084866-09.2021.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: THAYNA TEIXEIRA MORAIS por C. F.
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: THAYNA TEIXEIRA MORAIS por E. T. C. D. P.
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: THAYNA TEIXEIRA MORAIS por E. P. C.
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: THAYNA TEIXEIRA MORAIS por N. A. C.
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: THAYNA TEIXEIRA MORAIS por R. M. C. P.
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 13/11/2024, na sequência 30, disponibilizada no DE de 31/10/2024.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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