Apelação Cível Nº 5000934-26.2017.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE (RÉU)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: DIEGO TRENTIN (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelações da União e do Município de São Miguel do Oeste em face de sentença, proferida em 24 de outubro de 2017, que determinou aos réus a realização de artroplastia total de quadril da qual necessita o autor no prazo de seis meses a contar da intimação (e. 69, SENT1 da origem).
Refere a União, em suas razões, a ausência de interesse de agir da parte autora, já que o procedimento cirúrgico é custeado pelo SUS. Destaca, outrossim, a ilegitimidade passiva, já que a cirurgia é realizada em hospital da rede pública estadual. Por fim, tece considerações a respeito de políticas públicas e da reserva do possível (e. 84, APELAÇÃO1 da origem).
O Município de São Miguel do Oeste, de seu turno e preliminarmente, também defende sua ilegitimidade passiva em relação a tratamentos cirúrgicos, atribuindo tal responsabilidade ao Estado. No mérito, replica o argumento de que não lhe cabe custear o procedimento (e. 79, APELAÇÃO1 da origem).
Com contrarrazões (e. 98, CONTRAZAP1 da origem).
É o relatório.
VOTO
I - Fixo, de início, os pressupostos teóricos do direito à saúde, e o faço nos seguintes termos:
Registro, de imediato, que a Constituição Federal estabeleceu o direito à saúde tanto no capítulo “dos direitos sociais” (art. 6º, caput) quanto em seção própria (da saúde, art. 196 e seguintes), cumprindo perquirir se e em que medida tal direito se traduz em um verdadeiro direito público subjetivo, exigível judicialmente.
Destaco, então, que Robert Alexy, em seu conhecido trabalho "Teoria dos Direitos Fundamentais" (tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008), abandonando os critérios que denomina de "tradicionais" para distinguir princípios e regras, refere que se trata de uma diferença qualitativa, o mesmo é dizer, enquanto os princípios "ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes", o que conduz à inexorável conclusão de que se trata de "mandamentos de otimização" (op. cit., p. 90), as regras "são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas", muito embora o próprio autor admita que, no caso de conflito (o conflito só existe entre regras, já que os princípios colidem), é possível a introdução de uma cláusula de exceção [não pretendo discutir a polêmica estabelecida quanto à admissão das cláusulas de exceção, cabendo conferir a lição, quanto ao ponto e entre outros, de Luís Virgílio Afonso da Silva (Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 49)].
Em outras palavras: enquanto as regras ordenam algo definitivamente e estão situadas apenas no plano da validade, os princípios encontram-se também na dimensão do peso e, nos casos de colisão, aquele que possuir maior força no caso concreto deve prevalecer (op. cit., pp. 93-94). Cuida-se, a toda evidência, de direitos e deveres prima facie, "que poderão revelar-se menos amplos após o sopesamento com princípios colidentes" (SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, 2003).
Há mais: pela própria estrutura dos princípios como mandamentos de otimização, eles devem ser realizados na maior medida do possível, sempre, convém lembrar, observando não só as máximas da necessidade e da adequação (possibilidades fáticas), mas também da proporcionalidade em sentido estrito (possibilidades jurídicas).
Com relação a essa última fase do teste de proporcionalidade, já me manifestei no sentido de sua irracionalidade1; observo, contudo e no mais das vezes, ser possível aferir a proporcionalidade de certa medida utilizando-se apenas dos critérios da necessidade e da adequação, sem que se criem, com isso, decisões solipsistas e discricionárias.
Registro, também, que a proporcionalidade pode assumir a feição de proibição de proteção deficiente – viés pouco explorado –, cabendo, quanto ao ponto, a mesma estrutura geral da proibição de excesso (PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid: CEPC, 2007, p. 808).
Dito isso, verifico que o direito à saúde – princípio que se afigura – e, por consequência, a ideia de mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana, colide (ou colidem) com a assim chamada reserva do possível, já que, conquanto todos os direitos fundamentais tenham custos, o debate mais evidente encontra-se, e sobre isso não há dúvidas, no âmbito dos direitos sociais [encaminho, quanto ao ponto, à obra de Stephen Holmes e Cass Sunstein (El costo de los derechos: por qué la libertad depende de los impuestos. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2012, passim)].
Nessa colisão, entendo que a saúde, porque, repito, intrinsecamente ligada ao mínimo existencial e à própria ideia de dignidade da pessoa humana, é um direito fundamental prima facie, assumindo, portanto, uma posição privilegiada no embate com outros bens ou direitos tutelados constitucionalmente.
Sublinho, de outro lado, que o debate judicial a respeito do fornecimento de medicamentos não fere a separação de poderes e também não configura uma indevida intromissão do poder judiciário em esfera estranha às suas competências (políticas públicas), cuja legitimidade (da atuação judicial) está demonstrada, ainda que não somente, pela inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), conforme lição de Ingo Wolfgang Sarlet (Comentário ao art. 6º. In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 545).
A reserva do possível, de seu turno e seguindo a linha de argumentação de Ingo Wolfgang Sarlet (op. cit., p. 545), não pode impedir, por si só, a concretização do direito à saúde, já que “o que de fato é falaciosa é a forma pela qual o argumento tem sido por vezes utilizado, entre nós, como óbice à intervenção judicial e desculpa genérica para uma eventual omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente daqueles de cunho social”. Assim, o alto custo do tratamento não é motivo para, por si só, impedir o respectivo fornecimento pelo poder público.
Cuida-se, portanto e conforme lição de Victor Abramovich e de Christian Courtis, de um direito social exigível (Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: Trotta, 2002, passim).
Essa conclusão não dispensa, entretanto, o estabelecimento daquilo que designo como pautas argumentativas, ou, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes quando do julgamento da STA 175, parâmetros de decisão.
Registra Sua Excelência, em primeiro lugar, a necessidade de verificar se o medicamento solicitado encontra-se contemplado em políticas públicas; em caso positivo, não se criam direitos, apenas se determina o respectivo cumprimento.
Destaca o Ministro Gilmar Mendes, em segundo lugar e no caso de não se encontrar contemplado em políticas públicas, se há vedação legal ao fornecimento, como, por exemplo, de fármacos não registrados na ANVISA. Nessa situação, o registro é uma garantia à saúde pública e atesta a segurança do medicamento – exceção feita para a aquisição por meio de organismos internacionais, nos termos da Lei 9.782/99.
Em terceiro lugar, refere a existência, ou não, de evidências científicas para o uso do fármaco – lembro que se tem por base a assim chamada Medicina Baseada em Evidências –, bem como a demonstração de que as alternativas disponibilizadas pelo sistema público não são adequadas e/ou são ineficazes para o caso concreto. A regra, portanto, é privilegiar o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento da opção do paciente. Também não se admitem – para o caso da inexistência de tratamento na rede pública – a utilização de medicamentos experimentais, já que sobre eles pouco se sabe.
A isso se somam os termos definidos pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.657.156, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, ocasião em que restou fixada, com aplicação para processos distribuídos a partir de 04 de maio de 2018, a seguinte tese:
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento, observados os usos autorizados pela agência.
Em suma: o direito à saúde é um direito fundamental judicialmente exigível, contando com uma precedência prima facie quando em conflito com outros direitos ou bens constitucionalmente tutelados, razão pela qual passo a analisar a existência dos referidos pressupostos no caso concreto.
II - Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
Começo destacando que este Tribunal Federal tem entendimento consolidado no sentido de que são legítimos, nas ações envolvendo saúde, os três entes da Federação, solidariamente, cabendo o debate sobre a repartição dos custos à esfera administrativa. Rejeito, portanto, a preliminar de ilegitimidade.
Igualmente vai rejeitada a preliminar trazida pela União no sentido de ausência de interesse de agir, já que o pedido da parte autora é, justamente, a burla na fila de espera ou, alternativamente, o custeio do procedimento na rede privada.
Dito isso, prossigo.
O juízo monocrático, ao julgar procedente a inicial e deferir a tutela de urgência, assim se manifestou (e. 69, SENT1 da origem):
A CF, ao referir-se ao direito à saúde, consigna:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Da leitura do regramento acima transcrito é possível inferir que o legislador constitucional erigiu o direito à saúde ao nível dos direitos sociais fundamentais, impondo ao Estado a obrigação de, através de políticas públicas, implementar normas e ações destinadas à concretização deste direito.
Em consonância com o que prescreve a CF, a lei n. 8.080/90, que cuida do SUS, estatuiu em seu art. 2º: A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Nessa linha, muito embora não exista norma legal expressa impondo à Administração Pública o dever de fornecer gratuitamente à população todo e qualquer medicamento ou procedimento clínico prescrito por seus médicos para o tratamento de problemas de saúde, não se pode perder de vista os princípios maiores que devem nortear a conduta Estatal para viabilizar o fiel cumprimento dos direitos fundamentais da sua população.
De tal interpretação se conclui que o direito à saúde não pode ser relativizado de modo a comportar moderação em nome da tese da reserva do possível, segundo a qual, a satisfação do direito está condicionada à política pública da Administração.
Com efeito, pelo princípio da razoabilidade, frente a inviolabilidade do direito à vida digna, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), o interesse financeiro e secundário do Estado deve ceder.
Além disso, o direito à saúde é garantia fundamental e tem força vinculante, não discricionária. Em decorrência, o ato administrativo respectivo está sujeito ao controle jurisdicional, inexistindo a alegada violação ao princípio de separação dos poderes.
Tem-se que é tarefa primordial do Poder Judiciário compelir o Estado ao cumprimento dos direitos fundamentais, ainda que para isso tenha que interferir nas esferas de ação do Poder Executivo. O que não se permite é a usurpação de competências, e esse não é o caso, porque não se trata de situação cuja solução possa ficar na dependência da discricionariedade da administração pública.
Por fim, consigno que não há exigência constitucional de que a condição financeira do indivíduo sirva como critério para a obtenção da prestação do serviço de saúde, pois tal critério somente teria sentido se o direito à saúde estivesse inserido no âmbito do direito à assistencial social, o que não é o caso.
Tanto é assim que qualquer indivíduo, independentemente de sua situação econômica, tem acesso ao atendimento disponibilizado nos postos de saúde e estabelecimentos conveniados com o SUS.
Em conclusão, o único critério que o autor deve preencher para obter o provimento jurisdicional pleiteado é a necessidade e a urgência do tratamento cirúrgico buscado.
Realizada perícia judicial, o médico perito apresentou as seguintes conclusões (laudo no ev. 50 - grifei):
1.1.Quesitos do Juízo (evento 09):
1) Como está o quadro geral de saúde da parte autora? Caso esteja acometida de alguma doença, qual seu estágio? Especifique e indique a(s) CID.
Autor acometido de patologia descrita pelo CID M16.7 – (Outras coxartroses secundárias) confirmada por exames de imagens e sendo indicado pelo seu Médico Assistente, artroplastia total dos quadris, com prótese não cimentada.
Informa dor e limitação funcional para sua profissão de motorista, estando em BI por auxílio doença, término previsto em novembro de 2017.
Cirurgia indicada tem custo aproximado de R$ 36.000,00 cada lado, total de R$ 72.000,00, procurando sua realização pelo SUS, alegando não disponibilidade financeira para o procedimento particular.
Secretaria Estadual marcou exame com médico credenciado, através de tratamento fora de domicílio (TFD), tendo o mesmo concluído pela não indicação de tratamento cirúrgico.
Atualmente patologia incapacita labor de motorista e considerando que na avaliação pericial para quadros de artrose de quadril deve-se levar em conta essencialmente o exame clínico, no caso do autor as amplitudes de flexões dos quadris estão limitadas para a função de motorista, patologia em estágio intermediário e necessitando de procedimento cirúrgico para melhora de sinais e sintomas do periciado.
Urgência é relativa e literatura médica evidencia índices de satisfações nos pós operatórios cirúrgicos com resultados superiores à 90%, melhorando a dor, ganhando mobilidade articular e capacidade de marcha.
2) Há critérios técnicos objetivos da medicina, baseada em evidências, de que a intervenção cirúrgica prescrita para a parte autora resulta na cura ou melhora do seu quadro de saúde? Aponte aspectos favoráveis e contrários, se for o caso.
Sim, evidências médicas mostram ser a artroplastia de quadril umas das cirurgias ortopédicas de maior sucesso, tendo um potencial de aliviar a dor e restaurar a função de pacientes com variadas enfermidades do quadril.
Artroplastia alivia ou elimina a dor no quadril, restaurando a mobilidade e função do mesmo.
A dor é o principal sintoma dos pacientes que se submetem a esta cirurgia sendo a perda da mobilidade e rigidez dos quadris sinais que levam a diminuição da qualidade de vida dos pacientes.
O quadril é uma articulação fundamental para uma vida normal e a artroplastia pode trazer de volta uma vida ativa.
Diversos trabalhos demonstram bons resultados tanto com próteses cimentadas quanto com não cimentadas, entretanto, alguns pacientes precisam de um determinado modelo de prótese ou tem alto risco de falha com o outro.
Pacientes tem diferentes idades, anatomias e níveis de atividades laborais e físicas, de modo que a escolha da prótese deve levar estes e outros fatores em consideração.
Concluindo, bons resultados dependem de uma cirurgia bem indicada, bem planejada e bem realizada.
3) Quais os riscos à saúde da parte autora caso não seja realizada a cirurgia prescrita?
Riscos à saúde da parte autora caso não seja realizada a cirurgia é a piora em sua qualidade de vida e capacidade laborativa, agravando dor, perdendo mobilidade articular e dificultando a marcha.
4) Quais os efeitos esperados com a realização da cirurgia no tratamento da parte autora? Existe(m) outra(s) alternativa(s) mais recomendada(s) pela Medicina e que esteja(m) disponível(is) na rede do SUS? Qual(is)?
A cirurgia visa melhorar a dor, ganho da mobilidade articular e da capacidade de deambular.
Tabela de procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais do SUS, informa que o procedimento indicado para o paciente está padronizado pelo sistema público, da mesma forma, os componentes próteses e demais materiais especiais a sua realização.
Muito embora exista uma tendência a se utilizar implantes não cimentados em pacientes mais jovens, não existe nenhuma evidência na literatura médica que comprove sua superioridade em relação aos implantes cimentados.
Análise das evidências sobre artroplastia total de quadril com fixação cimentada versus não cimentada, realizada pela central Unimed do RS e datada em novembro de 2010, traz como síntese de recomendações:
“Há uma tendência de melhores resultados, com maior durabilidade da prótese, ao longo prazo (maior 10 anos de seguimento) em pacientes que realizaram artroplastia total de quadril com fixação cimentada.”
Objetivamente a artroplastia total do quadril com prótese cimentada fica reservada para pacientes com qualidade óssea ruim, tanto femoral quanto acetabular, ficando a não cimentada para todos os pacientes com qualidade óssea adequada, independente da idade.
Concluindo, artroplastias de quadril usando próteses cimentadas e não cimentadas estão padronizadas para realizações pelo SUS, não existindo diferenças significativas entre uso de uma ou outra, no tocante aos bons resultados pós-operatórios de ambas.
5) As alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS são eficazes para tratar a parte autora do mal que lhe acomete?
Sim, ambas alternativas com próteses cimentadas ou não cimentadas são eficazes e estão disponibilizadas pelo SUS.
6) O procedimento cirúrgico pleiteado pela parte autora tem a mesma eficácia para todos os portadores da doença em questão? Caso contrário, quais são os critérios que diferenciariam os pacientes no que diz respeito à sua realização?
Não, como justificado em quesitos anteriores.
7) Dentre os efeitos colaterais e/ou riscos próprios do procedimento cirúrgico pleiteado nesta ação, algum(ns), em especial, afastaria a recomendação médica? Em caso positivo, cite-os e esclareça.
Considerando alterações mórbidas e exigências profissionais da parte autora, existe indicação para realização de artroplastia bilateral de quadril.
Inexiste, considerando evidências médicas diferenças significativas entre riscos de procedimento e/ou efeitos colaterais utilizando-se próteses cimentadas ou não cimentadas e ambas são disponibilizadas pelo SUS.
Importante também para a questão é que literatura médica não mostra evidências de grandes diferenças entre próteses importadas (indisponíveis pelo SUS) e próteses nacionais (disponíveis pelo SUS).
8) Há estudos científicos realizados que tenham comprovado a eficiência ou maior eficácia do procedimento cirúrgico pleiteado nesta ação em relação aos disponíveis no âmbito do SUS? Quais? Demonstre.
Não, conforme demonstrado em quesitos anteriores.
(...)
Pelo visto, o tratamento cirúrgico indicado pelo médico assistente do autor e postulado nesta ação, de artroplastia total dos quadris, é necessário para corrigir a artrose de quadril que atualmente incapacita o autor de exercer sua profissão de motorista, além de lhe impedir de levar uma vida digna ante as limitações físicas e a dor que acarreta a doença.
É importante observar que o autor tem apenas 41 anos de idade (nascido em 10/10/1976), tendo uma longa vida produtiva pela frente, não sendo razoável que tenha que aguardar por anos por tal cirurgia, dependendo de benefício previdenciário para sobreviver quando poderia voltar a trabalhar normalmente.
Embora o perito não tenha atestado a urgência do procedimento, não é razoável que o autor tenha que esperar até que seja disponibilizada uma vaga na longa fila de espera do SUS, na qual nem sequer foi incluído, visto que perante esse sistema nem foi considerado como sujeito a tal procedimento.
O respeito ao direito subjetivo do autor exige transformação no mundo real que não é alcançada pela simples inclusão numa lista de espera, circunstância que não faz cessar seu padecimento nem lhe permite recuperar a capacidade laboral e/ou a possibilidade de voltar a ter uma vida mais próxima do normal.
Diante de tal contexto, ficou suficientemente comprovada a necessidade e a urgência dos procedimentos cirúrgicos solicitados nesta ação.
Quanto ao tipo de prótese a ser implantada, este juízo não tem elementos suficientes para determinar que seja cimentada ou não cimentada, pois como o perito esclareceu, alguns pacientes precisam de um determinado modelo de prótese ou tem alto risco de falha com o outro, e pacientes tem diferentes idades, anatomias e níveis de atividades laborais e físicas, de modo que a escolha da prótese deve levar estes e outros fatores em consideração.
Também afirmou o perito que a artroplastia total do quadril com prótese cimentada fica reservada para pacientes com qualidade óssea ruim, tanto femural quanto acetabular, ficando a não cimentada para todos os pacientes com qualidade óssea adequada, independente da idade, e isso quem vai poder avaliar é o médico que fará a cirurgia.
Todavia, consigno que o pedido de condenação dos réus ao custeio da cirurgia pela via particular não tem amparo jurídico, pois como o perito afirmou no laudo, ambas as alternativas, com próteses cimentadas ou não cimentadas, são eficazes e estão disponibilizadas pelo SUS. Portanto, caberá a estes, ao menos em primeiro plano, prestar ao autor o serviço de saúde de que necessita; e, apenas em segundo plano, isto é na hipótese de inviabilidade da cirurgia pelo SUS, converter a obrigação de fazer, em obrigação de dar.
Deferimento de liminar de antecipação dos efeitos da tutela
Inicialmente o pedido de tutela de urgência foi indeferido porque se mostrava necessária a realização de perícia médica para melhor avaliar a presença ou não dos requisitos legais.
Segundo disposto no artigo 300, "caput", do CPC em vigor, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Diante do contexto probatório analisado nesta sentença, verifica-se a presença do direito subjetivo do autor ao atendimento disponível no SUS, bem como a necessidade e a urgência do início do tratamento cirúrgico postulado, não havendo mais lugar para postergações.
Em conclusão, defiro ao autor a tutela de urgência. Por conseguinte: determino aos réus que promovam e executem a cirurgia de que o autor necessita (artroplastia total de quadril) por intermédio da rede do SUS, no prazo de até 6 (seis) meses contados da intimação desta sentença, findo os quais o autor poderá requerer a transformação dessa obrigação de fazer em obrigação de dar (munido de pelo menos 3 orçamentos atualizados de clínicas/hospitais idôneos da região, que possuam Certidão Negativa de Débitos - CND de Tributos Federais, estadual e municipal).
Não vejo motivos para alterar o que decidido na origem.
Destaco, então e nos termos da Súmula 100 deste Regional Federal ("nas ações em que se busca o deferimento judicial de prestações de saúde sujeitas à ordem de espera, somente se deferirá o pedido caso haja demonstração de que a urgência do caso impõe a respectiva realização antes do prazo apontado pelo Poder Público, administrativamente ou nos autos, para entrega administrativa da prestação"), que se deve observar, para determinar a antecipação do procedimento, a absoluta gravidade do caso concreto, sob pena de preterir os demais usuários do Sistema Único de Saúde que também se encontram aguardando, em lista de espera, intervenção cirúrgica. A esse entendimento aderi em recentes julgados - por exemplo, TRF4, AG 5040355-85.2018.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 05/02/2019.
Examinado o autor, o médico perito concluiu que a parte, portadora de dor crônica em razão de coxartrose secundária, teria "ganho na melhora da dor, ganho de mobilidade articular e de capacidade de deambular", considerando o procedimento de urgência relativa (conferir, para tanto, e. 50, LAUDO1 da origem, p. 9), o que desautorizaria, em princípio, o deferimento da cirurgia.
No caso presente, contudo, considerando (i) que a antecipação de tutela foi deferida, quando da prolação da sentença, em 24 de outubro de 2017 (vide e. 69, SENT1 da origem) e reafirmada em decisão publicada em 25 de agosto de 2018 (e. 143, DESPADEC1 da origem); (ii) que, segundo informação trazida aos autos pelo Estado de Santa Catarina (e. 13, PET1), o procedimento de compra das próteses estava, em 23 de outubro de 2018, "em processo de compra com ordem de fornecimento 1848/2018 aguardando assinaturas e empenho" e, finalmente, (iii) que no momento deste julgamento (03 de abril de 2019) a parte autora, muito provavelmente, já obteve o bem da vida e realizou o procedimento requerido, é de rigor, excepcionalmente, a manutenção da conclusão do juízo de origem.
III - Dos honorários advocatícios
Fixo os honorários advocatícios em R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata.
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.
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Apelação Cível Nº 5000934-26.2017.4.04.7210/SC
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APELADO: DIEGO TRENTIN (AUTOR)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CIRURGIA ELETIVA. FILA DE ESPERA. PREFERÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE. OCORRÊNCIA.
1. O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde.
2. Deve-se observar, para determinar a antecipação do procedimento, a absoluta gravidade do caso concreto, sob pena de preterir os demais usuários do Sistema Único de Saúde que também se encontram aguardando, em lista de espera, intervenção cirúrgica.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 03 de abril de 2019.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000942745v3 e do código CRC 94f69b69.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 03/04/2019
Apelação Cível Nº 5000934-26.2017.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE (RÉU)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: DIEGO TRENTIN (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDA TRENTIN
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 03/04/2019, na sequência 214, disponibilizada no DE de 18/03/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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