Apelação Cível Nº 5037159-55.2015.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: IRAJA LUIZ COELHO (AUTOR)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido da parte autora, objetivando o reconhecimento do direito à indenização por danos morais, em virtude de contato com pesticidas durante o exercício laboral. Afirmou o autor, em síntese, que sempre trabalhou no combate de insetos vetores de endemias mediante utilização de produtos químicos altamente nocivos à sua saúde sem ter recebido a devida informação sobre a potencialidade tóxica, orientação sobre os cuidados rigorosos que essa manipulação exige ou os equipamentos de proteção individual necessários. Sustentou a existência de dano moral indenizável pela simples exposição aos agentes químicos nocivos.
Em suas razões de apelação, a parte autora alegou cerceamento de defesa, posto que não foi oportunizado momento para produção das provas necessárias à formação do convencimento do magistrado, requerendo a anulação da r. sentença de primeiro grau, para que sejam produzidas as provas necessárias ao deslinde do feito. No mérito, aduz que os danos morais sofridos decorrem da ausência de fornecimento de EPIs para o exercício de sua atividade laboral, e da sua exposição a organoclorados (DDT e seus compostos DDD e DDE, bem como o BHC, Aldrin, Dieldrin, Endrin Aldeído, Endrin Cetona, Heptacloro, Heptacloro epóxido, Endosulfan-1 e Endosulfan-2) e organofosforados (Temefós/Abate e Malathion). Diante do exposto, requer o conhecimento e provimento do presente recurso, a fim de que seja reformada a r. decisão hostilizada, para julgar totalmente procedente a ação, condenando as Apeladas ao pagamento de indenização por danos morais ao Apelante, face à exposição inadequada aos inseticidas de alto grau de toxicidade sem Equipamentos de Proteção Individual adequados. Alternativamente, caso esta Colenda Turma entenda pela necessidade de produção de outras provas, requer-se a anulação da sentença para a devida instrução probatória com a produção de todas as provas em direito admitidas, tendo em vista o cerceamento de defesa.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do cerceamento de defesa
De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.
5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)
Desta feita, é de ser afastada a preliminar de cerceamento de defesa.
Do mérito
O pleito indenizatório está fundado na alegação de que, no desempenho de atividades laborais em campanhas de combate a endemias junto à Fundação Nacional de Saúde, o autor manteve contato com substâncias potencialmente danosas à saúde (DDT e seus compostos DDD e DDE, bem como o BHC, Aldrin, Dieldrin, Endrin Aldeído, Endrin Cetona, Heptacloro, Heptacloro epóxido, Endosulfan-1 e Endosulfan-2) e organofosforados (Temefós/Abate e Malathion), sem treinamento e uso de equipamentos de proteção individual adequados, o que lhe causou danos morais, a serem reparados, porquanto evidenciada a omissão do empregador quanto ao cumprimento dos deveres legais de proteção do trabalhador.
Não obstante, para o reconhecimento do dever de indenizar, é necessária a existência de nexo de causalidade entre o exercício de atividades laborais em contato com produtos tóxicos e um dano efetivo à saúde. O mero risco de potencialidade nociva de pesticidas não é suficiente para embasar a pretensão reparatória, porque é indispensável a comprovação de efetiva violação da integridade física do trabalhador, por contaminação ou intoxicação com as substâncias químicas por ele utilizadas (art. 186, 187 e 927 do Código Civil e art. 37, § 6º, da Constituição Federal), o que inocorreu no caso concreto.
Como bem ressaltado pelo juízo a quo:
"No intuito de provar que efetivamente foi exposto a risco de adquirir uma doença grave, o autor anexou cópia de um questionário com respostas, no qual buscou demonstrar sua exposição a pesticidas (evento 1 OUT4), além de um Laudo de Avaliação Ambiental do Trabalho da Funasa/Core-RS (evento 1 LAUDO6), concernente à inspeção técnica realizada para avaliar as condições e ambiente de trabalho de seus servidores. Afora isso, juntou notícias relacionadas a condenações sofridas pela FUNASA por contaminação de seus agentes por DDT e a perigos relacionados à utilização dos pesticidas (evento 1 OUT12). Além disso, apresentou cópias de julgados prolatados em processos ajuizados contra a FUNASA, relacionados à utilização de pesticidas (evento 1 OUT7, 9, 10 e 11).
Todavia, não há nos autos qualquer comprovação, ou mesmo alegação, no sentido de que o autor tenha desenvolvido alguma patologia em decorrência da alegada exposição aos pesticidas durante carreira profissional. Em assim sendo, não há dano indenizável."
Esclareço que a mera possibilidade de o autor adquirir uma patologia futura não caracteriza violação do patrimônio imaterial da parte autora em grau suficiente para configurar a existência de um dano moral. Está-se diante de mera possibilidade, não de um dano concreto à saúde.
Com efeito, não há, na inicial, a afirmação de que a parte autora encontra-se acometida de moléstia relacionada diretamente ao contato com inseticidas (tanto que ela própria admite não ser possível indicar quais danos à sua saúde poderão surgir, por serem imprevisíveis as consequências de uma exposição crônica do organismo humano a inseticidas), o que afasta a possibilidade de condenação das rés pelo mero temor de um eventual prejuízo no futuro. Cabe à parte autora comprovar suas alegações, ônus do qual não se desincumbiu.
Há precedentes deste Tribunal e do STJ destacando que o mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar pretensões indenizatórias como a dos autos, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação, verbis:
AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. FUNASA. ALEGADO CONTATO COM PESTICIDAS. DANO MORAL. INCORRÊNCIA. O mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar tal pretensão, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu. Precedentes. Não há qualquer indício de que os problemas de saúde que acometem a parte autora advenham da sua atividade laboral, muito menos, de condições laborais impróprias, em desacordo com as normas de segurança do trabalho. São doenças multifatoriais, não havendo elemento probatório mínimo no sentido de que teriam como causa preponderante a exposição a agrotóxicos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002691-08.2015.404.7119, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/12/2016).
PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL E MATERIAL. INTOXICAÇÃO POR AGROTÓXICO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. O autor deve expor na petição inicial os fundamentos de fato e de direito do seu pedido. Afirmações genéricas de situação geral de agentes da FUNASA, sem indicação do fato concreto experimentado pelo autor, e sem, também, fundamentação jurídica lastreando alegações e pedido, a petição inicial não preenche os requisitos legais. (TRF4, AC 5003191-11.2014.404.7119, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 20/08/2015).
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA VISANDO O RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS. INEXISTÊNCIA DA COMPROVAÇÃO EFETIVA DO DANO. IMPROCEDÊNCIA. PARA VIABILIZAR A PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS, A PROVA DA EXISTÊNCIA DO DANO EFETIVAMENTE CONFIGURADO E PRESSUPOSTO ESSENCIAL E INDISPENSÁVEL. AINDA MESMO QUE SE COMPROVE A VIOLAÇÃO DE UM DEVER JURÍDICO, E QUE TENHA EXISTIDO CULPA OU DOLO POR PARTE DO INFRATOR, NENHUMA INDENIZAÇÃO SERA DEVIDA, DESDE QUE, DELA, NÃO TENHA DECORRIDO PREJUÍZO. A SATISFAÇÃO, PELA VIA JUDICIAL, DE PREJUÍZO INEXISTENTE, IMPLICARIA, EM RELAÇÃO A PARTE ADVERSA, EM ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. O PRESSUPOSTO DA REPARAÇÃO CIVIL ESTA, NÃO SO NA CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA "CONTRA JUS", MAS, TAMBÉM, NA PROVA EFETIVADOS ÔNUS, JA QUE SE NÃO REPÕE DANO HIPOTÉTICO. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA DE VOTOS. (STJ, REsp 20386 / RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, DJ 27/06/1994).
Logo, é ser confirmada a sentença monocrática.
Quanto aos honorários advocatícios, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, esta fica majorada em 1%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015. Ressalto que fica suspensa a exigibilidade dos valores em relação à parte autora, enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o §3º do art. 98 do novo CPC.
Por derradeiro, em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5037159-55.2015.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: IRAJA LUIZ COELHO (AUTOR)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. ATIVIDADE LABORAL EM CONTATO COM SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS NOCIVAS À SAÚDE. DANO MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO-CONFIGURADO.
Para o reconhecimento do dever de indenizar, é necessária a existência de nexo de causalidade entre o exercício de atividades laborais em contato com produtos tóxicos e um dano à saúde. O mero risco de potencialidade nociva de pesticidas não é suficiente para embasar a pretensão reparatória, porquanto indispensável a comprovação de efetiva violação da integridade física do trabalhador, por contaminação ou intoxicação com as substâncias químicas por ele utilizadas (art. 186, 187 e 927 do Código Civil e art. 37, § 6º, da Constituição Federal), o que inocorreu no caso concreto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de junho de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 26/05/2020 A 03/06/2020
Apelação Cível Nº 5037159-55.2015.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): JUAREZ MERCANTE
APELANTE: IRAJA LUIZ COELHO (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 26/05/2020, às 00:00, a 03/06/2020, às 14:00, na sequência 239, disponibilizada no DE de 15/05/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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