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ADMINISTRATIVO. LEI N. º 3. 373/1958. PENSÃO POR MORTE. FILHA SOLTEIRA NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO PERMANENTE. UNIÃO ESTÁVEL. DECADÊNCIA. TRF4. 5047660-5...

Data da publicação: 26/07/2024, 15:01:26

EMENTA: ADMINISTRATIVO. LEI N.º 3.373/1958. PENSÃO POR MORTE. FILHA SOLTEIRA NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO PERMANENTE. UNIÃO ESTÁVEL. DECADÊNCIA. 1. O benefício de pensão por morte à filha solteira é temporário e sujeita-se a condições resolutivas relativas à (1.1) alteração de estado civil e (1.2) ocupação de cargo público de caráter permanente. 2. A orientação, firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas (tema n.º 445), não ampara o reconhecimento da decadência do direito da Administração de revisar seus atos, uma vez que (2.1) a concessão de pensão por morte a filha solteira, maior e capaz, é temporária e está sujeita a condição resolutiva, e (2.2) o termo inicial do prazo decadencial é o momento em que a Administração toma conhecimento da perda da condição de solteira da pensionista. 3. Conquanto a união estável não conste, no artigo 5º da Lei n.º 3.373/1958, como causa para perda de pensão temporária pela filha maior de 21 anos - até porque, à época da elaboração da norma, o referido instituto não era reconhecido -, sua equiparação ao casamento é realizada pelo artigo 226, § 3º, da Constituição Federal. 4. A coabitação não constitui elemento essencial à configuração de união estável (artigo 1.723 do Código Civil). (TRF4, AC 5047660-58.2021.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 18/07/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5047660-58.2021.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: NORA JANISSE DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO(A): TOMLYTA LUZ VELASQUEZ DOS SANTOS (OAB RS107369)

ADVOGADO(A): DANIEL GOULART DA SILVA (OAB RS080168)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta em face de sentença proferida em ação de procedimento comum, nos seguintes termos (evento 87 dos autos originários):

DISPOSITIVO

Ante o exposto, revogo a tutela provisória deferida e julgo IMPROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios sucumbenciais, os quais arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja exigibilidade permanecerá suspensa ao beneficiário da gratuidade de justiça, à luz do art. 98, § 3º, do CPC.

Intime-se o órgão pagador para que tome ciência da revogação da tutela provisória.

Publicação automática. Intimem-se.

Havendo recurso, intime-se a parte adversa para as contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao TRF4.

Em suas razões, a autora alegou que: (1) Conforme documentos investigados durante a sindicância e audiência realizada no Quartel do Comando da 3ª Região Militar, restou reafirmado pela apelante que ela nunca teve ânimo de constituir família com o Sr. Olinto, inclusive, que, apesar de terem tido uma filha em comum - fruto de um namoro breve, eles nunca coabitam no mesmo lar; (2) Tanto é verdade que, através das diligências realizadas pelo Capitão responsável pela averiguação (Fábio Rogério Salvadori), não foi constatada qualquer comprovação efetiva da ocorrência de União Estável entre as partes informadas. No primeiro momento (fl. 88 – processo de sindicância) o Sindicante Cap.Fábio Rogério Salvadori deu parecer de que não foi possível comprovar a união estável, e em segundo momento (fl. 153 – processo de sindicância), mesmo não havendo comprovação, supôs tal união meramente pelo período entre os nascimentos dos filhos da apelante: (...); (3) Sobre os filhos em comum, há de considerar no que tange ao filho GERSON ROBERTO, conforme depreende-se da certidão de nascimento (fl. 160 – processo de sindicância), este nasceu em 27/06/1970, sendo registrado apenas com o sobrenome materno, com o nome de GERSON ROBERTO DOS SANTOS. Após 10 anos, em 04/08/1980, por meio de averbação, houve o reconhecimento de filiação do Sr. Olinto, passando o filho a se chamar GERSON ROBERTO DOS SANTOS OLIVEIRA; (4) Observa-se que, diferentemente do que consta em decisão administrativa, o possível relacionamento entre a Sra. Nora e o Sr. Olinto não se iniciou em 1970, mas sim em 1980 – todavia, tal relacionamento não era amoroso; (5) Como explicado pela Autora na inquirição administrativa do dia 17/03/2020, o Sr. Olinto não é o genitor de Gerson Roberto e o reconhecimento de paternidade se deu por solidariedade, pois ela era mãe solo, sem comprovante de residência e demais documentações básicas para perquirir a habilitação de seu filho, até então com 10 anos, nos programas essenciais de educação e saúde. Assim, o Sr. Olinto, que à época tinha trabalho fixo e comprovante de residência, se dispôs a reconhecer a paternidade do filho de sua amiga, para que a criança pudesse ter os documentos necessários para se matricular na escola; (6) Apesar do reconhecimento de paternidade, a relação entre a Sra. Nora e o Sr. Olinto não se alterou, pois continuaram amigos, residindo em lares diferentes, com a apelante tendo a guarda de seu filho e assumindo todos os gastos de sua existência; (7) Posteriormente, quanto à filha LENARA SANTOS DE OLIVEIRA, nascida em 11/05/1984, afirma-se que foi fruto de um breve namoro havido entre a apelante e o Sr. Olinto. Contudo, ainda assim, não passaram a residir juntos e nem criar a filha como se família fossem, ao contrário, a Sra. Nora cuidou sozinha de Lenara, sem ajuda pessoal e financeira do pai de sua filha. Em que pese a longa amizade e o breve relacionamento amoroso que tiveram, a apelante e o Sr. Olinto nunca residiram juntos e sequer mantiveram uma relação como se casados fossem; (8) Além disso, cabe salientar que a união estável de um casal, exige convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família, e não somente de conceber filhos advindos de simples relacionamento sexual, ou seja, a existência de uma filha em comum não é razão bastante a qualificar a união estável, pois para a concepção basta uma simples relação sexual, sem nenhuma espécie de vínculo. Diante da falta de provas concretas, resta cristalino que a apelante sempre preencheu o requisito de “permanecer solteira”, pois nunca manteve relação caracterizada como “convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família”, exigidos pelo art. 1.723, do Código Civil, para o reconhecimento da união estável, e (9) dado que não há provas de residência em comum, é irrazoável fundamentar a união estável apenas na existência de um filho em comum. Nesses termos, requereu (...) seja totalmente reformada a sentença proferida pelo Juízo “a quo", no sentido de julgar procedente os pedidos contidos na exordial, condenando o requerido à restabelecer e/ou manter o benefício de pensão civil oriunda do seu genitor ex-servidor à parte apelante, desde a data em que houve a cessação ilegal e espúria, bem como ao pagamento de parcelas pretéritas, tudo acrescido de juros legais e a devida correção monetária.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Ao analisar o(s) pedido(s) formulado(s) na petição inicial, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos:

RELATÓRIO

Nora Janisse dos Santos, qualificada na inicial, propôs ação pelo procedimento comum contra a União, pretendendo provimento jurisdicional que, inclusive em sede de tutela provisória de urgência, restabeleça a pensão civil de que era beneficiária. Em definitivo, pleiteia, além da confirmação da decisão que concedeu a tutela de urgência, a condenação da ré a lhe pagar os valores das parcelas do benefício que deixaram de ser pagas.

Narra que, na condição de filha solteira e não ocupante de cargo público permanente, é beneficiária da quota de R$ 1.260,59 de pensão por morte previdenciária ("pensão civil") instituída por seu pai, Osvaldo dos Santos, ex-servidor público civil falecido em 1979. Além disso, em 1994, passou a receber também pensão militar, no valor de R$ 2.670,00, instituída por seu filho, Gerson Roberto dos Santos Oliveira, ex-militar falecido em 1993. Todavia, por conta de apuração realizada pelo Tribunal de Contas da União em 2018, o Chefe da Seção do Serviço de Inativos e Pensionistas da 3ª Região Militar considerou que a pensionista deixara de ter direito à pensão civil, por perda da dependência econômica em relação ao pai, devido à superveniência da pensão militar instituída pelo filho e em razão da união estável que havia constituído com Olinto Azambuja de Oliveira. Em sindicância realizada, foi considerada comprovada a união estável no período de 1970 a 1984, portanto incluindo a época da concessão da pensão instituída por seu pai. Assim como foi tida por caracterizada a má-fé da autora, pois teria concorrido para a percepção indevida da pensão instituída pelo seu filho, do que resultou a determinação administrativa para que restituísse ao erário a quantia recebida e tida por indevida. A autora interpôs recurso administrativo, o qual, todavia, não foi acolhido pela Administração Militar.

Alega que não houve união estável, a qual sequer teria sido suficientemente comprovada no processo de sindicância. Ademais, a pensão instituída por seu pai seria regida pela Lei 3.373/1958, vigente ao tempo do óbito (ano de 1979), que apenas prevê como hipótese de perda da condição de pensionista o exercício de cargo público permanente e a condição de filha solteira, sem necessidade de prova da dependência econômica em relação ao instituidor do benefício, como já decidido inclusive pelo STF e STJ. Ressalta ser vedada a aplicação retroativa de nova interpretação de normas administrativas, nos termos do art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/1999, tendo o STF estabelecido entendimento no sentido de que as decisões administrativas que modificam comportamentos anteriores devem ter efeito ex nunc. Nessa mesma linha, argumenta que a interpretação do TCU não pode retroagir para prejudicar direito adquirido e ato jurídico perfeito. Pontua, ademais, que a renda oriunda da pensão militar deixada por seu filho não se confunde com rendimentos de cargo público permanente. Aduz, por fim, ter ocorrido a decadência administrativa para a revisão do ato de concessão da pensão por morte, de acordo com o art. 54 da Lei 9.784/1999. Requer a gratuidade da justiça e junta documentos. (evento 1, INIC1 e evento 2, ANEXOSPET1).

Concedido o benefício da justiça gratuita à autora e postergada a análise do pedido de tutela de urgência para o momento da sentença (evento 9, DESPADEC1).

Da decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 5032044-03.2021.4.04. 0000/RS pela parte autora (evento 18), ao qual foi concedida a tutela de urgência recursal, em decisão de 09/08/2021, nos seguintes termos (evento 2, DESPADEC1 dos respetivos autos):

A despeito da presunção de legalidade e legitimidade que milita em favor dos atos administrativos e da não comprovação de afronta à ampla defesa no processo administrativo, a situação fático-jurídica sub judice é controvertida e exige dilação probatória, o que recomenda a manutenção do pagamento do benefício - que já perdura por anos (desde 1979) e cuja suspensão reclama mais do que mero indício da existência de união estável -, pelo menos até a prolação da sentença (juízo de cognição exauriente, após instrução probatória), dada sua natureza alimentar.

Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação de tutela recursal, nos termos da fundamentação.

Citada, a União apresentou contestação (evento 21, CONTES1), arguindo prejudicial de prescrição nos termos do Decreto 20.910/32 e/ou da Súmula 85 do STJ. Quanto ao mérito, defende a manutenção do ato administrativo impugnado, pois a pensionista teria deixado de cumprir um dos requisitos para seguir percebendo a pensão, que é o de ser filha solteira, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/58. A condição de solteira seria, com efeito, afastada pela união estável. Argumenta ser, ainda, necessária uma interpretação evolutiva da referida lei, editada em um tempo em que, do fato de a mulher não ser casada nem exercer cargo público permanente, presumia-se a sua dependência econômica em relação ao genitor instituidor da pensão, concepção hoje anacrônica. Alega que há inúmeras provas da união estável entre a parte autora e Olinto Azambuja de Oliveira, que tiveram filhos em comum e residiram no mesmo endereço. Cita precedentes jurisprudenciais. Ao final refuta a tese da decadência administrativa, uma vez que o TCU agiu assim que tomou conhecimento dos fatos, ressaltando, ainda, a natureza temporária da pensão, visto que o direito à sua percepção se mantém até que a filha deixe de ostentar a condições de solteira ou ocupe cargo público permanente.

Houve réplica (evento 31, RÉPLICA1).

As partes disseram não ter interesse na produção de outras provas (evento 36, PET1 e evento 38, PET1).

Em seguida, a parte autora noticiou que o Comando da 3ª Região Militar ainda dava seguimento ao processo administrativo, realizando inquirições e solicitando que a autora e sua filha comparecessem à unidade administrativa militar para depor. Juntou aos autos os depoimentos colhidos e afirmou que a tutela de urgência concedida ainda não havia sido cumprida (evento 39, PET1).

Em julgamento definitivo, foi dado provimento ao agravo de instrumento interposto pela autora, confirmando-se a tutela de urgência recursal (evento 42).

Em 13/12/2021, a autora informou que a pensão foi restabelecida, requerendo o pagamento de todas as parcelas que se venceram após a concessão da tutela de urgência (evento 45, PET1), ao que a União não se opôs (evento 50, PET1).

Remetidos os autos para a contadoria judiciária (evento 62, DESPADEC1) e juntados os documentos por ela solicitados (evento 76, PET1). Todavia, o cálculo do valor devido não foi concluído devido à pendência da definição da incidência de correção monetária (evento 78, INF1 e evento 82, PET1).

Por fim, os autos vieram conclusos para sentença.

FUNDAMENTAÇÃO

Prescrição

No caso, aplica-se o disposto no art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932:

Art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram.

Considerando que o caso narrado versa sobre verbas percebidas mensalmente, é o caso de prestações de trato sucessivo, estando prescritas, portanto, tão somente as parcelas que se venceram há mais de cinco anos do ajuizamento da ação, nos termos da Súmula n° 85 do STJ, in verbis:

Súmula n° 85 - Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.

Dessa forma, não há parcelas prescritas.

Pensão

Trata-se de ação em que se controverte sobre a legalidade da decisão administrativa que determinou a cessação da pensão por morte percebida pela autora, instituída por seu pai, no valor mensal inicial de R$ 1.260,59.

Passo a expor, desde logo, os fatos apurados no procedimento administrativo, cujos autos encerram o suporte fático-probatório da presente ação, haja vista o desinteresse de ambas as partes na produção de outras provas em juízo.

Em 22/10/2019, o Comando da 3ª Região Militar instaurou sindicância para, a partir dos indícios constatados pelo Tribunal de Contas da União, apurar o vínculo de dependência econômica da autora em relação ao seu pai, o ex-servidor Osvaldo dos Santos, assim como a possível existência de união estável da autora com Olinto Azambuja de Oliveira, a fim de verificar a manutenção do direito à percepção da pensão temporária na condição de filha maior solteira (evento 1, OUT7, p. 3).

Na Solução de Sindicância nº 29/2020 - ASSE AP AS JURD/3.18, datada de 24/08/2020, foi considerada comprovada a união estável e, assim, declarada a perda do direito à pensão civil, bem como considerada caracterizada a má-fé da autora na continuidade da percepção de tal benefício a partir do momento em que se deu o reconhecimento da paternidade, por parte de Olinto Azambuja de Oliveira, do filho em comum Gerson Roberto dos Santos Oliveira. Por fim, foi reconhecido o não preenchimento do requisito de vínculo de dependência econômica da autora em relação ao pai devido à percepção da pensão militar instituída pelo filho Gerson Roberto (evento 1, OUT10, p. 13 a 17).

Consoante narrado na inicial e demonstrado nos documentos acostados ao feito, a parte autora é beneficiária de duas pensões por morte, uma de natureza civil, instituída por seu pai, Osvaldo dos Santos, falecido em 04/08/1979 (evento 1, OUT7, p. 18/20), e outra, de natureza militar, instituída por seu filho, Gerson Roberto dos Santos Oliveira, falecido em 05/12/1993 (evento 1, OUT7, p. 31).

​Vale observar que Osvaldo dos Santos, instituidor da pensão civil, era servidor público civil vinculado ao Exército Brasileiro, conforme demonstra a Apostila de Revisão de Pensão acostada ao feito (evento 1, OUT7, p. 18/19), sendo a pensão, por isso, paga pela União através do Exército, em observância ao disposto no art. 248 da Lei 8.112/1990 ("As pensões estatutárias, concedidas até a vigência desta Lei, passam a ser mantidas pelo órgão ou entidade de origem do servidor.").

A pensão civil foi concedida com fundamento na Lei 3.373/1958, que, nos termos da redação vigente ao tempo do óbito, dispunha:

Art 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado:

I - Para percepção de pensão vitalícia:

a) a espôsa, exceto a desquitada que não receba pensão de alimentos;

b) o marido inválido;

c) a mãe viúva ou sob dependência econômica preponderante do funcionário, ou pai inválido no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo;

II - Para a percepção de pensões temporárias:

a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez;

b) o irmão, órfão de pai e sem padrasto, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido enquanto durar a invalidez, no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo, sem filhos nem enteados.

Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente. (Grifei)

Cuida-se, portanto, de pensão temporária devida à filha solteira, maior de 21 anos de idade, que não ocupe cargo público permanente.

Acerca do elemento dependência econômica da beneficiária em relação ao instituidor do benefício, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que não se trata de um requisito a ser preenchido para a percepção da pensão instituída pela Lei 3.373/1958.

Confira-se:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. FILHA MAIOR E SOLTEIRA. REQUISITOS DA LEI 3.373/58. ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO. FILHA SOLTEIRA E NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. PRECEDENTES DO STJ. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL, FEITA PELO PARQUET, APÓS AS CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO DA UNIÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE ENTENDEU NECESSÁRIA A DILAÇÃO PROBATÓRIA. RECURSO ESPECIAL MINISTERIAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 1º, CAPUT, DA LEI 12.016/2009. CONTROVÉRSIA QUE EXIGE A ANÁLISE DOS FATOS E DAS PROVAS DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, impetrado pela ora recorrida, contra o Superintendente de Administração do Ministério da Fazenda em São Paulo (SAMF/SP), bem como contra a União, objetivando a cassação do ato, proferido nos autos do Processo Administrativo 16115.000101/2017-80, que - em razão de alegada ausência de dependência econômica da impetrante, em relação ao seu falecido genitor - cancelara a pensão temporária por ela recebida, em razão do falecimento de seu pai, em 10/04/78, postulando-se o restabelecimento de seu pagamento, eis que presentes as condições mencionadas no art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/58. A segurança foi concedida, aos fundamentos de que a impetrante provara os dois requisitos para a concessão do benefício, não se fazendo necessária a comprovação da dependência econômica - o que motivara o cancelamento da pensão -, bem como a existência de decadência para o cancelamento do benefício. Interposta Apelação, pela União, combatendo ambos os fundamentos, após as contrarrazões ao recurso o Ministério Público Federal proferiu parecer pelo provimento da Apelação da União, ao fundamento de que, conforme notícia extraída da internet, a impetrante manteria união estável. O Tribunal de origem manteve a sentença, daí a interposição do Recurso Especial do Ministério Público Federal, à alegação de existência de união estável da impetrante. A União também interpôs Recurso Especial, sob fundamento de ausência de dependência econômica da impetrante, em relação ao seu falecido pai, bem como inocorrência de decadência para o cancelamento do benefício. Seu Recurso Especial foi inadmitido, com fundamento na Súmula 83/STJ, não tendo a União interposto recurso contra a aludida decisão. III. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, em atenção ao princípio tempus regit actum, ocorrendo o óbito do instituidor da pensão temporária por morte na vigência da Lei 3.373/58, a filha de qualquer idade possui a condição de beneficiária, e nela permanece, desde que atenda a dois requisitos, quais sejam, ser solteira e não ocupante de cargo público permanente, o que garante a concessão (e mantença) do benefício, independentemente de comprovação de dependência econômica ou da percepção de outro benefício previdenciário. IV. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar especificamente o acórdão 2.780/2016, do TCU, decidiu que, "reconhecida a qualidade de dependente da filha solteira maior de vinte e um anos em relação ao instituidor da pensão e não se verificando a superação das condições essenciais previstas na Lei n.º 3373/1958, que embasou a concessão, quais sejam, casamento ou posse em cargo público permanente, a pensão é devida e deve ser mantida, em respeito aos princípios da legalidade, da segurança jurídica e do tempus regit actum" (STF, MS 35.889 AgR/DF, Rel. Ministro EDSON FACHIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/06/2019). Em igual sentido: STF, MS 35.414 AgR/DF, Rel. Ministro ALEXANDRE DE MORAES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/04/2019. V. Assim, eventual vínculo empregatício privado e/ou recebimento de outro benefício previdenciário não impedem a concessão/manutenção da pensão temporária por morte, desde que atendidos os dois requisitos do art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/58. Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1.868.786/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/12/2020; REsp 1.883.175/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/04/2021; AgInt no REsp 1.904.198/CE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/03/2021; AgInt no REsp 1.883.895/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/12/2020; AgInt no REsp 1.869.178/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/06/2020. (STJ, REsp n. 1.911.950/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 15/3/2022) (Grifei)

Portanto, o fato de a parte autora ter passado a receber, a partir de 1993, a pensão militar instituída por seu filho não é causa suficiente para a extinção da pensão civil que vinha recebendo desde 1979, instituída por seu genitor. Pela mesma razão, fica afastada a apontada má-fé da pensionista. Assim, quanto a esse ponto da controvérsia, assiste razão à demandante.

Por outro lado, sobre a união estável, é entendimento do Superior Tribunal de Justiça que a constituição dessa espécie de vínculo conjugal é circunstância suficiente para descaracterizar a condição de filha solteira da beneficiária da pensão, como se verifica do mesmo precedente anteriormente citado:

(...) VI. Sobre o tema, esta Corte também já proclamou que "o art. 226, § 3º, da CF/1988, ao conferir proteção à união estável, visou igualar os direitos entre ela e o casamento, sendo descabido que essa proteção garanta à tal forma de família direitos não previstos para o casamento. Estando os companheiros e os cônjuges em igualdade de condições, não se pode conceder mais direitos ao primeiro do que ao último. Não há como conceber que as pessoas em união estável utilizem a legislação somente em benefício próprio, apenas nos aspectos em que a situação de convivência gere direitos e furtando-se aos seus efeitos quando os exclua. Da mesma forma que há violação ao princípio da isonomia o não reconhecimento de direito à união estável, afronta o referido princípio acatar o direito à pensão às mulheres que estejam nessa composição familiar, mas não às que estejam casadas. Com o reconhecimento da união estável pelo constituinte originário e pelo sistema jurídico pátrio, a jurisprudência tem admitido sua equiparação ao casamento quanto a todos os efeitos jurídicos, pessoais e patrimoniais, e mesmo no que concerne à modificação do estado civil de solteira. (...) No caso em exame não se trata de estabelecer requisito não previsto na legislação de regência para perpetuação de benefício, nem de retroagir nova interpretação para modificar ato jurídico consolidado, mas sim de reconhecer o implemento de condição resolutiva pré-estabelecida já prevista pela Lei 3.373/1998: a manutenção da condição de solteira. Portanto, descabido o argumento de que existe violação a direito adquirido e inobservância do prazo de cinco anos para a Administração rever os atos de que decorram efeitos favoráveis aos seus destinatários. Na hipótese analisada, uma das condições para a manutenção da pensão concedida com base no art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/1998 - que é a continuação da qualidade de solteira - não mais se verifica, porquanto consta dos autos que foi apurado em processo administrativo que a Impetrante contraiu união estável. Portanto, está implementada a condição resolutiva, já que o primeiro requisito essencial à manutenção de benefício da impetrante, qual seja, a qualidade de filha solteira, foi superado" (STJ, RMS 59.709/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/06/2020). (...) (STJ, REsp n. 1.911.950/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 15/3/2022) (Grifei)

No caso concreto, os elementos considerados pelo Tribunal de Contas da União como indiciários da existência de união estável entre a parte autora e Olinto Azambuja de Oliveira foram a existência de endereços coincidentes entre a pensionista e o possível companheiro, no período de 2016 a 2018, e a existência de filhos em comum entre ambos, conforme item 15 do Acórdão 7972/2017-2ªC ​(evento 1, OUT7, p. 10/11).

Na sindicância instaurada pelo 3º Comando Militar do Exército, diligências foram adotadas para apuração dos indícios levantados, quando colhidos os seguintes documentos e informações:

(i) certidões de nascimento e de óbito de Gerson Roberto dos Santos Oliveira indicando ser filho da autora e de Olinto Azambuja de Oliveira (evento 1, OUT7, p. 37 e 38) - Gerson Roberto nasceu em 27/06/1970, e a certidão de nascimento foi registrada em 01/07/1971;

(ii) escritura pública indicando que, em 29/08/2008, o endereço da autora situava-se na Rua Professor Augusto Thiesen nº 285, apartamento 205, Núcleo 14 C-2, Bairro Rubem Berta, Porto Alegre/RS, mesmo endereço de sua filha Lenara Santos de Oliveira (evento 1, OUT7, p. 39/40);

(iii) ficha cadastral da parte autora junto à 3ª Região Militar indicando que, em 24/10/2019 (data da consulta do cadastro) seu endereço situava-se na Avenida Adelino Ferreira Jardim, nº 170, Bloco C, apartamento 102, Bairro Rubem Berta, Porto Alegre/RS (evento 1, OUT7, p. 41), o mesmo endereço indicado na fatura de energia elétrica de 15/08/2019 (evento 1, OUT8, p. 15).

(iv) resumo de atendimento ambulatorial da autora, realizado em 07/11/2019, indicando o endereço de sua filha, Lenara, situado na Rua Sr. Sinval Saldanha, nº 296, Porto Alegre/RS (evento 1, OUT8, p. 16);

(v) informações prestadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social indicando dois registros distintos de endereço de Olinto Azambuja de Oliveira - sem especificação do período de tempo de cada residência -, como situado na Rua Adelino Ferreira Jardim, nº 170, Bloco C, apartamento 01, Bairro Rubem Berta, CEP 91250-310, Porto Alegre/RS, associado ao benefício nº 42/131.487.487.747-7, e Rua Professor Augusto Osvaldo Thiesen, nº 265, Bloco B, apartamento 207, Bairro Rubem Berta, CEP 91250-340, registrado no CNIS (evento 1, OUT8, p. 18);

(vi) porém, em diligência realizada em novembro de 2019 para a procura pessoal de Olinto, este não foi encontrado em qualquer um dos dois endereços informados pela autarquia previdenciária (evento 1, OUT8, p. 19/20);

(vii) em nova oitiva no procedimento de sindicância, a parte autora confirmou que sua segunda filha, Lenara Santos de Oliveira, também é filha de Olinto, nascida em 11/05/1984, e que o pai contribuía para a manutenção da filha, sem valor fixo, justamente para evitar a judicialização da pensão alimentícia. Quanto ao filho Gerson, a autora declarou que Olinto não é seu pai biológico, mas assumiu a sua paternidade quando ele tinha 8 anos de idade, apenas para a finalidade de que a criança viesse a ter benefícios sociais mediante a comprovação da baixa renda de Olinto, uma vez que a autora não tinha como comprovar a sua renda (evento 1, OUT9, p. 8);

(viii) na referida oitiva, a parte autora declarou que se mudara em 2016 para o endereço na Avenida Adelino Ferreira Jardim, nº 170, apartamento 102, Bloco C, Bairro Rubem Berta, dizendo não ter conhecimento de por que Olinto havia declarado que residira também em "apartamento ao lado" do da demandante. Que, quando se mudara para lá, era um casal que morava no apartamento 101 (evento 1, OUT9, p. 8/9);

(ix) cópia de ação trabalhista ajuizada em 18/01/2019 por Olinto indicando como seu endereço a Rua Adelino Ferreira Jardim, nº 570, apartamento D, Bairro Rubem Berta, Porto Alegre/RS (evento 1, OUT9, p. 16 a 23), e cópia da procuração outorgada ao seu advogado em 19/12/2018 indicando como seu endereço a ​Rua Professor Augusto Thiesen nº 265, Bloco B, apartamento 207, Bairro Rubem Berta (evento 1, OUT9, p. 14);

(x) porém, em diligência realizada em abril de 2020 para a procura pessoal de Olinto, este não foi encontrado em qualquer um dos dois endereços informados na aludida ação judicial/procuração, que foram, na verdade, constatados como inexistentes (evento 1, OUT9, p. 45).

No relatório de sindicância, o militar Sindicante deu parecer concluindo que "Apesar de não ser possível comprovar que habitaram o mesmo teto, a existência de dois filhos, GERSON e LENARA, da Srª NORA JANISSE DOS SANTOS com o Sr. OLINTO AZAMBUJA DE OLIVEIRA, denota a existência de um vínculo de união estável, em pelo menos algum espaço de tempo posterior à habilitação como pensionista do Sr. OSVALDO DOS SANTOS. (...) Sou do parecer que houve a existência de um vínculo de união estável, em pelo menos algum espaço de tempo posterior à habilitação como pensionista do Sr OSVALDO DOS SANTOS, entre a Srª NORA JANISSE DOS SANTOS e o Sr OLINTO AZAMBUJA DE OLIVEIRA, fato que se equipara ao casamento, de acordo com jurisprudência pacificada no TCU (item 16 do Acórdão 7972/2017-2ºC), contrariando declaração que apresenta anualmente, havendo ao erário" (evento 1, OUT10, p. 5/6).

Na solução de sindicância, como já inicialmente adiantado, referido parecer foi acolhido em relação à caracterização da união estável, com base nos seguintes fundamentos (evento 1, OUT10, p. 13 a 17):

(...)

b. Da investigação realizada pelo Sindicante extrai-se que a Sindicada Sra. NORA JANISSE DOS SANTOS e seu companheiro, Sr. OLINTO AZAMBUJA DE OLIVEIRA, viveram em união estável pelo período mínimo de 14 (catorze) anos de relacionamento compreendido entre os anos de 1970 e 1984, neste interregno os envolvidos tiveram 2 (dois) filhos, conforme certidão juntada e declaração da Sindicada durante a inquirição (fl. 107), formando assim uma família;

c. O fato do casal não ter formalizado a união estável não retira o caráter de entidade familiar, constituído por ambos, uma vez que esta é constituía pelo "animus" do casal na época em constituir família, o que fizeram, pois no interregno de 14 anos geraram dois filhos (Gerson Roberto dos Santos Oliveira e Lenara Santos de Oliveira), portanto, tiveram uma convivência pública, contínua e duradoura;

d. Contribuindo com esse entendimento tem-se a jurisprudência pacífica do Tribunal de Contas da União que para a configuração de união estável não há a necessidade de contrato formal reduzido a termo entre os companheiros, sendo suficiente para a suspensão da pensão militar a existência de filhos em comum entre a beneficiária e o seu provável companheiro, acrescida da comprovação de residência em comum por algum período de tempo (item 15 do Acórdão 7972/2017-2ªC), indícios esses presentes no caso em tela;

(...)

Em nova inquirição realizada pela Organização Militar, em 21/09/2021, foi ouvida Lenara dos Santos de Oliveira (evento 39, ANEXO2), que declarou que seu pai, Olinto, não era pai biológico de seu irmão Gerson, que o registrou como filho em 1980 porque era necessário para a matrícula na escola; que na sua infância morava com sua mãe, e não com o seu pai, não lembrando que ambos tenham convivido juntos em qualquer período da vida; que sua mãe nunca foi companheira de Olinto; que no cadastro do INSS, em procuração para advogado e reclamação trabalhista de Olinto, constam como endereços a Avenida Adelino Ferreira Jardim, nº 170, Bloco C, apartamento 01 e a Rua Professor Augusto Osvaldo Thisen, nº 265, porque Olinto ficou doente e sua mãe precisou fazer procuração para atender as demandas dele, colocando o seu próprio endereço; que nessa época Olinto residia na Rua da Represa, Bairro Partenon/Vila São José.

No mesmo dia 21/09/2021, a autora foi ouvida mais uma vez pela autoridade administrativa militar (evento 39, ANEXO3), declarando que o pai biológico de Gerson era outro homem, casado, e que em 1980 Olinto o registrou como seu filho para que este pudesse apresentar uma certidão na escola a fim de adquirir o benefícios concedidos a pessoas com baixa renda, pois ela mesma não podia fazer prova de sua renda, uma vez que trabalhava sem carteira assinada; que, quando Gerson nasceu, não conhecia Olinto, vindo a conhecê-lo por volta de 1978; que Olinto namorava a mãe da autora, que a gravidez da autora, em relação à sua filha Lenara, foi acidental; que Olinto pouco ajudou financeiramente na criação de Lenara e que contribuía conforme queria e podia.

Esses os fatos subjacentes à ação.

Passo à análise.

Com efeito, o Código Civil, em regulamentação do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, dispõe ser “reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição da família”.

A Lei n° 9.278/96, por sua vez, regulamentando o dispositivo constitucional supra referido, reconhece como “entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família”.

Feitas essas considerações preliminares, cumpre verificar se a relação mantida ajustava-se ao conceito de entidade familiar, tal como previsto na Lei n° 9.278/96.

No caso concreto, resta incontroverso que a autora e Olinto tiveram dois filhos, um nascido em 27/06/1970 (Gerson) e a outra nascida em 11/05/1984 (Lenara). Em que pese haja a alegação de que Gerson não era descendente biológico de Olinto, tal ponderação não restou sequer comprovada, salvo por alegações unilaterais da própria interessada.

Ademais, ao contrário do alegado, o registro das filiações de Gerson se deu em 01/07/1971, portanto um ano depois do seu nascimento e oito anos antes de a autora ter iniciado a percepção da pensão civil instituída por seu pai (falecido em 1979), conforme revela a certidão juntada ao evento 1, OUT7, p. 37; Lenara nasceu em 11/05/1984, de acordo com a declaração da própria, em oitiva realizada nos autos da sindicância (evento 1, OUT9, p. 8).

De qualquer forma, a tese de que eram apenas "amigos" fica rechaçada, especialmente quando há o fato incontroverso de que a filha Lenara é biológica de ambos. Outrossim, o argumento de que Olinto teria "adotado" Gerson também é mitigada quando, além de não comprovada, traz consigo a informação inequívoca de o registro ocorreu, como já dito, em 1971 - evento 1, OUT7, p. 37​, e não em 1980, como alegado na peça inicial. Tal lapso temporal, de apenas poucos meses, apenas confirma que Olinto e a demandante já tinham relação de confiança mútua em 1971 a ponto de terem tido um filho um ano antes ou, de no mínimo - o que se pondera apenas ad argumentandum tantum -, compartilharem voluntariamente a filiação com fins de compor algo típico de unidade familiar. A conclusão, aliás, resta ainda mais clara quando, mais de uma década após, em mais uma circunstância clássica de convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família, nasce uma segunda filha - dessa vez, confessadamente biológica. E tudo isso num contexto de cooperação mútua entre os companheiros e dos pais perante os filhos, o que evidencia a ideia de instituição familiar.

Não bastasse, com todo esse contexto narrado, verificou-se que a parte autora jamais fez questão de provar o alegado, através de juntada de documentos ou oitiva de testemunhas, sendo que tinha ciência de que havia uma presunção de legitimidade de ato administrativo pautada em elementos claros da omissão de informação decisiva para a concessão/manutenção do benefício.

Dito isso, resta bastante prejudicada a tese inicial de ausência de união estável, vez que, em suma, há dois filhos do casal, nascidos entre 1971 e 1984 (13 anos), o que denota provável tentativa de sonegação de informações relevantes quanto à relação efetiva da demandante e de Olinto, possivelmente para garantir a manutenção da pensão temporária ora discutida. Ora, não é crível que não tenha subsistido uma relação tal qual a de marido e mulher, na situação em que tiveram dois filhos num espaço de tempo tão relevante quanto são treze anos, afora as demais peculiaridades narradas, como ajudas mútuas durante muito tempo.

Aliás, por mais que haja eventual disparidade entre os endereços residenciais apontados no feito, o que já mostra estranheza em face dos locais serem muito perto (parte autora teria residido em dois endereços, Rua Professor Augusto Thiesen nº 285/205 e Avenina Adelino Ferreira Jardim nº 170/102, ao passo que os endereços encontrados como sendo de Olinto não existiriam, seja porque no condomínio da Rua Augusto Osvaldo Thiesen não existiria o apartamento 207, seja porque no condomínio da Avenida Adelino Ferreira Jardim nº 170 não existiria o apartamento 01, ou mesmo porque no condomínio da Avenida Adelino Ferreira Jardim nº 570 não existiria o apartamento D), tais pontos não militam em favor da autora, pois se pretendia não demonstrar a união estável, talvez não deixasse resquícios disso em provas documentais. Registro ainda que a própria existência de endereços diversos entre a autora e Olinto deve ser posta em dúvida, pois não há prova testemunhal convincente produzida a respeito, sendo muito conveniente a manutenção de endereços residenciais meramente formais, especialmente por conta da inevitável cessação em caso de cruzamento de dados.

Há alegação de que ​a autora "teria oferecido o seu endereço para receber notificações em nome de Olinto em período em que este teria ficado doente" - como relatado pela filha Lenara na inquirição de sindicância realizada em 21/09/2021 (evento 39, ANEXO3), o que também enfraquece a tese inicial, pois, ao contrário de justificar a ausência de relação conjugal, corrobora a tese da União, pois demonstra características típicas da relação equiparada à de marido e mulher.

Outrossim, ainda que união estável fosse superveniente, cabia à autora comunicar o ente pagador imediatamente a fim de noticiar a condição suspensiva implementada. No caso, por outro lado, o fato impeditivo era, inclusive, anterior ao pleito, de maneira que fica clara, ainda mais, a má-fé da parte requerente em sonegar a existência de um companheiro em seu requerimento administrativo.

Por fim, é irrelevante eventual retorno ao estado civil de solteira pelo encerramento da união estável ou do casamento, pois a lei não dispõe nesse sentido, não bastasse sequer viger atualmente.

Sobre eventual decadência, dispõe o art. 54 da lei 9.784/99:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (grifado)

Portanto, não deve ser aplicado o prazo supra, em razão da exceção acima destacada, a qual resta inafastável, por questões lógicas, a fim de guardar simetria com as razões acima expostas.

Sobre o ponto, convém destacar que se trata de pensão temporária, com condições suspensivas e possibilidade de revisão com fatos que se protraem no tempo, o que demonstra o acerto do ente público em investigar a existência de condições relevantes omitidas.

Dessa forma, a ação deve ser julgada improcedente.

(...)

A tais fundamentos, não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador, motivo pelo qual a sentença merece ser mantida.

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar medida cautelar em mandado de segurança coletivo (MS 34.677 MC/DF), impetrado pela Associação Nacional da Previdência e da Seguridade Social, envolvendo a execução do acórdão n.º 2.780/2016, do Plenário do Tribunal de Contas da União - o qual determinou a revisão de benefícios previdenciários de pensão por morte titularizados por filhas solteiras de servidores públicos civis, instituídas com base no artigo 5º, inciso II, § único, da Lei n.º 3.373/1958 -, manifestou-se, in verbis:

(...)

Feitas essas considerações, anoto que a concessão de medida liminar em mandado de segurança pressupõe o atendimento dos requisitos contidos no artigo 7º, III, da Lei 12.016/2009, quais sejam, a existência de fundamento relevante e a possibilidade de que a medida seja ineficaz caso se aguarde o julgamento definitivo do writ. A matéria em comento está adstrita à legalidade do ato do Tribunal de Contas da União que reputa necessária a comprovação de dependência econômica da pensionista filha solteira maior de 21 anos, para o reconhecimento do direito à manutenção de benefício de pensão por morte concedida sob a égide do art. 5º, II, parágrafo único, da Lei 3.373/58. Partindo dessa premissa, o TCU determinou a reanálise de pensões concedidas a mulheres que possuem outras fontes de renda, além do benefício decorrente do óbito de servidor público, do qual eram dependentes na época da concessão. Dentre as fontes de renda, incluem-se: renda advinda de relação de emprego, na iniciativa privada, de atividade empresarial, na condição de sócias ou representantes de pessoas jurídicas ou de benefícios do INSS; recebimento de pensão com fundamento na Lei 8.112/90, art. 217, I, alíneas a, b e c (pensão na qualidade de cônjuge de servidor); recebimento de pensão com fundamento na Lei 8.112/90, art. 217, inciso I, alíneas d e e (pais ou pessoa designada) e inciso II, alíneas a, c e d (filhos até 21 anos, irmão até 21 anos ou inválido ou pessoa designada até 21 anos ou inválida); a proveniente da ocupação de cargo público efetivo federal, estadual, distrital ou municipal ou aposentadoria pelo RPPS; ocupação de cargo em comissão ou de cargo em empresa pública ou sociedade de economia mista. Discute-se, portanto, se a dependência econômica em relação ao instituidor do benefício e do valor pago a título de pensão por morte encontra-se no rol de requisitos para a concessão e manutenção do benefício em questão. Inicialmente, assento a jurisprudência consolidada neste Supremo Tribunal Federal quanto à incidência, aos benefícios previdenciários, da lei em vigência ao tempo em que preenchidos os requisitos necessários à sua concessão. Trata-se da regra "tempus regit actum", a qual aplicada ao ato de concessão de pensão por morte significa dizer: a lei que rege a concessão do benefício de pensão por morte é a vigente na data do óbito do segurado. Neste sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. FISCAIS DE RENDA. PENSÃO POR MORTE. 1) A pensão por morte rege-se pela legislação em vigor na data do falecimento do segurado. Princípio da lei do tempo rege o ato (tempus regit actum). Precedentes. 2) Impossibilidade de análise de legislação local (Lei Complementar estadual n. 69/1990 e Lei estadual n. 3.189/1999). Súmula n. 280 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental ao qual se nega provimento" (ARE 763.761AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 10.12.2013)."Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Pensão por morte. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que o valor da pensão por morte deve observar o padrão previsto ao tempo do evento que enseja o benefício. Tempus regit actum. 3. Evento instituidor do benefício anterior à vigência da Emenda Constitucional 20/1998. Descabe emprestar eficácia retroativa à diretriz constitucional. 4. Agravo regimental a que se nega provimento" (ARE 717.077AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 12.12.2012).A tese foi assentada, inclusive, no julgamento do RE 597.389-RG-QO, sob a sistemática da repercussão geral.As pensões cujas revisões foram determinadas no Acórdão 2.780/2016 - Plenário - TCU, tiveram suas concessões amparadas na Lei 3.373/58, que dispunha sobre o Plano de Assistência ao Funcionário e sua Família (regulamentando os artigos 161 e 256 da Lei 1.711/1952, a qual, por sua vez, dispunha sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União), cujos artigos 3º e 5º tinham a seguinte redação:Art. 3º O Seguro Social obrigatório garante os seguintes benefícios: I - Pensão vitalícia; II - Pensão temporária; III - Pecúlio especial. (...) Art. 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado: I - Para percepção de pensão vitalícia: a) a espôsa, exceto a desquitada que não receba pensão de alimentos; b) o marido inválido; c) a mãe viúva ou sob dependência econômica preponderante do funcionário, ou pai inválido no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo; II - Para a percepção de pensões temporárias: a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez; b) o irmão, órfão de pai e sem padrasto, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido enquanto durar a invalidez, no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo, sem filhos nem enteados. Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente. Os requisitos para a concessão da pensão por morte aos filhos dos servidores públicos civis federais eram, portanto, serem menores de 21 (vinte e um anos) ou inválidos. Excepcionalmente, a filha que se mantivesse solteira após os 21 anos não deixaria de receber a pensão por morte, exceto se passasse a ocupar cargo público permanente. Não se exigiam outros requisitos como, por exemplo, a prova da dependência econômica da filha em relação ao instituidor ou ser a pensão sua única fonte de renda. De igual modo, não havia na lei hipótese de cessação da pensão calcada no exercício, pela pensionista, de outra atividade laborativa que lhe gerasse algum tipo de renda, à exceção de cargo público permanente. A superação da qualidade de beneficiário da pensão temporária ocorria, apenas, em relação aos filhos do sexo masculino após os 21 anos, quando da recuperação da capacidade laborativa pelo filho inválido, e, no que tange à filha maior de 21 anos, na hipótese de alteração do estado civil ou de posse em cargo público. A Lei 1.711/1952 e todas as que a regulamentavam, incluída a Lei 3.373/58, foram revogadas pela Lei 8.112/90, que dispôs sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, à luz na nova ordem constitucional inaugurada em 1988. Nesse novo estatuto a filha solteira maior de 21 anos não mais figura no rol de dependentes habilitados à pensão temporária. Atualmente, considerando as recentes reformas promovidas pela Lei 13.135/2015, somente podem ser beneficiários das pensões, cujos instituidores sejam servidores públicos civis, o cônjuge ou companheiro, os filhos menores de 21 anos, inválidos ou com deficiência mental ou intelectual, e os pais ou irmão que comprovem dependência econômica. Nesse contexto, as pensões cuja revisão suscita o Tribunal de Contas da União no Acórdão 2.780/2016 foram concedidas entre o início e o término de vigência da Lei 3.373/58, ou seja, de março de 1958 a dezembro de 1990. A respeito do prazo para a revisão do ato de concessão de benefícios previdenciários a servidor público ou a seus dependentes, a Lei 9.784/99 dispõe, no artigo 54, ser de cinco anos o prazo para a Administração anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários. Com efeito, pende de julgamento neste Supremo Tribunal Federal o tema em que se discute o termo inicial do prazo decadencial para revisar atos de pensão ou aposentadoria pelo Tribunal de Contas da União, se da concessão da aposentadoria/pensão ou se do julgamento pela Corte de Contas, em sede de repercussão geral no bojo de RE 636.553, pendente ainda o julgamento do mérito. No entanto, o Acórdão impugnado diz respeito a atos de concessão cuja origem são óbitos anteriores a dezembro de 1990, sendo muito provável que o prazo de cinco anos, contados da concessão ou do julgamento, já tenha expirado. De todo modo, não houve, no Acórdão do TCU, menção ao respeito ao prazo decadencial de revisão previsto no artigo 9.784/99, porquanto o entendimento lá sustentado diz respeito à possibilidade de revisão a qualquer tempo em que se modificarem as condições fáticas da dependência econômica. Haure-se, portanto, da leitura rasa da jurisprudência e da legislação acima citadas a seguinte conclusão: as pensões concedidas às filhas maiores sob a égide da Lei 3.373/58 que preenchiam os requisitos pertinentes ao estado civil e à não ocupação de cargo público de caráter permanente encontram-se consolidadas e somente podem ser alteradas, é dizer, cessadas, se um dos dois requisitos for superado, ou seja, se deixarem de ser solteiras ou se passarem a ocupar cargo público permanente. O Tribunal de Contas da União, contudo, não interpreta do mesmo modo a legislação e a jurisprudência transcritas acima e esclarece, no ato coator, ter havido uma "evolução na jurisprudência recente do TCU a respeito do tema". O TCU adotava a tese firmada no Poder Judiciário no sentido de que à pensão por morte aplica-se a lei vigente à época da concessão. Permitia, ainda, nos termos da Súmula 168, que a filha maior solteira que viesse a ocupar cargo público permanente na Administração Direta e Indireta optasse entre a pensão e a remuneração do cargo público, considerando a situação mais vantajosa. No entanto, em 2012, após consulta formulada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o que resultou na confecção do Acórdão 892/2012, o TCU alterou a interpretação sobre o tema "a partir da evolução social" e considerou revogar a Súmula 168, bem como reputar necessária a comprovação da dependência econômica das filhas em relação ao valor da pensão da qual são titulares. Para a Corte de Contas, "a dependência econômica constitui requisito cujo atendimento é indispensável tanto para a concessão da pensão quanto para a sua manutenção, ou seja, a eventual perda de tal dependência por parte da pensionista significará a extinção do direito à percepção do benefício em referência." Partindo dessa premissa, ou seja, de que para a obtenção e manutenção da pensão por morte é exigida a prova da dependência econômica, o TCU definiu ser incompatível com a manutenção desse benefício a percepção, pela pensionista, de outras fontes de renda, ainda que não decorrentes da ocupação de cargo público permanente. Editou, então, a Súmula 285, de seguinte teor: "A pensão da Lei 3.373/1958 somente é devida à filha solteira maior de 21 anos enquanto existir dependência econômica em relação ao instituidor da pensão, falecido antes do advento da Lei 8.112/1990." Ademais, foram fixadas diretrizes para a análise do novo requisito: "Se comprovado que o salário, pró-labore e/ou benefícios não são suficientes para a subsistência condigna da beneficiária, ela poderá acumular a economia própria com o benefício pensional. De outra forma, se a renda for bastante para a subsistência condigna, não há que se falar em habilitação ou na sua permanência como beneficiária da pensão." (eDOC 30, p. 8) Estabeleceu-se como parâmetro da análise de renda "condigna da beneficiária" o valor do teto dos benefícios do INSS. Entendo, no entanto, ao menos em análise própria do pedido cautelar, que os princípios da legalidade e da segurança jurídica não permitem a subsistência in totum da decisão do Tribunal de Contas da União contida no Acórdão 2.780/2016. A violação ao princípio da legalidade se dá pelo estabelecimento de requisitos para a concessão e manutenção de benefício cuja previsão em lei não se verifica. Ainda que a interpretação evolutiva do princípio da isonomia entre homens e mulheres após o advento da Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, I) inviabilize, em tese, a concessão de pensão às filhas mulheres dos servidores públicos, maiores e aptas ao trabalho, pois a presunção de incapacidade para a vida independente em favor das filhas dos servidores não mais se sustenta com o advento da nova ordem constitucional, as situações jurídicas já consolidadas sob a égide das constituições anteriores e do arcabouço legislativo que as regulamentavam não comportam interpretação retroativa à luz do atual sistema constitucional. Nesse sentido, embora o princípio da igualdade não tenha sido uma novidade na Constituição Federal de 1988, por já constar dos ideais revolucionários em 1879 e formalmente nas constituições brasileiras desde a do Império, de 1824, a sua previsão não se revelou suficiente para impedir a escravidão ou para impor o sufrágio universal, por exemplo, tampouco para extirpar do Código Civil de 1916 a condição de relativamente incapazes das mulheres casadas, o que somente ocorreu em 1962, com a Lei 4.121/62. Do escólio doutrinário de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, em comentários ao art. 5º, I, da CF/88, extrai-se o seguinte:"é preciso todavia reconhecer que o avanço jurídico conquistado pelas mulheres não corresponde muitas vezes a um real tratamento isonômico no que diz respeito à efetiva fruição de uma igualdade material. Isso a nosso ver é devido a duas razões fundamentais: as relações entre homens e mulheres obviamente se dão em todos os campos da atividade social, indo desde as relações de trabalho, na política, nas religiões e organizações em geral, até chegar ao recanto próprio do lar, onde homem e mulher se relacionam fundamentalmente sob a instituição do casamento. É bem de ver que, se é importante a estatuição de iguais direitos entre homem e mulher, é forçoso reconhecer que esta disposição só se aperfeiçoa e se torna eficaz na medida em que a própria cultura se altere." (Comentários à Constituição do Brasil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 18, grifos meus) Nesse contexto, revelava-se isonômico, quando da disciplina do estatuto jurídico do servidor público no ano de 1958, salvaguardar às filhas solteiras uma condição mínima de sobrevivência à falta dos pais. Essa situação não mais subsiste e soaria não só imoral, mas inconstitucional, uma nova lei de tal modo protetiva na sociedade concebida sob os preceitos de isonomia entre homens e mulheres insculpidos na atual ordem constitucional. No entanto, a interpretação evolutiva dada pelo Tribunal de Contas da União não pode ter o condão de modificar os atos constituídos sob a égide da legislação protetiva, cujos efeitos jurídicos não estão dissociados da análise do preenchimento dos requisitos legais à época da concessão, pois "não é lícito ao intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu" (RE 71.284, Rel. Min. Aliomar Baleeiro). Além disso, o teor da lei 3.373/58 e o histórico retro mencionado acerca da situação da mulher na sociedade pré Constituição de 1988, revela claramente a presunção de dependência econômica das filhas solteiras maiores de vinte e um anos, não se revelando razoável, exceto se houver dúvida no tocante à lisura da situação das requerentes no momento da solicitação da pensão (o que não se pode extrair das razões do ato impugnado), exigir que faça prova positiva da dependência financeira em relação ao servidor instituidor do benefício à época da concessão. Veja-se que a legislação de regência, quando previu, em relação a benefícios de caráter temporário, a possibilidade de "superação da qualidade de beneficiário", o fez expressamente. A Lei 3.373/58, por exemplo, estabelecia a manutenção da invalidez como "condição essencial" à percepção da pensão do filho ou do irmão inválido. De igual modo, a Lei 8.112/90, atual estatuto jurídico dos servidores públicos civis federais, no artigo 222, enumera de modo expresso as hipóteses para a "perda da qualidade de beneficiário": falecimento, anulação de casamento, cessação de invalidez ou afastamento de deficiência, acumulação de pensões, renúncia expressa ou, em relação ao cônjuge, o decurso dos prazos de que tratou a Lei 13.135/2015. Mesmo para os benefícios devidos aos pais e aos irmãos, que necessitam comprovar a dependência econômica para a concessão do benefício, a superação dessa condição não consta dentre as hipóteses de perda da qualidade de beneficiário. A respeito especificamente desse tema, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 234.543, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, expressamente considerou que a Lei 8.112/90 (art. 217, II, a, e 222, IV), ao revogar o benefício de pensão por morte à filha solteira maior de 21 anos, não poderia retroagir para atingir benefícios concedidos antes de sua vigência. Eis a ementa do julgado:ADMINISTRATIVO. FILHA DE EX-SERVIDOR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. PENSÃO TEMPORÁRIA. LEI 3.373/58. ALTERAÇÕES PELA LEI 8.112/90. DIREITO ADQUIRIDO. A garantia insculpida no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal impede que lei nova, ao instituir causa de extinção de benefício, não prevista na legislação anterior, retroaja para alcançar situação consolidada sob a égide da norma então em vigor. Conquanto tenha a Lei 8.112/90 alterado as hipóteses de concessão de pensão temporária, previstas na Lei 3.373/58, tais modificações não poderiam atingir benefícios concedidos antes de sua vigência. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 234.543, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 20/04/1999, DJ 06-08-1999 PP-00051 EMENT VOL-01957-14 PP-02953)Ademais, dizer que a pensão é temporária não significa suscitar a sua revisão a cada dia ou a cada mês para verificar se persistem os requisitos que ensejaram a sua concessão. Significa que esse tipo de benefício tem condições resolutivas pré-estabelecidas: para os filhos, o atingimento da idade de 21 anos; para os inválidos, a superação dessa condição; para as filhas maiores de 21 anos, a alteração do estado civil ou a ocupação de cargo público de caráter permanente. Assim, enquanto a titular da pensão permanece solteira e não ocupa cargo permanente, independentemente da análise da dependência econômica, porque não é condição essencial prevista em lei, tem ela incorporado ao seu patrimônio jurídico o direito à manutenção dos pagamentos da pensão concedida sob a égide de legislação então vigente, não podendo ser esse direito extirpado por legislação superveniente, que estipulou causa de extinção outrora não prevista. No mesmo sentido, o Plenário do STF, no julgamento do MS 22.604, de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, expressamente assenta a impossibilidade de reversão de pensão considerando o direito adquirido já consolidado: PENSÃO. DISPUTA ENTRE HERDEIRAS. APLICAÇÃO DA LEI Nº 6.782/80. ATO ADMINISTRATIVO DO TCU. FILHA SEPARADA APÓS O ÓBITO DO PAI. REVERSÃO DO BENEFÍCIO. DIREITO ADQUIRIDO. EXISTÊNCIA. 1. Filha viúva, divorciada ou desquitada equipara-se à filha solteira, se provada dependência econômica ao instituidor, à data da sucessão pensional. 2. Verificado o óbito desse quando da vigência da Lei nº 6.782/80, a filha solteira, enquanto menor, faz jus à pensão, perdendo-a ao se casar. 3. Quota-parte da pensão cabível àquela que se casou transferida para a outra. Impossibilidade da reversão tempos depois em face da consolidação do direito adquirido. Mandado de Segurança conhecido e deferido. (MS 22604, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 28/04/1998, DJ 08-10-1999 PP-00039 EMENT VOL-01966-01 PP-00032). Nesse contexto, viola, a piori, o princípio da legalidade o entendimento lançado no Acórdão 2.780/2016 no sentido de que qualquer fonte de renda que represente subsistência condigna seja apta a ensejar o cancelamento da pensão ou de outra fonte de rendimento das titulares de pensão concedida na forma da Lei 3.373/58 e mantida nos termos do parágrafo único do artigo 5º dessa lei. Em segundo lugar, o acórdão do TCU não subsiste a uma apreciação à luz do princípio da segurança jurídica. Como dito, a Lei 9.784/99 impõe prazo decadencial para a revisão, pela Administração, de atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis aos destinatários, salvo comprovada má-fé. Assim, ressalvados os casos em que as pensionistas deliberadamente violaram a lei, é dizer, usaram de má-fé para a obtenção ou manutenção do benefício previdenciário em questão, a revisão do ato de concessão há de observar o prazo decadencial previsto na Lei 9.784/99, pois o STF, no julgamento do RE 626.489, sob a sistemática da repercussão geral, assentou entendimento segundo o qual, com base na segurança jurídica e no equilíbrio financeiro e atuarial, não podem ser eternizados os litígios. A exceção à prova de má-fé não consta do Acórdão 2.780/2016, porque a interpretação que deu o TCU à manutenção das pensões temporárias é a de que elas podem ser revogadas a qualquer tempo, constatada a insubsistência dos requisitos que ensejaram a sua concessão, especialmente a dependência econômica, a qual, para o TCU, não é presumida. Por derradeiro, observo que um dos principais fundamentos do Acórdão 2.780/2016 é a "evolução interpretativa" realizada pelo TCU à luz da nova ordem constitucional, a permitir que se exija a comprovação da dependência econômica da pensionista em relação ao valor percebido. Veja-se que a nova interpretação resultou inclusive na revogação de Súmula do TCU que tratava da acumulação da pensão com cargo público. Ainda que fosse admissível a exigibilidade da dependência econômica como condição para a manutenção da pensão em debate nestes autos, a aplicação da inovação interpretativa aos atos já consolidados encontra óbice no inciso XIII do parágrafo único do artigo 2º da Lei 9.784/99, o qual veda a aplicação retroativa de nova interpretação na análise de processos administrativos. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a necessidade de se conferir efeitos ex nunc às decisões administrativas que modificam posicionamentos anteriores, a fim de dar segurança jurídica a atos já consolidados e até mesmo para evitar que justificativas como "orçamento público" sejam utilizadas para rever atos dos quais decorram efeitos financeiros favoráveis ao beneficiário. Precedente: AO 1.656, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 10.10.2014. Ante todo o exposto, considero, a priori, plausíveis de serem revistos apenas os atos de concessão de pensões por morte cujas titulares deixaram de se enquadrar na previsão legal vigente na época do preenchimento dos requisitos legais, ou seja, é possível a revisão das pensões cujas titulares ocupem cargo público de caráter permanente ou recebam outros benefícios decorrentes da alteração do estado civil, como a pensão prevista no art. 217, inciso I, alíneas a, b e c, Lei 8.112/90, ou a pensão prevista no art. 74 c/c art. 16, I, ambos da Lei 8.213/91, ou seja, pensões por morte de cônjuges. Assentadas essas premissas, há plausibilidade jurídica no pedido formulado, no sentido de que, reconhecida a qualidade de dependente na filha solteira maior de vinte e um anos em relação ao instituidor da pensão e não se verificando a superação das condições essenciais previstas em lei, a pensão é, prima facie, devida e deve ser mantida. Ademais, tratando-se de verba de natureza alimentar, tenho como presente a possibilidade de que a demora na concessão do provimento possa resultar na sua ineficácia, já que a revisão do ato de concessão da pensão, nos moldes como determinada pelo TCU no ato impugnado, poderá resultar na cessação de uma das fontes de renda recebidas pela Impetrante. Com essas considerações, havendo fundamento relevante e risco de ineficácia da medida, defiro parcialmente o pedido de liminar, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/2009, para suspender, em parte, os efeitos do Acórdão 2.780/2016 em relação às pensionistas associadas à Impetrante até o julgamento definitivo deste mandado de segurança, mantendo-se a possibilidade de revisão em relação às pensões cujas titulares ocupem cargo público de caráter permanente ou recebam outros benefícios decorrentes da alteração do estado civil, como a pensão prevista no art. 217, inciso I, alíneas a, b e c, da Lei 8.112/90, ou a pensão prevista no art. 74 c/c art. 16, I, ambos da Lei 8.213/91, ou seja, pensões por morte de cônjuges. (...) (grifei)

Esse posicionamento foi reafirmado no bojo do mandado de segurança n.º 34.873-AgR, apreciado por aquela e. Corte (STF, 2ª Turma, MS 34.873 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 14.12.2018).

No tocante ao cancelamento de pensão por morte, concedida a filha solteira (Lei n.º 3.373/1958) que constituiu união estável, após a concessão do benefício, trago à colação precedente do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. LEI 3.373/1958. FILHA SOLTEIRA. CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO. IMPETRAÇÃO DE WRIT. INDEFERIMENTO DA INICIAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CONTROVÉRSIA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. APLICAÇÃO DA CAUSA MADURA. LEGALIDADE DO CANCELAMENTO DA PENSÃO POR MORTE À FILHA SOLTEIRA. IMPLEMENTO DE CONDIÇÃO RESOLUTIVA. EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL AO CASAMENTO PARA TODOS OS EFEITOS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado contra ato administrativo da Diretora de Foro da Justiça Federal do Rio Grande do Sul que determinou o cancelamento de pensão por morte deferida com base na Lei 3.373/1958, sob o fundamento de que a ora recorrente não cumpre um dos requisitos necessários à manutenção de benefício, qual seja o estado civil de solteira, porque constitui união estável. 2. O writ foi liminarmente indeferido sob o fundamento de que a via eleita seria inadequada, ante a necessidade de dilação probatória quanto ao estado civil da impetrante e a apuração de sua má-fé para fins de decadência da revisão do benefício. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA 3. No caso dos autos, não há necessidade de dilação probatória, porquanto o cerne da controvérsia é saber se a constituição de união estável posteriormente à concessão do benefício autoriza ou não o cancelamento da pensão temporária à filha solteira deferida com base na citada Lei 3.373/1958. APLICAÇÃO DA CAUSA MADURA - ART. 1.027, § 2º, DO CPC/2015 - INEXISTÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS 4. Como o presente recurso foi interposto na vigência do CPC/2015 e a recorrente pugna pelo seu provimento para que seja ordenada a suspensão do ato coator com o restabelecimento da pensão, aplica-se ao caso a teoria da causa madura, nos termos do art. 1.027, § 2º, da citada codificação. 5. Cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de substituição de um julgado extintivo, sem julgamento de mérito, por outro com julgamento de mérito, igualmente desfavorável, sem que tal represente reforma em prejuízo contra o recorrente. Isso porque se reconhece que o julgamento de mérito que a Corte superior faz, em tal oportunidade, é o mesmo que faria se mandasse o processo de volta ao órgão julgador a quo, onde receberia julgado de mérito com posterior remessa a este Tribunal Superior. Além disso se entende que, ao se insurgir contra a sentença terminativa, o recorrente tem ciência do risco de seu apelo ter seu mérito julgado desfavoravelmente, de modo que a piora substancial que se impuser ao recorrente é inerente ao sistema. Tendo ele conhecimento das regras, não há infração ao devido processo legal. Precedentes: AgRg no REsp 704.218/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 18/3/2011; REsp 859.595/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14/10/2008, e AgRg no Ag 867.885/MG, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, DJ 22/10/2007, p. 297. PENSÃO POR MORTE DA FILHA SOLTEIRA - LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA - ART. 5º DA LEI 3.3721958 6. Como é sabido, os benefícios previdenciários regulam-se pela lei vigente ao tempo em que preenchidos os requisitos para sua concessão, conforme a regra do tempus regit actum, e como pacificado no RE 597.389/SP, submetido ao regime da repercussão geral. 7. Em 23.3.1982 a impetrante, então solteira, completou 21 anos. No caso da pensão por morte, a norma que rege seu deferimento é aquela vigente na data do óbito, o qual, no caso em exame, ocorreu em 18/6/1978.
8. Na hipótese dos autos, o benefício foi obtido com base na Lei 3.372/1958, cujo art. 5º dispunha: "Art 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado: (...) II - Para a percepção de pensões temporárias: a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez; b) o irmão, órfão de pai e sem padrasto, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido enquanto durar a invalidez, no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo, sem filhos nem enteados. Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente." 9. Depreende-se do parágrafo único do citado artigo que o benefício da pensão por morte à filha solteira é temporário, embora possa prolongar-se, indefinidamente, até a morte da beneficiária, bastando que a filha mulher cumpra as duas condições nele descritas. 10. A Lei 8.112/1990 deixou de prever a concessão de pensão temporária a filha maior e solteira e determinou a cessão do benefício aos 21 (vinte e anos). Entretanto, diante do direito adquirido e do princípio tempus regit actum deve ser mantido o pagamento dos benefícios anteriormente concedidos, desde que seus beneficiários continuem preenchendo os requisitos com base na legislação em vigor à época do óbito. Portanto, as pensões concedidas às filhas maiores sob a égide da Lei 3.373/1958 que atenderam aos requisitos relativos ao estado civil e à não ocupação de cargo público de caráter permanente encontram-se consolidadas e somente podem ser cassadas e cessadas se um dos dois requisitos for superado, ou seja, se deixarem de ser solteiras ou se passarem a ocupar cargo público permanente. 11. Em outras palavras, como bem destacado pelo acórdão recorrido, significa que tal benefício tem como condições resolutivas: a) a alteração do estado civil ou b) a ocupação de cargo público de caráter permanente. Destarte, enquanto a titular da pensão permanecer solteira e não ocupar cargo permanente, ela tem incorporado ao seu patrimônio jurídico o direito à manutenção dos pagamentos da pensão concedida sob a égide de legislação então vigente, não podendo ser esse direito extirpado por norma superveniente, que prevê causa de extinção outrora não estabelecida. 12. Não obstante o art. 5º da Lei 3.373/1958 não estipular a união estável como condição para a perda da pensão temporária pela filha maior de 21 anos, até porque à época da citada norma o referido instituto não era reconhecido, sua equiparação ao casamento feita pelo art. 226, § 3º, da Constituição Federal não deixa dúvidas de que a constituição de tal entidade familiar altera o estado civil da beneficiária, fazendo com que ela perca o direito ao benefício. EQUIPARAÇÃO ENTRE O CASAMENTO E A UNIÃO ESTÁVEL QUANTO AOS EFEITOS JURÍDICOS, PESSOAIS E PATRIMONIAIS 13. O art. 226, § 3º, da CF/1988, ao conferir proteção à união estável, visou igualar os direitos entre ela e o casamento, sendo descabido que essa proteção garanta à tal forma de família direitos não previstos para o casamento. Estando os companheiros e os cônjuges em igualdade de condições, não se pode conceder mais direitos ao primeiro do que ao último. Não há como conceber que as pessoas em união estável utilizem a legislação somente em benefício próprio, apenas nos aspectos em que a situação de convivência gere direitos e furtando-se aos seus efeitos quando os exclua. Da mesma forma que há violação ao princípio da isonomia o não reconhecimento de direito à união estável, afronta o referido princípio acatar o direito à pensão às mulheres que estejam nessa composição familiar, mas não às que estejam casadas. 14. Com o reconhecimento da união estável pelo constituinte originário e pelo sistema jurídico pátrio, a jurisprudência tem admitido sua equiparação ao casamento quanto a todos os efeitos jurídicos, pessoais e patrimoniais, e mesmo no que concerne à modificação do estado civil de solteira. A propósito: REsp 1.516.599/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 2/10/2017; REsp 1.617.636/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 3/9/2019) INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE DO CANCELAMENTO DE PENSÃO POR MORTE EM VIRTUDE DA EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL - INSTITUTO QUE SE EQUIPARA AO CASAMENTO IMPLEMENTO DE CONDIÇÃO RESOLUTIVA 15. No caso em exame não se trata de estabelecer requisito não previsto na legislação de regência para perpetuação de benefício, nem de retroagir nova interpretação para modificar ato jurídico consolidado, mas sim de reconhecer o implemento de condição resolutiva pré-estabelecida já prevista pela Lei 3.373/1998: a manutenção da condição de solteira. Portanto, descabido o argumento de que existe violação a direito adquirido e inobservância do prazo de cinco anos para a Administração rever os atos de que decorram efeitos favoráveis aos seus destinatários. 16. Na hipótese analisada, uma das condições para a manutenção da pensão concedida com base no art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/1998 - que é a continuação da qualidade de solteira - não mais se verifica, porquanto consta dos autos que foi apurado em processo administrativo que a Impetrante contraiu união estável. Portanto, está implementada a condição resolutiva, já que o primeiro requisito essencial à manutenção de benefício da impetrante, qual seja, a qualidade de filha solteira, foi superado. CONCLUSÃO 17. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido para afastar a inadequação da via eleita e, no mérito, denegar a segurança.
(STJ, 2ª Turma, RMS 59.709/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 19/05/2020, DJe 25/06/2020 - grifei)

Com efeito, a concessão de pensão temporária sujeita-se a "condição resolutiva", ou seja, diante da ocorrência de fato que afaste o implemento de qualquer um dos requisitos legais para a manutenção do benefício, é legítima a revisão administrativa, não havendo se falar em ato jurídico perfeito e imutável.

Delineados os contornos da lide, forçoso concluir que a orientação, firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas (tema n.º 445), não ampara o reconhecimento da decadência do direito da Administração de revisar seus atos, uma vez que (1) a concessão de pensão por morte a filha solteira, maior e capaz, é temporária e está sujeita a condição resolutiva, e (2) por conta de apuração realizada pelo Tribunal de Contas da União em 2018, o Chefe da Seção do Serviço de Inativos e Pensionistas da 3ª Região Militar considerou que a pensionista deixara de ter direito à pensão civil, por perda da dependência econômica em relação ao pai, devido à superveniência da pensão militar instituída pelo filho e em razão da união estável que havia constituído com Olinto Azambuja de Oliveira, não tendo decorridos mais de cinco anos desde então .

Ilustra esse entendimento:

MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. FILHA MAIOR E SOLTEIRA. UNIÃO ESTÁVEL. REVISÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL DA CONTAGEM. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO INDEVIDO. A manutenção do pagamento de pensão por morte destinada à filha solteira, concedida na vigência da Lei nº 3.373/58, tem caráter temporário e pode ser revista pela Administração. O termo inicial da decadência deve ser a data em que a Administração teve ciência de que a beneficiária mantinha união estável com companheiro. Não transcorrido o prazo de 5 anos entre a ciência e a notificação administrativa, inocorreu a decadência do direito de revisão. Embora não tenha contraído matrimônio, a pensão concedida à filha solteira deve cessar com a existência de união estável, visto que a Constituição Federal a equipara ao instituto do casamento, forte no art. 226, §3º, da CF. É ilegal, portanto, a manutenção do recebimento da pensão por morte, concedida com fundamento na Lei nº 3.373/58, por filha maior de 21 anos que estabelece união estável, cabendo à Administração Pública, em virtude de seu poder/dever de autotutela, proceder à revisão do benefício. (TRF4, 3ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5016638-94.2017.4.04.7205, Relatora Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 15/03/2019 - grifei)

Conquanto a união estável não conste, no artigo 5º da Lei n.º 3.373/1958, como causa para perda de pensão temporária pela filha maior de 21 anos - até porque, à época da elaboração da norma, o referido instituto não era reconhecido -, sua equiparação ao casamento é realizada pelo artigo 226, § 3º, da Constituição Federal.

Outrossim, a coabitação não constitui elemento essencial à configuração de união estável (artigo 1.723 do Código Civil).

Observe-se que a irresignação da autora centra-se na afirmação de que não vive e nunca viveu em união estável com Olinto Azambuja de Oliveira, com o qual teria mantido um relacionamento casual, e, Diante da falta de provas concretas, resta cristalino que a apelante sempre preencheu o requisito de “permanecer solteira”, pois nunca manteve relação caracterizada como “convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família”, exigidos pelo art. 1.723, do Código Civil, para o reconhecimento da união estável.

Não obstante, elementos probatórios suficientes que evidenciam a existência de uma convivência pública, contínua e duradoura, como já ressaltado na sentença:

(...)

No caso concreto, os elementos considerados pelo Tribunal de Contas da União como indiciários da existência de união estável entre a parte autora e Olinto Azambuja de Oliveira foram a existência de endereços coincidentes entre a pensionista e o possível companheiro, no período de 2016 a 2018, e a existência de filhos em comum entre ambos, conforme item 15 do Acórdão 7972/2017-2ªC ​(evento 1, OUT7, p. 10/11).

Na sindicância instaurada pelo 3º Comando Militar do Exército, diligências foram adotadas para apuração dos indícios levantados, quando colhidos os seguintes documentos e informações:

(i) certidões de nascimento e de óbito de Gerson Roberto dos Santos Oliveira indicando ser filho da autora e de Olinto Azambuja de Oliveira (evento 1, OUT7, p. 37 e 38) - Gerson Roberto nasceu em 27/06/1970, e a certidão de nascimento foi registrada em 01/07/1971;

(ii) escritura pública indicando que, em 29/08/2008, o endereço da autora situava-se na Rua Professor Augusto Thiesen nº 285, apartamento 205, Núcleo 14 C-2, Bairro Rubem Berta, Porto Alegre/RS, mesmo endereço de sua filha Lenara Santos de Oliveira (evento 1, OUT7, p. 39/40);

(iii) ficha cadastral da parte autora junto à 3ª Região Militar indicando que, em 24/10/2019 (data da consulta do cadastro) seu endereço situava-se na Avenida Adelino Ferreira Jardim, nº 170, Bloco C, apartamento 102, Bairro Rubem Berta, Porto Alegre/RS (evento 1, OUT7, p. 41), o mesmo endereço indicado na fatura de energia elétrica de 15/08/2019 (evento 1, OUT8, p. 15).

(iv) resumo de atendimento ambulatorial da autora, realizado em 07/11/2019, indicando o endereço de sua filha, Lenara, situado na Rua Sr. Sinval Saldanha, nº 296, Porto Alegre/RS (evento 1, OUT8, p. 16);

(v) informações prestadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social indicando dois registros distintos de endereço de Olinto Azambuja de Oliveira - sem especificação do período de tempo de cada residência -, como situado na Rua Adelino Ferreira Jardim, nº 170, Bloco C, apartamento 01, Bairro Rubem Berta, CEP 91250-310, Porto Alegre/RS, associado ao benefício nº 42/131.487.487.747-7, e Rua Professor Augusto Osvaldo Thiesen, nº 265, Bloco B, apartamento 207, Bairro Rubem Berta, CEP 91250-340, registrado no CNIS (evento 1, OUT8, p. 18);

(vi) porém, em diligência realizada em novembro de 2019 para a procura pessoal de Olinto, este não foi encontrado em qualquer um dos dois endereços informados pela autarquia previdenciária (evento 1, OUT8, p. 19/20);

(vii) em nova oitiva no procedimento de sindicância, a parte autora confirmou que sua segunda filha, Lenara Santos de Oliveira, também é filha de Olinto, nascida em 11/05/1984, e que o pai contribuía para a manutenção da filha, sem valor fixo, justamente para evitar a judicialização da pensão alimentícia. Quanto ao filho Gerson, a autora declarou que Olinto não é seu pai biológico, mas assumiu a sua paternidade quando ele tinha 8 anos de idade, apenas para a finalidade de que a criança viesse a ter benefícios sociais mediante a comprovação da baixa renda de Olinto, uma vez que a autora não tinha como comprovar a sua renda (evento 1, OUT9, p. 8);

(viii) na referida oitiva, a parte autora declarou que se mudara em 2016 para o endereço na Avenida Adelino Ferreira Jardim, nº 170, apartamento 102, Bloco C, Bairro Rubem Berta, dizendo não ter conhecimento de por que Olinto havia declarado que residira também em "apartamento ao lado" do da demandante. Que, quando se mudara para lá, era um casal que morava no apartamento 101 (evento 1, OUT9, p. 8/9);

(ix) cópia de ação trabalhista ajuizada em 18/01/2019 por Olinto indicando como seu endereço a Rua Adelino Ferreira Jardim, nº 570, apartamento D, Bairro Rubem Berta, Porto Alegre/RS (evento 1, OUT9, p. 16 a 23), e cópia da procuração outorgada ao seu advogado em 19/12/2018 indicando como seu endereço a ​Rua Professor Augusto Thiesen nº 265, Bloco B, apartamento 207, Bairro Rubem Berta (evento 1, OUT9, p. 14);

(x) porém, em diligência realizada em abril de 2020 para a procura pessoal de Olinto, este não foi encontrado em qualquer um dos dois endereços informados na aludida ação judicial/procuração, que foram, na verdade, constatados como inexistentes (evento 1, OUT9, p. 45).

No relatório de sindicância, o militar Sindicante deu parecer concluindo que "Apesar de não ser possível comprovar que habitaram o mesmo teto, a existência de dois filhos, GERSON e LENARA, da Srª NORA JANISSE DOS SANTOS com o Sr. OLINTO AZAMBUJA DE OLIVEIRA, denota a existência de um vínculo de união estável, em pelo menos algum espaço de tempo posterior à habilitação como pensionista do Sr. OSVALDO DOS SANTOS. (...) Sou do parecer que houve a existência de um vínculo de união estável, em pelo menos algum espaço de tempo posterior à habilitação como pensionista do Sr OSVALDO DOS SANTOS, entre a Srª NORA JANISSE DOS SANTOS e o Sr OLINTO AZAMBUJA DE OLIVEIRA, fato que se equipara ao casamento, de acordo com jurisprudência pacificada no TCU (item 16 do Acórdão 7972/2017-2ºC), contrariando declaração que apresenta anualmente, havendo ao erário" (evento 1, OUT10, p. 5/6).

Na solução de sindicância, como já inicialmente adiantado, referido parecer foi acolhido em relação à caracterização da união estável, com base nos seguintes fundamentos (evento 1, OUT10, p. 13 a 17):

(...)

b. Da investigação realizada pelo Sindicante extrai-se que a Sindicada Sra. NORA JANISSE DOS SANTOS e seu companheiro, Sr. OLINTO AZAMBUJA DE OLIVEIRA, viveram em união estável pelo período mínimo de 14 (catorze) anos de relacionamento compreendido entre os anos de 1970 e 1984, neste interregno os envolvidos tiveram 2 (dois) filhos, conforme certidão juntada e declaração da Sindicada durante a inquirição (fl. 107), formando assim uma família;

c. O fato do casal não ter formalizado a união estável não retira o caráter de entidade familiar, constituído por ambos, uma vez que esta é constituía pelo "animus" do casal na época em constituir família, o que fizeram, pois no interregno de 14 anos geraram dois filhos (Gerson Roberto dos Santos Oliveira e Lenara Santos de Oliveira), portanto, tiveram uma convivência pública, contínua e duradoura;

d. Contribuindo com esse entendimento tem-se a jurisprudência pacífica do Tribunal de Contas da União que para a configuração de união estável não há a necessidade de contrato formal reduzido a termo entre os companheiros, sendo suficiente para a suspensão da pensão militar a existência de filhos em comum entre a beneficiária e o seu provável companheiro, acrescida da comprovação de residência em comum por algum período de tempo (item 15 do Acórdão 7972/2017-2ªC), indícios esses presentes no caso em tela;

(...)

Em nova inquirição realizada pela Organização Militar, em 21/09/2021, foi ouvida Lenara dos Santos de Oliveira (evento 39, ANEXO2), que declarou que seu pai, Olinto, não era pai biológico de seu irmão Gerson, que o registrou como filho em 1980 porque era necessário para a matrícula na escola; que na sua infância morava com sua mãe, e não com o seu pai, não lembrando que ambos tenham convivido juntos em qualquer período da vida; que sua mãe nunca foi companheira de Olinto; que no cadastro do INSS, em procuração para advogado e reclamação trabalhista de Olinto, constam como endereços a Avenida Adelino Ferreira Jardim, nº 170, Bloco C, apartamento 01 e a Rua Professor Augusto Osvaldo Thisen, nº 265, porque Olinto ficou doente e sua mãe precisou fazer procuração para atender as demandas dele, colocando o seu próprio endereço; que nessa época Olinto residia na Rua da Represa, Bairro Partenon/Vila São José.

No mesmo dia 21/09/2021, a autora foi ouvida mais uma vez pela autoridade administrativa militar (evento 39, ANEXO3), declarando que o pai biológico de Gerson era outro homem, casado, e que em 1980 Olinto o registrou como seu filho para que este pudesse apresentar uma certidão na escola a fim de adquirir o benefícios concedidos a pessoas com baixa renda, pois ela mesma não podia fazer prova de sua renda, uma vez que trabalhava sem carteira assinada; que, quando Gerson nasceu, não conhecia Olinto, vindo a conhecê-lo por volta de 1978; que Olinto namorava a mãe da autora, que a gravidez da autora, em relação à sua filha Lenara, foi acidental; que Olinto pouco ajudou financeiramente na criação de Lenara e que contribuía conforme queria e podia.

Esses os fatos subjacentes à ação.

Passo à análise.

Com efeito, o Código Civil, em regulamentação do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, dispõe ser “reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição da família”.

A Lei n° 9.278/96, por sua vez, regulamentando o dispositivo constitucional supra referido, reconhece como “entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família”.

Feitas essas considerações preliminares, cumpre verificar se a relação mantida ajustava-se ao conceito de entidade familiar, tal como previsto na Lei n° 9.278/96.

No caso concreto, resta incontroverso que a autora e Olinto tiveram dois filhos, um nascido em 27/06/1970 (Gerson) e a outra nascida em 11/05/1984 (Lenara). Em que pese haja a alegação de que Gerson não era descendente biológico de Olinto, tal ponderação não restou sequer comprovada, salvo por alegações unilaterais da própria interessada.

Ademais, ao contrário do alegado, o registro das filiações de Gerson se deu em 01/07/1971, portanto um ano depois do seu nascimento e oito anos antes de a autora ter iniciado a percepção da pensão civil instituída por seu pai (falecido em 1979), conforme revela a certidão juntada ao evento 1, OUT7, p. 37; Lenara nasceu em 11/05/1984, de acordo com a declaração da própria, em oitiva realizada nos autos da sindicância (evento 1, OUT9, p. 8).

De qualquer forma, a tese de que eram apenas "amigos" fica rechaçada, especialmente quando há o fato incontroverso de que a filha Lenara é biológica de ambos. Outrossim, o argumento de que Olinto teria "adotado" Gerson também é mitigada quando, além de não comprovada, traz consigo a informação inequívoca de o registro ocorreu, como já dito, em 1971 - evento 1, OUT7, p. 37​, e não em 1980, como alegado na peça inicial. Tal lapso temporal, de apenas poucos meses, apenas confirma que Olinto e a demandante já tinham relação de confiança mútua em 1971 a ponto de terem tido um filho um ano antes ou, de no mínimo - o que se pondera apenas ad argumentandum tantum -, compartilharem voluntariamente a filiação com fins de compor algo típico de unidade familiar. A conclusão, aliás, resta ainda mais clara quando, mais de uma década após, em mais uma circunstância clássica de convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família, nasce uma segunda filha - dessa vez, confessadamente biológica. E tudo isso num contexto de cooperação mútua entre os companheiros e dos pais perante os filhos, o que evidencia a ideia de instituição familiar.

Não bastasse, com todo esse contexto narrado, verificou-se que a parte autora jamais fez questão de provar o alegado, através de juntada de documentos ou oitiva de testemunhas, sendo que tinha ciência de que havia uma presunção de legitimidade de ato administrativo pautada em elementos claros da omissão de informação decisiva para a concessão/manutenção do benefício.

Dito isso, resta bastante prejudicada a tese inicial de ausência de união estável, vez que, em suma, há dois filhos do casal, nascidos entre 1971 e 1984 (13 anos), o que denota provável tentativa de sonegação de informações relevantes quanto à relação efetiva da demandante e de Olinto, possivelmente para garantir a manutenção da pensão temporária ora discutida. Ora, não é crível que não tenha subsistido uma relação tal qual a de marido e mulher, na situação em que tiveram dois filhos num espaço de tempo tão relevante quanto são treze anos, afora as demais peculiaridades narradas, como ajudas mútuas durante muito tempo.

Aliás, por mais que haja eventual disparidade entre os endereços residenciais apontados no feito, o que já mostra estranheza em face dos locais serem muito perto (parte autora teria residido em dois endereços, Rua Professor Augusto Thiesen nº 285/205 e Avenina Adelino Ferreira Jardim nº 170/102, ao passo que os endereços encontrados como sendo de Olinto não existiriam, seja porque no condomínio da Rua Augusto Osvaldo Thiesen não existiria o apartamento 207, seja porque no condomínio da Avenida Adelino Ferreira Jardim nº 170 não existiria o apartamento 01, ou mesmo porque no condomínio da Avenida Adelino Ferreira Jardim nº 570 não existiria o apartamento D), tais pontos não militam em favor da autora, pois se pretendia não demonstrar a união estável, talvez não deixasse resquícios disso em provas documentais. Registro ainda que a própria existência de endereços diversos entre a autora e Olinto deve ser posta em dúvida, pois não há prova testemunhal convincente produzida a respeito, sendo muito conveniente a manutenção de endereços residenciais meramente formais, especialmente por conta da inevitável cessação em caso de cruzamento de dados.

Há alegação de que ​a autora "teria oferecido o seu endereço para receber notificações em nome de Olinto em período em que este teria ficado doente" - como relatado pela filha Lenara na inquirição de sindicância realizada em 21/09/2021 (evento 39, ANEXO3), o que também enfraquece a tese inicial, pois, ao contrário de justificar a ausência de relação conjugal, corrobora a tese da União, pois demonstra características típicas da relação equiparada à de marido e mulher.

Outrossim, ainda que união estável fosse superveniente, cabia à autora comunicar o ente pagador imediatamente a fim de noticiar a condição suspensiva implementada. No caso, por outro lado, o fato impeditivo era, inclusive, anterior ao pleito, de maneira que fica clara, ainda mais, a má-fé da parte requerente em sonegar a existência de um companheiro em seu requerimento administrativo.

Por fim, é irrelevante eventual retorno ao estado civil de solteira pelo encerramento da união estável ou do casamento, pois a lei não dispõe nesse sentido, não bastasse sequer viger atualmente.

(...)

Destarte, irretocável a sentença.

Caso exista nos autos prévia fixação de honorários advocatícios pela instância de origem, impõe-se sua majoração em desfavor da autora no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor já arbitrado, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, bem como eventual concessão da gratuidade da justiça.

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004545462v10 e do código CRC a637b821.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5047660-58.2021.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: NORA JANISSE DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO(A): TOMLYTA LUZ VELASQUEZ DOS SANTOS (OAB RS107369)

ADVOGADO(A): DANIEL GOULART DA SILVA (OAB RS080168)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. LEI n.º 3.373/1958. PENSÃO POR MORTE. FILHA SOLTEIRA NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO PERMANENTE. UNIÃO ESTÁVEL. DECADÊNCIA.

1. O benefício de pensão por morte à filha solteira é temporário e sujeita-se a condições resolutivas relativas à (1.1) alteração de estado civil e (1.2) ocupação de cargo público de caráter permanente.

2. A orientação, firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas (tema n.º 445), não ampara o reconhecimento da decadência do direito da Administração de revisar seus atos, uma vez que (2.1) a concessão de pensão por morte a filha solteira, maior e capaz, é temporária e está sujeita a condição resolutiva, e (2.2) o termo inicial do prazo decadencial é o momento em que a Administração toma conhecimento da perda da condição de solteira da pensionista.

3. Conquanto a união estável não conste, no artigo 5º da Lei n.º 3.373/1958, como causa para perda de pensão temporária pela filha maior de 21 anos - até porque, à época da elaboração da norma, o referido instituto não era reconhecido -, sua equiparação ao casamento é realizada pelo artigo 226, § 3º, da Constituição Federal.

4. A coabitação não constitui elemento essencial à configuração de união estável (artigo 1.723 do Código Civil).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de julho de 2024.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004545463v3 e do código CRC 56fa0611.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/07/2024 A 17/07/2024

Apelação Cível Nº 5047660-58.2021.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE: NORA JANISSE DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO(A): TOMLYTA LUZ VELASQUEZ DOS SANTOS (OAB RS107369)

ADVOGADO(A): DANIEL GOULART DA SILVA (OAB RS080168)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/07/2024, às 00:00, a 17/07/2024, às 16:00, na sequência 105, disponibilizada no DE de 28/06/2024.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



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