Apelação Cível Nº 5000494-48.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: LIZANE LAURA CHIELE (IMPETRANTE)
ADVOGADO: DÉCIO DANILO D AGOSTINI JÚNIOR
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de Mandado de Segurança objetivando a liberação de parcelas de seguro-desemprego, que tiveram seu adimplemento indeferido na via administrativa, por motivo de outro emprego. Aduziu que manteve vínculo empregatício com a empresa JSL REFEIÇÕES EIRELLI - ME, no período de 01.07.2015 a 11.09.2016, e com a empresa CANTINA SANTO SABOR LTDA, de 05.09.2016 a 02.12.2016, alegando que ambas pertencem ao mesmo grupo econômico, denominado Sabor Boulevard, e forneciam refeições coletivas para a empresa TNT/Mercúrio, naquela cidade. Que formulou requerimento administrativo em 08.12.2016, após o último contrato de trabalho.
A sentença denegou a segurança postulada, resolvendo o mérito da causa, nos termos do art. 487, I, do Código de processo Civil, ao fundamento de que não há como reputar ilegal ou incorreto o indeferimento administrativo, pois a própria impetrante reconhece que não ficou desempregada em 11.09.2016, constando de sua CTPS que já havia sido admitida por outra empresa, a contar de 05.09.2016.
Irresignada, apelou a parte autora sustentando, em síntese, que trabalhou de forma ininterrupta para as empregadoras JSL Refeições Eirelli - me, de 01/07/2015 A 11/09/2016, e, na mesma função para a empresa Cantina do Sabor Ltda, de 05/09/2016 a 02/12/2016. Que deu entrada no pedido do benefício do seguro-desemprego com a requerimento da empregadora JSL Refeições, porque para o último vínculo, de 05/09/2016 a 02/12/2016, não foi emitido o requerimento em razão do vínculo não ter sido superior a 90 (noventa) dias. Pugnou pela procedência do recurso e a reforma da sentença.
O órgão do Ministério Público Federal - MPF com assento nesta Corte opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Do Seguro-desemprego
A proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário constitui direito social expressamente previsto nos art. 7º, II e art. 201, III, ambos da Constituição Federal.
A Lei 7.998/90 estabeleceu o Programa do Seguro-Desemprego, que tem por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa (Lei 7.998/90, art. 2, I).
Os requisitos para concessão do seguro desemprego encontram-se disciplinados no artigo 3º da Lei 7.998/90:
Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:
I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a:
a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação;
b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e
c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;
II - (Revogado);
III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
VI - matrícula e frequência, quando aplicável, nos termos do regulamento, em curso de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional habilitado pelo Ministério da Educação, nos termos do art. 18 da Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ofertado por meio da Bolsa-Formação Trabalhador concedida no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), instituído pela Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ou de vagas gratuitas na rede de educação profissional e tecnológica.
Os artigos 7º e 8º da Lei 7.998/90, por sua vez, tratam das hipóteses de suspensão e cancelamento do benefício:
Art. 7º O pagamento do benefício do seguro-desemprego será suspenso nas seguintes situações:
I - admissão do trabalhador em novo emprego;
II - início de percepção de benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto o auxílio-acidente, o auxílio suplementar e o abono de permanência em serviço;
III - início de percepção de auxílio-desemprego.
IV - recusa injustificada por parte do trabalhador desempregado em participar de ações de recolocação de emprego, conforme regulamentação do Codefat.
Art. 8o O benefício do seguro-desemprego será cancelado:
I - pela recusa por parte do trabalhador desempregado de outro emprego condizente com sua qualificação registrada ou declarada e com sua remuneração anterior;
II - por comprovação de falsidade na prestação das informações necessárias à habilitação;
III - por comprovação de fraude visando à percepção indevida do benefício do seguro-desemprego; ou
IV - por morte do segurado.
§ 1o Nos casos previstos nos incisos I a III deste artigo, será suspenso por um período de 2 (dois) anos, ressalvado o prazo de carência, o direito do trabalhador à percepção do seguro-desemprego, dobrando-se este período em caso de reincidência.
§ 2o O benefício poderá ser cancelado na hipótese de o beneficiário deixar de cumprir a condicionalidade de que trata o § 1o do art. 3o desta Lei, na forma do regulamento.
Do caso concreto
O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei n. 12.016/2009.
O direito líquido e certo é o direito comprovado de plano, desafiando prova pré-constituída, já que o mandado de segurança não comporta dilação probatória.
No caso em apreço, verifica-se na Carteira de Trabalho e Previdência Social da impetrante que, de fato, trabalhou na empresa JSL - refeições Eireli ME, no período de 01/07/2015 a 14/09/2016 (evento 1 - CTPS4). Gize-se que as anotações em Carteira de Trabalho constituem prova plena para todos os efeitos, porquanto gozam de presunção iuris tantum de veracidade, ilidida apenas quando da existência de suspeitas objetivas e razoavelmente fundadas acerca dos assentos contidos do documento.
Verifica-se, ainda, que a impetrante foi admitida na empresa Cantina Santo Sabor Ltda, em 05/09/2016, em caráter de contrato determinado, com prazo de 45 dias, podendo ser prorrogado por 45 dias (evento 1 - CTPS4)."
A União informou, no evento 14 - INF-MAND-SEG1 que o pagamento do seguro desemprego foi negado em razão de "OUTRO EMPREGO", apontada pelo batimento de dados apresentados na habilitação do Seguro Desemprego e as informações disponibilizadas no CNIS e no CAGED. que indicou a existência de outro vínculo de emprego concomitante com a empresa inscrita no CNPJ 15.041.721/0001-17 a partir de 05/09/2016.
Ao apreciar o pedido formulado na inicial, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos:
"No caso vertente, segundo o relatório de situação do requerimento de seguro-desemprego formulado pela impetrante em 08.12.2016, sob nº 7737715174 (evento 14, INF_MAND_SEG2), o pedido está embasado no vínculo empregatício mantido no período de 01.07.2015 a 11.09.2016, tendo sido indeferido por motivo de admissão em novo emprego, a partir de 05.09.2016.
Com efeito, embora a impetrante sustente fazer jus ao benefício a partir da extinção do último vínculo empregatício - mantido no período de 05.09.2016 a 02.12.2016, com Cantina Santo Sabor Ltda. (evento 1, CTPS4) -, observando que formulou o requerimento administrativo somente após o seu encerramento, fato é que o citado pedido de habilitação ao benefício embasou-se na despedida imotivada ocorrida em relação ao vínculo empregatíco anterior, mantido com JSL Refeições Eireli - ME, encerrado em 11.09.2016, conforme comunicação de dispensa e termo de rescisão contratual anexados à petição inicial (evento 1, OUT5 e OUT7), não tendo sido apresentados tais documentos em relação à última empregadora.
Portanto, pretendendo a impetrante fazer valer a unicidade dos contratos de trabalho, mediante alegação de que os empregadores pertencem ao mesmo grupo econômico, o pedido de habilitação ao seguro-desemprego deveria ser formulado em relação ao último vínculo empregatício formalizado - ou tendo por referência o efetivo término da relação contratual -, mediante comprovação, outrossim, de despedida imotivada igualmente associada a este evento.
Além disso, cumpre atentar que não existe prova pré-constituída da alegada formação de grupo econômico, nem mesmo de qualquer relação entre suas duas últimas empregadoras, de modo que, em tal hipótese, sequer se poderia cogitar da existência de direito líquido e certo, passível de tutela pela via especialíssima do mandado de segurança.
Contudo, como se disse anteriormente, o requerimento de seguro-desemprego em questão foi formulado tendo por referência apenas a despedida imotivada ocorrida em 11.09.2016, até porque a impetrante apresentou unicamente, para instrução do pedido, a comunicação de dispensa emitida pela empresa JSL Refeições, alusiva a demissão ocorrida em tal data (evento 1, OUT5)."
Em que pesem tais fundamentos, tenho que assiste razão à impetrante.
A despeito de ter constatado que o indeferimento do pedido administrativo foi motivado pelo fato de a impetrante manter outro emprego, com uma análise das informações constantes da Carteira de Trabalho e Providência Social (evento 1 - CTPS4), verifica-se que esse trabalho foi em caráter de contrato determinado, com prazo de 45 dias prorrogável por igual prazo, tendo laborado no período de 05.09.2016 a 02.12.2016. Deste modo, ficou comprovada, por meio da CTPS, a situação de desemprego após o último vínculo empregatício. Assim, no momento do requerimento administrativo, que se deu em 08.12.2016, a impetrante não mais possuía renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
Nesse sentido, o parecer exarado pelo ilustre representante do Ministério Público Federal nesta instância recursal:
"(...)
Ocorre, porém, que, em 08/12/2016, a impetrante não possuía vínculo empregatício, o que demonstra o equívoco da decisão administrativa. A relação de emprego indicada pela autoridade impetrada era um contrato por tempo determinado, que, no momento do requerimento administrativo, já havia se encerrado (E14 – INF_MAND_SEG2, autos originários).
Conforme ponderou o órgão ministerial em primeiro grau, oentrelaçamento de dois vínculos empregatícios não deve ser óbice ao recebimento do benefício vindicado, uma vez que na data do requerimento não existia nenhum dos vínculos, não tendo o impetrado comprovado que a impetrante auferia renda para sua manutenção e/ou da família quando do pedido administrativo (E18 – PROMOÇÃO1, autos originários).
Conforme relato na inicial, e/ou da família quando do pedido administrativo, na cidade de Caxias do Sul, sendo que a impetrante laborou de forma ininterrupta para ambas que pertencem ao mesmo grupo econômico Sabor Boulevard. Nesse contexto verifica-se que no requerimento do pedido de seguro-desemprego constou o nome da primeira empresa e não da última, razão pela qual foi apontado pelo CNIS o outro vínculo, inferindo-se que na verdade já havia a interrupção do derradeiro contrato de trabalho.
Logo, o entrelaçamento de dois vínculos empregatícios não deve ser óbice ao recebimento do benefício vindicado, uma vez que na data do requerimento não existia nenhum dos vínculos, não tendo o impetrado logrado comprovar que ela auferia renda para sua manutenção e/ou da família quando do pedido administrativo. "
Conclusão
Pelas razões acima expostas e tendo a impetrante comprovado que cumpriu o requisito estabelecido pelo art. 3º, I, da Lei n. 7.998/90, uma vez que recebeu salário de pessoa jurídica nos 17 meses anteriores à data do requerimento administrativo, bem como não tendo a impetrada logrado comprovar que impetrante auferia renda para sua manutenção e/ou sua família quando do pedido administrativo, a concessão da segurança é medida que se impõe.
Assim, concedo a segurança pleiteada para determinar ao impetrado que promova a habilitação da impetrante para o recebimento do seguro-desemprego, com o respectivo pagamento das parcelas devidas, se não houver outro motivo para não o fazer além daquele em discussão nestes autos.
Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação para determinar ao impetrado que promova a habilitação da impetrante para o recebimento do seguro-desemprego.
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Apelação Cível Nº 5000494-48.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: LIZANE LAURA CHIELE (IMPETRANTE)
ADVOGADO: DÉCIO DANILO D AGOSTINI JÚNIOR
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO-DESEMPREGO. DUPLO EMPREGO. INEXISTÊNCIA DE RENDA PRÓPRIA. CTPS. ANOTAÇÕES. PROVA PLENA.
1. O direito líquido e certo é o direito comprovado de plano, desafiando prova pré-constituída, pois o mandado de segurança não comporta dilação probatória.
2. Apto a prover assistência financeira temporário ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, o seguro desemprego é regido pela Lei nº 7.998/90.
3. O entrelaçamento de dois vínculos empregatícios não deve ser óbice ao recebimento do benefício vindicado, uma vez que na data do requerimento administrativo eles não mais subsistiam.
4. O registro constante na CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados.
5. Comprovada a inexistência de renda própria suficiente para garantir a sua manutenção e de sua família, a concessão da segurança é medida que se impõe.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para determinar ao impetrado que promova a habilitação da impetrante para o recebimento do seguro-desemprego, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de setembro de 2018.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 18/09/2018
Apelação Cível Nº 5000494-48.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
APELANTE: LIZANE LAURA CHIELE (IMPETRANTE)
ADVOGADO: DÉCIO DANILO D AGOSTINI JÚNIOR
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 18/09/2018, na seqüência 583, disponibilizada no DE de 03/09/2018.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª Turma , por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para determinar ao impetrado que promova a habilitação da impetrante para o recebimento do seguro-desemprego.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:45:44.