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ADMINISTRATIVO. MILITAR. ACIDENTE DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º, DA CF. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. TRF4. 5000695-59.2016.4.04...

Data da publicação: 10/08/2020, 09:55:33

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MILITAR. ACIDENTE DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º, DA CF. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Comprovada a ocorrência do ato ilícito, consubstanciado no tombamento do veículo militar transportando soldados na cabina e na carroceria, guiado por agente público designado pela administração militar, provocando a morte de dois soldados e o ferimento de outros sete, bem como a omissão do Estado ao não fornecer veículo próprio para o transporte dos militares com equipamentos de segurança, torna-se flagrante a existência do dano e do nexo causal, configurando o dever de indenizar os danos extrapatrimoniais causados. (TRF4, AC 5000695-59.2016.4.04.7112, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 02/08/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000695-59.2016.4.04.7112/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: LAURINDO LEMES DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: LIRIA SANTOS DA SILVA (Pais) (AUTOR)

APELANTE: THALLES EDUARDO SANTOS DA SILVA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas em face de sentença cujo dispositivo foi exarado nos seguintes termos:

III - Dispositivo:

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos, resolvendo o mérito, na forma do art. 487, I, do NCPC, para o fim de CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora no quantum de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), conforme discorrido no item 2.2. deste julgado, restando afastado o pedido de pagamento de pensão mensal, nos termos da fundamentação.

Tendo havido sucumbência recíproca, na forma do art. 86 do CPC, cada parte fica responsável pela metade do valor devido a título de custas. Partes isentas, União em face do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96; e parte autora em razão da AJG.

Fixo os honorários advocatícios sucumbenciais nos percentuais mínimos previstos nas faixas do art. 85, §3º, I a V do CPC de 2015, percentuais que serão definidos quando da liquidação da condenação (art. 85, §4º, II, do CPC de 2015), e que incidirão sobre o valor da condenação. Como o CPC de 2015 veda a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, §14, do CPC), cada parte terá de pagar ao advogado daquela contra quem litiga.

Sendo a parte autora beneficiária de gratuidade de justiça, suas obrigações sucumbenciais restam suspensas, nos termos da Lei (art. 98, §3º, do CPC).

Deixo de proceder à remessa necessária, tendo em vista que a condenação aplicada neste julgado, por certo, não superará o limite previsto no art. 496, § 3º, inciso I, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo recurso(s) tempestivo(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões. Após, devem ser os autos remetidos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1.010, § 3º, do CPC).

Em suas razões, a União alegou: (1) do prisma da responsabilidade subjetiva, não há conduta culposa que possa ser imputada à agente público da União como sendo a causa do evento morte; (2) não foi constatado ato ilícito ou criminoso na ocorrência do evento, nem no IPM ou na instrução processual; (3) o acidente teve como um de seus fatores determinantes a troca do motorista no momento da partida; (4) os militares estão submetidos a um regime jurídico próprio que encerra previsão específica, de cunho previdenciário, para os casos de incapacidade física, não sendo cumuláveis os pedidos de proteção previdenciária (consubstanciado na reforma) e de indenização por danos morais; (5) caso mantida a condenação, deve ser reduzido o valor da indenização, observando-se a regra da Lei 11.960/09 quanto aos juros moratórios e correção monetária. Nesses termos, requereu o provimento do recurso.

A parte autora, em recurso adesivo, postulou a reforma da sentença quanto ao valor da indenização, para que não seja inferior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), divididos entre os co-autores.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

O MPF manifestou-se pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

VOTO

Em que pese ponderáveis os argumentos deduzidos pelas apelantes, não há reparos à sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

I - Relatório

LAURINDO LEMES DA SILVA, LIRIA SANTOS DA SILVA e THALLES EDUARDO SANTOS DA SILVA, já qualificados nos autos, ajuizaram a presente ação pelo procedimento comum contra UNIÃO FEDERAL, objetivando indenização por danos morais e materiais sofridos, com fixação de pensão mensal em decorrência do falecimento do filho e irmão dos autores durante serviço prestado ao Exército Militar Brasileiro.

Narram que o óbito ocorreu em 02/06/2013, em razão de acidente de trânsito na BR 471, km 517, durante exercício de suas funções militares. Aduzem ter havido negligência e imprudência da parte ré ao ordenar o deslocamento dos militares entre os Municípios de Rio Grande e Chuí, RS, em veículo inapropriado para o transporte de pessoas, vez que não oferecia condições de segurança adequadas, mormente pela ausência de cintos de segurança na carroceria. Asseveram, ainda, que o motorista designado para a condução do veículo estaria sob influência de álcool e sem intervalo de descanso.

Sustentam tratar-se de ato ilícito, acarretando os danos moral e material. Alegam que a subsistência da família dependia do auxílio financeiro do falecido, razão pela qual torna-se imprescindível a prestação mensal de alimentos.

Indeferida a tutela de urgência e concedido o benefício da assistência judiciária gratuita (evento 4).

Citada, a União apresentou contestação (evento 13). Sustenta a ausência de responsabilização da União, alegando que, em caso de omissão do Estado, aplica-se a responsabilidade subjetiva, sendo que a culpa do agente da União restou afastada em processo administrativo. Afirma ainda não haver nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado, tampouco ilicitude na ação. Assevera ser indevido o pagamento de pensão mensal vitalícia, porquanto já recebem pagamento de pensão militar, bem como indevido novo pagamento de despesas com funeral, pois trata-se de verba já adimplida pela administração. Requer a improcedência da ação.

A parte autora apresentou réplica (evento 19), requerendo a produção de prova pericial e testemunhal.

Indeferida a produção de provas requerida (evento 29).

Intimada a parte autora, não houve manifestação.

Intimado o Ministério Público Federal, que apresentou parecer (evento 39).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Passo a decidir.

II - Fundamentação

1. Preliminar - Valor da Causa:

Imprescindível a fixação de ofício do valor da causa, nos termos do art. 292, §3º, do CPC, porquanto inexiste valor de alçada perante a Justiça Federal.

O valor da causa deve observar os critérios legais elencados no art. 292 do diploma processual:

Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:

(...)

III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor;

IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido;

V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;

VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;

(...)

§ 1o Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras.

§ 2o O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações.

§ 3o O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.

Inicialmente, verifico a existência de pedidos cumulativos: a indenização pelo dano moral no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e o pagamento de pensão mensal vitalícia correspondente a 2/3 da última remuneração do militar falecido, desde a data do falecimento.

Da análise do comprovante de pagamento acostado no evento 13 (PROCADM5, página 10), observo que a última remuneração paga ao militar falecido foi de R$ 1.316,25, sendo que 2/3 desse valor corresponde a R$ 877,50.

Assim, somando-se as parcelas da pensão mensal vencidas (desde a data do falecimento, em 02/06/2013), as doze parcelas vincendas (a partir do ajuizamento da ação, em 01/07/2015) e o valor pretendido a título de dano moral, entendo que o valor a ser atribuído à causa é R$ 531.590,00 (quinhentos e trinta e um mil, quinhentos e noventa reais).

Por essas razões, determino, de ofício, a retificação do valor da causa.

2. Mérito:

2.1. Da Responsabilidade da União:

O art. 37, § 6º, da CF/88 disciplina a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, bem como das pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviço público. Assim dispõe o referido dispositivo constitucional:

Art. 37...

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A norma em foco consagrou constitucionalmente a teoria do risco administrativo para disciplinar a responsabilidade civil do ente público quando causador de atos e resultados lesivos aos administrados.

Em outras palavras, a responsabilidade é de ordem objetiva, e não subjetiva como sustenta a União, pelo que independe de culpa ou de dolo para a sua caracterização, bastando que se verifique, no caso concreto, a ação estatal, o nexo causal e a lesão ao direito da vítima.

Ilustram tal entendimento:

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DURANTE A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL E ESTÉTICO. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. PRECEDENTES. A configuração da responsabilidade objetiva do Estado depende do concurso dos seguintes elementos: a) ação administrativa; b) dano; c) nexo causal entre o dano e a ação administrativa. Hipótese em que o acervo probatório carreado aos autos revela-se suficiente a amparar a pretensão de dano moral. A existência de lei específica, que disciplina a carreira militar, não elide a responsabilidade do Estado pelos danos morais suportados por servidor militar, em razão de acidente ocorrido durante o serviço. Precedentes do Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça. Demonstrado o nexo causal entre o acidente ocorrido durante a prestação do serviço militar e a existência de incapacidade permanente, exsurge para o ente público o dever de indenizar, mediante uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo. A União responde objetivamente pela lesão física sofrida pelo autor, no desempenho de atividades no âmbito da caserna, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. No arbitramento da indenização advinda de danos morais, o julgador deve se valer do bom senso e razoabilidade, atendendo às peculiaridades do caso, não podendo ser fixado quantum que torne irrisória a condenação, tampouco valor vultoso que traduza enriquecimento ilícito. (TRF4, AC 5004827-73.2013.404.7110, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 14/07/2016)

ADMINISTRATIVO. CIVIL. ACIDENTE FATAL. VEÍCULO OFICIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIÃO - REQUISITOS DEMONSTRADOS. DANOS MORAIS - CABIMENTO. PENSÃO MENSAL - CARÁTER DE RECOMPOSIÇÃO DE RENDA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. No caso em exame, aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva, que tem como pressupostos o ato estatal, a relação de causalidade e o dano. 2. Comprovado que a ação de agente da União foi causador direto do acidente fatal, inexistindo excludente para sua culpa, fica demonstrado o nexo de causalidade a ensejar a pretendida indenização pelos danos morais e materiais. (...) (TRF4, APELREEX 5010136-17.2013.404.7000, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 11/06/2015)

Contudo, quando o dano ocorre em decorrência de omissão do Estado, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Ora, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano; não sendo o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o evento lesivo. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).

No caso concreto, os requisitos para a responsabilização civil objetiva da administração estão preenchidos.

Da análise dos documentos do IPM nº. 0000063-70.2013.7.03.0203 acostado aos autos (evento 2), resta comprovada a ocorrência do ato ilícito, consubstanciado no tombamento do veículo militar Marruá Cargo, transportando soldados na cabina e na carroceria, guiado por agente público designado pela administração militar, durante o deslocamento ao Município de Chuí/RS, na BR 471, KM 517, provocando a morte de dois soldados e o ferimento de outros sete.

Consta do laudo pericial a seguinte descrição (evento 2 - ANEXO PET INI5, página 20):

"O veículo EB12821 trafegava pelo trecho pertencente ao quilômetro 517 da Rodovia Federal BR-471 no sentido Norte-Sul quando, nas imediações do ponto adotado como referência fixa neste trabalho, por motivos tecnicamente indeterminados, desvia sua trajetória para a esquerda saindo da pista para o acostamento; ao tentar retomar o curso, guina repentinamente para a direita e em seguida para a esquerda, produzindo marcas de derrapagem na pista. Sem lograr êxito na manobra, perde a dirigibilidade do veículo tombando sobre sua lateral direita e em seguida capotando até imobilizar-se na área de domínio da rodovia, às margens de uma sanga de escoamento de águas pluviais paralela à via, a cerca de 183m ao Sul do Ponto Fixo Referencial. Durante a capotagem, as vítimas são arremessadas para o exterior do veículo, tombando ao solo e sofrendo as lesões que as levaram ao óbito."

Importante ressaltar também a comprovada omissão do Estado ao não fornecer veículo próprio para o transporte dos militares com equipamentos de segurança, o que, embora não seja o motivo do acidente, certamente é a razão para o agravamento do resultado. Destaco, neste ponto, que o militar Encarregado do IPM fez constar a inexistência de cintos de segurança para os militares da carroceria (evento 2 - ANEXO PET INI6, página 92), nos seguintes termos:

"Durante a capotagem os militares que encontravam-se na carroceria da viatura são arremessados para o exterior, por não estarem com cinto de segurança, não disponível na carroceria Vtr Marruá, tombando ao solo e sofrendo os ferimentos decorrentes."

Resta claro, portanto, que o dano causado decorreu de um agir ilícito do Estado (acidente de trânsito), agravado por sua omissão (inexistência de equipamentos de segurança no veículo).

Outrossim, é flagrante a existência do dano e do nexo causal, haja vista a confirmação do óbito do militar em decorrência da ação estatal acima descrita. O evento morte se deu indubitavelmente em razão do acidente com veículo oficial, em pleno desempenho da função, consoante laudo de necropsia, que atestou como causa mortis a asfixia mecânica por afogamento posterior a traumatismo crânio-encefálico em acidente de trânsito (ev. 2 - ANEXO PET INI4, página 246) e laudo pericial que confirmou o tombamento do veículo após sair da pista e perder o controle, com o consequente arremesso dos soldados para fora do veículo em direção ao acostamento e ao leito asfáltico, o que torna ainda mais evidente a inexistência de equipamentos mínimos de segurança para os militares passageiros, comprovando o ato ilícito da administração como causa da fatalidade, não havendo falar em imprevisibilidade.

As alegações da União de inexistência de culpa do agente público (motorista) para a ocorrência do acidente não afastam a responsabilidade civil do Estado, que é objetiva para conduta comissiva, conforme elucidado acima. Ademais, a União não trouxe qualquer motivo excludente da sua responsabilização, qualquer hipótese de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, tampouco caso fortuito ou força maior.

Dessa forma, não obstante o inquérito penal militar tenha sido concluído no sentido da inexistência de crime militar - tendo em vista que a responsabilidade civil se dá em seara distinta da esfera criminal (e com ela não se confunde) - e entendendo estarem preenchidos os pressupostos do dever de indenizar, é forçoso concluir que os demandantes fazem jus à reparação postulada.

2.2. Do Dano Moral:

Consoante exposto, havendo agir ilícito do ente público ao provocar o acidente automobilístico, sendo incontroverso o evento 'morte', conclui-se que dito evento decorreu daquela conduta comissiva, e, tratando-se de dano que pela própria dimensão do fato torna-se impossível deixar de imaginar que o prejuízo tenha efetivamente ocorrido (dano moral in re ipsa), os elementos da responsabilidade civil mostram-se presentes no caso concreto.

A respeito disso, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento reiterado:

"Quanto ao dano moral, em si mesmo, não há falar em prova; o que se deve comprovar é o fato que gerou a dor, o sofrimento. Provado o fato, impõe-se a condenação, pois, nesses casos, em regra, considera-se o dano in re ipsa" (3ª Turma, AgRg no Ag 1062888/SP, Relator Sidnei Beneti, DJ de 18/09/2008).

Quanto ao valor da indenização, não pode ser tão ínfimo a ponto de não indenizar adequadamente o abalo moral sofrido pelo demandante, o qual, na situação em análise, reputo grave, diante do óbito do jovem militar, filho e irmão dos autores, fator de intenso abalo emocional. Por outro lado, a condenação não pode ser tão elevada a ponto de significar um enriquecimento sem causa da parte autora. Além disso, a quantia não pode ser tão pequena a ponto de não coibir a reiteração do ato ilegal pelo causador do dano, devendo servir para reparar adequadamente o dano sofrido pela vítima e para sancionar a culpa do agente causador do dano.

Apoiado nesses parâmetros, tendo em conta o bem jurídico atingido, a situação patrimonial de ambas as partes, o aspecto pedagógico e a fim de que não haja enriquecimento sem causa, entendo razoável a fixação da indenização em R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), sendo R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada um dos pais do militar falecido, e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao autor Talles Eduardo, irmão do militar, menor absolutamente incapaz, cujo sofrimento se presume de menor intensidade do que o causado aos genitores.

Sobre o valor incidem juros de mora a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), o qual considero a data em que deveria ter sido pago o benefício (03/12/2015 - E.1 - CAT9), e correção monetária a partir da publicação desta sentença. Os juros de mora devem ser calculados com base nos índices oficiais de remuneração aplicados à caderneta de poupança (Lei 9494/97, art. 1º-F, com redação dada pela Lei 11960/09), e a correção monetária pelo IPCA.

2.3. Dos Danos Materiais:

Quanto ao pagamento de indenização pelos danos materiais através de pensão mensal, entendo não haver impedimento para sua concessão o fato de a parte autora já receber benefício de pensão por morte, sendo o caso de abater do valor da pensão civil os proventos recebidos em razão do benefício, a fim de recompor a renda que o requerente possuía antes do acidente:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRABALHO. L.E.R/D.O.R.T. SEQÜELAS PERMANENTES ADQUIRIDAS PELA RECORRIDA NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DANOS MATERIAIS.PENSÃO VITALÍCIA. TERMO INICIAL. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. REDUÇÃO DO QUANTUM. 1. As instâncias ordinárias, com base nos elementos probatórios trazidos aos autos, e em sintonia com precedentes desta Corte, concluíram que o benefício previdenciário percebido pela autora, ora recorrida, não afasta nem exclui a responsabilidade da recorrente ao pagamento da verba indenizatória, mediante pensão vitalícia, já que esta vem apenas recompor um prejuízo causado por meio de um ato ilícito, direito este de cunho civil, ao contrário daquela que se ampara no direito previdenciário. Logo, não prevalece a alegação da recorrente de que a percepção da aposentadoria pela autora-recorrida repudia a condenação de pensão vitalícia em virtude de acidente de trabalho. Precedentes desta Corte. 2. Pensionamento vitalício devido a partir de outubro/97, quando a recorrida desligou-se da empresa-recorrente, aposentando-se por invalidez. Precedentes desta Corte. 3. (...) 4. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ, REsp nº 811.193/GO, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, 4ª Turma, j. 19.10.2006, DJU, Seção 1, de 6.11.2006, p. 338).

No entanto, da análise das fichas financeiras acostadas (evento 13 - FINANC6 e FINANC7), verifico que a pensão por morte recebida pelos autores é equivalente ao valor que o falecido recebia antes do acidente, mantendo-se, portanto, a contribuição que o falecido oferecia em vida aos genitores, não dando ensejo à complementação da diferença sob responsabilidade da União. Admitir majoração ou pagamento de segunda pensão à requerente quando já há percepção de benefício previdenciário no valor dos vencimentos que o de cujus recebia antes do acidente importaria duplicidade de pagamentos, a caracterizar enriquecimento sem causa.

Afastada, portanto, a condenação em pensão vitalícia.

Quanto às despesas com funeral, embora citadas em sua fundamentação, não há, na petição inicial, pedido específico de pagamento de indenização dessas despesas, não podendo ser analisado em sentença, em razão do Princípio da Correlação, sob pena de julgamento extra petita.

III - Dispositivo:

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos, resolvendo o mérito, na forma do art. 487, I, do NCPC, para o fim de CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora no quantum de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), conforme discorrido no item 2.2. deste julgado, restando afastado o pedido de pagamento de pensão mensal, nos termos da fundamentação.

Tendo havido sucumbência recíproca, na forma do art. 86 do CPC, cada parte fica responsável pela metade do valor devido a título de custas. Partes isentas, União em face do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96; e parte autora em razão da AJG.

Fixo os honorários advocatícios sucumbenciais nos percentuais mínimos previstos nas faixas do art. 85, §3º, I a V do CPC de 2015, percentuais que serão definidos quando da liquidação da condenação (art. 85, §4º, II, do CPC de 2015), e que incidirão sobre o valor da condenação. Como o CPC de 2015 veda a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, §14, do CPC), cada parte terá de pagar ao advogado daquela contra quem litiga.

Sendo a parte autora beneficiária de gratuidade de justiça, suas obrigações sucumbenciais restam suspensas, nos termos da Lei (art. 98, §3º, do CPC).

Deixo de proceder à remessa necessária, tendo em vista que a condenação aplicada neste julgado, por certo, não superará o limite previsto no art. 496, § 3º, inciso I, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo recurso(s) tempestivo(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões. Após, devem ser os autos remetidos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1.010, § 3º, do CPC).

É firme na jurisprudência o entendimento no sentido de que a Administração deve ser responsabilizada pelos danos que o servidor público venha a sofrer no exercício de suas atribuições funcionais, ainda que tenham origem em fato exclusivo de terceiro.

No caso dos autos, resta comprovada a ocorrência do ato ilícito, consubstanciado no tombamento do veículo militar Marruá Cargo, transportando soldados na cabina e na carroceria, guiado por agente público designado pela administração militar, durante o deslocamento ao Município de Chuí/RS, na BR 471, KM 517, provocando a morte de dois soldados e o ferimento de outros sete, nos termos do que consta dos documentos do IPM n° 0000063-70.2013.7.03.0203 (evento 2).

Outrossim, comprovada omissão do Estado ao não fornecer veículo próprio para o transporte dos militares com equipamentos de segurança, o que, embora não seja o motivo do acidente, certamente é a razão para o agravamento do resultado. Destaco, neste ponto, que o militar Encarregado do IPM fez constar a inexistência de cintos de segurança para os militares da carroceria (evento 2 - ANEXO PET INI6, página 92), nos seguintes termos:

"Durante a capotagem os militares que encontravam-se na carroceria da viatura são arremessados para o exterior, por não estarem com cinto de segurança, não disponível na carroceria Vtr Marruá, tombando ao solo e sofrendo os ferimentos decorrentes."

Como bem ressaltado pelo juízo a quo, é flagrante a existência do dano e do nexo causal, haja vista a confirmação do óbito do militar em decorrência da ação estatal acima descrita. O evento morte se deu indubitavelmente em razão do acidente com veículo oficial, em pleno desempenho da função, consoante laudo de necropsia, que atestou como causa mortis a asfixia mecânica por afogamento posterior a traumatismo crânio-encefálico em acidente de trânsito (ev. 2 - ANEXO PET INI4, página 246) e laudo pericial que confirmou o tombamento do veículo após sair da pista e perder o controle, com o consequente arremesso dos soldados para fora do veículo em direção ao acostamento e ao leito asfáltico, o que torna ainda mais evidente a inexistência de equipamentos mínimos de segurança para os militares passageiros, comprovando o ato ilícito da administração como causa da fatalidade, não havendo falar em imprevisibilidade.

Nessa perspectiva, As alegações da União de inexistência de culpa do agente público (motorista) para a ocorrência do acidente não afastam a responsabilidade civil do Estado, que é objetiva para conduta comissiva, conforme elucidado acima. Ademais, a União não trouxe qualquer motivo excludente da sua responsabilização, qualquer hipótese de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, tampouco caso fortuito ou força maior.

Dos danos morais

É inquestionável que a perda de um filho/irmão prematuramente causou abalo moral, dor e sofrimento aos autores, dispensando prova específica.

No arbitramento do valor da indenização advinda de danos morais, o julgador deve se valer do bom senso e atentar às peculiaridades do caso concreto, não podendo fixar quantum irrisório ou insuficiente para a devida reparação, tampouco vultoso que acarrete enriquecimento sem causa da vítima.

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. (...) 2. O valor da indenização sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na sua fixação, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso e atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.3. In casu, o quantum fixado pelo Tribunal a quo a título de reparação de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso.4. Agravo regimental improvido.(AgRg no Ag 884.139/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18.12.2007, DJ 11.02.2008 p. 1)

Ponderando a natureza e gravidade do dano, as circunstâncias do caso concreto, o princípio da razoabilidade e os parâmetros adotados em casos semelhantes, afigura-se adequado o valor arbitrado pelo juízo a quo - R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), sendo R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada um dos pais do militar falecido, e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao autor Talles Eduardo, irmão do militar -, quantias sobre as quais incidirão juros e correção monetária que as incrementarão substancialmente.

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. REJULGAMENTO. MILITAR. DESASTRE AÉREO. PENSÃO POR MORTE. LEI 3.765/60. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º, DA CF. DANO MORAL. QUANTUM. MANUTENÇÃO. ISONOMIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DO ARBITRAMENTO. JUROS DE MORA. EVENTO DANOSO. SÚMULAS 54 E 362 DO STJ. Os embargos de declaração constituem recurso interposto perante o magistrado ou colegiado prolator da decisão impugnada, com vistas à supressão de omissão, contradição, obscuridade ou erro material no texto que possa dificultar a exata compreensão da manifestação judicial. A pensão decorrente de responsabilidade civil por homicídio visa a assegurar alimentos a quem dependia economicamente do de cujus. A pensão indenizatória mensal, prevista no artigo 1.537, inciso II, do Código Civil de 1916, não é devida nas hipóteses em que já deferida pensão por morte de militar em favor de seus beneficiários, sob pena de dupla condenação da União, com idêntica finalidade (garantir alimentos aos dependentes do de cujus), e enriquecimento sem causa dos sucessores. A orientação consolidada pela súmula n.º 229 do STF ("A ação acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador") diz respeito a situação fático-jurídica absolutamente distinta daquela que é objeto da lide, não incidindo na espécie. No arbitramento da indenização advinda de danos morais, o julgador deve se valer do bom senso e razoabilidade, atendendo às peculiaridades do caso, não podendo ser fixado quantum que torne irrisória a condenação, tampouco valor vultoso que traduza enriquecimento ilícito. A contradição passível de supressão, por meio de embargos de declaração, é aquela existente entre premissas ou entre a fundamentação e a conclusão da própria decisão (vício interno), e não a contrariedade com outro julgado - esta impugnável na via recursal própria. Nessa perspectiva, a pretensão das autoras/embargantes à modificação do valor arbitrado a título de indenização, fundada na existência de outras decisões mais favoráveis, não pode ser acolhida em sede de embargos de declaração. O enunciado da súmula n.º 43 do Superior Tribunal de Justiça - segundo o qual incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo - está relacionado à atualização monetária de valor referente a prejuízos de ordem patrimonial (danos materiais), não se aplicando à condenação ao pagamento de indenização por dano moral. Para essa hipótese, o Superior Tribunal de Justiça editou súmula específica (súmula 362: A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento). As autoras/embargantes não impugnaram, em sua apelação, o percentual de juros fixado na sentença, deduzindo sua inconformidade somente nos embargos de declaração, o que afasta a existência de omissão no julgado. (TRF4, EDecl na AC/RN 2001.72.00.008821-2, minha Relatoria, j. em 05/07/2017 - grifei)

ADMINISTRATIVO. PENSÃO MILITAR. PAIS DO FALECIDO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. IRMÃOS. LEGITIMIDADE. ÓBITO MILITAR. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. De acordo com o art. 7º, II, da Lei 3.765/60, com a redação dada pela MP 2215-15/01, têm direito à pensão militar, na segunda ordem de prioridade, a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do militar. Diversamente do entendimento do julgador monocrático, para a outorga do benefício de pensão de qualquer espécie (estatutária ou civil) é imprescindível a comprovação da dependência econômica. Em tese, os irmãos do falecido, têm direito à indenização por danos morais e, neste caso, possuem legitimidade para a causa. A existência de lei específica que rege a atividade militar (Lei nº 6.880/80) não isenta a responsabilidade do Estado, prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, pelos danos morais causados a servidor militar quando demonstrada a falta ou falha da Administração na prática de algum ato para com aquele. Em atenção aos critérios doutrinários e jurisprudenciais de fixação do dano moral aos genitores e, ainda o fato de que o ex militar faleceu muito jovem com 20 anos de idade, entendo adequado ao caso concreto o valor de R$ 155.500,00 para cada um dos pais e R$ 74.640,00 para cada irmão. Procede a insurgência da União quanto aos consectários. (AC/RN 5001576-29.2013.4.04.7116, Relator Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, j. em 26/10/2016 - grifei)

Dos juros de mora e correção monetária

Sobre o tema (n.º 810), manifestou-se o e. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n.º 870.947/SE, sob a sistemática de repercussão geral, nos seguintes termos:

I - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;

II - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.

Eis a ementa do referido julgado:

DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput), no seu núcleo essencial, revela que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, os quais devem observar os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito; nas hipóteses de relação jurídica diversa da tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto legal supramencionado. 2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. 3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal (cf. MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29). 4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços. 5. Recurso extraordinário parcialmente provido.

A decisão é vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e tem eficácia retroativa (art. 102, § 3º, da CRFB, c/c art. 927, inciso III, do CPC), uma vez que não houve a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º- F da Lei n.º 9.494/1997, na redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, na parte em que disciplinou a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, conforme o deliberado por aquela e. Corte em sede de embargos de declaração:

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quinta-feira (3), concluiu que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para a atualização de débitos judiciais das Fazendas Públicas (precatórios) aplica-se de junho de 2009 em diante. A decisão foi tomada no julgamento de embargos de declaração no Recurso Extraordinário (RE) 870974, com repercussão geral reconhecida.

Nos embargos, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e diversos estados defendiam a possibilidade de a decisão valer a partir de data diversa do julgamento de mérito do RE, ocorrido em 2017, para que a decisão, que considerou inconstitucional a utilização da Taxa Referencial (TR) na correção dessas dívidas, tivesse eficácia apenas a partir da conclusão do julgamento.

Prevaleceu, por maioria, o entendimento de que não cabe a modulação, ressaltando-se que, caso a eficácia da decisão fosse adiada, haveria prejuízo para um grande número de pessoas. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há pelo menos 174 mil processos no país sobre o tema aguardando a aplicação da repercussão geral. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=425451 - grifei)

Nessa linha, o pronunciamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça nos REsp n.ºs 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS, na sistemática de recurso repetitivo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 02/STJ. DISCUSSÃO SOBRE A APLICAÇÃO DO ART.1º-F DA LEI 9.494/97 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/2009) ÀS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. CASO CONCRETO QUE É RELATIVO A INDÉBITO TRIBUTÁRIO. TESES JURÍDICAS FIXADAS. 1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza. 1.1. Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária. No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário. 1.2. Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão. A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório. 2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. 3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação. 3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral. As condenações judiciais de natureza administrativa em geral sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros demora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada acumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. 3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos. As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E. 3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas. No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital. 3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária. As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária,no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006,que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art.1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009). 3.3 Condenações judiciais de natureza tributária. A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. 4. Preservação da coisa julgada. Não obstante os índices estabelecidos para atualização monetária e compensação da mora, de acordo com a natureza da condenação imposta à Fazenda Pública, cumpre ressalvar eventual coisa julgada que tenha determinado a aplicação de índices diversos, cuja constitucionalidade/legalidade há de ser aferida no caso concreto. SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO. 5. Em se tratando de dívida de natureza tributária, não é possível a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei11.960/2009) - nem para atualização monetária nem para compensação da mora -, razão pela qual não se justifica a reforma do acórdão recorrido. 6. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, c/c o art. 256-N e seguintes do RISTJ. (REsp 1495146 / MG, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, 1ª Seção, DJe 02/03/2018 - Recurso Repetitivo - Tema 905).

À vista de tais fundamentos, é de se reconhecer aplicável o IPCA-e para atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública, a partir de junho de 2009.

Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da União e ao recurso adesivo dos autores.



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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000695-59.2016.4.04.7112/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: LAURINDO LEMES DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: LIRIA SANTOS DA SILVA (Pais) (AUTOR)

APELANTE: THALLES EDUARDO SANTOS DA SILVA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. militar. acidente de serviço. responsabilidade civil do estado. ARTIGO 37, § 6º, DA CF. DANO MORAL. indenizaÇÃO.

Comprovada a ocorrência do ato ilícito, consubstanciado no tombamento do veículo militar transportando soldados na cabina e na carroceria, guiado por agente público designado pela administração militar, provocando a morte de dois soldados e o ferimento de outros sete, bem como a omissão do Estado ao não fornecer veículo próprio para o transporte dos militares com equipamentos de segurança, torna-se flagrante a existência do dano e do nexo causal, configurando o dever de indenizar os danos extrapatrimoniais causados.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e ao recurso adesivo dos autores, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de julho de 2020.



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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 21/07/2020 A 29/07/2020

Apelação Cível Nº 5000695-59.2016.4.04.7112/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA

APELANTE: LAURINDO LEMES DA SILVA (AUTOR)

ADVOGADO: CRISTIANE BOHN (OAB RS044490)

ADVOGADO: ANNA MARIA VICENTE DORNELES (OAB RS050196)

APELANTE: LIRIA SANTOS DA SILVA (Pais) (AUTOR)

ADVOGADO: CRISTIANE BOHN (OAB RS044490)

ADVOGADO: ANNA MARIA VICENTE DORNELES (OAB RS050196)

APELANTE: THALLES EDUARDO SANTOS DA SILVA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO: ANNA MARIA VICENTE DORNELES (OAB RS050196)

ADVOGADO: CRISTIANE BOHN (OAB RS044490)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/07/2020, às 00:00, a 29/07/2020, às 16:00, na sequência 604, disponibilizada no DE de 10/07/2020.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO E AO RECURSO ADESIVO DOS AUTORES.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



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