Apelação Cível Nº 5001449-44.2010.4.04.7101/RS
RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE: WILLIAM SARAIVA DIAS (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELANTE: BRENDHA QUARESMA (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG (RÉU)
APELANTE: SUCESSÃO DE CAUÃ HENRIQUE QUARESMA DIAS (Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELADO: OS MESMOS
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por CAUÃ HENRIQUE QUARESMA DIAS - SUCESSÃO, objetivando a condenação da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG ao pagamento de danos morais e pensão mensal decorrente de falha no atendimento médico-hospitalar.
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença cujo dispositivo foi assim redigido:
"Ante ao exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos da inicial, extinguindo o processo, com resolução do mérito, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar:
a) a Fundação Universidade Federal do Rio Grande ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em favor da sucessão do autor Cauã Henrique Quaresma Dias, a título de indenização por danos morais, atualizados pelo IPCA-E a partir desta data (Súmula 362 do STJ), acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso.
b) a Fundação Universidade Federal do Rio Grande ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em favor da autora Brendha Quaresma, a título de indenização por danos morais, atualizados pelo IPCA-E a partir desta data (Súmula 362 do STJ) e é acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso.
c) a Fundação Universidade Federal do Rio Grande a pagar à sucessão do autor Cauã Henrique Quaresma Dias, pensão mensal vitalícia no valor de 2 (dois) salários mínimos, desde 29/07/2007 até o óbito do menor, ocorrido em 06/02/2012, nos termos da fundamentação. Desnecessário estabelecer índice de atualização, já que a fixação se deu em número de salários mínimos. No que tange aos valores atrasados entre o termo inicial e a efetiva implantação da pensão, deverá incidir juros de 1% (um por cento), a partir do evento danoso.
d) a Fundação Universidade Federal do Rio Grande a pagar à autora Brendha Quaresma, pensão mensal vitalícia no valor de 1 (um) salário mínimo, desde 29/07/2007 até o óbito do menor, ocorrido em 06/02/2012, nos termos da fundamentação. Desnecessário estabelecer índice de atualização, já que a fixação se deu em número de salários mínimos. No que tange aos valores atrasados entre o termo inicial e a efetiva implantação da pensão, deverá incidir juros de 1% (um por cento), a partir do evento danoso.
Em relação à Fundação Universidade Federal do Rio Grande, condeno-a ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono das autoras, os quais fixo em 10% (cinco por cento) sobre o valor da condenação, no percentual máximo previsto no artigo 85, parágrafos 2º e 3º, I, do Código de Processo Civil.
Isento de custas, nos termos do artigo 4º, incisos I e II da Lei n° 9.289/96.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se."
Apelaram os autores defendendo a majoração tanto da indenização quanto do valor fixado a título de pensionamento.
A FURG, por sua vez, recorreu sustentando a ausência de responsabilidade indenizatória que lhe foi imputada, razão pela qual requer a reforma total da sentença.
Com as contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito (evento5, PROMOÇÃO1).
É o relatório.
VOTO
A responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável -, a existência de dano e a presença de nexo causal entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado.
O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 5º. (...)
...
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)".
No Código Civil/2002, está definida a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar:
(...)
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
(...)
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo."
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
Logo, se comprovado o nexo de causalidade entre a conduta de um e o dano causado a outro, cabível o dever de indenizar, independentemente de dolo ou culpa.
No que respeita o caso aqui tratado, reproduzo a fundamentação da douta sentença, que adoto como parte destas razões de decidir, in verbis:
(...)
Mérito
Como é de todos sabido, as bases da Responsabilização Civil do Estado estão assentadas no artigo 37, §6º, de nossa Constituição Federal, a qual assim preceitua: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
O dispositivo constitucional supra referido estipula a possibilidade de se responsabilizar o Estado por atos danosos causados a terceiros, não se fazendo necessária, para tanto, a demonstração de culpa. Está-se diante, então, de responsabilidade civil objetiva, cabível para comportamentos danosos comissivos.
Contudo, há modalidade de responsabilização civil estatal que não prescinde da demonstração de culpa: é a "falta de serviço", segundo a qual o ente público somente deve ser responsabilizado quando o serviço não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente. Vale dizer: a responsabilidade civil do Estado será subjetiva em se tratando de comportamento danoso omissivo.
Segundo leciona o ilustre administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, quando "o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor do dano, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo" ( in "Curso de Direito Administrativo", Ed. Malheiros, 8ª edição, 1996, pág. 586; grifo não constante no original).
Em resumo, a responsabilidade extracontratual do Estado pode assumir tanto a feição objetiva quanto a subjetiva, esta verificável sempre que a lesão decorra de omissão imputável à Administração.
No que tange à responsabilidade civil por assistência médica prestada em hospitais públicos, importa ressaltar as ponderações de Ruy Rosado de Aguiar Jr.:
"Pode ser indenizado o dano produzido pela morte de um paciente internado em hospital público, para o qual a ciência recomendava a realização de cirurgia, efetuada com todos os cuidados e de acordo com as prescrições médicas, mas que mesmo assim se revelou inexitosa causando a morte? Melhor incluir tal hipótese no âmbito restrito da responsabilidade pela culpa do serviço, pois não parece razoável impor ao Estado o dever de indenizar dano produzido por serviço público cuja ação, sem nenhuma falha, tenha sido praticada para beneficiar diretamente o usuário". (AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil do Médico. Revista dos Tribunais n. 718, p. 45
Ou seja, quando se trata de avaliar a responsabilidade civil em face de atos de atendimento médico realizado no âmbito de hospitais públicos, necessariamente deve-se passar pela análise da adequação do serviço prestado, sua regularidade, e não necessariamente pelos efeitos do tratamento aplicado. Em outros termos, dado que a ciência médica não garante resultados exatos e seguros, a obrigação do atendimento médico - aqui falando de modo geral, não exclusivamente no que tange àquele prestado no âmbito de entidades públicas - é sempre de meio, nunca de resultado.
Sendo assim, o dever inerente ao atendimento é o de que seja prestado com regularidade e adequação à situação.
Acerca da matéria, manifestou-se o E. TRF4:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. FAUTE DU SERVICE. ERRO MÉDICO. ANESTESIOLOGIA. IMPERÍCIA, NEGLIGÊNCIA OU IMPRUDÊNCIA. INOCORRÊNCIA.1. A responsabilidade do Estado por condutas omissivas encontra fundamento na teoria da falta do serviço (faute du service), segundo a qual o ente estatal só deve ser responsabilizado, em casos de omissão, quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente. Assim, a imputação de responsabilidade à Universidade Federal do Paraná, em virtude de suposto erro médico cometido por anestesiologista na aplicação de anestesia raquidiana, durante a realização do parto por cesariana eletiva com laqueadura, realizado no Hospital de Clínicas de Curitiba, exige comprovação de dolo ou culpa do funcionário.2. Em regra, a obrigação assumida pelo médico é de meio, o que significa que o profissional está obrigado a empenhar todos os esforços possíveis para a prestação de determinados serviços, não existindo compromisso de qualquer natureza com a obtenção de um resultado específico. Nesse caso, o inadimplemento contratual somente ocorrerá mediante demonstração probatória pelo paciente de que o profissional não atuou em consonância com o dever de cuidado e guarda necessário. É o princípio da culpa, baseado na responsabilidade subjetiva.3. No caso em exame, não foi devidamente comprovado que houve culpa do médico anestesiologista pelo acidente, caracterizada pela imprudência, negligência ou imperícia. 4. Além disso, verifica-se que a própria autora não deu continuidade ao tratamento fisioterápico, o que provavelmente contribuiu para o agravamento do problema e reduziu sua capacidade laborativa. Nesse ponto, cumpre frisar que, mesmo se fosse reconhecida a responsabilidade da UFPR pelo evento danoso, não estaria caracterizada a incapacidade da autora para toda e qualquer atividade da vida civil, conforme se infere da prova produzida. (TRF4, AC 5040645-62.2012.404.7000, TERCEIRA TURMA, Relator p/ Acórdão SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 21/01/2014)
Logo, a efetiva responsabilidade da ré pelos supostos danos causados aos demandantes exsurgirá mediante a comprovação dos seguintes elementos: a) a omissão do Estado; b) a comprovação da culpa do ente estatal; c) o dano; d) o nexo de causalidade entre a omissão e o dano ocorrido; e) a inexistência de causas excludentes da responsabilidade (p. ex., culpa exclusiva da vítima).
Passo, então, a apreciar os pedidos de indenização, sob a ótica da responsabilidade subjetiva.
Caso concreto
A controvérsia dos autos cinge-se em saber se, durante o parto, a autora Brendha Quaresma obteve tratamento adequado e se as sequelas que acometeram o recém nascido Cauã (paralisia cerebral entre outras) poderiam ter sido evitadas ou minoradas, bem assim, se a enfermidade do menor foi decorrência, em algum grau, de negligência ou imperícia nos atendimentos prestados pelo HU da FURG.
A parte autora ressaltou que, por deficiência técnica do atendimento médico, insistiu-se no parto normal, o que culminou numa cesariana de urgência, causando sérias complicações na saúde do menor Cauã, que sofreu anóxia neonatal grave, em decorrência do sofrimento fetal ocorrido durante o trabalho de parto. Ainda, outro fato que contribuiu para as sequelas foi a dificuldade de reanimação do recém nascido pela troca dos tubos de aspiração e oxigenação. Denota-se que os fatos ocorreram em momentos distintos, o primeiro durante o trabalho de parto propriamente dito, e o segundo no período de reanimação recém nascido, de modo que a análise quanto à existência de responsabilidade civil se dará separadamente.
A FURG, por sua vez, embasa a negativa do pedido arguindo responsabilidade subjetiva. Sustentou que, com base no prontuário médico juntado, não houve omissão ou falha no atendimento médico prestado à gestante, pois a causa da paralisia cerebral por anóxia neonatal não tem relação com o parto. Subsidiariamente, inquinou ser desproporcional a pretensão indenizatória formulada
Passo a analisar especificamente o procedimento empreendido pelo HU até a expulsão do bebê.
O caso em exame encontra suas respostas na prova pericial produzida nesta demanda, consubstanciada nos exames realizados pelo neurologista e pelo ginecologista (eventos 119, 271 e 307). Vejamos.
O perito neurologista, na respostas ao quesito 3, formulado pelo MPF, assim descreveu as sequelas sofridas pelo menor (evento 119):
5.3 Quadro neurológico de Paralisia Cerebral caracterizado pelo déficit motor espástico dos quatro membros, musculatura deglutitória e respiratória; Epilepsia maligna com crises de difícil controle medicamentoso caracterizadas como crises em espasmos em flexão e EEG característico de Hipsarritmia elétrica cerebral; Deficiência Mental que neste momento ainda não foi quantificada e uma Síndrome que associa todos estes elementos, reconhecida como WEST e com evolução natural para LENNOX-GASTAUT.
Verificada a ocorrência dos danos, consubstanciados nas sequelas sofridas pelo menor, necessária a comprovação da culpa do ente estatal, tendo em vista encerrar o caso em questão de responsabilidade de natureza subjetiva, assim como o nexo de causalidade entre a falha e o dano ocorrido. Tais questões foram integralmente respondidas pelo laudo pericial elaborado pelo médico ginecologista, anexado no evento 307.
DISCUSSÃO
Como no evento 286, há informação de não existir mais o prontuário, faremos a conclusão do Laudo Pericial, sendo que a precisão não será a mesma com a avaliação dos documentos extraviados.
Quanto a internação no Hospital Universitário Miguel Riet Correa Jr. em 28.07.2007 às 16:30 hs - Conforme documento (evento 01 PRONT5), a periciada procurou a emergência obstétrica com perda de líquido, dor em baixo ventre e sangramento vaginal há 02 horas. A idade gestacional pela DUM (Data da Última Menstruação) era de 40 semanas e pela ecografia era de 40 semanas e 03 dias, logo Gestação a Termo (37 a 42 semanas de evolução). Ao exame inicial no Hospital, a paciente apresentava altura uterina de 39 cm, dinâmica de 02 contrações em 10 minutos e dilatação cervical de 03 cm, com colo médio e centrado. Há registro de alguns exames de pré-natal com resultados dentro da normalidade. Não consta se foi diagnosticado ruptura da bolsa amniótica. Era sua primeira gestação e a tipagem sanguínea mostrou tipo A+. O documento PRONT6 (Evento 1). O exame realizado se enquadra como trabalho de parto fase ativa, sendo que a indicação de internação para assistência ao parto foi adequada e tem embasamento na literatura especializada.
Quanto a internação para assistência ao parto - conforme documento PRONT7 (Evento 1), Anamnese e Evolução, existe registro às 19:30 hs com dados de exame de controle obstétrico, sendo que a periciada apresentava 06 cm de evolução, dinâmica de 03 contrações moderadas e 01 forte em 10 minutos. Os BCF (Batimentos Cardíacos Fetais) eram de 124 bpm e ritmo regular.
Pela dilatação cervical e a dinâmica uterina, o trabalho de parto evoluía de maneira adequada. Há um registro de avaliação às 22 horas, sendo que a periciada apresentava dinâmica de 04 contrações moderadas e 01 forte em 10 minutos e os BCF estavam em 144 bpm, dados que estavam de acordo com evolução normal do trabalho de parto. Às 22:30 hs, a dilatação era de 08 cm e os BCF eram de 140 bpm. Às 23 horas os BCF eram de 156 bpm. Às 23:30 hs a dilatação cervical era de 09 cm, BCF: 148 bpm e dinâmica de 03 contrações em 10 minutos. Às 00:00hs (29.07.2007) os BCF: 140 bpm. Nova avaliação às 00:30hs que registra dilatação completa, BCF: 152bpm e dinâmica de 04 contrações em 10 minutos. Na avaliação realizada em 00:50 hs, foi indicado cesariana de urgência devido a parada do período expulsivo, se encontrando a cabeça fetal no plano de De Lee +1. Podemos inferir que a apresentação fetal se encontrava alta para instrumentação do parto por fórceps, sendo indicado a cesariana para término do parto. Os BCF: 140 bpm e a dinâmica de 04 contrações em 10 minutos. O registro seguinte, às 01:50hs, informa que a cesariana já tinha sido finalizada, semintercorrências obstétricas. Pelos dados podemos verificar que a evolução do trabalho de parto foi normal até o período expulsivo, quando podemos inferir pela altura da apresentação fetal registrada e estando com a dilatação completa (mas sem informações quanto a posição da apresentação), que houve parada da descida fetal sem condições de instrumentação do parto, o que provavelmente indicou o procedimento de cesariana de urgência. Para maior precisão desta conclusão seria necessário o Partograma e as prescrições de medicação, que não estão no processo. A parada de progressão do feto no período expulsivo pode indicar a necessidade de realizar uma cesariana de urgência. Conforme documento anexado ao PRONT9 (EVENTO 1), Descrição da Cirurgia, a indicação do procedimento foi por DCP (Desproporção Céfalo-Pélvica). Há informação de fechamento da episiotomia realizada antes da cesariana. O procedimento iniciou às 01:15hs e teve término 01:50. Na descrição do procedimento, conforme técnica prevista na literatura especializada, consta informação de tônus fetal diminuído, mas sem circular de cordão, bossa ou líquido meconial. Consta uma importante OBSERVAÇÃO, registrada neste documento (PRONT7): “O atendimento realizado pela pediatria ao RN foi dificultado pela troca dos tubos do aspirador e da oxigenação (onde deveria as pirar saía oxigênio e o oxigenador aspirando); que foi observado após o RN... (PRONT8) entubado. A troca foi observada pelo anestesista, Dr. Job, que ofereceu ajuda no atendimento.” Existe identificação do profissional que fez o registro, Dra. Claudia Coelho. O peso fetal ao nascer foi de 4115g. O Índice de Apgar, conforme documento DECL10 (Evento 1), foi de 02 e 04 no primeiro e quinto minuto. Conforme bibliografia pesquisada, “Apgar 3-4, asfixia moderada. Estando a pulsação abaixo de 100 batimentos por minuto,apesar da utilização dos estímulos e oxigênio facial, deve-se providenciar ventilação através máscara especial. O controle da eficiência é feito através da melhoria da cor, movimentação da parte superior do tórax e melhoria da freqüência cardíaca. Apgar0-2, asfixia severa, é necessário procedimentos de ressuscitação através da desobstrução das vias áreas, ventilação e controle da movimentação do tórax. Após isso, persistindo a baixa freqüência cardíaca, a criança deve ser intubada imediatamente e realizada massagem cardíaca por pessoa habilitada. São múltiplas as causas de anóxia/asfixia perinatal. Estas causas podem ocorrer antes da gestação, durante a gestação, durante o trabalho de parto, durante o parto (período expulsivo) e logo após o parto. O termo perinatal/neonatal facilita o enquadramento da patologia, mas impede identificar precisamente o momento que ocorreu a asfixia. Dado que favorece que não estava ocorrendo hipóxia/anóxia antes do parto, é a frequência cardíaca fetal sempre dentro da normalidade, conforme registro anexado ao processo. Concluindo, a asfixia/anóxia perinatal é uma patologia de rara ocorrência e de difícil diagnóstico etiológico preciso, devido à multiplicidade de fatores desencadeantes. O American College of Obstetriciansand Gynecologists elaboraram Critérios Sugestivos de Asfixia Fetal Intraparto: a)identificação dos eventos sentinelas: rotura uterina, descolamento prematuro de placenta (DPP), prolapso de cordão, embolia amniótica, parada cardiorrespiratória materna, transfusão maciça. b)alterações da FCF: bradicardia súbita e persistente ou ausência de variabilidade ou desacelerações tardias. c)Apgar <03 no quinto minuto de vida. d) sinais de comprometimento sistêmico nas primeiras 72 horas devida. e)Presença de anomalias focais agudas nos estudos de neuroimagem. Apesar de não haver sinais, sintomas ou patologia que indicassem hipóxia ou anóxia fetal antes do parto, existe possibilidade da existência de situação prévia a gestação, durante a gestação e durante o atendimento ao parto que levasse a hipóxia ou anóxia fetal. A descrição de diminuição de tônus fetal (Descrição da Cirurgia), pode ser sinal de patologia prévia ao nascimento. A observação registrada quanto ao atendimento imediato ao recém-nascido que não foi de maneira adequada devido a troca dos tubos, dificultando a oxigenação e aspiração, pode ter contribuído para o agravamento do quadro.
Quanto ao atendimento pós-parto – conforme documento PRONT12, PRONT13, PRONT14, PRONT15 e PRONT16, evolução pós-parto dentro da normalidade, a periciada teve alta em 31.07.2007 sem sinais de complicações na alta.
Quanto ao atendimento ao RN na UTI Neonatal e após a alta – conforme documento PRONT17, o recém nascido interna por insuficiência respiratória, apresentando taquipnéia, tiragem subcostal, tônus e reflexos diminuídos. Permaneceu internado por 23 dias. Diagnóstico na alta: Anoxia Neonatal Grave com sequela neurológica. No documento PRONT18, consta diagnóstico de anóxia neonatal.
CONCLUSÃO
- Quanto a internação da periciada para o parto – a conduta foi adequada, a indicação de assistência e acompanhamento ao trabalho de parto, encontra embasamento na literatura especializada.
- Quanto ao acompanhamento do trabalho de parto –pelos registros anexados ao processo, o atendimento foi adequado.
- Quanto ao atendimento ao período expulsivo e a indicação de cesariana de urgência, a indicação de cesariana somente ocorreu devido a parada da descida fetal, podendo ser sinal de Desproporção Céfalo-Pélvica, diagnósticos que somente podem ser feitos no momento e com acompanhamento realizado.
- Quanto a complicação apresentada pelo Recém-Nascido – a complicação diagnosticada, anóxia fetal, somente pode ser diagnosticada após o nascimento fetal. O acompanhamento do bem-estar fetal não indicava complicações. Mas não é possível precisar uma causa única e preponderante pois geralmente é multifatorial. Mas se faz necessário observar que a troca de tubos de oxigenação e aspiração registrados no prontuário anexado, pode ter agravado o quadro da asfixia fetal (Apgar 2/4).
- Quanto ao atendimento ao Recém Nascido após o nascimento – necessário ser analisado por especialista em neonatologia.
Vale gizar que o expert foi categórico ao indicar que, no caso concreto, não houve falha no proceder do hospital ou dos profissionais, asseverando que os procedimentos obstétrico e neonatal são protocolares e preconizados na literatura médica.
Embora o magistrado não fique restrito ao laudo pericial, é inegável que a perícia médica é fundamental para deslinde da controvérsia, sendo basilar para formação do convencimento judicial. E, na hipótese dos autos, não há como desconsiderar a conclusão veemente da perícia técnica.
No caso, o perito concluiu que não existiam sinais de comprometimento do bem-estar fetal até o momento da opção pela realização de cesariana. Ressaltou que o acompanhamento ao trabalho de parto foi adequado, encontrando embasamento na literatura especializada. No que toca ao período expulsivo, aduziu que a indicação de cesariana de urgência somente ocorreu devido à parada da descida fetal, em virtude de desproporção céfalo-pélvica, diagnósticos que somente podem ser realizados no momento da expulsão.
Acrescentou que o acompanhamento do parto não indicava complicações até a parada de descida fetal. Advertiu que a anóxia fetal somente pode ser diagnosticada após o nascimento, não sendo possível precisar uma causa única e preponderante, sendo, geralmente, multifatorial.
Assim, a prova pericial no que diz respeito ao período de acompanhamento do parto, bem como à fase da cesariana propriamente dita, não observou falha no procedimento levado a efeito pelos profissionais que assistiram à parturiente e ao recém nascido.
A parte autora formulou várias impugnações ao laudo pericial produzido pelo médico ginecologista, as quais passo a analisar.
Em primeiro lugar, aduziu a parte autora que o laudo pericial desconsiderou a informação constante em documentos emitidos pela própria FURG, que davam conta da ocorrência de parto prolongado.
Ora, tal informação constante nos referidos documentos não são capazes de, isoladamente, afastar as conclusões do perito, que descartou tal hipótese, lastreando-se na análise de toda a documentação pertinente ao caso dos autos. Conforme o trecho transcrito da perícia, o perito fez uma análise pormenorizada do procedimento a que foram submetidos o menor e sua genitora, de modo que a informação invocada pela parte autora não se mostra suficiente para infirmá-la.
De igual sorte, a alegação de que houve distócia, em face dos dados sobre a dilatação, resta afastada pela análise percuciente realizada pelo perito, que foi peremptório ao afirmar que, pelos dados constantes na documentação fornecida, não havia indicação de cesária antes do período expulsivo propriamente dito.
No que toca à questão da endometrite, em que pese haver a alegação de que decorreria do parto prolongado, fato omitido pelo perito ao entender da parte autora, há outros fatores que podem desencadear tal tipo de inflamação, como, por exemplo, a realização de cesariana. Desta feita, apesar da endometrite poder decorrer de parto prolongado, no caso em exame os elementos dos autos não permitem concluir que é esta a origem da inflamação.
No que respeita ao sofrimento fetal, fenômeno que o perito confirmou haver ocorrido, sinalizou que pela documentação carreada, não há como identificar precisamente o momento em que ocorreu a asfixia e, tampouco, a ocorrência de culpa da parte ré no ocorrido. Desse modo, o sofrimento fetal, por si só, não se mostra suficiente para fixar o nexo de causalidade com a falha no serviço prestado pelo hospital, devendo ser rejeitada a impugnação no ponto.
Por derradeiro, eventuais contradições entre as conclusões despendidas pelo perito ginecologista com aquelas levantadas pelo neurologista, devem ser dirimidas com um prestígio maior ao primeiro, em face da sua especialidade. Aliás, não foi por outro motivo que foi determinada a realização de perícia complementar com médico da área da ginecologia, que detém conhecimentos específicos para analisar o procedimento de parto, identificando eventuais falhas no seu curso.
Tenha-se presente que o Parecer lançado pelo MPF (evento 82), que opinou pela procedência dos pedidos, não contava com a prova pericial realizada por médico especializado em ginecologia, de modo que, em que pese a qualidade das suas razões, contém fragilidade decorrente de que não contava com tais elementos para sua elaboração.
Quanto à troca de tubos de oxigenação e de aspiração registrados nos prontuários, ocorrida após a expulsão do do recém nascido, quando foi necessária a sua reanimação, entendo que a questão se afigura diferente.
No ponto, patente a conduta culposa do profissional que utilizou o aparelho, ante ao erro grosseiro decorrente da troca dos tubos. A perícia, por sua vez, confirma a potencialidade do agravamento da asfixia pelo equívoco, o que entendo suficiente para configurar o necessário nexo de causalidade. Ora, o bebê já se encontrava em situação crítica, já que foi necessário proceder a sua reanimação, vindo a agente da demandada a aplicar técnica equivocada na sua entubação (retardando sua oxigenação), não havendo como afastar que tal proceder implicou em agravamento das sequelas que ele já sofrera, pela parada cardiorrespiratória.
É certo que o nível de agravamento é de difícil mensuração, tanto que o laudo pericial não chega fazer tal análise. Contudo, não há como ser desconsiderada a sua ocorrência. Portanto, entendo que tal conduta está compreendida no conceito de falha do serviço, que deu causa (nexo de causalidade) ao agravamento das sequelas que foram experimentadas pelo recém nascido.
Nesse sentido, é devida a reparação.
Da inocorrência de causas excludentes da responsabilidade da administração
Tenho que não se encontram presentes as chamadas causas excludentes ou atenuantes de responsabilidade: o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva ou concorrente da vítima e o fato de terceiro.
No que tange à Fundação Universidade Federal do Rio Grande, o dano causado à parte autora foi originado do agravamento das sequelas do menor Cauã, em virtude de equívoco na técnica de entubação, que foi realizado por profissional integrante dos seus quadros, o qual, devido à relação de subordinação, deve ser excluído do conceito de "terceiro" capaz de elidir a responsabilidade da administração.
Não se cogita de culpa exclusiva ou concorrente das vítimas, visto que o dano ocorreu quando do nascimento do menor autor, não tendo ele nem sua mãe concorrido para o evento danoso.
Os laudos periciais em momento algum mencionam a existência de excludentes de força maior e caso fortuito.
Caracterizada nos autos a responsabilidade civil da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, bem como a inocorrência de causas excludentes dessa responsabilidade, passo à análise específica sobre os danos materiais e morais.
Do direito à pensão vitalícia mensal em favor do autor Cauã (item 3, alíneas "a", "b" e "c" e "e")
Dispõe o artigo 950 do Código Civil brasileiro de 2002 a viabilidade jurídica de concessão de pensionamento para hipóteses de lesão ou ofensa que resultar para o ofendido, conforme termos que seguem:
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
Caso concreto
Como já restou delimitado na presente decisão, o menor Cauã faleceu no curso do processo. Desse modo, desde seu óbito, perdeu o objeto o pedido de pensionamento vitalício. Isso não torna desnecessária, no entanto, a análise quanto ao direito ao pensionamento, uma vez que o pedido retroage até a data do evento danoso
Da análise da prova colhida, depreende-se que as sequelas apresentadas pelo menor Cauã eram permanentes e incapacitantes para o trabalho, bem como a necessidade auxílio para a vida diária.
Reforço, por necessário, que "Para a reparação dos danos materiais, se impõe a fixação de pensionamento, cujo fundamento não é a impossibilidade de o autor ingressar no mercado de trabalho, mas o fato de que, desde a vacinação, não pode se desenvolver completa e independentemente. Trata-se de reparação para própria vítima - que jamais poderá trabalhar, necessitando de cuidados permanentes - sendo devida, portanto, desde o evento danoso (vacinação), nos termos da súmula 54 do e. Superior Tribunal de Justiça. Valor arbitrado considerando a gravidade dos efeitos colaterais, para a cobertura das despesas do tratamento e indenizar pela inabilitação para o trabalho." (TRF4, APELREEX 5000836-82.2010.404.7114, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 17/06/2011)
Em vista disto, conclui-se que a fixação da pensão mensal (vitalícia) deve incorporar as despesas com o tratamento das graves sequelas neurológicas, englobando o custeio de fraldas, medicamentos, consultas médicas com diferentes especialidades, gastos com fisioterapia, despesas com transporte, etc. Considerando a necessidade permanente de cuidados de terceiros, fixo o valor da pensão mensal vitalícia no montante equivalente de dois salários mínimos, suficientes a custear as despesas com tratamento no período compreendido entre o evento danoso e o óbito do menor, ocorrido em 06/02/2012.
Quanto à legalidade da fixação do pensionamento em salários mínimos, reporto-me ao seguinte precedente jurisprudencial a respaldá-la:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DE VEÍCULO. REPARAÇÃO DE GANHOS QUE A VÍTIMA PODERIA AUFERIR. FIXAÇÃO DA PENSÃO COM BASE NO SALARIO MINIMO. ART. 7., INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
É inaplicável a proibição da vinculação ao salário mínimo, prevista na parte final do art. 7, inc. IV, da Constituição Federal, como base de cálculo e atualização de pensão em ação de indenização por ato ilicito.
Recurso extraordinário não conhecido.
(RE 140940, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/03/1995, DJ 15-09-1995 PP-29513 EMENT VOL-01800-04 PP-00683)
A pensão é devida desde a data do evento danoso (29/07/2007), com primeiro vencimento em 27/08/2007.
A pensão em tela, ademais, abarca os pedidos constantes no item 3, alíneas "a", "b" e "c" e "e" , em que pese a parte autora tenha fracionado o pedido, os pleitos articulados nas referida alíneas detêm a mesma natureza, qual seja, a de pensão vitalícia. Saliento que especificamente os pedidos deduzidos nas alíneas "d" e "f", apesar de não serem nominados como de pensão e sim como de indenização em valor certo, também se encontram abrangidos pelo pleito de pensão vitalícia, que visa custear os valores necessários para o tratamento da vítima do ilícito. Tendo-se em conta que o direito à pensão vitalícia foi reconhecido desde o evento danoso, o deferimento da reparação nos termos das alíneas "d" e"f" importaria em bis in idem.
O fato é que, apesar de terem sido realizados tais ajustes, não há como se reconhecer que houve sucumbência da parte autora, uma vez que o pedido de pensionamento restou acolhido, tendo apenas a parte autora formulado o pedido de forma fracionada. No que toca aos pedidos de reparação por dano material ilustrados alíneas "d" e"f", apesar do não acolhimento, as reparações em si serão efetivadas por via oblíqua, tendo em vista o reconhecimento do direito à pensão vitalícia, não podendo, de igual forma, imputar sucumbência em desfavor da parte autora.
Por fim, os valores serão acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso, sendo desnecessária a aplicação de correção, já que o pensionamento foi fixado em salários mínimos.
Deverão ser deduzidos os valores adimplidos por força da tutela antecipatória deferida nos autos.
Da indenização por danos morais
O dano moral decorrente da incapacidade permanente para todos os atos da vida civil, como é o caso dos autos, é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.
Com tal entendimento, colaciono precedente do e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (sem grifo no original):
ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. DESNÍVEL DE PISTA. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO DNIT. DIREITO DE REGRESSO. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. PENSÃO VITALÍCIA. 1. Imputada a responsabilidade objetiva ao Estado, torna-se dispensável a verificação da existência de culpa do réu, bastando apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido. Essa responsabilidade baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação a qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito ou força maior. 2. A jurisprudência pátria tem assentado a possibilidade jurídica do pagamento de indenização decorrente de acidente de trânsito ocorrido em rodovia federal quando demonstrada a ação ou omissão imputável ao ente público no tocante à conservação e sinalização da rodovia, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (nos termos do art. 37, §6º, CF/88). 3. O dano moral decorrente da incapacidade permanente de movimentar os membros (tetraplegia) é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato. 4. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano. 5. O montante indenizatório deve ser atualizado a contar da decisão que o arbitrou (Súmula 362 do STJ), com base no Manual de Cálculos da Justiça Federal, e cabe a incidência de juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ e art. 398 do novo Código Civil). 6. Sobre o quantum indenizatório incidem juros de mora de 1% ao mês desde a data do evento danoso (Súmula 54 do STJ e art. 398 do novo Código Civil), e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09 (30-06-2009), devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora. 7. Restando comprovada a incapacidade do autor para o trabalho, e não sendo incompatível o recebimento de benefício previdenciário, no caso aposentadoria por invalidez, com a fixação de pensão, de natureza civil, cabível o arbitramento da pensão vitalícia, abatidos os proventos recebidos do INSS, como forma de recompor a renda que o autor possuía antes do evento lesivo. (TRF4, APELREEX 5000075-72.2010.404.7204, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 17/04/2013)
Da quantificação do dano moral
A reparação do dano moral representa para a vítima apenas uma compensação, capaz de minorar ou neutralizar a dor ocasionada pelo ato ilícito. Não há, portanto, ressarcimento propriamente, apenas uma compensação, pois a dor não se paga, compensa-se.
Como não existem na lei parâmetros objetivos para a sua fixação, a quantificação do dano moral, segundo critérios propostos pela doutrina e jurisprudência pátria, deve levar em consideração as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, o grau de reprovação da conduta, as consequências do ato ilícito e eventual contribuição da vítima para a configuração do evento danoso. Ainda, ganha relevância o caráter pedagógico da condenação, devendo a mesma ser fixada em patamar que represente efetiva punição ao ofensor, visando a desestimular a prática de condutas semelhantes, sem representar, por outro lado, enriquecimento fácil ao ofendido.
Assim, o valor compensatório deve obedecer aos padrões acima referidos.
Adequando tal entendimento aos contornos do caso concreto, deve ser salientado que o ato ilícito passível de reparação (erro no procedimento de entubação) ocasionou o agravamento das sequelas já adquiridas pelo autor em decorrência da anoxia grave. Deve ser sopesado ainda a gravidade e as consequências das sequelas, as quais levaram à invalidez irreversível do menor, que infelizmente faleceu no curso do processo, com doença que nitidamente tem relação com a sequela adquirida do ato ilícito (pneumonia), eis que as limitações de movimento conduzem à baixa capacidade cardiopulmonar.
Feitas todas essas considerações, fixo em em R$ 100.000,00 (cem mil reais) a indenização, atualizada a contar da sentença (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça).
Os juros são devidos desde o evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ.
Dano moral em relação à autora Brendha
Conforme já delineado, o menor, filho da autora Brendha, foi acometido de sequelas que o deixariam incapaz para todos os atos da vida civil, vindo, posteriormente à óbito, com doença relacionada aos danos sofridos pelo ato ilícito. É evidente a dor e o sofrimento advindos de tal circunstância, já que seu filho estava fadado a uma vida com severas limitações, conforme já foi exaustivamente descrito na presente decisão, vindo, posteriormente, a falecer.
Assim, entendo que como forma de reparação aos danos morais experimentados pela autora Brendha e considerados os critérios para fixação do quantum já delimitados no item anterior, resta adequada a fixação na metade do valor arbitrado em favor do menor, ou seja, R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
A atualização monetária e os juros deverão incidir nos termos fixados no item anterior.
Honorários advocatícios
Por fim, no que toca à verba honorária, deve ser consignado que nos termos da Súmula 326, do STJ, a imposição de indenização em valor menor do que o postulado não importa em sucumbência do demandante. Assim, deve ser a sucumbência integralmente suportada pela FURG.
Devem compor a base de cálculo da verba honorária as prestações vencidas a título de pensão mensal vitalícia até a presente data, além das indenizações.
(...)
Com efeito, a falha no atendimento médico prestado pelo réu resultou em dano grave: a falta de oxigenação do recém-nascido, agravando as sequelas já sofridas em decorrência do parto traumático. Resta caracterizado, portanto, o nexo de causalidade entre a conduta da FURG e os danos sofridos pelos autores, impondo-se o dever de indenizar.
O valor da indenização pelo dano moral é ato complexo para o julgador, que deve sopesar, dentre outras variantes, a extensão do dano, a condição sócio-econômica dos envolvidos, a razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em fonte de enriquecimento indevido.
Sendo assim, entendo que a indenização fixada pelo Magistrado de primeiro grau merece ser mantida, pois se revela suficiente e adequado para bem reparar os danos sofridos, sem acarretar o enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ratifica o entendimento esposado. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. COMPROVAÇÃO. REVISÃO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL. RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO QUANTUM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ. 2. O Tribunal de origem, com base nos elementos de prova, concluiu pela comprovação do erro médico e pela configuração do abalo moral. Alterar esse entendimento é inviável em recurso especial a teor do que dispõe a referida súmula. 3. A análise da insurgência contra o valor arbitrado a título de indenização por danos morais esbarra, também, na vedação prevista na referida súmula. Apenas em hipóteses excepcionais, quando manifestamente irrisória ou exorbitante a quantia fixada, é possível a revisão do quantum por esta Corte, situação não verificada no caso dos autos. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no AREsp 278078/SP, 4ª Turma, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe 19/08/2014)
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.
Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000316353v3 e do código CRC da1581a2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
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Apelação Cível Nº 5001449-44.2010.4.04.7101/RS
RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE: WILLIAM SARAIVA DIAS (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELANTE: BRENDHA QUARESMA (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG (RÉU)
APELANTE: SUCESSÃO DE CAUÃ HENRIQUE QUARESMA DIAS (Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELADO: OS MESMOS
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG. PARTO CESÁREO. FALHA NO ATENTIMENTO PRESTADO. NEXO CAUSAL. DANO MORAL. COMPROVAÇÃO.
. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º da CF/88).
. Com efeito, a falha no atendimento médico prestado pelo réu resultou em dano grave, qual seja, a falta de oxigenação do recém-nascido, agravando as seqüelas já sofridas em decorrência do parto já traumático. Resta caracterizado, portanto, o nexo de causalidade entre a conduta da FURG e os danos sofridos pelos autores, impondo-se o dever de indenizar.
. A indenização pelo dano moral, fixada pelo Magistrado de primeiro grau merece ser mantida, pois se revela suficiente e adequado para bem reparar os danos sofridos, sem acarretar o enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2017.
Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000316354v4 e do código CRC 2183b030.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Data e Hora: 14/12/2017 13:44:36
Conferência de autenticidade emitida em 28/06/2020 04:55:40.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/12/2017
Apelação Cível Nº 5001449-44.2010.4.04.7101/RS
RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: WILLIAM SARAIVA DIAS (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELANTE: BRENDHA QUARESMA (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG (RÉU)
APELANTE: SUCESSÃO DE CAUÃ HENRIQUE QUARESMA DIAS (Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO: KATIUCIA QUARESMA BRAGA
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento do dia 13/12/2017, na seqüência 1128, disponibilizada no DE de 28/11/2017.
Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª Turma , por unanimidade, decidiu negar provimento às apelações.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 28/06/2020 04:55:40.