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ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NOS ANOS QUE ANTECEDERAM AO FALECIMENTO DO SERVIDOR. TRF4....

Data da publicação: 14/04/2022, 07:00:59

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NOS ANOS QUE ANTECEDERAM AO FALECIMENTO DO SERVIDOR. 1) Pretende a autora a concessão do benefício de pensão por morte em razão do óbito de ZULMIR ROSSI, ex-servidor público federal aposentado, ocorrido em 04/06/2017. Relata ter convivido em regime de união estável com o extinto até o passamento, por aproximadamente vinte anos, de quem era dependente. 2) Cumpre à parte autora comprovar os fatos constitutivos de seu pretenso direito (art. 373, I do CPC), infirmando, de conseguinte, as conclusões administrativas e demonstrando a presença dos pressupostos da união estável na relação tida com o falecido quando do óbito. 3) Ausente prova da união estável entre a autora e o Sr. Zulmir Rossi, ao menos nos três ou quatro anos que antecederam seu falecimento, quiçá de que ele teria prestado qualquer auxílio financeiro nesse período, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe, ficando prejudicada a análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. (TRF4, AC 5012168-86.2018.4.04.7107, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 06/04/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5012168-86.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE: ELISE RIZZI (AUTOR)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença, verbis:

ELISE RIZZI, qualificada na inicial, ajuizou ação pelo procedimento comum contra a UNIÃO FEDERAL, originariamente distribuída perante a 4ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, objetivando a concessão, inclusive liminarmente, do benefício de pensão por morte em virtude do falecimento de ZULMIR ROSSI, ex-servidor público federal aposentado, ocorrido em 04/06/2017. Relatou ter sido dependente do extinto na condição de companheira, tendo com ele convivido em regime de união estável por mais de vinte anos até a data do passamento, o que foi desconsiderado pela União, em que pese a vasta prova documental apresentada. Outrossim, afirmou que percebe o benefício de aposentadoria por idade no valor de um salário-mínimo desde abril de 2014, o que não descaracteriza sua condição de dependente. Colacionou julgados favoráveis ao seu entendimento e requereu, ao final, a procedência dos pedidos, com a implantação do benefício vindicado e a condenação da parte contrária nos reflexos pecuniários daí decorrentes. Anexou documentos e requereu a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça e de prioridade de tramitação, os quais foram deferidos (evento 05). Anexou documentos.

Para corroborar suas afirmações a autora disponibilizou três arquivos de vídeo, depositados em autos suplementares (eventos 02 e 19).

A análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi postergada para o momento da prolação da sentença (evento 05).

Foi aprazada data para realização da audiência de instrução e julgamento (evento 21).

Citada, a UNIÃO contestou (evento 32). Inicialmente discorreu sobre os requisitos para o deferimento da prestação almejada, asseverando, com amparo no entendimento capitaneado pelo Tribunal de Contas da União, que “a companheira, para habilitar-se à pensão, precisa comprovar que dependia economicamente do instituidor e que com ele conviveu até a data de seu falecimento”. Outrossim, disse que os elementos probatórios não evidenciam a relação de dependência, tanto que a postulante é aposentada por idade perante o RGPS, não constando nos assentamentos funcionais do ex-servidor aposentado. Ao final, formulou pretensão subsidiária para a hipótese de eventual condenação e prequestionou a matéria. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Realizada a audiência, foi colhido o depoimento da autora (VÍDEO2, evento 34), sendo designada nova data para oitiva das testemunhas (evento 34).

A autora juntou novos documentos para comprovar suas afirmações (evento 48).

Na data aprazada foram colhidos os depoimentos das testemunhas, sendo os respectivos registros (arquivos de áudio de vídeo), bem como o termo e os documentos portados, na ocasião, pelas filhas do falecido, anexados aos eventos 59-62.

Intimada dos documentos anexados aos eventos 59-60, a autora se manifestou no evento 68, asseverando que a relação mantida com o extinto foi continua e duradoura, a revés do que relatou uma de suas filhas. Demais disso, juntou novos documentos, complementando, ainda, o memorial fotográfico já constante nos autos.

Por sua vez, a UNIÃO manifestou-se nos eventos 69 e 70, asseverando que o de cujus, nos últimos anos, foi assistido unicamente por seus filhos, o que põe por terra a propalada união estável. Outrossim juntou novos documentos.

No evento 72 foi certificada a abertura de autos físicos suplementares contendo um arquivo de vídeo, o que foi objeto da manifestação da UNIÃO acostada aos eventos 79 e 80. Na sequência a parte autora reiterou os termos iniciais, pugnando pela procedência dos pedidos (evento 83).

Redistribuído o processo a este juízo, vieram os autos conclusos para sentença.

A sentença julgou o pedido improcedente e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, à luz dos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC, cuja exigibilidade fica suspensa em razão do benefício da gratuidade da justiça inicialmente deferido.

A parte autora apela, requerendo a reforma da sentença, com a procedência do pedido nos termos da inicial, a fim de conceder o benefício de pensão por morte à recorrente decorrente do óbito do servidor público aposentado ZULMIR ROSSI, com a inversão do ônus sucumbencial, condenando-se a parte ré em honorários advocatícios.

Com contrarrazões, subiram os autos eletrônicos.

É o relatório.

VOTO

Adoto na íntegra os fundamentos da sentença, os quais ficam aqui reproduzidos como razões de decidir, in verbis:

(...)

II– FUNDAMENTAÇÃO

Mérito

Pretende a autora a concessão do benefício de pensão por morte em razão do óbito de ZULMIR ROSSI, ex-servidor público federal aposentado, ocorrido em 04/06/2017. Relata ter convivido em regime de união estável com o extinto até o passamento, por aproximadamente vinte anos, de quem era dependente.

Com efeito, o benefício postulado está previsto nos arts. 215 e 217 da Lei nº 8.112/90, sendo devido nos seguintes moldes, conforme redação dos dispositivos vigente na data do óbito (junho de 2017):

Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes, nas hipóteses legais, fazem jus à pensão a partir da data de óbito, observado o limite estabelecido no inciso XI do caput do art. 37 da Constituição Federal e no art. 2o da Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004. (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015)

Art. 217. São beneficiários das pensões:

(...)

III - o companheiro ou companheira que comprove união estável como entidade familiar;

(...)

Formulado pedido em âmbito administrativo, sobreveio indeferimento nos seguintes termos (págs. 03-06, doc. INDEFERIMENTO7, evento 01):

Trata-se o presente requerimento de pensão da Lei nº 8.112, de 11/12/1990 (...), formulado em 06/09/2017 perante a Gerencia Executiva do INSS em Caxias do Sul – GEXCAX/INSS, por Elise Rizzi, representada por seu procurador Leomar Renato Meneguzzi, (...), na condição de companheira do ex-servidor aposentado Zulmir Rossi, falecido em 04/06/2017 (Prot. SEI nº 0180504).

(...)

Analisada a documentação apresentada, bem como efetuadas pesquisas com objetivo de complementar os documentos do processo, verificamos que:

a) Dos dezesseis tipos de documentos elencados para comprovação do vínculo de dependência econômica na supracitada Orientação Normativa, a requerente apresentou documentos fragilmente enquadrados apenas nos itens VII 3 XVI, sendo que a norma exige a apresentação de no mínimo três itens;

b) Os documentos e comprovantes apresentados pela requerente aparentam que sua relação com o ex-servidor era de convício social, não ficando demonstrado que dependia economicamente e que mantinha relação de convívio conjugal;

c) A requerente é aposentada por idade pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conforme comprovante anexado ao processo (...), demonstrando que possui renda própria;

d) O ex-servidor não possuía a requerente como dependente nos assentamentos funcionais.

Isso posto, verifica-se que não restou comprovada a existência de vínculo marital e de dependência econômica em relação ao ex-servidor aposentado Zulmir Rossi.

(...)

Dessarte, passo ao exame das provas produzidas, sendo que a controvérsia dos autos concerne especificamente à condição de companheira da autora.

Sobre o tema atinente à união estável, a Constituição Federal de 1988 deu um passo importante ao estabelecer no art. 226, § 3º que "para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". A partir daí, o instituto ganhou novos contornos ao se resguardar os direitos ínsitos à relação conjugal mesmo sem casamento. Passou o ordenamento pátrio a dar valor jurídico à relação de convivência afetiva havida entre homem e mulher que não lograram buscar o matrimônio.

A Lei 8.971/94 foi a primeira norma infraconstitucional a conceituar o novel instituto jurídico, regulando o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. A norma, todavia, limitava-se a respaldar "a companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos". Ou seja, protegia o concubinato puro, prevendo inclusive prazo mínimo de convivência.

Posteriormente, foi promulgada a lei 9.278/96 com a intenção de regular efetivamente a norma constitucional. O art. 1º da lei, muito similar à previsão do art. 1723 do novo Código Civil, previa que "é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família".

Assim, atualmente, o que qualifica uma relação como união estável é que as pessoas nela envolvida convivam de forma duradoura, pública e contínua e, o mais importante, com o objetivo de constituição de família. O pressuposto de ser duradoura indica que, embora não haja um prazo mínimo, assim como havia com a lei 8.971/94, não se pode admitir que relações de semanas configurem uma união estável, mormente porque o interesse em constituição de família nasce com o passar do tempo. Pública significa que relações escondidas, avessa ao conhecimento de terceiros, não têm o condão de apontar para união estável. É preciso que a comunidade vislumbre no casal o interesse de unir-se no ideal de constituir uma família. E, por fim, a continuidade exigida dá-se no sentido de serem inadmissíveis acertos e desacertos continuados, sendo imperioso que a busca de uma conjuntura familiar advenha de uma relação estável.

Sobre a questão do ônus da prova, sinalo que, nos presentes autos, cumpre à parte autora comprovar os fatos constitutivos de seu pretenso direito (art. 373, I do CPC), infirmando, de conseguinte, as conclusões administrativas e demonstrando a presença dos pressupostos da união estável na relação tida com o falecido quando do óbito.

Objetivando comprovar a união estável alegada, a autora apresentou os seguintes documentos:

1) certidão de óbito do instituidor da pensão, informando que o passamento ocorreu no dia 04/06/2017, bem como que ele era viúvo de Lidiracema Mortari Rossi (doc. CERTOBT6, evento 01);

2) comprovante de rendimentos do servidor aposentado, endereçado a Rua Carlos Fedrizzi, 1490, bairro Exposição, Caxias do Sul/RS (doc. COMP8, evento 01);

3) receituário médico em nome do Sr. Zulmir Rossi, no qual consta a nome da autora como adquirente do fármaco, bem como endereço dela como sendo a Av. Rio Branco, nº 931/22, Caxias do Sul/RS (doc. ATESTMED9, evento 01);

4) correspondência/carta encaminhada à autora pelo instituidor da benesse em 12/1997 (doc. CARTA10, evento 01);

5) carta/correspondência endereçadas a Sra. Ingrid em outubro de 1997, chancelada pela autora e pelo Sr. Zulmir (doc. CARTA11, evento 01);

6) cópias de vários cheques expedidos entre 2000 e 2014, alguns deles nominais à autora, expedidos, em tese, pelo Sr. Zulmir Rossi (doc. OUT12 e p. 01, doc. OUT13, evento 01);

7) declaração com firma reconhecida em cartório, chancelada pela Sra. Fátima Regina Camargo, no sentido de que a autora e o extinto “efetuaram várias compras” no estabelecimento da declarante desde o ano de 2005, sendo o pagamento “efetuado em cheque como em dinheiro”, sendo os cheques emitidos em nome do Sr. Zulmir Rossi (doc. DECL14, evento 01);

8) declaração com firma reconhecida em cartório, chancelada pelo Sr. Valmor Miotto, no sentido de que a autora efetuou compras no seu estabelecimento comercial, sendo os pagamentos, quando realizados com cheques, sempre emitidos pelo Sr. Zulmir Rossi (doc. DECL15, evento 01);

9) ficha cadastral da empresa pertencente ao Sr. Valmor Miotto, em nome da autora, na qual consta o Sr. Zulmir Rossi como seu esposo. Referido documento também informa a realização de compras nos anos de 2004, 2005 e 2010-2014 (doc. DECL15, evento 01);

10) comprovante de transferências e depósitos bancárias realizadas pelo falecido em favor da parte autora em 2009, 2010 e 2011 (doc. OUT16, evento 01);

11) correspondências em nome da autora e do instituidor da benesse, ambas endereçadas à Rua Carlos Fedrizzi, nº 1490, Caxias do Sul/RS (p. 01, doc. OUT17, evento 01);

12) requerimento de inscrição em um curso de extensão promovido pela Universidade de Caxias do Sul em 1995, em nome da autora, no qual consta o seu endereço como sendo à rua Carlos Fedrizzi, nº 1490 (doc. OUT17, p. 02, evento 01);

13) contratos/requerimentos de matrícula indicando o intento da autora e do instituidor da benesse de cursar a disciplina de História da Filosofia Moderna na Universidade de Caxias do Sul (Universidade da Terceira Idade) no primeiro semestre de 2007 (págs. 03-04, doc. OUT17, evento 01);

14) ficha hospitalar e boletim de internação/alta fornecido pelo Hospital N. Sra. Medianeira, alusivo a um procedimento médico/cirúrgico ao qual a autora se submeteu em 2002, no qual consta o Sr. Zulmir Rossi como seu cônjuge e a profissão da paciente como protética. Referido documento informa o endereço da autora como sendo à Av. Rio Branco, nº 931, apto. 22, Caxias do Sul/RS (págs. 05-07, doc. OUT19, evento 01);

15) comprovantes de despesas/gastos realizadas no Trieste Hotel Ltda. no início de 2003, 2005, 2006 e 2009 em nome do falecido e da autora (doc. OUT18, evento 01);

16) registros fotográficos da autora e do instituidor da benesse, alguns deles datados em 1999 e 2003 (doc. OUT19, evento 01);

17) lembrança de batismo de Michael da Silva Moraes realizado no dia 25/05/2003, na qual consta a demandante e o Sr. Zulmir Rossi como padrinhos (doc. OUT20, evento 01);

18) correspondências encaminhada à Rua Carlos Fedrizzi, nº 1490, Caxias do Sul, em dezembro de 1997 e de 1998, em nome da autora (doc. END21, evento 01);

19) matérias veiculadas sobretudo em jornais de circulação local a partir de 1997, alusivas à autora e ao instituidor da benesse, qualificando-os ora como casal de noivos e/ou namorados, ora a autora como mulher do Sr. Zulmir (docs. OUT22 ao OUT28, evento 01);

20) “Resolução de mesa nº 407/A, de 2 de agosto de 2007”, concedendo o “Prêmio Caxias do Sul” ao instituidor da benesse e Ata da 345 Sessão Ordinária da XIV Legislatura, indicando que o extinto, “a partir de 1994, com 78 anos, conheceu a sua atual companheira”, Sra. Elise Rizzi. Outrossim, observo que o Sr. Adiló Didomênico, ao iniciar seu discurso, cumprimentou os presentes, dentre eles o falecido, arrolando a autora como sua esposa (págs. 11, 13-14, doc. OUT29, evento 01);

30) memorial fotográfico contendo inúmeros registros com a autora e o instituidor da benesse (docs. FOTO30-FOTO34, evento 01);

31) declarações com firmas reconhecidas em cartórios, chanceladas pelos Srs. Waldemar Raimundo Tomazzoni, André Ferrandin, Alexandre Ferrandin, Iran dos Santos Monari Varela, Alysson Júnior Tomazzoni, bem como pelas Sras. Assunta Menegotto Tomazzoni, Gabriela Studzinski, Solange Ferrandin, Ingrid Taís Ferrandin Tomazzoni, Maria José Cardoso Setti, Enelise Prestes Rodrigues Gonçalves, Izete Fátima Chiari, Cíntia Montemezzo, no sentido de que “a Sra. Elise Rizzi e o Sr. Zulmir Rossi mantiveram relacionamento em moldes de união estável por mais de uma década, convivendo e transmitindo à sociedade a vida em conjunto, como se marido e esposa fossem”. Declaração prestada por Vera Lúcia Salvador, nos mesmos moldes, sem reconhecimento da firma em cartório (doc. OUT10, evento 32);

32) autorização firmada pelo extinto, em 13/11/2014, para que seus filhos Lídia Amália Rossi Menegotto, Nilza Maria Rossi, Victor Hugo Rossi e Walmor Rossi tomassem “todas as providências e decisões” que achassem pertinentes à sua saúde e ao seu bem estar (p. 01, doc. OUT1, evento 59);

33) declaração encaminhada aos Srs. Flávio e Irineu Pezzi, firmada pelos filhos do falecido, acima arrolados, em janeiro de 2015, autorizando os Srs. Fabrício, Lenir e Rose a realizar compras no armazém em nome do Sr. Zulmir e unicamente de produtos destinados a sua alimentação, saúde, higiene e limpeza (p. 02, doc. OUT1, evento 59);

34) movimentação processual e principais peças da ação nº 1.17.0006469-0 (regulamentação de visitas), que tramitou perante a 1ª Vara de Família da Comarca de Caxias do Sul, movido pela autora em face de Lídia Amália Rossi Menegotto, Walmor Rossi e Vitor Hugo Rossi, anexadas ao evento 60 e, além disso, arquivada em autos suplementares na Secretaria desta 3ª Vara Federal (evento 60);

35) atestados fornecidos pelo Médico Geriatra Dener Lizot Rech, nas datas de 15/05/2015 e 30/05/2015, no sentido de que o Sr. Zulmir possuía, em tais ocasiões, ótima condição cognitiva, estando plenamente apto para exercer os atos da vida civil de maneira plena (p. 06, doc. OUT1 e p. 07, doc. OUT2, evento 60);

36) atestado fornecido pelo profissional supracitado, chancelado em abril de 2017, indicando que o falecido, na ocasião, necessitava do auxílio de terceiros para os atos da vida civil, devido a um quadro de demência leve. Demais disso, foi solicitada, na ocasião, a limitação de visitas de terceiros, sendo indicada apenas a presença de seus filhos, netos e da equipe de cuidadores por ele conhecida (p. 01, doc. OUT2, EVENTO 06);

37) relatório fornecido pela Cooperativa de Trabalho e Enfermagem Assistencial contratada para cuidar do instituidor desde 2014, informando que a autora, a partir de então, efetuava visitas esporádicas ao Sr. Zulmir, não tendo pernoitado na sua residência desde então. Em tal relato a equipe de enfermagem informa, ainda, que a postulante realizava visitas eventuais, deixando o ambiente, em tais oportunidades, um tanto conturbado, ficando o paciente nervoso e dificultando o trabalho das enfermeiras/cuidadoras (p. 02, doc. OUT2, evento 60);

38) boletim de internação e alta fornecido pelo Hospital Pompéia, informando que o Sr. Zulmir foi internado em novembro de 2006 para tratamento de um quadro de pneumonia, no qual consta seu estado civil como viúvo, sendo indicada como responsável a Sra. Nádia Beatris Vieira (p. 15, doc. OUT2, evento 60);

39) correspondência encaminhada ao instituidor pela Seção de Recursos Humanos da Gerência-Executiva do INSS em outubro de 2008, solicitando, se for o caso, a atualização e o cadastro de dependentes em seus assentamentos. No verso de tal documento foi lançada anotação manuscrita, ao que tudo indica pelo próprio pensionista, de que sua situação não se enquadra na hipótese em comento “por não manter dependentes” (págs. 01-02, doc. OUT3, evento 60 e p. 28 dos autos suplementares);

40) decisão proferida no bojo da demanda supracitada, suspendendo o direito de visita ao instituidor concedido à demandante (p. 32, doc. OUT14, evento 60);

41) cópia da decisão que proferida no Agravo de Instrumento nº 70073396558, interposto pela autora contra a decisão que revogou o direito de visitação (págs. 02-06, doc. OUT15, evento 60).

Demais disso, foi deferido o pedido de realização de audiência de instrução e julgamento, sendo colhido, pela magistrada que conduziu a instrução do feito, o depoimento da autora (evento 34) e das testemunhas indicadas no evento 62.

Ouvida enquanto o feito ainda tramitava perante a 4ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, a autora disse ter convivido com o instituidor da benesse por quase vinte e três anos, desde 1993 ou 1994, aproximadamente. Relatou ter sido proprietária de um salão de beleza, sendo apresentada ao Sr. Zulmir por uma de suas filhas (Sra. Nilza), que, inclusive, a chama de mãe. Afirmou que o instituidor da benesse manifestou interesse em ter um relacionamento como se casados fossem, tendo inclusive comprado um par de alianças, usada pela depoente até os dias atuais. Diante disso, registrou que o falecido pediu que fechasse o seu estabelecimento, assumindo como sua mulher e dependente. Outrossim, confirmou que o falecido tinha 75 anos de idade quando se conheceram e ela 50. Declarou ter sido casada anteriormente, não tendo recebido pensão ou outro auxílio de seu antigo esposo, de quem havia se separado seis anos antes de conhecer o Sr. Zulmir. Ato contínuo, a postulante afirmou ter morado com o falecido, na residência a ele pertencente, asseverando que nem todos os filhos aceitavam o relacionamento. Por conta disso, registrou ter sido proposto, por seu companheiro, em uma certa altura do relacionamento, que ela residisse em um imóvel situado na avenida Rio Branco, já que sua casa estava sempre cheia e ele sentia necessidade de passar alguns momentos sozinho. A partir daí, disse que o de cujus passava uma semana nesse imóvel e outra “na casa dele” (sic). Afirmou que o instituidor pagava o aluguel, condomínio, luz, água, alimentação, plano de saúde e demais despesas, sendo sua aposentadoria, no valor de um salário mínimo, insuficiente para arcar com todas suas despesas, necessitando, atualmente, da ajuda de seus filhos para se manter. Esclareceu que sua alimentação era adquirida no “mercado do Pezzi”, sendo as despesas pagas por seu companheiro. Apontou que o apartamento, onde residia, foi alugado por um de seus filhos, onde sua filha Ingrid morou até se casar, reiterando que o aluguel, mesmo assim, era pago pelo Sr. Zulmir, com quem conviveu até a data do óbito. Ademais, consignou ter acompanhado o falecido durante as internações hospitalares, mantendo com ele uma íntima relação até o passamento. Assinalou que o instituidor, que costumava apresentá-la como sua esposa, ficou bastante tempo acamado, sendo por ela cuidado em sua residência, onde possuía um quarto. Mesmo assim, destacou que por vezes dormiu no chão, ao lado da cama do falecido, para dele cuidar. Registrou ainda que a debilidade física perdurou uns dois meses antes do falecimento. Mesmo assim confirmou ter recebido ajuda financeira durante todo o período de convivência, até dois ou três meses antes do óbito. Ao final, argumentou que o extinto forneceu uma procuração à filha Lídia aproximadamente dois meses antes do passamento, tendo ela cortado todo o auxílio que recebia. Por fim, confirmou ter ido aos atos fúnebres acompanhada de seus filhos, registrando que a Sra. Lídia e o Sr. Vitor Hugo, filhos do extinto, não aprovavam o relacionamento, comportamento distinto, por exemplo, dos filhos Nilza e Walmor (VÍDEO2, evento 34).

Por sua vez, a depoente Lídia Amália Rossi Menegotto, filha do instituidor da pensão, confirmou que a autora conviveu com seu genitor, primeiramente na condição de colegas na universidade da terceira idade, o que levou, inclusive, com que ela frequentasse com maior regularidade a residência de seu pai, depois como amigos. Argumentou que o convívio evoluiu para uma relação de amizade, o que deixou de existir em 2014. Discorreu sobre o quadro clínico de seu genitor a partir de então, ponderando que ele se manteve lúcido durante todo o período. Confirmou que sua irmã (Nilza) mantinha um vínculo de estreita amizade com a postulante, asseverando, na realidade, que seu pai frequentava a casa da Sra. Nilza, que também era frequentada pela autora, onde ambos se conheceram. Afirmou que seu genitor, na realidade, viveu com um de seus netos até os últimos dias, sendo cuidado, desde setembro de 2014, por profissionais vinculados a uma empresa especializada, que o atendiam por 24 horas diárias.

Na sequência, ao revés do afirmado pela autora, disse que na residência de seu genitor havia apenas dois quartos, sendo um deles ocupado pelo neto, que com ele morava, e outro pelo falecido. Demais disso, ponderou que seu quadro clínico fez com que ele passasse a pernoitar na sala, já que o local era mais amplo. Mesmo assim, afirmou que a autora não pernoitava na casa de seu pai, assentando que suas afirmações são corroboradas inclusive pela empresa que prestou atendimento médico a ele desde 2014. Registrou que as compras realizadas no “Mercado dos Pezzi” eram destinadas unicamente a seu genitor. Em relação aos cheques, disse que seu pai costumava mantê-los assinados, em casa, ponderando que alguns deles eram dados em garantia no mercado para cobrir os gastos do mês, sendo posteriormente resgatados. Mencionou não ter conhecimento de que ele efetuava qualquer pagamento de despesas em favor da requerente, manifestando estranheza a forma pela qual ela conseguiu obter tais documentos, já que a partir de 2014 ela sequer frequentava a residência. Assentou que nos documentos de seu genitor – notadamente a partir de 2014 - não há qualquer indícios de que ele efetuava pagamentos a postulante. Ponderou que no documento hospitalar, alusivo a uma internação do falecido, a autora se qualificou como protética, sem nunca ter sido, e, ainda, como sua esposa. Entrementes, consignou que não era a postulante que costumava acompanhar seu pai nas diversas hospitalizações, não constando sequer em seus assentamentos funcionais.

Em continuidade, afirmou que o instituidor sempre foi muito lúcido e se fosse esse seu intento ele certamente teria feito constar o relacionamento de forma clara em outros documentos, o que teria garantido o direito à pensão. Aventou que a postulante nem mesmo conviveu com seu pai em Bento Gonçalves, nas semanas que ele lá ficava para realizar radioterapia, tampouco requereu, quando ele ainda estava vivo, o reconhecimento da união estável. Ressaltou que o falecido sequer dava satisfação à interessada do que acontecia na vida dele, tanto que ela nem conhecimento tinha da procuração concedida por seu pai desde 2015. Garantiu que a autora, depois de 2014, não recebeu um único centavo de seu pai, ao argumento de que todas as despesas e gastos passavam exclusivamente por seu crivo. Salientou que não eram adquiridos medicamentos para a autora, não tendo ela sequer conhecimento do farmacêutico que atendeu seu pai, já que no depoimento da interessada ela teria citado nome distinto do profissional contratado para prestar serviços à família. Em relação aos documentos colacionados aos autos, realçou que seu pai não utilizava mais o medicamento que consta na receita carreada aos autos pela autora, aventando, ainda, que tal fármaco sequer é controlado, sendo por isso totalmente desnecessário o apontamento de seu nome no verso da receita.

Demais disso, a testemunha Lídia Amália Rossi Menegotto ponderou que a interessada não mais visitou seu genitor a partir de 2017, o que ensejou, inclusive, o ajuizamento da ação para regulamentação de visitas. Consignou que as limitações físicas se agravaram em 2014, quando o falecido passou a ser atendido por uma empresa especializada. Confirmou que foi realizada a troca das fechaduras dos portões da residência. Indagada sobre o comportamento do pai disse que a autora, quando o visitava, costumava deixar o ambiente agitado, repassando notícias que não deveriam chegar aos ouvidos do genitor, como, por exemplo, o óbito de um dos sobrinhos que ele havia ajudado criar, já que tal situação agravava seu quadro clínico. Relatou, ainda, que a autora costumava piorar o quadro clínico, afirmando ao instituidor que estava doente e necessitava de dinheiro, deixando-o inquieto. Ademais, ponderou que seu pai jamais pediu que repassasse algum dinheiro à autora, destacando, inclusive, que um de seus cunhados chegou a emprestar uma certa quantia para autora, mas não a pedido do falecido. Discorreu sobre os vários problemas de saúde de seu genitor, não tendo a autora o acompanhado ou cuidado. Reiterou que a demandante costumava tumultuar o ambiente, levando a seu pai problemas pessoais, sendo as visitas de curto tempo. Ponderou que o motivo da aproximação poderia ser o de auferir vantagem financeira, sendo que os cheques que juntados aos autos oriundos de um talão, firmado por seu pai quando ele já estava doente. Por fim, testificou que seu genitor não costumava passar as semanas no apartamento da autora, situado na avenida Rio Branco, não tendo mantido qualquer convício social com ela, sobretudo a partir de 2014 (VÍDEO2, VÍDEO3 e VÍDEO4, evento 61).

Já a testemunha Nilza Maria Rossi confirmou ser filha do Sr. Zulmir Rossi, sendo colhido seu depoimento na condição de informante, mormente diante de ser amiga íntima da autora. Afirmou que a Sra. Elise Rizzi foi companheira do instituidor da benesse por vinte e três anos, o que é de conhecimento de todos os seus irmãos. Confirmou que eles namoraram e residiram na residência de seu pai, situada na rua Carlos Fedrizzi. Disse que havia duas casas no terreno, sendo que o casal, inicialmente, morava na residência da frente e ela no imóvel dos fundos. Confirmou que seu pai pediu para a autora deixar o salão de beleza para ser sustentada por ele, na condição de sua esposa. Ponderou que um dos sobrinhos também viveu com seu pai por aproximadamente trinta anos. Consignou que parte da família não aceitava o relacionamento, tendo a autora, mesmo assim, residido com seu genitor. Disse ter morado no local até 2003, quando seu pai passou a residir na primeira casa do terreno, tendo a depoente mudado sua residência para um imóvel situado na localidade de Lajeado Grande. Ato contínuo, relatou que a autora, depois de um determinado tempo, foi morar em um apartamento situado na Av. Rio Branco, cujo aluguel era pago por seu pai. Mesmo diante de seu quadro clínico, ponderou que o genitor teria manifestado interesse em ser cuidado pela Sra. Elise, não sendo atendido pelos demais filhos. Registrou que a autora deixou a casa onde residia com o instituidor, pois estava sendo maltratada pelos demais familiares, passando a residir com uma filha e um genro.

Seguindo em seu depoimento, a Sra. Nilza Maria Rossi disse que a partir de 2003 costumava visitar seu pai a cada seis meses, asseverando que os demais irmãos criaram uma série de obstáculos nos quatro meses que precederam ao óbito, o que dificultava as visitações. Reiterou que seu pai pagava todas as despesas da autora, asseverando, inclusive, que ele teria pedido que testemunhasse a favor da interessada, afirmando que eram companheiros, não sabendo justificar o porquê eles próprios não documentaram o ocorrido enquanto vivo. Mencionou que seu pai deixou um testamento, cuja origem é desconhecida, tendo ele mantido sua lucidez até a data do passamento, não sabendo precisar, quando indagada, o motivo pelo qual ele jamais documentou a relação mantida com a autora. Disse que o extinto permaneceu em casa a partir de 2014, ponderando que sua irmã Lídia e outro irmão assumiram os documentos e a vida financeira dele. Reiterou que seu pai sustentava a autora, pagando despesas de alimentação e farmácia, registrando que o casal foi obrigado a se separar nos últimos quatro meses que antecederam o falecimento. Contudo, ponderou que seu pai, enquanto teve o controle de seus rendimentos, ajudava financeiramente a autora. Ao final, mencionou que o instituidor foi obrigado a assinar a procuração fornecida à Sra. Lídia, mesmo sendo uma pessoa esclarecida e ciente do que estava acontecendo até o dia do seu falecimento. Outrossim, consignou que sua irmã é astuciosa, tendo ludibriado o genitor a firmar tal documento. Por fim, narrou ter concedido um empréstimo a seu pai, ponderando que ele costumava auxiliar os familiares e as pessoas próximas. Consignou que se sentiu injustiçada na partilha dos bens, asseverando que existem divergências familiares em virtude de questões financeiras. Por fim, reiterou ter deixado a casa que morava em Caxias do Sul para que seu pai pudesse nela residir com a autora (VÍDEO5 e VÍDEO6, evento 61).

Ato contínuo, a depoente Cíntia Montemezzo afirmou que é amiga íntima de uma das filhas da autora. Mencionou conhecer a demandante há 22 anos, aproximadamente, sendo que a interessada, na época em que se conheceram, residia com dois filhos, sendo um deles a sua amiga, e, além disso, começou a namorar o instituidor da benesse. Consignou que o Sr. Rossi tinha duas residências, por vezes dormindo na casa da demandante. Confirmou que ele sugeriu o fechamento do salão de beleza pertencente à autora, ao argumento de que sua esposa não poderia trabalhar fora. Afirmou que o casal tinha vida social, tendo estudado juntos. Registrou que o instituidor da benesse costumava ficar na casa da autora, não sabendo precisar se ela passava alguns dias na residência dele. Disse ter participado de um curso com o Sr. Zulmir há doze anos, aproximadamente, no período noturno, com duração média de sete meses, tendo dado carona para ele - até a residência da autora - em algumas oportunidades. Ponderou que a autora e a filha mudaram da casa, situada na rua Tronca, para o apartamento localizado na Av. Rio Branco, a pedido do extinto. Confirmou que ele ajudava com as despesas da casa, tendo inclusive custeado a faculdade de sua amiga (filha da autora). Mencionou ter visitado o falecido no verão de 2015, quando ele já estava enfermo, ocasião em que a autora também estava no local, por mais que ainda residisse no apartamento supracitado. Disse que o Sr. Zulmir estava lúcido no momento em que fora visitá-lo, ocasião em que viram fotos, contaram histórias. Consignou ter ouvido, da Sra. Ingrid, filha da autora, de quem é amiga, que familiares do falecido a estavam impedindo de ver o instituidor. Ato contínuo, confirmou, em síntese, que o casal continuou mantendo o mesmo relacionamento, sendo a autora impedida de ver o instituidor nos últimos meses de vida em decorrência de limitações impostas por familiares. Registrou que a autora e o instituidor eram um casal, agindo como se marido e mulher fossem, sendo as despesas por ele mantidas. Outrossim, confirmou que o casal, por vontade própria, jamais rompeu seu relacionamento, ao menos até a visita a ele feita no verão de 2015. Por fim, confirmou que os três filhos da autora arcaram com suas despesas depois de 2014 (VÍDEO7, evento 61).

Seguindo a mesma linha, a testemunha Marisa Serafini confirmou ter laborado em uma loja situada na Av. Rio Branco, onde conheceu a autora na condição de cliente. Ponderou que o empreendimento estava situado no térreo, enquanto que a demandante residia no segundo ou terceiro pavimento. Consignou que o instituidor da benesse por vezes pernoitava no apartamento da autora, sendo que ela, em outras oportunidades, costumava dormir na casa dele. Registrou que a autora e o Sr. Zulmir viviam como se marido e mulher fossem, tanto que ele costumava chamá-la de esposa. Disse ter se aposentado em 2014, aproximadamente, ocasião em que a autora ainda residia no mesmo local, sendo o imóvel ainda frequentado pelo instituidor. Mencionou que uma das filhas da autora residiu no mesmo local até se casar, não tendo percebido qualquer alteração no relacionamento do casal. Confirmou que o falecido arcava com as despesas da autora, aí incluindo o aluguel do apartamento. Todavia, não soube precisar se a autora tinha alguma fonte de renda, tampouco se ela deixou de contar com o auxílio financeiro do instituidor, não sendo de seu conhecimento a ruptura do relacionamento. Ademais, registrou que o Sr. Rossi sempre manteve a lucidez, tendo tratado a autora, em todas as oportunidades, como sua esposa. Ao final, não soube precisar a idade do casal, apontando apenas que faixa etária era diferente, tampouco se os filhos da autora tinham condições de ajudá-la, por mais que eles frequentassem a sua residência. Ponderou ainda que o casal passeava bastante, indo para a praia e frequentando outros lugares (VÍDEO8, evento 61).

Por fim, o depoente José Quagliotto confirmou ter conhecido a autora por intermédio do Sr. Zulmir. Afirmou ser motorista de táxi, tendo prestado serviços para ambos, os quais se portavam como se marido e mulher fossem. Acredita que o casal residia no mesmo local, mais precisamente na casa situada na rua Fedrizzi, próximo ao Fórum, onde costumava pegá-los. Não soube precisar se a autora residiu em outro local. Indagado, mencionou já ter conduzido o casal até uma farmácia, situada na Av. Rio Branco, bem como a uma propriedade situada na localidade em Lajeado Grande, além de algumas corridas até Arroio do Sal. Assentou que fazia uns quatro ou cinco anos que não prestava serviços a eles, reiterando que o ponto de partida era sempre a residência situada na rua Fedrizzi. Consignou ter visitado o instituidor uns dois anos e meio antes, em mais de uma oportunidade, asseverando que seu cliente, na oportunidade, estava lúcido e consciente. Referiu que a autora, em uma delas, estava no local e em outra não. Outrossim, confirmou não ter feito corridas nos últimos anos, sendo a última delas realizada para a autora, ocasião em que teria ouvido que seu cliente não estava muito bem. Não soube precisar quem - afora a profissional contratada para tanto - cuidou do Sr. Zulmir no período que de sua enfermidade, tampouco se a autora permaneceu no local, não a tendo visto na residência. Ponderou que o extinto não possuía outra mulher, sendo os pagamentos realizados por ambos. Registrou ter visto o falecido dando dinheiro à interessada - em uma oportunidade – para efetuar o pagamento dos serviços de transporte. Ao final, disse acreditar que os filhos do casal tinham conhecimento do relacionamento, assentando, ainda, que ter prestado serviços para o casal por um período de aproximadamente vinte anos, durante o qual nunca presenciou qualquer desentendimento. Ademais, afirmou não ter conhecimento de que familiares teriam impedido a demandante de visitar o instituidor ou, ainda, de frequentar a residência (VÍDEO9, evento 61).

Para facilitar a análise, impende dividir a controvérsia em três períodos: de meados da década de 90 até 2009, de 2010 a 2014 e daí até o óbito em 2017.

A prova revela a relação de união estável havida entre a autora e o falecido a contar aproximadamente da metade da década de 90. Há, em verdade, fartos elementos de prova neste sentido, como passo a expor.

Poucos anos após o óbito da esposa do falecido, ocorrido em 01/10/1992 (conforme fl. 05 do OUT29), este conheceu a autora, mais precisamente em fevereiro de 1994, conforme relatado pela informante Neuza, tendo ela ido morar com ele já em 1995, conforme OUT17 (fl. 02). Aqui já cumpre fazer o registro de que a coabitação contínua não ficou evidenciada nos autos, notadamente diante do relato feito pela própria autora na inicial da ação de regulamentação de visitas, abaixo esmiuçada, no sentido de que "embora residissem em casas separadas durante esse lapo temporal, é possível determinar que viveram sob a égide da união estável" (fl. 04 do OUT13 do ev. 60). Ademais, junto aos autos suplementares há um DVD com reportagem promovida pelo canal RBS com o casal, quando o falecido tinha 85 anos, ou seja, em torno de 2002, em que, não obstante demonstre o afeto existente entre eles, há referência de que "cada um mora na sua própria casa". Em verdade, o que a prova revela, notadamente os depoimentos das testemunhas Cíntia e Marisa, é que a autora passava períodos em companhia do falecido, seja no endereço na Rua Carlos Fedrizzi, seja no endereço na Av. Rio Branco, nº 931/22 - onde a demandante, de fato, residiu ao longo dos anos, em conjunto com sua filha -, o que não refuta, de qualquer sorte, as evidências voltadas à relação afetiva existente.

A autora junta, por exemplo, carta enviada pelo falecido a ela no Natal de 1997, na qual ele a qualifica como "esposa exemplar" (Item "4"1); há ainda carta subscrita por ambos à Ingrid, filha da autora (item "5"). Ademais, há no item 11 referência a cartas enviadas pela UCS a ambos no final da década de 90, direcionadas ao endereço onde o autor vivia quando do falecimento (Rua Carlos Fedrizzi, 1490), assim como outras acostadas aos autos, como consta no item 18.

Aliás, consta nos autos uma série de reportagens de jornal local demonstrando a intenção do casal de ingressar em novas graduações. Em outubro de 2002, o falecido demonstra intenção de prestar vestibular para o curso de medicina, constando na reportagem que "o estudo é feito em parceria com a mulher, Elise Rizzi, 60, que pretende ser psicóloga" (fl. 01 do OUT22). Antes disso, em 2000, no próprio jornal da UCS já constava que o casal, juntos, à época, há seis anos, estava na universidade desde 1995 (OUT23). Aliás, em reportagem produzida em 1997 consta que eles já estavam noivos há três anos (OUT24), embora, no tocante à nomenclatura do relacionamento, seja digno de nota que em reportagem de 2004 eles figuram como namorados (OUT27). Há ainda participação do casal em programa de entrevista na UCS-TV, quando o falecido tinha 84 anos, ou seja, em 2000/2001 (DVD nos autos suplementares) em que eles, na condição de casal, relatam seu pioneirismo no programa daquela instituição voltado a alunos da terceira idade.

Chamo atenção ainda para a reportagem feita com o casal pelo canal RBS, acima referida, em que retrata a relação afetiva, de cuidados e respeito, existente entre o casal em 2002.

O primeiro documento dando conta da autora ter ido residir em imóvel situado na Av. Rio Branco, nº 931/22, alugado e custeado, segundo as testemunhas, pelo falecido, muito embora não haja nenhuma prova documental disto e a autora tenha dito que o contrato firmado está em nome de seu filho, é de 2002, como se colhe do item "14" supra, muito embora a prova testemunhal sugira que isso ocorreu antes. Chama atenção que a filha Nilza saiu da casa do pai em 2003, conforme fl. 04 do OUT1 do ev 59, o que, segundo seu confuso relato, teria relação com a presença da autora no local, o que não coaduna com as provas documentais.

Em 2003 o casal foi agraciado com com a condição de padrinhos de uma criança de dois anos (OUT20), circunstância própria da condição de união estável existente. Há, aliás, prova de várias viagens em conjunto feitas pelo casal a Arroio do Sal entre 2003 e 2009 (item 15). Outrossim, há várias fotos que retratam o relacionamento de ambos ao longo dos anos. Há, por exemplo, foto deles em 1999, quando o falecido era homenageado pela ADESG (fl. 02 do OUT19), assim como em 2003, em evento de enfermagem (fl. 01), sem contar uma gama de outras fotos revelando características de um relacionamento conjugal ao longo dos anos, ainda que nem todas estejam devidamente datadas.

Por outro lado, provas esparsas como o boletim de internação da fl. 15 do OUT2 do ev. 60, que revela a condição de viúvo do falecido, com referência a sua filha como responsável, por si sós, não refutam o arsenal de elementos em sentido contrário.

Além disso, o contexto probatório revela uma participação conjunta do casal em cursos junto à UCS, tanto que no primeiro semestre de 2007 ambos estavam inscritos na atividade de "História da Filosofia Moderna" (item 13). Por sinal, em 2007, quando o falecido completou 90 anos, há uma série de fotos retratando o casal. Aquela estampada na coluna social de jornal local (OUT25) é uma delas. Nos docs. FOTO30-31 fica claro que a autora tinha posição de destaque em relação ao falecido, quando de seu aniversário de 90 anos, sentando-se ao lado dele e estando presente nas fotos tiradas com os demais presentes.

Ademais, naquele ano de 2007 o falecido foi homenageado pela Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, pelos serviços prestados à sociedade caxiense. No próprio documento consta que ele conheceu a autora, qualificada como companheira dele, ainda em 1994 (OUT29), sem contar as diversas manifestações com referência à condição de esposa da autora em relação a ele, a qual, aliás, se fez presente na homenagem (fl. 17). Há ainda nos autos suplementares DVD com o inteiro teor da sessão de homenagem.

Neste mesmo ano de 2007 o casal participou de reportagem na UCS-TV (DVD dos autos suplementares), que explicitou a relação afetiva deles e o contato que eles tinham com os estudos.

Há, outrossim, dezenas de fotos retratando o casal ao longo dos anos, sendo a primeira identificada como sendo no Natal de 1995 (fl. 02 do FOTO32).

A prova testemunhal vai no mesmo sentido. A testemunha Cíntia, amiga da filha da autora, conforme relato supra, pôde bem retratar o convívio do casal, aventando, em suma, inclusive que, em 2007, foi colega do falecido, tendo dado-lhe caronas até a residência da autora em diversas oportunidades. A testemunha Marisa foi no mesmo sentido, logrando informar a relação de marido e mulher do casal. Disse, em suma, que trabalhava em uma loja que ficava no térreo do prédio onde a autora residia, mantendo contato com ambos ao longo do tempo. O cenário se repetiu em relação à testemunha José, taxista, que confirmou ter feito transporte para o casal em diversas oportunidades, ora os levando para Arroio do Sal, ora os transportando dentro da cidade. Anotou a testemunha a relação conjugal existente entre eles.

Cabe fazer um aparte, neste momento, quanto aos depoimentos das filhas do falecido, Lídia e Neuza. Além de antagônicos em alguns pontos, os testemunhos, sobretudo o da filha Neuza, ouvida como informante, revelam uma relação muito conturbada entre os familiares, tendo ela demonstrado amplo desapreço a diversos deles, inclusive no que toca ao processo de inventário, que parece ser tema candente no seio familiar, inclusive porque o falecido era proprietário de alguns imóveis. Diversas referências, portanto, devem ser apuradas com temperamento, ganhando relevo apenas quando lastreadas em prova documental compatível.

De qualquer sorte, o cotejo entre os dois depoimentos privilegia aquele dado pela testemunha Lídia, já que escorado em elementos documentais, sobretudo, como se verá abaixo, no que toca aos últimos anos de vida do genitor. Ademais, é inconteste que o depoimento da filha Neuza apresenta pontos obscuros, inclusive com afirmações contrárias à prova produzida pela própria autora, como é o caso da insistência dela de que a autora e seu pai sempre viveram juntos, sob o mesmo teto. A depoente, além disso, em certos momentos faz elucubrações sem lastro lógico e documental, como, por exemplo, quando faz alusão a suposta armação da família para ludibriar o Juiz de Direito que havia deferido o pedido liminar na ação de regulação de visitas, sobretudo a partir da juntada de uma foto tirada - que reputa fraudulenta -, olvidando que o pedido dos réus naquela ação foi escorado em atestado médico emitido por profissional habilitado. Não bastasse isso, é emblemático o fato de que a depoente, diferentemente de sua irmã, residia em São Francisco de Paula desde 2003, tendo aventado que visitava seu pai a cada seis meses, o que mitiga seu conhecimento frente às vicissitudes do relacionamento, em especial quando comparado com a da sua irmã Lídia, que tomou as rédeas da situação de seu pai.

O conflito de depoimentos, todavia, não tem relevância neste primeiro período examinado, já que há farta prova da relação afetiva do casal.

Frente a tudo isso, tenho que prova documental, ratificada pela testemunhal, evidencia uma relação duradoura - de cerca de 15 anos -, pública, já que ambos agiam como marido e mulher em diversos eventos, tanto de cunho familiar, como social, e contínua, não havendo nenhuma notícia de ruptura da relação entre 1994 até 2009.

Outrossim, a intenção de constituir família também é inequívoca. Sobre tal requisito, Sílvio Venosa aponta que (Direito Civil: Direito de família - 3. ed - São Paulo: Atlas, 2003, fl. 55):

(...) o objetivo de constituição de família é corolário de todos os elementos legais antecedentes. Não é necessário que o casal de fato tenha prole em comum, o que se constituiria elemento mais profundo para caracterizar a entidade familiar. Contudo, ainda que sem filhos comuns, a união tutelada é aquela intuitu familiae, que se traduz em uma comunhão de vida e interesses.

No período de 2010 a 2014 as provas documentais tornam-se escassas. Em verdade, elas se resumem a uma série de cheques subscritos pelo falecido, notadamente entre 2010 e 2014, alguns nominais à autora, sendo o último de outubro de 2014 (item "6"), os quais eram utilizados para compras no mercado, conforme DECL14-15. Eles não evidenciam, contudo, nenhum tipo de relação entre ambos, já que se cuidam de cheques que jamais foram descontados, estando livremente preenchidos. Há, inclusive, alegação de que eles teriam sido preenchidos pela autora, ponto irrelevante diante da singeleza da prova.

Em outubro de 2014 o casal foi junto ao médico, conforme o documento do item "3" supra. Cabe anotar, quanto a isso, que, consoante se depreende da cópia do documento acostada ao evento 60 (p. 03, doc. OUT4), o falecido já não estava mais sob os cuidados do Dr. Pedro Paulo de Abreu Lima, sendo atendido pelo Médico Geriatra Dener Lizot Rech, que se mostrou contrário ao uso do fármaco em razão do tratamento por ele prescrito, inexistindo razões para a sua aquisição. Ademais, a situação estava sendo gerida pela filha Lídia, de modo que a ela caberia a aquisição, até mesmo porque a própria interessada afirmou que sequer possuía condições de adquirir os seus medicamentos, não sendo comprovado que o falecido tenha solicitado ou arcado com a suposta compra.

A prova testemunhal também torna-se mais frágil no período de 2010 a 2014. A testemunha Cíntia com eles não noticiou contato no interregno, havendo referências genéricas pelas outras duas testemunhas à manutenção da relação, já que centradas em contatos eventuais.

Ocorre que a partir de novembro de 2014, época aproximada em que, segundo relato da testemunha Lídia e indicado nas fls. 01 do OUT5 e 01-02 do OUT11 do ev. 60, o falecido passou a depender de cuidados mais intensos, tanto que foram contratadas enfermeiras para ampararem-lhe, o cenário tornou-se ainda mais nebuloso. Aliás, no período de 04/11/2014 a 10/12/2014 o falecido esteve internado no Hospital da Unimed, conforme DECL3 do ev. 68, quando, conforme sugere o atestado da fl. 01 do OUT2 do ev. 60, teria colocado um marcapasso. Naquele mês há uma autorização assinada por Zulmir Rossi, possivelmente ainda enquanto estava internado, que concede aos filhos poderes para adotarem as providências necessárias para o trato de seu bem-estar e de sua saúde (OUT1 do ev. 59). A partir disso, foram adotadas medidas voltadas ao controle das despesas do falecido, como se colhe de informação endereçada ao proprietário do mercado que a família efetuava compras (fl. 02 do OUT1 do ev. 59). Ademais, houve cortes de pagamentos de dezembro de 2014 para janeiro de 2015, inclusive naquele nominado como "Elise". Os autos suplementares ainda revelam meticuloso controle contábil das despesas do falecido.

A prova testemunhal, nesta linha, também é precária no período. A testemunha Marisa, por exemplo, noticiou contato com a autora e o falecido até 2014, mais ou menos, época em que se aposentou e deixou de laborar na loja; a testemunha José, por sua vez, anotou que a última corrida feita para o casal foi 4 ou 5 anos antes do passamento, ou seja, até 2012 ou 2013. Disse ele ainda que visitou o falecido em duas oportunidades, sendo que a autora se fazia presente em uma delas; por fim, a testemunha Cíntia teve um único contato com o falecido no período, quando o visitou, talvez um ano antes do óbito, tendo encontrado a autora na residência naquele momento, o que se justifica inclusive pela presença no local da filha da autora, conexão da testemunha com o caso concreto.

Ainda, na fl. 09 do OUT2 do ev. 60 consta que o falecido passou por tratamento médico em Bento Gonçalves no período de 15/12/2015 a 01/02/2016, não havendo nenhuma prova de quem o acompanhou neste período de quase dois meses, muito embora nem mesmo a autora tenha aventado que prestara auxílio a ele na ocasião.

Em 2017 a autora ingressou judicialmente contra os filhos do falecido com pedido de regularização de visitas, nº 010/1.17.0006469-0 (ev. 60, OUT1, fl. 01). O pedido liminar foi inicialmente deferido (fl. 15 do OUT14 do ev. 60), com emissão do alvará em 21/03/2017 (fl. 01 do OUT13 do ev. 60), tendo a decisão sido posteriormente revogada por recomendação médica (fl. 32 do OUT14). O agravo interposto contra a decisão não teve êxito (OUT15 do ev. 60).

Em suma, nos últimos três anos da vida do Sr. Zulmir não há nenhuma evidência de que tenha havido algum tipo de relação com a autora, seja por meio de prova documental, seja por meio de prova testemunhal.

Aliás, a prova testemunhal, notadamente o depoimento da testemunha Lídia, é amplamente contrária à conclusão da existência de união estável. Com efeito, a testemunha foi categórica em afirmar que o contato entre a autora e o falecido era esparso no período, não havendo a relação noticiada na inicial. Ademais, há documentos que pesam em desfavor da alegada união estável no período. Cito, por exemplo, o relato prestado pela Cooperativa de Trabalho de Enfermagem Assistencial contratada para cuidá-lo desde dezembro de 2014 (sic - p. 02, doc. OUT2, evento 60 – destaques acrescidos):

(...)

Na residência mora seu Zulmir e um neto e nós Equipe 24h. A família está sempre visitando e apoiando e não deixa faltar nada, como higiene, limpeza, alimentação, medicação, vestuário, etc. Para desenvolvermos um bom atendimento ao paciente. Conforme relatório diário pelos profissionais.

Seu Zulmir recebe visitas de pessoas conhecidas e amigas, uma delas é a Senhora Elise que eventualmente vem visitá-lo. Segundo relato das cuidadoras que presenciam a visita, posso descrever que essa senhora deixa um ambiente conturbado, paciente nervoso onde encontramos dificuldade para realizar nosso trabalho, pois passa falando ‘que está doente, que precisa de dinheiro, etc’. Isto e trazendo problemas. As visitas eram de tempo curto. Numa das internações no hospital da UNIMED a Senhora Elise foi visita-lo, após a visita o Sr. Zulmir ficou transtornado que desenvolveu um surto onde rasgou a roupa, as fraldas e não queria alimentar-se, nem ficar no leito.

Em três anos de cuidados, acompanhamento 24 horas o Paciente esta senhora nunca passou a noite na casa, acompanhou nem cuidou do Senhor Zulmir sendo apenas uma eventual visitante.

É dizer, além da ausência de provas da alegada união estável, sobretudo nos três últimos anos de vida do Sr. Zulmir, há o depoimento de uma filha e o relato da enfermeira responsável pelo falecido no período atestando um panorama que não condiz minimamente com a condição de união estável.

De mais a mais, todos os depoentes afirmaram, cabalmente, que o instituidor da benesse sempre foi uma pessoa lúcida, mantendo essa condição até as semanas/dias que precederam o falecimento, o que é corroborado, diga-se de passagem, pelos atestados subscritos pelo Dr. Dener Lizot Rech, médico geriatra que acompanhou o falecido desde 2014 (OUT2 do ev. 60). A própria autora levanta que episódios de confusão mental passaram a ocorrer apenas no final de 2016 (fl. 04 do OUT13 do ev. 60). Com isso não se pode concluir que houve uma tentativa de afastamento da autora do falecido pelos filhos deste, já que ele tinha plena consciência do que ocorria ao seu redor, tendo inclusive ofertado poderes a sua filha (PROC2 do ev. 70) para que gerisse sua renda e adotasse as medidas necessárias para seu bem estar. A procuração, inclusive, foi expedida mais de dois anos antes do óbito, e não dois ou três meses antes, como anotado pela autora em seu depoimento pessoal.

Chamam atenção, aliás, alguns pontos: a) jamais foi produzido documento em que ambos expusessem a intenção de viver em união estável; b) o falecido nunca fez qualquer registro em sua declaração de renda ou mesmo nos registros junto ao INSS - para efeito de futura pensão - da condição de companheira da autora; c) embora a autora alegue que sempre foi sustentada pelo falecido, os elementos de prova revelam que, pelo menos a partir de 2014, não lhe foram mais direcionados recursos para custeio de seus gastos cotidianos, não tendo ela adotado nenhuma providência voltada a equacionar a situação ou mesmo a reconhecer a união estável, o que infirma a própria dependência econômica; d) a autora não teve sequer conta conjunta com o falecido, tendo este optado por incluir seu filho Walmor na conta junto ao Itaú, consoante cheque do OUT2 do ev. 60 (fl. 11).

Não passa despercebido que tanto o Sr. Zulmir como a autora jamais tencionaram formalizar a união estável. Basta ver que o extinto, sendo uma pessoa extremamente lúcida e conhecedora dos seus direitos e obrigações, tendo se aposentado no cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e, mais que isso, frequentado bancos acadêmicos até praticamente seus noventa anos, jamais declarou a postulante como dependente nos seus assentamentos funcionais, muito menos nas suas declarações de imposto de renda, para que ela pudesse usufruir de eventual plano de saúde e até mesmo de sua pensão. Tanto é que o ex-servidor, notificado - em 2008 - pela Gerência-Executiva do INSS em Caxias do Sul de que estava aberto o prazo para atualização cadastral dos servidores ativos, pensionistas e dependentes participantes do plano de saúde GEAP, quedou silente, tendo anotado, de forma manuscrita, no verso da correspondência, que ele não se enquadrava em nenhum dos itens arrolados na missiva, justamente por não manter qualquer relação de dependência (págs. 01-02, doc. OUT3, evento 60).

Impõe observar ainda que apesar dos pontos acima citados não serem imprescindíveis para a configuração da relação, eles ganham corpo no caso dos autos a partir da absoluta falta de provas nos anos anteriores ao passamento, o que é corroborado pelo aparente distanciamento da autora frente ao falecido neste período. A prova indica, aliás, que o falecido, mesmo lúcido, consciente e, mais que isso, sendo uma pessoa extremamente esclarecida, optou, nos três ou quatro anos que antecederam o passamento, por se distanciar da demandante, não tendo manifestado qualquer intenção de, por exemplo, com ela conviver ou até mesmo de ficar sob seus cuidados.

Afora tais apontamentos, outras questões merecem destaque. A primeira delas diz respeito às declarações com firmas reconhecidas em cartório, anexadas ao OUT10 (evento 01). Ainda que os declarantes façam alusão ao relacionamento do casal, não há registro do período em que a suposta união teria findado, sendo registrado apenas que o relacionamento perdurou por mais de dez anos. Ora, se o relacionamento teve início em 1994, o seu término pode muito bem ter ocorrido em 2009 ou 2010, nos moldes das declarações. A indicação, por sinal, de "mais de dez anos" coaduna com tal conclusão, pois a vingar a tese autoral a relação teria perdurado mais de vinte anos. A segunda envolve o fato de que não há provas de que a autora solicitou, a partir do momento em que os filhos do instituidor assumiram sua vida financeira, o que ocorreu em 2014, qualquer amparo, ainda que judicialmente. Sendo dele dependente, é de se presumir que, tão logo cessado o auxílio indispensável a sua subsistência - o que ocorreu em 2013/2014 - ela teria não só teria solicitado o reconhecimento da união, como questionado a medida, o que foi realizado aproximadamente três mais tarde, isto é, tão somente depois do passamento.

Em suma, em que pese o relacionamento mantido pelo falecido e pela autora entre meados dos anos 90 e na primeira década dos anos 2000, tal não se manteve nos quatro anos que antecederam o falecimento, o que milita em desfavor da parte autora. É dizer, não se verifica, ao menos desde 2014, quanto o Sr. Zulmir ainda estava lúcido e consciente, sendo plenamente capaz de gerir seus próprios atos, alguma espécie de relacionamento conjugal entre a autora e o falecido ou até mesmo de coabitação, requisito preponderante da união estável, que alberga todos os outros, qual seja, a intenção de constituir família. Aliás, tal requisito é a razão de ter o legislador constituinte igualado ou aproximado o matrimônio da união estável, firmando balizas a fim de que a família tenha uma proteção especial. No caso, diante dos elementos fático-probatório não vislumbro a relação existente como a de uma família notadamente desde 2014, com os anseios daí decorrentes, inviabilizando o deferimento do pedido veiculado nestes autos.

Não há, portanto, como inferir que, quando do passamento, o falecido vivia uma relação afetiva pública, duradoura, contínua e com a intenção de constituir família com a autora. Ora, (1) não havendo coabitação, (2) não havendo gestão pela autora dos interesses do falecido, (3) não sendo ela responsável por seus cuidados, em casa ou fora dela, (4) havendo elementos que demonstram visitas curtas e eventuais a ele e, por fim, (5) não havendo provas produzidas pela parte autora que revelem mínima relação com o falecido no lapso temporal em questão, não é possível concluir, à luz do contexto probatório existente, a relação de união estável.

Por fim, há destacar que a união estável, por se tratar de uma relação de fato, não necessita de nenhuma formalidade para ser encerrada. Em verdade, quando os pressupostos de sua constituição passam a inexistir, ou seja, deixa de haver convivência "pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família", a união encerra-se de pronto, não demandando nenhuma manifestação de vontade formal dos integrantes.

Na consonância do entendimento deste Juízo, aliás, já se manifestou o TRF da 4ª Região (destaques acrescidos):

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRO(A). UNIÃO ESTÁVEL. ÓBITO DO INSTITUIDOR. CONTEMPORANEIDADE. ART. 217, I, C DA LEI 8.112/90. ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.135/15. REQUISITOS PREENCHIDOS. A pensão por morte de servidor público é devida a companheiro(a) que comprove a existência de união estável à data do óbito do instituidor, sendo presumida a sua dependência econômica, nos termos do art. 217, I, c da Lei n. 8.112/90. (TRF4, AC 5008206-13.2017.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 13/12/2018)

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. EXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO LEGAL PARA O CASAMENTO. APLICAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. ARTS. 1.521 E 1.723, §1º, DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. BENEFÍCIO INDEVIDO. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. O reconhecimento da união estável pressupõe a inexistência de impedimentos para o casamento. Aplicação dos arts. 1.521 e 1.723, §1º, do Código Civil. 3. Não comprovada a existência da união estável, falece à autora o direito à pensão por morte do alegado companheiro, impondo-se a improcedência da demanda. (TRF4, AC 5025447-90.2014.4.04.7201, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 02/02/2018)

AGRAVO INTERNO EM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. O reconhecimento do direito ao benefício de pensão por morte pressupõe a comprovação da existência de convivência pública, contínua e duradoura com o de cujus - assim reconhecida pela comunidade -, estabelecida com o objetivo de constituição de família e mantida até a data de seu óbito. Infere-se da análise dos autos que não restou comprovado, a contento, que o relacionamento afetivo, estabelecido entre a requerente e o de cujus, perdurou até o seu falecimento. Ou seja, não há elementos consistentes que evidenciem que o casal mantinha uma união estável no momento óbito do servidor público, tampouco foi confirmado pelas testemunhas ouvidas em juízo o caráter público, contínuo e com intuitu familiae desse vínculo. Embora o benefício revista-se de natureza alimentar, o juízo de improcedência da ação, após dilação probatória e cognição exauriente, depõe contra a titularidade do direito alegado (art. 217, inciso I, alínea "c", da Lei n.º 8.112/90). (TRF4 5035235-95.2017.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 15/12/2017)

Destarte, não havendo prova da união estável entre a autora e o Sr. Zulmir Rossi, ao menos nos três ou quatro anos que antecederam seu falecimento, quiçá de que ele teria prestado qualquer auxílio financeiro nesse período, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe, ficando prejudicada a análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.

(...)

Irretocável a sentença, portanto.

Os honorários advocatícios devem ser mantidos nos termos sentenciais e majorados em 2%, de acordo com o disposto no art. 85, § 11, do CPC, em face da atuação recursal.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003138398v3 e do código CRC d948bb98.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Data e Hora: 6/4/2022, às 17:16:50


1. Visando a facilitar as referências, faço-as em relação aos documentos descritos na parte inicial da sentença.

5012168-86.2018.4.04.7107
40003138398.V3


Conferência de autenticidade emitida em 14/04/2022 04:00:58.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5012168-86.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE: ELISE RIZZI (AUTOR)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

EMENTA

administrativo. servidor público civil. pensão por morte. união estável. ausência de comprovação nos anos que antecederam ao falecimento do servidor.

1) Pretende a autora a concessão do benefício de pensão por morte em razão do óbito de ZULMIR ROSSI, ex-servidor público federal aposentado, ocorrido em 04/06/2017. Relata ter convivido em regime de união estável com o extinto até o passamento, por aproximadamente vinte anos, de quem era dependente.

2) Cumpre à parte autora comprovar os fatos constitutivos de seu pretenso direito (art. 373, I do CPC), infirmando, de conseguinte, as conclusões administrativas e demonstrando a presença dos pressupostos da união estável na relação tida com o falecido quando do óbito.

3) Ausente prova da união estável entre a autora e o Sr. Zulmir Rossi, ao menos nos três ou quatro anos que antecederam seu falecimento, quiçá de que ele teria prestado qualquer auxílio financeiro nesse período, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe, ficando prejudicada a análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de abril de 2022.



Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003138399v4 e do código CRC 5b9078cf.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Data e Hora: 6/4/2022, às 17:16:50


5012168-86.2018.4.04.7107
40003138399 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 14/04/2022 04:00:58.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 06/04/2022

Apelação Cível Nº 5012168-86.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI

APELANTE: ELISE RIZZI (AUTOR)

ADVOGADO: LEOMAR RENATO MENEGUZZI (OAB RS049315)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 06/04/2022, na sequência 479, disponibilizada no DE de 25/03/2022.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 14/04/2022 04:00:58.

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