Apelação Cível Nº 5015938-88.2016.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: ANA LUIZA DAL NEGRO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: Dulciomar César Fukushima (OAB PR020312)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
INTERESSADO: POLÍCIA FEDERAL/PR (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente a ação, nos seguintes termos:
Diante do exposto, revogo a decisão que concedeu a tutela de urgência antecipada (evento 50), e julgo improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a a autora ao pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, conforme art. 85, §§ 2º, 3º e 5º, do CPC. No entanto, a exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões, a autora alegou que: (1) há nos autos a comprovação de sua invalidez, sendo esta preexistente ao óbito da genitora da Apelante, ex-servidora pública, tendo inclusive o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de São José dos Pinhais concedido à curatela provisória em antecipação de tutela, e o laudo elaborado pelo perito daquele d. Juízo declarando a Apelante absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil; (2) é possível, de acordo com as informações prestadas, com o intuito de se proferir uma decisão coadunada com a veracidade dos fatos constantes dos autos, verifica-se que a Ana Luiza solteira, acumuladora e apresenta 13 sérias dificuldades que limitam a sua convivência social e a inserção no mercado de trabalho, como o comportamento extremamente alienado, ingênuo e fora da realidade; (3) restou atestado, igualmente, que a Apelante não responde aos estímulos do meio, nunca trabalhou, não possui relacionamento social e nunca teve um relacionamento amoroso, possui parca escolaridade, sequer tendo condições de cuidar de si e de sua residência, sendo portadora de esquizofrenia, de acordo com os laudos; (4) a genitora da Apelante, nunca achou por bem expor a condição da filha e requerer a interdição desta uma vez que ambas sempre viveram juntas, sendo a mãe a provedora e cuidadora única e exclusiva da filha. Assim, a declaração da interdição da condição de inválida somente se mostrou necessária quando do falecimento daquela que sempre cuidou e sustentou a filha, e (5) da análise detida das provas carreadas ao caderno processual, verifica-se que, de fato, a qualidade de filha da falecida ex-servidora e a invalidez da Apelante, preexistente ao óbito do instituidor do benefício, restaram devidamente comprovadas, não havendo que se falar e ausência de provas acerca da incapacidade preexistente ao falecimento da genitora da Apelante. Nesses termos, requereu a antecipação da tutela recursal, para o imediato restabelecimento do benefício previdenciário, até o julgamento definitivo do recurso, e, ao final, o provimento do recurso, com o reconhecimento de seu direito à pensão por morte da ex-servidora.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
A autora reiterou o pedido de concessão de tutela antecipada, o qual foi deferido.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela desnecessidade de intervenção no feito.
A União interpôs agravo legal, sustentando (1) o não implemento dos requisitos legais para a outorga de tutela de urgência, e (2) a vedação legal de medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação (arts. 1º da Lei n.º 9.494/1997, c/c art. 1º da Lei n.º 8.437/1992).
É o relatório.
VOTO
Ao apreciar o pedido deduzido na inicial, o juízo a quo manifestou-se, nos seguintes termos:
ANA LUIZA DAL NEGRO, representada por seu curador, postula a tutela jurisdicional contra a UNIÃO, pretendendo seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela, para o fim de "obrigar a Requerida a incluir a Requerente como beneficiária, na condição de filha maior inválida da Militar, bem como conceder imediatamente o benefício da pensão por morte".
Deduz sua pretensão, em síntese, de acordo com os seguintes fundamentos: a) é filha da Sra. Guilhermina de Miranda Dal Negro, a qual era Auxiliar de Enfermagem aposentada do Exército Brasileiro; b) sua mãe faleceu em 16/10/2014, momento em que contava com 54 anos de idade; c) desde a infância, sofre de transtornos psicológicos e depressão grave, quadro que se agravou com o falecimento da mãe; d) não possui estudos, pois não teve capacidade para acompanhar o ensino médio; e) sempre residiu com sua mãe, sendo por ela sustentada sem nunca ter desenvolvido qualquer atividade remunerada em razão da incapacidade; f) não possui irmãos, reside sozinha e está com sérias dificuldades em se alimentar e manter a higiene; g) em 10 de fevereiro de 2015, requereu ao Exército Brasileiro, 5ª Região Militar, Comando das Armas do Estado do Paraná, a sua inclusão como beneficiária da pensão, na condição de filha maior inválida dependente da mãe; h) o pedido administrativo foi negado em 24 de abril de 2015, sob o argumento de que não restou comprovada a invalidez; i) em 30/10/2015, uma prima de nome Doriane Pazello Pinto, propôs a Ação de Interdição nº 0023064-88.2015.8.16.0035 em virtude de sua incapacidade, obtendo tutela antecipada para nomeação de curadora em face de não ter condições de gerir os atos da vida civil; j) não havendo como contestar a invalidez, faz jus ao benefício de pensão negado pelo Exército Brasileiro.
No evento 9, determinou-se a intimação prévia da União, para manifestar-se sobre o pedido antecipatório.
A União requereu o indeferimento da antecipação de tutela: a) não há prova inequívoca de que a autora era inválida na data do falecimento da instituidora da pensão; b) a curatela provisória foi determinada em 23 de março de 2016, portanto, 2 (dois) anos após o falecimento de sua genitora; c) não se trata de pensão militar, conforme equivocadamente trouxe a autora em sua exordial, mas de pensão por morte civil prevista na Lei nº 8.112/1990; d) para a concessão do benefício pleiteado, seria necessária a comprovação não só da invalidez da parte autora, mas a prova de que tal invalidez existia no momento do óbito do instituidor (ev. 27).
Conforme decisão do evento 29, considerando a necessidade de prova pericial para avaliação do caso da autora, bem como a urgência alegada na inicial, foi determinada a antecipação da produção da prova requerida na inicial, como medida acauteladora e adequada à solução do conflito (art. 381, II, CPC-2015).
O laudo foi anexado ao evento 48.
Foi deferido o pedido de tutela antecipada, para o fim de determinar que a União adotasse as providências necessárias para incluir a autora como beneficiária, na condição de filha maior inválida, da servidora pública Guilhermina de Miranda Dal Negro, concedendo-lhe o benefício da pensão por morte (ev. 50).
A União Federal apresentou Contestação (evento 71), alegando que: a) a pensão civil dos servidores públicos federais é instituto jurídico especial, tratado pela Lei nº 8.112/90, não se aplicando a estes outras regras, a exemplo das previstas para o benefício de alimentos, nos termos do Código Civil Brasileiro, matéria do ramo do Direito Privado. Para a concessão ou manutenção da pensão civil, o beneficiário deve cumprir as regras previstas na Lei nº 8.112/90 na data do falecimento do instituidor; b) o art. 217 qualifica-se como regra concessiva de vantagem e por isso deve ser interpretado de forma estrita, razão pela qual não assiste o direito da parte autora em continuar recebendo qualquer benefício sem que haja prova de que a invalidez era preexistente ao óbito da instituidora; c) diante dos fatos apurados pela Administração Militar no bojo do procedimento administrativo de concessão de pensão civil por morte, conclui-se que a autora ANA LUIZA DAL NEGRO não faz jus a pensão por morte instituída por sua genitora GUILHERMINA DE MIRANDA DAL NEGRO, falecida em 16 de outubro de 2014, uma vez que não preenche os requisitos legais do artigo 217 da Lei nº 8.112/90, por não ter sido considerada inválida; d) o laudo pericial do juízo (evento 48, laudo1) é claro no sentido de que inexiste, mesmo atualmente, incapacidade para que a autora exerça atividades que possam garantir a sua subsistência, não necessitando do auxílio de terceiros. Ainda, consta que estão preservadas as funções psíquicas da autora, bem como não foram identificados déficits cognitivos como os citados no laudo psicológico trazido pela parte autora. O fato de a autora necessitar de auxílio para administrar as suas finanças não significa que a mesma seja inválida, circunstância de muito maio grandeza; e) o perito não pode afirmar (quesito 4) o início do quadro depressivo da autora, sendo que o quadro teve início em 2014 após o falecimento de sua genitora; f) o Tribunal de Contas da União já se pronunciou no sentido de que a invalidez para fins de concessão de pensão deve ser preexistente ao óbito do instituidor, entendimento este consolidado no verbete da Súmula TCU nº 271/2012; g) não se tem configurado o pressuposto para a concessão da pensão pleiteada, ou seja, a comprovação de que a invalidez seja preexistente ao óbito do instituidor do benefício. Com efeito, de conformidade o laudo pericial da Junta Médica Oficial, bem como do juízo, a requerente é portadora de depressão leve, porém não foi constatada invalidez decorrente desta moléstia; h) tornam-se inócuos quaisquer embasamentos dos pedidos da autora, uma vez que a lei vigente não garante a percepção de pensão estatutária temporária aos filhos maiores de 21 anos que não sejam inválidos na data do óbito do instituidor. Carece de amparo legal, portanto, o pedido da parte autora.
A autora apresentou Réplica (evento 99).
O MPF requereu a produção de prova pericial psicológica (evento 87). A autora requereu a produção da prova testemunhal, prova pericial psicológica, prova pericial psiquiátrica e estudo social (evento 99). A União informou não ter provas a produzir (evento 103).
Conforme decisão do evento 105, foi deferido o pedido de prova pericial psicológica, postulado pelo MPF e pela autora, e indeferido o pedido de prova testemunhal.
Foram deferidos os quesitos apresentados pelo MPF no evento 110, pela parte autora no evento 113 e pela União no evento 116.
A União anexou ao processo denúncia encaminhada ao Comando Militar da 5ª RM, na qual o Sr. Nilton Dávila comunicou que a autora desta ação utilizou atestados médicos falsos e indicou doenças que nunca existiram para obter o benefício remuneratório junto ao Exército Brasileiro. Requereu a União fosse dada ciência do documento às peritas judiciais (psicóloga e médica psiquiatra) e ao MPF, e fosse feita a oitiva do denunciante, para que se esclarecesse os fatos denunciados. Também requereu a revogação da tutela antecipada concedida, "considerando que a prova pericial psiquiátrica já atestou que NÃO existe incapacidade, e a denúncia ora juntada vem corroborar a conclusão da expert" (ev. 136).
Conforme despacho do evento 138, foi deliberado que: "III. Diante do exposto, reconhecendo desde logo a gravidade da denúncia anexada ao evento 136, determino a intimação urgente da parte autora e do MPF para que, no prazo de 15 (quinze) dias, requeiram o que lhes couber sobre a petição e documento (denúncia) anexados ao evento 136 pela parte ré. IV. Além disso, do modo mais célere possível (autorizado o uso de e-mail e/ou contato por telefone), dê-se ciência à perita judicial psicóloga, Dra. Maria Fátima Fonseca Ramos, da petição e documento do evento 136, para que realize o trabalho pericial ciente da denúncia formulada pelo Sr. Nilton Dávila. Em complemento, intime-se a perita para que informe no laudo, como quesito complementar do juízo, se "pôde constatar que a autora simula seus alegados problemas de saúde mental", prestando ainda os esclarecimentos que julgar pertinentes sobre o assunto (simulação do estado de saúde). A pressa na intimação da perita judicial e a elaboração do quesito adicional neste momento se justificam em razão da proximidade do início da perícia, ou seja, dia 9 de dezembro próximo, às 9 horas, na Clínica Ergon, segundo informa a perita no evento 125. V. Apresentado o laudo, intimem-se as partes para manifestação, no prazo de 15 (quinze) dias, prazo em que os assistentes técnicos poderão apresentar seu respectivo parecer (art. 477, § 1º, do CPC/2015)".
Elaborado laudo pericial por psicóloga (eventos 152 e 170).
Foi dada vista ao Ministério Público Federal para manifestação, no prazo de 10 (dez) dias, em especial sobre o laudo psicológico (evento 152) e sobre o que requerido pela União no evento 158, primeiro parágrafo (evento 160), tendo o MPF requerido: "a intimação da perita para que complemente o laudo, respondendo expressamente ao quesito do juízo (evento 138), qual seja: “se pôde constatar que a autora simula seus alegados problemas de saúde mental, prestando ainda os esclarecimentos que julgar pertinentes sobre o assunto (simulação do estado de saúde).” Ademais, no que diz respeito à notícia da prática, em tese, de crime de uso de documento falso (evento 136), vem informar que encaminhou as informações à Coordenadoria Criminal desta Procuradoria da República, para adoção das providências consideradas pertinentes" (evento 163).
Foi juntado laudo complementar (evento 170).
A União se manifestou no evento 174, afirmando que: "a ausência de invalidez, atestada pelo perito médico psiquiátra (ev. 48), profissional com competência legal para o diagnóstico, é causa suficiente para a improcedência do processo. Sem dúvida a autora apresenta um nível de inteligência e sociabilidade abaixo da média, fato que, ainda que verdadeiro, não lhe torna incapaz, além de ser reversível com adequado tratamento. De qualquer sorte, eventual investigação policial poderá aduzir novos elementos que corroborem a relativa independência da autora, ao menos para se excluir a hipótese de invalidez".
A autora se manifestou no evento 176, aduzindo que: "Em resposta ao quesito complementar formulado pela Requerida, a Sra. Perita confirmou seu posicionamento afirmando que a Requerente não tem pleno uso de suas atividades intelectuais, sendo permanentemente incapaz, portadora de Debilidade Mental. Assim, com base na resposta ao quesito complementar e no laudo pericial apresentados, não restam dúvidas quanto à incapacidade da Requerente, corroborando seu direito de ter o benefício de pensão por morte concedido".
O MPF requereu a produção de nova prova pericial psiquiátrica (evento 182), tendo em vista a divergência entre os laudos, uma vez que a perita psiquiatra atestou a capacidade da autora, ainda que seja portadora de transtorno de personalidade esquizotípica e episódio depressivo leve, e a perita psicóloga concluiu pela incapacidade da autora para o exercício de atividades laborais, porquanto portadora de debilidade mental e Síndrome de Diógenes.
Diante da divergência entre os resultados dos laudos periciais, cujas conclusões são opostas e atestam diagnósticos diversos, foi deferido o pedido de nova prova pericial psiquiátrica, postulado pelo MPF, nos termos do art. 480 do CPC/2015 (evento 184).
Foi juntado Laudo Pericial nos eventos 219 e 220.
A União se manifestou no evento 224 e a autora no evento 226.
O MPF se manifestou pela improcedência do pedido no evento 247.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme se infere dos documentos juntados no processo (evento 1 - PROCADM5), em 10 de fevereiro de 2015, a autora requereu pensão civil por morte, alegando ser filha inválida. Em 02 de março de 2015, a autora foi encaminhada ao médico perito da guarnição de Curitiba para fins de inspeção de saúde, com a finalidade de habilitação à pensão civil. Em 30 de março de 2015, em sessão nº 33/2015, foi emitida ata de inspeção de saúde nº 7271/2015, com diagnóstico de retardo mental leve e parecer médico de não invalidez. Em 24 de abril de 2015, conforme oficio nº 00423-SS5.2/Pes Civil/SSIP-5, a Administração Militar notificou a autora, dando ciência do resultado da inspeção de saúde, concedendo prazo de 60 (sessenta) dias para requerer inspeção de saúde em grau de recurso.
Em 26 de junho de 2015, foi publicado no aditamento nº 1 ao Boletim Regional de Acesso Restrito nº 24, o término do prazo para que a autora pudesse requerer inspeção de saúde em grau de recurso e o consequente arquivamento, face sua inércia. Em 30 de julho de 2015, o Sr. Chefe do Estado-Maior da 5ª Região Militar emitiu despacho indeferindo o pedido de concessão de pensão civil por morte, por falta de amparo legal, tendo em vista a autora não ter sido considerada inválida, conforme ata de inspeção de saúde nº 7271/2015, de 30 de março de 2015.
A União alega que, diante dos fatos apurados pela Administração Militar no bojo do procedimento administrativo de concessão de pensão civil por morte, conclui-se que a autora não faz jus a pensão por morte instituída por sua genitora GUILHERMINA DE MIRANDA DAL NEGRO, falecida em 16 de outubro de 2014, uma vez que não preenche os requisitos legais do artigo 217 da Lei nº 8.112/90, por não ter sido considerada inválida. Aduz que o laudo pericial do juízo (evento 48, laudo1) é claro no sentido de que inexiste, mesmo atualmente, incapacidade para que a autora exerça atividades que possam garantir a sua subsistência, não necessitando do auxílio de terceiros. Ainda, consta que estão preservadas as funções psíquicas da autora, bem como não foram identificados déficits cognitivos como os citados no laudo psicológico trazido pela parte autora. O fato de a autora necessitar de auxílio para administrar as suas finanças não significa que a mesma seja inválida, circunstância de muito maio grandeza.
A autora, por sua vez, afirma que sua mãe faleceu em 16/10/2014, momento em que contava com 54 anos de idade; desde a infância, sofre de transtornos psicológicos e depressão grave, quadro que se agravou com o falecimento da mãe; não possui estudos, pois não teve capacidade para acompanhar o ensino médio; sempre residiu com sua mãe, sendo por ela sustentada sem nunca ter desenvolvido qualquer atividade remunerada em razão da incapacidade; não havendo como contestar a invalidez, faz jus ao benefício de pensão negado.
No caso, foi concedida a tutela de urgência, nos seguintes termos (destaques no original):
No caso em exame, entendo que está presente o requisito da probabilidade da existência do direito invocado, conforme será demonstrado.
Inicialmente, compreendo que a vedação à concessão de liminar prevista no art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.016/2009, extensível à tutela antecipada por força do § 5º de referido diploma (artigo 1.059 do CPC-2015), não é aplicável ao caso em análise. Isso porque, tratando-se de pedido para a implantação de benefício previdenciário, e uma vez presentes os requisitos exigidos em lei, não há óbice à apreciação e eventual deferimento da liminar ou tutela contra a Fazenda Pública, nos termo da orientação contida na Súmula 729 do STF: "A decisão na ADC-4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária".
A autora pleiteia pensão por morte, cujo instituidora é Guilhermina de Miranda Dal Negro, ex-servidora pública civil vinculada ao Exército Brasileiro (enfermeira), fazendo-o na qualidade de filha maior inválida, conforme art. 217, II, da Lei nº 8.112/1990, e como comprova a certidão de óbito anexada à petição inicial (evento 1, CERTOBT11).
O direito à pensão deve ser analisado a partir da legislação vigente à época do falecimento do instituidor. Assim, a legislação aplicável aos fatos narrados nesta lide é a Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União. Aludida lei assim prescrevia em 16/10/2014 (data do óbito da instituidora), na parte que interessa a este feito:
Art. 217. São beneficiários das pensões:
(...)
II - temporária:
a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
b) o menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade;
c) o irmão órfão, até 21 (vinte e um) anos, e o inválido, enquanto durar a invalidez, que comprovem dependência econômica do servidor;
d) a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um) anos, ou, se inválida, enquanto durar a invalidez.
A existência da invalidez faz presumir ao filho sua dependência econômica quanto ao "de cujus", legitimando-o à percepção de pensão por morte, de acordo com o artigo acima transcrito.
A pensão solicitada pela autora tem fundamento em Avaliação Neuropsicológica produzida depois da morte da servidora instituidora da pensão, conclusiva no sentido da sua total incapacidade para os atos da vida civil (08/09/2015, ev. 1, OUT6, fl. 21-26). O resultado dessa avaliação conflita com aquele a que chegaram os profissionais de saúde do Exército Brasileiro em inspeção realizada no mês de março de 2015. Para os médicos do Exército, a autora possui doença mental leve e não incapacitante (ev. 27, PROCADM3, fls. 4-7).
A divergência técnica tornou necessária a produção de prova pericial prévia em juízo, consoante decisão do evento 29, cuja finalidade foi a de aferir, primeiramente, a invalidez ou a deficiência que autoriza a concessão de pensão ao dependente maior de 21 anos de idade, e, em segundo lugar, se a invalidez existia por ocasião do falecimento do instituidor da pensão, nos exatos contornos da orientação jurisprudencial: (...).
A médica psiquiatra Ana Luísa de Carvalho Mangili Laux, perita do juízo, procurou detectar no quadro psíquico da autora elementos que pudessem prejudicar ou não a sua função psíquica-laboral.
Na avaliação da médica-perita, a autora apresenta quadro compatível com "Transtorno de personalidade Esquizotípica" (CID 10: F 21) e "Episódio depressivo leve" (CID 10: F32.0). Informa a perita judicial que a parte autora "não apresenta incapacidade para realizar atividades que possam garantir a sua subsistência", que "não necessita da assistência permanente de terceiros", e que "Necessita de tratamento psicológico e psiquiátrico, os quais não estão sendo realizados" (ev. 48, LAU1, item 11).
O acolhimento desse resultado redundaria no indeferimento do pedido de urgência formulado pela autora na inicial. Mas não é apropriado desprezar os demais elementos de prova que instruem a ação.
Certamente, a perita judicial detém conhecimentos técnicos para colaborar com o Juízo e as partes no esclarecimento das questões médicas que envolvem o caso. Entretanto, o laudo pericial não pode ser considerado o único parâmetro para subsidir a decisão que acolherá ou não a tese desenvolvida pela autora na inicial.
Isso porque o laudo do evento 48 consiste em uma avaliação médica diagnóstica, baseada quase que tão somente na anamnese psiquiátrica, ou seja, na evocação voluntária do passado feita pela própria autora, colhida pela médica-perita em uma única consulta. As conclusões do laudo sobre a saúde da autora estão calcadas em tempo exíguo de relacionamento médico-paciente, e devem ser complementadas pelos outros dados informativos do processo.
A própria perita ressalva em seu laudo que não pôde diagnosticar "Retardo Mental" no presente momento, porque seria "necessária a comprovação de história de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e uma avaliação neuropsicológica, além da presença de déficits cognitivos presentes no exame do estado mental da autora" (ev. 48, item 9, 4º parágrafo). Essa manifestação da perita sugere, portanto, a necessidade de uma segunda perícia médica oportunamente, por médico de outra especialidade ou psicólogo, por não ser possível esgotar a avaliação do estado atual de saúde da autora com os conhecimentos da sua especialidade médica.
Além disso, a solução encontrada pela perita não vincula o magistrado, que pode valorar a prova científica por livre convencimento, e formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. A condição inafastável de liberdade de interpretação das provas conferida ao magistrado está amparada nos artigos 371 e 479 do NCPC:
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.
O laudo pericial do evento 48 mostra-se claro e completo na descrição da enfermidade que acomete a autora. A Sra. Perita descreve o "Transtorno de personalidade Esquizotípica - CID 10: F 21" da seguinte forma (sem destaques no original):
A característica essencial do Transtorno da Personalidade Esquizotípica é um padrão invasivo de déficits sociais e interpessoais, marcado por agudo desconforto e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou perceptivas e comportamento excêntrico. Este padrão começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos.
Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Esquizotípica muitas vezes têm idéias de referência (isto é, interpretações incorretas de incidentes casuais e acontecimentos externos como se tivessem um significado particular e incomum, especificamente destinado a eles).
Estas idéias devem ser diferenciadas dos delírios de referência, nos quais as crenças são mantidas com convicção delirante. Esses indivíduos podem ser supersticiosos ou preocupar-se com fenômenos paranormais que estão fora das normas de sua subcultura.
Eles podem pensar que possuem poderes especiais de pressentir acontecimentos ou de ler os pensamentos de outras pessoas.
Eles podem crer que possuem um controle mágico sobre os outros, o qual pode ser implementado diretamente (por ex., acreditar que o cônjuge está levando o cachorro para passear na rua porque ele pensou que isto deveria ser feito uma hora atrás) ou indiretamente, através do cumprimento de rituais mágicos (por ex., passar por um determinado objeto três vezes, para evitar certa conseqüência funesta).
Alterações da percepção podem estar presentes (por ex., sentir a presença de outra pessoa ou ouvir uma voz murmurando seu nome). Seu discurso pode incluir construções idiossincráticas, sendo freqüentemente desconexo, digressivo ou vago, porém sem um real descarrilamento ou incoerência.
As respostas podem ser demasiadamente concretas ou abstratas, e as palavras ou conceitos ocasionalmente são aplicados de maneira incomum (por ex., a pessoa pode afirmar que não estava "conversável" no trabalho).
Os indivíduos com este transtorno são freqüentemente desconfiados, podendo ter ideação paranóide (por ex., acreditar que os colegas de trabalho estão decididos a estragar sua reputação junto ao chefe).
Eles geralmente não são capazes de lidar com toda a faixa de afetos e indicadores interpessoais necessários para relacionamentos bem-sucedidos, de modo que muitas vezes parecem interagir com os outros de maneira inadequada, rígida ou constrita.
Esses indivíduos muitas vezes são considerados esquisitos ou excêntricos por causa dos maneirismos incomuns, pelo seu modo desleixado de vestir-se, no qual "nada combina com nada", bem como por sua desatenção às convenções sociais habituais (por ex., evitar o contato visual, usar roupas manchadas de tinta e que não servem, ser incapaz de participar de "bate-papos" com os colegas).
Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Esquizotípica vivenciam os relacionamentos interpessoais como problemáticos e sentem desconforto na interação com outras pessoas. Embora possam expressar infelicidade acerca de sua falta de relacionamentos, seu comportamento sugere pouco desejo de ter contatos íntimos.
Como resultado, eles habitualmente têm poucos ou nenhum amigo íntimo ou confidente, exceto algum parente em primeiro grau. Eles sentem-se ansiosos em situações sociais, particularmente aquelas envolvendo estranhos. Estes indivíduos interagem com os outros quando precisam, mas preferem ficar sós, por acharem que são diferentes e simplesmente não "se encaixam".
Sua ansiedade social não cede com facilidade, mesmo quando passam mais tempo no contexto ou se familiarizam com as outras pessoas, porque a ansiedade tende a estar associada com suspeitas acerca das motivações dos outros. Por exemplo, ao comparecer a um jantar, o indivíduo com Transtorno da Personalidade Esquizotípica não relaxa com o passar do tempo, mas, ao contrário, pode tornar-se ainda mais tenso e desconfiado.
Somando esta descrição aos demais elementos do laudo pericial e às informações da Avaliação Neuropsicológica do evento 1, LAU9, está nítido que o "Transtorno da Personalidade Esquizotípica" que acomete a autora atinge sua esfera relacional e afetiva desde a infância, ou ao menos desde o início da idade adulta, sendo certo que já existia por ocasião do falecimento da instituidora da pensão. Devido às dificuldades inerentes ao transtorno - caracterizado por solidão, fracos relacionamentos com seus pares, ansiedade social, baixo rendimento escolar, pensamentos e linguagem peculiares -, não conseguiu inserir-se no mercado de trabalho e na vida social, apresentando sempre dependência econômica de seus pais.
Hoje com 56 anos de idade, a autora não parece ter condições de reverter sua situação profissional e social atuais, mesmo por meio de tratamento psiquiátrico e psicológico. Não possui a iniciativa e confiança para conquistar vaga de emprego, e, se chegar a tanto, o transtorno de personalidade emocional que lhe aflige tornará insuportável a convivência com terceiros no âmbito laboral.
A autora não tem qualquer possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, visto ser portadora desse grave transtorno de personalidade que a impede de se relacionar com outras pessoas de uma forma normal. Não poderá se manter em um emprego, porque a sua enfermidade inibe o relacionamento em sociedade.
Ademais, não obstante a relevância das razões apresentadas pela perita judicial no laudo do evento 48, o quadro de "transtorno esquizotípico" é condição admitida pela jurisprudência como fator de concessão de benefício previdenciário. Nesse sentido (sem destaques no original):
(...).
Estando comprovada a filiação, e havendo incapacidade (preexistente ao falecimento) para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, a autora tem direito à pensão por morte. Presente o primeiro requisito.
No que tange ao perigo de dano (art. 300, NCPC) - segundo requisito -, considero-o igualmente presente. Isso porque a autora não poderá se manter em emprego por influência da sua enfermidade, que inibe o relacionamento em sociedade. Como não possui fonte de renda própria, o indeferimento da tutela pode comprometer sua subsistência, privando-a de custear despesas básicas, como saúde e alimentação.
III. Diante do exposto, com base nos artigos 294 e 300 do CPC de 2015, defiro o pedido de tutela antecipada, para o fim de determinar que a União, dentro do prazo de 10 (dez) dias, adote as providências necessárias para incluir a autora como beneficiária, na condição de filha maior inválida, da servidora pública Guilhermina de Miranda Dal Negro, concedendo-lhe o benefício da pensão por morte.
Entretanto, entendo que tal medida deve ser revogada e o pedido julgado improcedente, considerando que a autora não tem direito à pensão pretendida, conforme será demonstrado a seguir.
A autora pleiteia pensão por morte, cujo instituidora é Guilhermina de Miranda Dal Negro, ex-servidora pública civil vinculada ao Exército Brasileiro (enfermeira), fazendo-o na qualidade de filha maior inválida, conforme art. 217, II, da Lei nº 8.112/1990, e como comprova a certidão de óbito anexada à petição inicial (evento 1, CERTOBT11).
Para o deslinde da causa, uma primeira premissa precisa ser observada: a legislação vigente ao tempo da data da instituição da pensão é a que deve regular a matéria, consoante pacífica orientação jurisprudencial:
ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITO ADQUIRIDO - AFRONTA À LICC - IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO - PENSÃO POR MORTE - FATO GERADOR - ÓBITO - TEMPUS REGIT ACTUM. (...) 2 - O fato gerador para a concessão da pensão por morte é o óbito do segurado instituidor do benefício. A pensão deve ser concedida com base na legislação vigente à época da ocorrência do óbito. (STJ - RESP nº 259.718/RJ - Relator MINISTRO JORGE SCARTEZZINI - 5ª Turma - unânime - DJU I 22/04/2003).
AGRAVO. REVISÃO DE PENSÃO POR MORTE DE EX-FERROVIÁRIO CONCEDIDA EM 1945. REVERSÃO DAS QUOTAS EM FAVOR DA AGRAVANTE. INTEGRALIDADE DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. INDEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. 1. Para a obtenção do benefício de pensão por morte, deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte. Regra igualmente aplicável quando se trata de disciplinar a possibilidade de reversão das cotas da pensão por morte em razão da extinção do direito à pensão de algum titular. 2. O Decreto nº 4.682, de 24-01-1923, que criou, em cada uma das empresas de estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados, previu a concessão de pensão no caso de falecimento de empregado aposentado, ou empregado na ativa que contasse mais de 10 anos de serviços efetivos, ou, ainda, de empregado que se acidentasse no trabalho. Entretanto, o referido Decreto nada dispôs acerca da reversão da parte da pensão de titular cujo direito à pensão extinguir-se. Já o Decreto nº 5.109/26 previu que a parcela do titular cujo direito à pensão, por qualquer razão, cessar, reverterá em benefício da Caixa. Por fim, segundo o Decreto nº 20.465/31, apenas no caso de óbito do cônjuge pensionista é que sua quota reverterá, em partes iguais, aos filhos menores e às filhas solteiras (parágrafo único do art. 33), pois, nas demais hipóteses de perda do direito à pensão (art. 34), a parcela correspondente reverterá à Caixa (parágrafo único do art. 34). In casu, considerando que o óbito ocorreu em 16-02-1945 e que a Agravante dividia a pensão com a mãe e mais três irmãos, com a extinção das quotas dos demais co-titulares, não há como receber a integralidade do benefício. 3. Ausente a verossimilhança do direito alegado, é de indeferir-se pedido de antecipação dos efeitos da tutela. (TRF4, AG 2008.04.00.000078-3, Quinta Turma, Relator Alcides Vettorazzi, D.E. 18/08/2008)
Assim, a legislação aplicável aos fatos narrados nesta lide é a Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, tendo em vista que a instituidora faleceu em 16/10/2014.
Com base nessa Lei não há falar em direito à pensão, conforme adiante demonstrado.
Os arts. 216 e 217 da Lei 8.112/90 assim dispõem:
Art. 216. As pensões distinguem-se, quanto à natureza, em vitalícias e temporárias.
§ 1º A pensão vitalícia é composta de cota ou cotas permanentes, que somente se extinguem ou revertem com a morte de seus beneficiários.
§ 2º A pensão temporária é composta de cota ou cotas que podem se extinguir ou reverter por motivo de morte, cessação de invalidez ou maioridade do beneficiário.
Art. 217. São beneficiários das pensões:
I - vitalícia:
a) o cônjuge;
b) a pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada, com percepção de pensão alimentícia;
c) o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar;
d) a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor;
e) a pessoa designada, maior de 60 (sessenta) anos e a pessoa portadora de deficiência, que vivam sob a dependência econômica do servidor;
II - temporária:
a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
Desse modo, faz jus à pensão o filho maior de 21 anos, quando inválido. A invalidez faz presumir a dependência econômica e a legislação em vigor não delimita idade para essa caracterização, de modo que não há exigência de que a incapacidade deva existir antes de a requerente atingir 21 anos, mas somente que seja preexistente ao óbito.
O art. 217 deve ser interpretado de forma estrita, razão pela qual não assiste o direito da parte autora em continuar recebendo qualquer benefício sem que haja prova de que a invalidez era preexistente ao óbito do instituidor.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a invalidez deve anteceder o óbito do instituidor para que o filho inválido tenha direito à pensão por morte:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. FILHO INVÁLIDO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. INVALIDEZ PREEXISTENTE AO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. PENSÃO. CABIMENTO. EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. JUROS MORATÓRIOS. 6% ANO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 1. Tratando-se de filho inválido, a concessão da pensão por morte depende apenas da comprovação de que a invalidez é preexistente ao óbito do instituidor do benefício, sendo despicienda a demonstração de dependência econômica. Inteligência do art. 217, II, da Lei 8.112/90. 2. Tendo a Corte de origem, com base no conjunto probatório dos autos, firmado a compreensão no sentido de que restaria comprovada a invalidez do recorrido, rever tal entendimento importaria em reexame de matéria fática, o que atrai o óbice da Súmula 7/STJ. (...). 5. Recurso especial conhecido e provido em parte (STJ. REsp. 809208/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 2.6.2008).
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITOÀ PENSÃO. FILHA MAIOR E INVÁLIDA. INVALIDEZ PREEXISTENTE AO ÓBITO DOINSTITUIDOR DA PENSÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. O entendimento jurisprudencial do STJ é o de que, em setratando de filho inválido, a concessão da pensão por morte dependeapenas da comprovação de que a invalidez é anterior ao óbito doinstituidor do benefício.2. Não se deve perder de vista, na análise de questão envolvendo opagamento de pensão a pessoa inválida, que o objetivo de talprestação é a proteção de quem apresenta a incapacidade; neste caso,a pensão decorre, ademais, do esforço contributivo do seuinstituidor, e não propriamente de uma concessão ex gratia.3. Agravo Regimental da UNIÃO FEDERAL desprovido. (STJ. AgRg no Ag 1427186 / PE. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia. DJE 14/09/2012).
ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR. INVALIDEZ PRECEDENTEAO ÓBITO DO INSTITUIDOR. CONFIRMAÇÃO. DIFICULDADE DE FIXAÇÃO DE UMTERMO ESPECÍFICO. BENEFÍCIO DE NATUREZA CONTRIBUTIVA.1. A orientação adotada na origem está consentânea com ajurisprudência desta Corte no sentido de que a invalidez deveanteceder o óbito do instituidor para que o filho inválido tenhadireito à pensão por morte. Precedentes.2. A fixação do período em que tem origem a incapacidade mental paradeferimento da pensão a filho inválido é essencial para o exame dodireito ao benefício. Diante das peculiaridades trazidas nos autos eda natureza contributiva do benefício, tem-se, no caso específico, aincapacidade como preexistente ao óbito do instituidor.3. Recurso especial provido. (STJ. REsp nº 1.353.931 – RS (2011/0264516-0. Rel. Minª. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJE 26/09/2013).
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. SURGIMENTO DA INCAPACIDADE POR OCASIÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ . POSTERIOR ÓBITO DO INSTITUIDOR DO BENEFÍCIO. ENTENDIMENTO DA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 1. O acórdão recorrido adotou fundamentação consonante com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que o filho inválido faz jus à pensão por morte, independentemente do momento em que ocorreu a maioridade, sendo imprescindível tão somente que a incapacidade seja anterior ao óbito. 2. Não pode esta Corte Superior rever o entendimento de que não ficou comprovado que, à época do óbito do instituidor do benefício, o recorrente já se encontrava na situação de incapacidade laboral, pois essa medida implicaria em reexame do arcabouço de fatos e provas integrante dos autos, o que é vedado do STJ, a teor de sua Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp 1689723/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 05/12/2017).
Esse também é o entendimento pacífico do TRF da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. ART. 217, II, A DA LEI Nº 8.112/90. FILHA MAIOR. INVALIDEZ. ÓBITO DO INSTITUIDOR. PREEXISTÊNCIA. Tratando-se de filha inválida, a concessão do benefício de pensão por morte depende apenas da comprovação de que a invalidez é preexistente ao óbito do instituidor, obedecendo aos pressupostos previstos na legislação vigente à época do óbito, sendo presumida a dependência econômica. (TRF4, 4ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL nº 5010532-19.2012.4.04.7100, Rel. Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA. DJE 01/02/2018).
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO POR MORTE. FILHO INVÁLIDO. TERMO INICIAL. É beneficiário da pensão temporária o filho inválido, enquanto não cessar a invalidez. Não ocorre prescrição contra os absolutamente incapazes. A pensão por morte será concedida desde a cessação ocasionada pelo falecimento da beneficiária formal (a mãe). (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5037360-47.2015.404.7100, 4ª Turma, Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/08/2017)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO POR MORTE. FILHA INVÁLIDA. TERMO INICIAL. Não ocorre prescrição contra os absolutamente incapazes. A pensão por morte será concedida desde o óbito. É beneficiário da pensão temporária a filha inválida, enquanto não cessar a invalidez. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000232-81.2015.404.7103, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/11/2016)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FILHA INVÁLIDA. PENSÃO. COMPROVAÇÃO DA INVALIDEZ PREEXISTENTE AO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. ARTIGO 217, INCISO II, ALÍNEA "A", DA LEI Nº 8.112/1990. Nos termos do artigo 217, inciso II, alínea "a", da Lei nº 8.112/1990, tratando-se de filha inválida, a concessão da pensão por morte depende apenas da comprovação de que a invalidez é preexistente ao óbito do instituidor do benefício, sendo desnecessária a demonstração da dependência econômica. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5013465-61.2014.404.7110, 4ª TURMA, Juiz Federal EDUARDO GOMES PHILIPPSEN, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 24/08/2016)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FILHO INVÁLIDO. PENSÃO. COMPROVAÇÃO DA INVALIDEZ PREEXISTENTE AO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. ARTIGO 217, INCISO II, ALÍNEA "A", DA LEI Nº 8.112/1990. Nos termos do artigo 217, inciso II, alínea "a", da Lei nº 8.112/1990, tratando-se de filho inválido, a concessão da pensão por morte depende apenas da comprovação de que a invalidez é preexistente ao óbito do instituidor do benefício, sendo desnecessária a demonstração da dependência econômica. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5041027-21.2013.404.7000, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 10/06/2016)
No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal de Contas da União, entendimento este consolidado no verbete da Súmula TCU nº 271/2012: “A pensão concedida a beneficiário na condição de inválido tem como requisito essencial laudo pericial emitido por junta médica oficial que ateste a invalidez e sua preexistência ao momento do óbito do instituidor”.
No caso, conforme bem destacado pelo Ministério Público Federal (evento 247), a primeira perícia (evento 48), elaborada por médica psiquiatra, concluiu que a autora é portadora de Transtorno de personalidade esquizotípica (CID F21) e Episódio depressivo leve (CID F32), mas que seria capaz de exercer atividade laboral, in verbis:
Os quadros psiquiátricos da autora não geram incapacidade para que a mesma exerça atividades que possam garantir a sua subsistência. O exame do estado mental da autora corrobora estas conclusões, já que demonstra preservação das funções psíquicas. Em perícia não foram identificados déficits cognitivos como os citados em laudo psicológico (laudo de 08/09/15). Autora relata que parou de estudar por opção e nunca trabalhou, pois sua mãe garantia o seu sustento e optou por mantê-la em casa. Autora não apresenta incapacidade para realizar atividades que possam garantir a sua subsistência. Autora não necessita da assistência permanente de terceiros. Necessita de tratamento psicológico e psiquiátrico, os quais não estão sendo realizados. Atualmente autora encontra-se incapacitada para praticar os atos da vida civil, sendo esta situação passível de ser revertida.”
Com efeito, o laudo pericial do juízo (evento 48, laudo1) é claro no sentido de que inexiste, mesmo atualmente, incapacidade para que a autora exerça atividades que possam garantir a sua subsistência, não necessitando do auxílio de terceiros. Ainda, consta que estão preservadas as funções psíquicas da autora, bem como não foram identificados déficits cognitivos como os citados no laudo psicológico trazido pela parte autora. O fato de a autora necessitar de auxílio para administrar as suas finanças não significa que a mesma seja inválida, circunstância de muito maio grandeza.
No tocante à existência de incapacidade na época do óbito, a perita ponderou não ter elementos para afirmar que a doença é preexistente à morte, mas que os sintomas depressivos iniciaram após o falecimento da mãe, em 2014 (evento 48, LAUDO 1, quesito 4):
(...).A autora reúne condições de cuidar de si mesma (autocuidado), notadamente em relação à alimentação, controle e ministração de medicamentos, realização de atividades físicas ou de lazer?
Sim.
7. Caso a autora seja portadora de enfermidade mental, o nível de incapacidade dela decorrente é capaz de impedir o desempenho de atividade laborativa que permita assegurar o próprio sustento?
Não.
3. A interditanda tem condições de exercer atividade remunerada para seu sustento?
Sim.
4. A interditanda tem capacidade ou discernimento para expressar sua vontade/expressar-se?
Sim.
4. A autora pode ser considerada absoluta e permanentemente inválida pra toda e qualquer atividade e/ou trabalho?
Não.
5. Se inválida a autora, é possível afirmar categoricamente que a invalidez preexiste relativamente ao óbito do instituidor, ocorrido em 16 de outubro de 2014?
Não.
Por outro lado, a perita psicóloga atestou ser a requerente inválida previamente ao falecimento da mãe, e portadora de Síndrome de Diógenes (evento 152, PERÍCIA1).
De acordo com o apresentado neste relatório, podemos concluir que a Sra. Ana Luiza Dal Negro apresenta-se ligeiramente orientada e consciente, entretanto, não tem pleno uso de suas atividades intelectuais, sendo portadora de Debilidade Mental, isto é, trata-se de um individuo com Incapacidade Relativa e apresenta também, características que nos faz pensar na Síndrome de Diógenes, como explicado acima. Encontra-se em estado emocional lábil, portanto, é recomendável seguir em tratamento psicológico, preferentemente psicanalítico pois, poderá se beneficiar e conquistar melhoras em seus laços sociais.
A terceira perícia, realizada por médico psiquiatra, concluiu em sentido oposto, de que a requerente é capaz de exercer atividade remunerada, apesar de portadora de Episódio Depressivo Leve (CID F 32) e de Personalidade Esquizotípica (CID F 21), ao passo em que ponderou que o quadro de saúde foi agravado após o falecimento da mãe (evento 219, LAUDO1 e QUESITOS 2).
Nesse contexto, verifica-se que as duas perícias elaboradas por médico psiquiatra atestaram que a requerente não é inválida. Os laudos foram coerentes no sentido de que não há deficit cognitivo, embora exista sociabilidade abaixo da média. Concluiu-se, ainda, que os sintomas se intensificaram após o óbito da genitora, de modo que também não há incapacidade preexistente à morte. Consignou-se que o quadro da requerente é reversível, desde que realizado o tratamento adequado.
Portanto, no caso, não estando comprovada incapacidade (preexistente ao falecimento) para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, a autora não tem direito à pensão por morte.
Saliento que o fato de o processo de interdição ter sido ajuizado em 03.11.2015 (evento 1, OUT 6) corrobora que não há falar em invalidez preexistente ao óbito da mãe (16.10.2014).
Ademais, a incapacidade civil não se confunde com a incapacidade laboral, ao passo em que a sentença de interdição, por ser fruto de procedimento de jurisdição voluntária, não produz coisa julgada material (segundo a doutrina tradicional) - cessadas as causas que levaram à interdição, esta poderá ser levantada.
(...) (grifei)
Em que pese ponderáveis os fundamentos que amparam a sentença, com análise escorreita da legislação de regência, assiste razão à autora quanto à valoração das provas produzidas, na esteira do posicionamento adotado quando da apreciação do pedido de antecipação de tutela recursal, in verbis:
Trata-se de pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação interposta contra sentença proferida em ação de procedimento comum, nos seguintes termos:
Diante do exposto, revogo a decisão que concedeu a tutela de urgência antecipada (evento 50), e julgo improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, conforme art. 85, §§ 2º, 3º e 5º, do CPC. No entanto, a exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão da assistência judiciária gratuita.
Sentença publicada e registrada eletronicamente.
Em suas razões, a autora/apelante alegou que: (1) é portadora de doença incapacitante que preexiste ao óbito de sua mãe; (2) há três laudos periciais que atestam a incapacidade (portadora de Transtorno de Personalidade Esquizotípica - CID 10: F21 e Episódio Depressivo Leve - CID 10: F32.0) (eventos 48, 152 e 220); (3) e dos documentos novos ora anexados, demonstra-se a necessidade de recebimento do benefício para alimentação, tratamento de saúde e moradia; (4) ante a total impossibilidade financeira, bem como a inexistência de qualquer outra fonte de renda e condições de trabalho o risco de dano grave e de difícil reparação para a Apelante são incontestes e decorre do caráter alimentar de que se reveste o benefício, motivo que reclama a urgência, e (5) é pessoa doente, hoje com 60 anos de idade, que nunca trabalhou, não possui qualquer relacionamento com pessoas e não concluiu o ensino fundamental, o que a torna inapta para o desempenho de atividade remunerada que lhe assegure a subsistência. Nesses termos, pugnou pela a concessão de tutela antecipada nesta fase recursal com reestabelecimento imediato do benefício da pensão por morte à Apelante até o julgamento definitivo do presente recurso.
É o relatório. Decido.
I - A vedação à concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública (art. 1.059 do CPC, arts. 1º a 4º da Lei n.º 8.437, de 30 de junho de 1992, art. 7º, §§ 2º e 5º, da Lei n.º 12.016, de 7 de agosto de 2009, art. 2º-B da Lei n.º 9.494/97, art. 1º da Lei n.º 5.021/66, e art. 5º da Lei n.º 4.348/64) não subsiste nas hipóteses em que a postergação da prestação jurisdicional possa acarretar perecimento de direito e/ou implique mera restauração de status quo ante. Em relação à implantação de benefício de natureza previdenciária, essa orientação está sumulada sob n.º 729 pelo e. Supremo Tribunal Federal: "A decisão na ADC-4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária".
II - O artigo 1.012 do CPC dispõe que:
Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.
§ 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:
I - homologa divisão ou demarcação de terras;
II - condena a pagar alimentos;
III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;
IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;
V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;
VI - decreta a interdição.
§ 2º Nos casos do § 1º, o apelado poderá promover o pedido de cumprimento provisório depois de publicada a sentença.
§ 3º O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1º poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:
I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;
II - relator, se já distribuída a apelação.
§ 4º Nas hipóteses do § 1º, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. (grifei)
Os requisitos para a concessão de tutela de urgência (ou provisória) estão previstos no artigo 300 do CPC, e a suspensão da eficácia imediata da sentença pressupõe a demonstração da probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevante a fundamentação, a existência de risco de dano grave ou de difícil reparação (art. 1.012, § 4º, do CPC).
Eventual irreversibilidade ou dificuldade de reversão dos efeitos da medida, assim como o esgotamento do objeto da lide, não impedem a tutela de urgência, quando há risco de a demora frustrar a própria prestação jurisdicional, acarretando o perecimento do direito.
III - A sentença objeto da apelação tem o seguinte teor:
(...)
A instituidora da pensão por morte, servidora pública Guilhermina de Miranda Dal Negro, faleceu em 16/10/2014 (CERTOBT11), quando a autora/apelante contava com 54 anos de idade.
À época, vigorava o artigo 217 da Lei n.º 8.112/1990, em sua redação original (sem as alterações promovidas pela Lei n.º 13.135/2015):
Art. 217. São beneficiários das pensões:
I - vitalícia:
a) o cônjuge;
b) a pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada, com percepção de pensão alimentícia;
c) o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar;
d) a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor;
e) a pessoa designada, maior de 60 (sessenta) anos e a pessoa portadora de deficiência, que vivam sob a dependência econômica do servidor;
II - temporária:
a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
b) o menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade;
c) o irmão órfão, até 21 (vinte e um) anos, e o inválido, enquanto durar a invalidez, que comprovem econômica do servidor;
d) a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um) anos, ou, se inválida, enquanto durar a invalidez. (grifei)
Com efeito, o(a) filho(a) maior de 21 (vinte e um) anos inválido(a) fazia jus ao benefício, desde que comprovada a preexistência dessa condição ao óbito do instituidor, sendo presumida a dependência econômica.
Na sentença, o juízo a quo rejeitou o pleito deduzido na inicial, revogando a tutela de urgência - que havia sido concedida em 28/06/2016 -, ao fundamento de que o laudo pericial do juízo (evento 48, laudo1) é claro no sentido de que inexiste, mesmo atualmente, incapacidade para que a autora exerça atividades que possam garantir a sua subsistência, não necessitando do auxílio de terceiros. Ainda, consta que estão preservadas as funções psíquicas da autora, bem como não foram identificados déficits cognitivos como os citados no laudo psicológico trazido pela parte autora. O fato de a autora necessitar de auxílio para administrar as suas finanças não significa que a mesma seja inválida, circunstância de muito maio grandeza.
Depreende-se da análise dos autos que:
(a) a autora/apelante teve sua incapacidade civil reconhecida, liminarmente, em procedimento de interdição judicial (n.º 0023064-88.2015.8.16.0035), em 16/12/2015 (OUT6, p. 86, do evento 1 dos autos originários);
(b) de acordo com a avaliação neuropsicológica (particular), a Sra. Ana (55 anos) demonstra incapacidade para reger sua pessoa e seus bens, assim como de compreender e pratica os atos da vida civil, tendo em vista os déficits cognitivos, funcionais e emocionais apresentados (LAUDO9 do evento 1 dos autos originários);
(c) a inspeção de saúde, realizada por Médico Perito de Guarnição (MPGu) do Exército, teve como resultado "Não Inválida" (PROCADM5 do evento 1 dos autos originários);
(d) em laudo judicial psiquiátrico, constou que a autora/apelante apresenta quadro compatível com os diagnósticos de: Transtorno de Personalidade Esquizotípica (CID 10: F21), Episódio Depressivo Leve (CID 10: F32.0), porém não pode ser considerada absoluta e permanentemente inválida para toda e qualquer atividade e/ou trabalho (LAUDO1 do evento 48 dos autos originários);
(e) no laudo judicial psicológico, a autora/apelante foi diagnosticada com Síndrome de Diógenes (SD), com características depressivas, e Retardo Mental (F70 - F79), que a impede de exercer atividade remunerada para seu sustento (quesito 3 da autora) em caráter permanente (quesito 13 da autora) (PERÍCIA1 do evento 152 dos autos originários);
(f) em outro laudo judicial psiquátrico, constou que a autora/apelante sofre de Episódio Depressivo Leve (CID F32), Retardo Mental Leve e Personalidade Esquizotípica (CID F21), de causas multifatoriais (genéticas, psicológicas, ambientais, endocrinológicas e neurológicas) e com início indeterminado, possivelmente desde a infância, o que a incapacita temporariamente para a prática de atos da vida civil, existindo a possibilidade de receber treinamento e aprendizado para a execução de mais atividades (LAUDO1 do evento 219 dos autos originários), inclusive que lhe assegure a subsistência (LAUDO3 do evento 219 dos autos originários), e
(g) em outro laudo judicial psiquátrico, há registro de que (1) os dados que foram extraídos da documentação existente nos autos e nos relatos sugerem que já apresenta a limitação intelectual referida (LAUDO1), (2) não é possível afirmar que, ao tempo do óbito de sua genitora (16.10.2014), a autora/apelante já estava impossibilitada de exercer atividade remunerada, uma vez que não consta ter sido submetida a exame pericial ou mesmo atendimento especializado na ocasião. Presume-se que apresentasse limitações quanto às capacidades (LAUDO2), e (3) presume-se que ela tenha alguma capacidade para exercer atividade remunerada para seu sustento (evento 220 dos autos originários).
De tais elementos probatórios, conclui-se que a autora/apelante é portadora de enfermidades, porém há controvérsia quanto a sua capacidade laboral, porque há alusão a inaptidão para os atos da vida civil, limitação intelectual, possibilidade de recebimento de treinamento e aprendizado para a execução de mais atividades e, ainda, a "presunção" de capacidade laboral, o que pode ser interpretado como a ausência de certeza de que, concretamente, ela possa exercer trabalho remunerado para sua subsistência.
Além disso, a maioria das avaliações médicas indicam que a autora/apelante tem sérias dificuldades emocionais e é incapaz, ainda que temporariamente, para os atos da vida civil, o que, a meu ver, não está completamente dissociado de uma "presumida" incapacidade para desempenhar atividade remuneratória, especialmente levando-se em consideração sua idade (60 anos), reduzida escolaridade e déficits cognitivos, funcionais e emocionais, fatores que, somados, dificultam, senão impedem, sua inserção no mercado de trabalho. Nesse aspecto, a análise clínica não pode ser dissociada da história familiar, hábitos, avaliação do perfil emocional e psicossocial e seu nível de entendimento e orientação sobre a realidade, tendo em vista a finalidade do benefício de garantir a subsistência de quem dependia economicamente do servidor falecido.
Nessa linha, aliás, a decisão que deferiu a tutela de urgência para reforçar tais conclusões:
(...)
Além disso, a solução encontrada pela perita não vincula o magistrado, que pode valorar a prova científica por livre convencimento, e formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. A condição inafastável de liberdade de interpretação das provas conferida ao magistrado está amparada nos artigos 371 e 479 do NCPC:
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.
O laudo pericial do evento 48 mostra-se claro e completo na descrição da enfermidade que acomete a autora. A Sra. Perita descreve o "Transtorno de personalidade Esquizotípica - CID 10: F 21" da seguinte forma (sem destaques no original):
A característica essencial do Transtorno da Personalidade Esquizotípica é um padrão invasivo de déficits sociais e interpessoais, marcado por agudo desconforto e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou perceptivas e comportamento excêntrico. Este padrão começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos.
Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Esquizotípica muitas vezes têm idéias de referência (isto é, interpretações incorretas de incidentes casuais e acontecimentos externos como se tivessem um significado particular e incomum, especificamente destinado a eles).
Estas idéias devem ser diferenciadas dos delírios de referência, nos quais as crenças são mantidas com convicção delirante. Esses indivíduos podem ser supersticiosos ou preocupar-se com fenômenos paranormais que estão fora das normas de sua subcultura.
Eles podem pensar que possuem poderes especiais de pressentir acontecimentos ou de ler os pensamentos de outras pessoas.
Eles podem crer que possuem um controle mágico sobre os outros, o qual pode ser implementado diretamente (por ex., acreditar que o cônjuge está levando o cachorro para passear na rua porque ele pensou que isto deveria ser feito uma hora atrás) ou indiretamente, através do cumprimento de rituais mágicos (por ex., passar por um determinado objeto três vezes, para evitar certa conseqüência funesta).
Alterações da percepção podem estar presentes (por ex., sentir a presença de outra pessoa ou ouvir uma voz murmurando seu nome). Seu discurso pode incluir construções idiossincráticas, sendo freqüentemente desconexo, digressivo ou vago, porém sem um real descarrilamento ou incoerência.
As respostas podem ser demasiadamente concretas ou abstratas, e as palavras ou conceitos ocasionalmente são aplicados de maneira incomum (por ex., a pessoa pode afirmar que não estava "conversável" no trabalho).
Os indivíduos com este transtorno são freqüentemente desconfiados, podendo ter ideação paranóide (por ex., acreditar que os colegas de trabalho estão decididos a estragar sua reputação junto ao chefe).
Eles geralmente não são capazes de lidar com toda a faixa de afetos e indicadores interpessoais necessários para relacionamentos bem-sucedidos, de modo que muitas vezes parecem interagir com os outros de maneira inadequada, rígida ou constrita.
Esses indivíduos muitas vezes são considerados esquisitos ou excêntricos por causa dos maneirismos incomuns, pelo seu modo desleixado de vestir-se, no qual "nada combina com nada", bem como por sua desatenção às convenções sociais habituais (por ex., evitar o contato visual, usar roupas manchadas de tinta e que não servem, ser incapaz de participar de "bate-papos" com os colegas).
Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Esquizotípica vivenciam os relacionamentos interpessoais como problemáticos e sentem desconforto na interação com outras pessoas. Embora possam expressar infelicidade acerca de sua falta de relacionamentos, seu comportamento sugere pouco desejo de ter contatos íntimos.
Como resultado, eles habitualmente têm poucos ou nenhum amigo íntimo ou confidente, exceto algum parente em primeiro grau. Eles sentem-se ansiosos em situações sociais, particularmente aquelas envolvendo estranhos. Estes indivíduos interagem com os outros quando precisam, mas preferem ficar sós, por acharem que são diferentes e simplesmente não "se encaixam".
Sua ansiedade social não cede com facilidade, mesmo quando passam mais tempo no contexto ou se familiarizam com as outras pessoas, porque a ansiedade tende a estar associada com suspeitas acerca das motivações dos outros. Por exemplo, ao comparecer a um jantar, o indivíduo com Transtorno da Personalidade Esquizotípica não relaxa com o passar do tempo, mas, ao contrário, pode tornar-se ainda mais tenso e desconfiado.
Somando esta descrição aos demais elementos do laudo pericial e às informações da Avaliação Neuropsicológica do evento 1, LAU9, está nítido que o "Transtorno da Personalidade Esquizotípica" que acomete a autora atinge sua esfera relacional e afetiva desde a infância, ou ao menos desde o início da idade adulta, sendo certo que já existia por ocasião do falecimento da instituidora da pensão. Devido às dificuldades inerentes ao transtorno - caracterizado por solidão, fracos relacionamentos com seus pares, ansiedade social, baixo rendimento escolar, pensamentos e linguagem peculiares -, não conseguiu inserir-se no mercado de trabalho e na vida social, apresentando sempre dependência econômica de seus pais.
Hoje com 56 anos de idade, a autora não parece ter condições de reverter sua situação profissional e social atuais, mesmo por meio de tratamento psiquiátrico e psicológico. Não possui a iniciativa e confiança para conquistar vaga de emprego, e, se chegar a tanto, o transtorno de personalidade emocional que lhe aflige tornará insuportável a convivência com terceiros no âmbito laboral.
A autora não tem qualquer possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, visto ser portadora desse grave transtorno de personalidade que a impede de se relacionar com outras pessoas de uma forma normal. Não poderá se manter em um emprego, porque a sua enfermidade inibe o relacionamento em sociedade.
Ademais, não obstante a relevância das razões apresentadas pela perita judicial no laudo do evento 48, o quadro de "transtorno esquizotípico" é condição admitida pela jurisprudência como fator de concessão de benefício previdenciário. Nesse sentido (sem destaques no original):
(...) (grifei)
Quanto ao requisito da preexistência da incapacidade/invalidez ao óbito da mãe, é lícito afirmar que, a despeito da ausência de indicação de uma data precisa nos laudos periciais, é consabido que as doenças de natureza psiquiátrica são multifatoriais e, geralmente, eclodem na infância/adolescência, agravando-se ao longo dos anos, sobretudo quando não há tratamento médico adequado.
Diante de tais razões, configurada a plausibilidade do direito e a urgência da tutela, dada a natureza alimentar do benefício, deve ser restabelecida a liminar outrora concedida, até o julgamento da apelação, a fim de assegurar a utilidade da prestação juriscional.
Intimem-se.
Conquanto as avaliações médicas não atestem, categoricamente, a invalidez da autora, há que se ponderar que (1) a finalidade do benefício de pensão por morte é garantir a subsistência de quem dependia economicamente do servidor falecido, mediante a percepção de renda mensal regular, e (2) a capacidade para exercer atividade laboral que lhe permita prover o sustento deve ser aferida, com base não só no estado de saúde (do ponto de vista estritamente clínico) como também nas condições pessoais que interferem naquela (história familiar, hábitos, avaliação do perfil emocional e psicossocial e nível de entendimento e orientação sobre a realidade).
Reitere-se aqui, por relevante, que:
- a autora contava com 54 anos de idade na data do falecimento de sua mãe (em 16/10/2014), com quem sempre residiu, é solteira e não tem irmãos;
- o seu grau de escolaridade é reduzido;
- não há registro de desempenho de atividade remunerada;
- tem dificuldade para executar tarefas domésticas e de higiene básicas, inclusive manter tratamento médico (psicológico e psiquiátrico) regular;
- está sob curatela provisória (formal), desde 23 de março de 2016;
- é portadora de mais de uma enfermidade (fato incontroverso) e, embora haja divergência quanto a sua real (in)capacidade laboral, notadamente na época do óbito da ex-servidora, o próprio juízo a quo reconheceu, em um primeiro momento, que, Hoje com 56 anos de idade, a autora não parece ter condições de reverter sua situação profissional e social atuais, mesmo por meio de tratamento psiquiátrico e psicológico. Não possui a iniciativa e confiança para conquistar vaga de emprego, e, se chegar a tanto, o transtorno de personalidade emocional que lhe aflige tornará insuportável a convivência com terceiros no âmbito laboral;
- A característica essencial do Transtorno da Personalidade Esquizotípica é um padrão invasivo de déficits sociais e interpessoais, marcado por agudo desconforto e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou perceptivas e comportamento excêntrico. Este padrão começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos. (...) Eles geralmente não são capazes de lidar com toda a faixa de afetos e indicadores interpessoais necessários para relacionamentos bem-sucedidos, de modo que muitas vezes parecem interagir com os outros de maneira inadequada, rígida ou constrita.(...) Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Esquizotípica vivenciam os relacionamentos interpessoais como problemáticos e sentem desconforto na interação com outras pessoas. Embora possam expressar infelicidade acerca de sua falta de relacionamentos, seu comportamento sugere pouco desejo de ter contatos íntimos. (...) Eles sentem-se ansiosos em situações sociais, particularmente aquelas envolvendo estranhos. Estes indivíduos interagem com os outros quando precisam, mas preferem ficar sós, por acharem que são diferentes e simplesmente não "se encaixam";
- a maioria das avaliações médicas indicam que ela tem sérias dificuldades emocionais e é incapaz, ainda que temporariamente, para os atos da vida civil, o que não está completamente dissociado de uma "presumida" incapacidade para desempenhar atividade remuneratória, especialmente levando-se em consideração sua idade, reduzida escolaridade e déficits cognitivos, funcionais e emocionais, fatores que, somados, dificultam, senão impedem, sua inserção no mercado de trabalho, e
- é consabido que as doenças de natureza psiquiátrica são multifatoriais e, geralmente, eclodem na infância/adolescência, agravando-se ao longo dos anos, sobretudo quando não há tratamento médico adequado.
À vista de tais fundamentos, é de se reconhecer o direito da autora à concessão de pensão por morte da servidora Guilhermina Miranda Dal Negro, na condição de filha maior inválida, a contar da data do óbito (16/10/2014) e enquanto perdurar a invalidez.
Sobre os acréscimos moratórios incidentes sobre as parcelas pretéritas, o e. Supremo Tribunal Federal manifestou-se, no julgamento do RE n.º 870.947/SE, sob a sistemática de repercussão geral, nos seguintes termos:
I - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;
II - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
Eis a ementa do referido julgado:
DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput), no seu núcleo essencial, revela que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, os quais devem observar os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito; nas hipóteses de relação jurídica diversa da tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto legal supramencionado. 2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. 3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal (cf. MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29). 4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços. 5. Recurso extraordinário parcialmente provido.
A decisão é vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e tem eficácia retroativa (art. 102, § 3º, da CRFB, c/c art. 927, inciso III, do CPC), uma vez que não houve a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º- F da Lei n.º 9.494/1997, na redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, na parte em que disciplinou a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, conforme o deliberado por aquela e. Corte em sede de embargos de declaração:
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quinta-feira (3), concluiu que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para a atualização de débitos judiciais das Fazendas Públicas (precatórios) aplica-se de junho de 2009 em diante. A decisão foi tomada no julgamento de embargos de declaração no Recurso Extraordinário (RE) 870974, com repercussão geral reconhecida.
Nos embargos, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e diversos estados defendiam a possibilidade de a decisão valer a partir de data diversa do julgamento de mérito do RE, ocorrido em 2017, para que a decisão, que considerou inconstitucional a utilização da Taxa Referencial (TR) na correção dessas dívidas, tivesse eficácia apenas a partir da conclusão do julgamento.
Prevaleceu, por maioria, o entendimento de que não cabe a modulação, ressaltando-se que, caso a eficácia da decisão fosse adiada, haveria prejuízo para um grande número de pessoas. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há pelo menos 174 mil processos no país sobre o tema aguardando a aplicação da repercussão geral. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=425451 - grifei)
Nessa linha, o pronunciamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça nos REsp n.ºs 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS, na sistemática de recurso repetitivo:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 02/STJ. DISCUSSÃO SOBRE A APLICAÇÃO DO ART.1º-F DA LEI 9.494/97 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/2009) ÀS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. CASO CONCRETO QUE É RELATIVO A INDÉBITO TRIBUTÁRIO. TESES JURÍDICAS FIXADAS. 1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza. 1.1. Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária. No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário. 1.2. Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão. A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório. 2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. 3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação. 3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral. As condenações judiciais de natureza administrativa em geral sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros demora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada acumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. 3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos. As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E. 3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas. No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital. 3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária. As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária,no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006,que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art.1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009). 3.3 Condenações judiciais de natureza tributária. A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. 4. Preservação da coisa julgada. Não obstante os índices estabelecidos para atualização monetária e compensação da mora, de acordo com a natureza da condenação imposta à Fazenda Pública, cumpre ressalvar eventual coisa julgada que tenha determinado a aplicação de índices diversos, cuja constitucionalidade/legalidade há de ser aferida no caso concreto. SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO. 5. Em se tratando de dívida de natureza tributária, não é possível a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei11.960/2009) - nem para atualização monetária nem para compensação da mora -, razão pela qual não se justifica a reforma do acórdão recorrido. 6. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, c/c o art. 256-N e seguintes do RISTJ. (REsp 1495146 / MG, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, 1ª Seção, DJe 02/03/2018 - Recurso Repetitivo - Tema 905).
À vista de tais fundamentos, é de se reconhecer aplicável o IPCA-e para atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública, a partir de junho de 2009.
No tocante à fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, aplica-se na espécie o disposto no art. 85, §§ 3º e 4º, do CPC, devendo ser diferida para liquidação de sentença a definição dos percentuais cabíveis, por se tratar de sentença ilíquida.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e julgar prejudicado o agravo legal.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001648781v22 e do código CRC a281329d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 22/5/2020, às 9:20:25
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:42:14.
Apelação Cível Nº 5015938-88.2016.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: ANA LUIZA DAL NEGRO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: Dulciomar César Fukushima (OAB PR020312)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
INTERESSADO: POLÍCIA FEDERAL/PR (INTERESSADO)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LEI Nº 8.112/1990. PENSÃO. FILHA MAIOR. INVALIDEZ PREEXISTENTE AO ÓBITO DO INSTITUIDOR. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA.
1. O artigo 217, inciso II, alínea "a", da Lei n.º 8.112/1990, não exige a prova da dependência econômica para a concessão de pensão por morte a filho maior inválido, mas, sim, a comprovação de que a invalidez é preexistente ao óbito do instituidor do benefício.
2. Conquanto as avaliações médicas não atestem, categoricamente, a invalidez da autora, há que se ponderar que (1) a finalidade do benefício de pensão por morte é garantir a subsistência de quem dependia economicamente do servidor falecido, mediante a percepção de renda mensal regular, e (2) a capacidade para exercer atividade laboral que lhe permita prover o sustento deve ser aferida, com base não só no estado de saúde (do ponto de vista estritamente clínico) como também nas condições pessoais que interferem naquela (história familiar, hábitos, avaliação do perfil emocional e psicossocial e nível de entendimento e orientação sobre a realidade). A maioria das avaliações médicas indicam que a autora tem sérias dificuldades emocionais e é incapaz, ainda que temporariamente, para os atos da vida civil, o que não está completamente dissociado de uma "presumida" incapacidade para desempenhar atividade remuneratória, especialmente levando-se em consideração sua idade, reduzida escolaridade e déficits cognitivos, funcionais e emocionais, fatores que, somados, dificultam, senão impedem, sua inserção no mercado de trabalho. Além disso, é consabido que as doenças de natureza psiquiátrica são multifatoriais e, geralmente, eclodem na infância/adolescência, agravando-se ao longo dos anos, sobretudo quando não há tratamento médico adequado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e julgar prejudicado o agravo legal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de maio de 2020.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001648782v5 e do código CRC e8cf3de2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 12/05/2020 A 20/05/2020
Apelação Cível Nº 5015938-88.2016.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
APELANTE: ANA LUIZA DAL NEGRO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: Dulciomar César Fukushima (OAB PR020312)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/05/2020, às 00:00, a 20/05/2020, às 14:00, na sequência 1273, disponibilizada no DE de 30/04/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E JULGAR PREJUDICADO O AGRAVO LEGAL.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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