Apelação Cível Nº 5003718-19.2016.4.04.7110/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: MARIO LUIZ OLIVEIRA PRESTES (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
RELATÓRIO
Mário Luiz Oliveira Prestes ajuizou a presente ação ordinária contra Fundação Nacional de Saúde - FUNASA e União - AGU, postulando a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais.
Conforme narrado na inicial, o autor trabalhou na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM, órgão vinculado ao Ministério da Saúde até o ano de 1990, quando foi criada a Fundação Nacional da Saúde, passando então a integrar os quadros da última. Assim permaneceu até 2015 exercendo a função de Agente de Saúde Pública. Disse que desde o ingresso até a aposentadoria, exerceu atividades do programa de combate de endemias desenvolvido junto a áreas rurais, por meio da borrigação de pesticidas organoclorados, organofosforados e piretróides. Que nunca teve treinamento adequado para manipulação e borrifação desses inseticidas altamente tóxicos, muito menos foi-lhe fornecido Equipamento de Proteção Individual. Referiu, assim, que as rés se omitiram quanto aos deveres de proteção e segurança do trabalhador, deixando de cercá-lo dos cuidados indispensáveis à sua seguranças (evento 1).
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença, proferida com o seguinte dispositivo:
"Ante o exposto, reconheço a prescrição de fundo de direito, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC, rejeitando também a pretensão de fundo do autor, nos termos da fundamentação acima.
Condeno o autor ao pagamento de honorários sucumbenciais fixados em 10% sobre o valor da causa, devidamente atualizados pelo IPCA-E, como também das custas judiciais. Contudo, tendo em vista a concessão do benefício da gratuidade de justiça, fica suspenso o pagamento dos referidos encargos.
Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria abrir vista à parte contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Publique-se. Intimem-se."
O autor apelou (evento 55). Preliminarmente, alega que houve cerceamento de defesa, uma vez que foi indeferido seu pedido de produção de prova testemunhal e pericial. Alega como prefacial de mérito a inocorrência de prescrição.
No mérito, sustenta que a comprovação de que o Apelante exerce a função de Motorista Oficial, cujas atribuições envolvem o combate de vetores de endemias, mediante o uso de inseticidas organoclorados, organofosforados, piretróides e carbamatos, pode ser verificado em sua ficha funcional, documento este que instruiu a inicial. Neste mesmo sentido, o Manual de Controles de Vetores, elaborado pela FUNASA em conjunto com o Ministério da Saúde, descreve objetivamente as atividades inerentes à função de combatente de endemias, assim como a efetiva exposição desses servidores aos inseticidas de alto potencial tóxico. As Apeladas não lograram êxito em demonstrar que os combatentes de endemias, especificamente o Apelante, exercia suas atividades munido de equipamentos de segurança. Ademais, alega que pretender que o Apelante faça prova do não-fato constitutivo do seu direito, neste caso, revela-se em produção impossível de provas, ou, quando menos, excessivamente dispendiosa para a parte, considerando que todo o histórico funcional está sob os cuidados das Apeladas. Por fim, a exposição inadequada do Apelante aos inseticidas altamente tóxicos, sem o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual pelas Apeladas, demonstra o nexo causal entre a ação das Apeladas e o dano provocado ao Apelante, com potencialidade de causar doenças relacionadas aos venenos nos anos vindouros.
Com contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
Preliminarmente - cerceamento de defesa
De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.
5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)
Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa.
Prescrição
Tratando-se de obrigação fundada na responsabilidade civil da Fazenda Pública, incluindo no conceito autarquia, o prazo de prescrição a ser observado o Decreto 20.910/32. O referido instrumento normativo, dispõe que o prazo prescricional para todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal e autarquia seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originou.
No caso dos autos, o autor postulou indenização a título de danos morais referente ao período compreendido entre os anos de 1986 e 2015, conforme exposto na inicial, período quem que trabalhou como agente de saúde junto a FUNASA e ao qual estaria exposto a incidência dos fatores que poderiam ocasionar os danos que fundamentam o presente pedido de indenização.
Nessa senda, inocorrente a prescrição, eis que não decorrido lapso temporal superior a cinco anos entre a incidência dos fatores que poderiam ocasionar os danos morais e o ajuizamento da presente demanda, em 16/05/2016.
Assim, reformo a sentença neste tópico.
Mérito
Melhor sorte não socorre ao apelante, no mérito.
Nos termos do art. 373, I e II, do CPC de 2015, recai sobre o autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, e sobre o réu, o de comprovar os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor.
Vale referir, quanto ao dano moral, que, via de regra, não pode ser considerado como in re ipsa, visto que não é presumido pela simples ocorrência do ilícito. O reconhecimento do dano ocorre quando trazidos aos autos dados suficientes à conformação do convencimento do magistrado acerca da existência não só da conduta ilícita, mas também do prejuízo dela decorrente. Entre eles deve, necessariamente, existir o nexo de causalidade, que nada mais é do que a situação probante da relação entre a conduta ilícita e o dano causado.
A reparação do dano moral pressupõe que a conduta lesiva seja de tal monta a provocar no lesado dor e sofrimento aptos a ocasionar modificação em seu estado emocional, suficiente para afetar sua vida pessoal e até mesmo social. O dano moral é aquele que, embora não atinja o patrimônio material da vítima, afeta-lhe o patrimônio ideal, causando-lhe dor, mágoa, tristeza.
Desse modo, é importante salientar que o dano moral, apto a ensejar a indenização respectiva, não se confunde com mero transtorno ou dissabor experimentado pelo indivíduo. Assim, as circunstâncias fáticas do caso concreto devem ser avaliadas com cuidado, a fim de verificar se são relevantes para acarretar a indenização pretendida. Em suma, não se prescinde de uma cuidadosa análise dos fatos ocorridos, pois, caso contrário, qualquer transtorno passível de ocorrer na vida em sociedade daria ensejo ao ressarcimento a título de dano moral, o que não se revela proporcional.
No caso trazido ao julgamento, quanto à não configuração do dano moral, adoto as considerações do magistrado senteciante, in verbis:
"(...)
Da análise dos autos, contudo, não se verifica a existência de dano moral indenizável, fato que, por si só, justifica a improcedência do pleito.
Registre-se que o autor discorreu sobre o potencial danoso dos pesticidas utilizados durante seu labor, bem como sobre a possibilidade de danos futuros à sua saúde
Ora, os riscos potenciais inerentes à exposição a agentes nocivos, dissociados de um dano efetivo à saúde do servidor, não caraterizam, a meu ver, abalo suficiente à esfera psíquica, de modo a justificar a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.
A reparação pelo dano moral pressupõe a efetiva violação a bens imateriais do indivíduo que, por sua importância, merecem a tutela jurídica do estado. Tais bens relacionam-se fundamentalmente à integridade física do indivíduo, à sua integridade moral stricto sensu, ou ainda à sua integridade psíquica. Sempre que algum desses aspectos é violado de forma relevante exsurge para aquele que deu causa à violação o dever de reparar o dano causado. São exemplos de violações ao patrimônio imaterial do indivíduo que geram o dever de indenizar a causação de lesão física, de dano estético, de doença, a ofensa à honra ou à imagem, assim como a violação da integridade psíquica do indivíduo que se reflete em sentimentos como dor psicológica ou física, sofrimento, humilhação, vergonha, angústia, entre outras.
Em todo e qualquer caso, todavia, o dano deve revestir-se de certa gravidade para justificar sua indenização. Nem toda lesão, dano estético ou doença deve ser indenizada, da mesma forma que não é qualquer incômodo ou dissabor que justifica o dever de reparação. O dano ao patrimônio imaterial deve revestir-se de certa gravidade para caracterizar e justificar o dever de indenizar, não sendo a intenção do sistema jurídico assegurar que todo e qualquer incômodo de ordem psíquica, física ou moral stricto sensu seja compensado, mas apenas aqueles que fogem à normalidade, sendo, por isso mesmo, aptos a causar o distúrbio da vida em sociedade.
No caso concreto, como visto, a parte autora na própria inicial afirma que não há como saber quais danos à sua saúde poderão surgir no futuro. Assim, justifica o direito de ser indenizada em face não apenas dos prejuízos presentes, mas também dos danos futuros.
No entanto, a mera possibilidade de adquirir uma patologia futura não caracteriza, a meu ver, violação do patrimônio imaterial da parte autora em grau suficiente para configurar a existência de um dano moral. Está-se diante de mera possibilidade, não de um dano concreto à saúde da parte autora. Além disso, quanto à existência de sentimentos de temor e angústia relacionados ao risco de adquirir doença futuramente, diga-se que, independentemente da adoção ou não, pela requerida, de todas as precauções cabíveis, sempre existiram. Não por outro motivo os agentes de saúde em regra recebem adicional de insalubridade. É de seu conhecimento que a exposição a alguns dos produtos químicos utilizados é de fato prejudicial à saúde, podendo dar causa ao desenvolvimento de doenças.
Nesse mesmo sentido, pode ser mencionado o seguinte precedente do TRF/4ª, originado de caso análogo ao presente:
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. COMBATE ENDEMIAS.O pedido está alicerçado basicamente na omissão no fornecimento de equipamento de proteção individual enseja o reconhecimento de indenização a título de danos morais. Ora, é necessário haver nexo entre as alegadas moléstias da parte demandante (alergias e transtorno de humor/depressão - evento 01, outros 5, fls. 05/06) e o exercício das atividades laborativas com o uso de substâncias tóxicas. O mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar tal pretensão, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu. (TRF4, AC 5007341-50.2014.404.7114, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 20/05/2016) (grifei)"
Nesse prisma, observe-se que, independentemente da discussão acerca da subjetividade ou objetividade da responsabilidade civil, o dano é dos pressupostos inafastáveis do dever de indenizar, não tendo restado provado.
Com a interposição do recurso, forte no artigo 85, parágrafo 11, do NCPC, majoro os honorários advocatícios para 12% sobre o valor da causa. Suspensa a execução face à concessão de AJG.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5003718-19.2016.4.04.7110/RS
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APELANTE: MARIO LUIZ OLIVEIRA PRESTES (AUTOR)
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APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
VOTO-VISTA
Pedi vista dos autos para melhor examinar as circunstâncias que envolvem o caso concreto, especialmente quanto à alegação de cerceamento de defesa.
Ocorre que sobreveio informação sobre a análise da proposta de afetação do Recurso Especial n. 1.809.209-DF, em que houve a submissão a julgamento na sistemática dos recursos representativos da controvérsia pela Primeira Seção do STJ da seguinte tese: "Determinação do termo inicial do prazo de prescrição para o ajuizamento de ação em que se busca reparação de dano moral resultante da exposição de servidor público à substância dicloro-difenil-tricloroetano – DDT" (ProAfR no REsp 1809209/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2019, DJe 27/08/2019), com determinação de "suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem acerca da questão delimitada e tramitem no território nacional".
Assim, na sessão do dia 03/12/2019, esta 3ª Turma, decidiu, por unanimidade, suscitar questão de ordem, solvendo-a no sentido de sobrestar este processo para que aguardasse a solução da controvérsia delimitada no Tema n. 1.023, no regime dos recursos repetitivos (eventos 15/16).
Em 10/02/2021, no julgamento do REsp 1.809.043 (Tema n. 1.023), o Superior Tribunal de Justiça assentou de forma definitiva o posicionamento quanto à questão do termo inicial do prazo prescricional da matéria objeto deste processo, conforme acórdão assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA REPETITIVO Nº 1023. SERVIDOR PÚBLICO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR SUPOSTA OFENSA AOS ARTS. 10 E 487, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. ANÁLISE. INVIABILIDADE. PRECLUSÃO E AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nº 282 E 356 DO STF. VIOLAÇÃO AO ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/32. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGENTE DE COMBATE A ENDEMIAS. ANGÚSTIA E SOFRIMENTO DECORRENTES DA EXPOSIÇÃO DESPROTEGIDA E SEM A DEVIDA ORIENTAÇÃO AO DICLORO-DIFENIL-TRICLOROETANO - DDD. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO. FUNDADO TEMOR DE PREJUÍZOS À SAÚDE DO AGENTE. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DOS MALEFÍCIOS QUE PODEM SURGIR DA EXPOSIÇÃO DESPROTEGIDA À SUBSTÂNCIA QUÍMICA. TEORIA DA ACTIO NATA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.936/09. PROIBIÇÃO DO DDT EM TODO TERRITÓRIO NACIONAL. IRRELEVÂNCIA PARA A DEFINIÇÃO DO TERMO INICIAL. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA DETERMINAR NOVO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
Preliminar de nulidade do acórdão recorrido 1. Quanto à preliminar de nulidade do acórdão recorrido, por suposta ofensa dos arts. 10 e 487, parágrafo único, do CPC/2015, verifica-se que referida nulidade não foi oportunamente alegada nos embargos de declaração opostos pelo recorrente junto ao Tribunal de origem, os quais trataram apenas da prescrição. Vale dizer, o recorrente não levantou a nulidade na primeira oportunidade após a ocorrência do vício, restando configurada a preclusão da matéria, nos termos do art. 278 do CPC/2015. Ademais, por não ter sido alegada perante a Corte Regional, a matéria também não foi apreciada pelo Tribunal de origem, atraindo a incidência, por analogia, das Súmulas nº 282 e 356 do STF.
Delimitação da controvérsia 2. O recorrente ajuizou a presente ação de indenização por danos morais em razão de angústia e sofrimento decorrente de sua exposição prolongada a diversos produtos químicos, dentre eles o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), utilizados no desempenho das funções de agente de combate a endemias na extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) e, posteriormente, na Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), sem o adequado treinamento para manuseio e aplicação das substâncias, bem como sem o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI). Sustenta que possui fundado temor de que referida exposição possa causar danos a sua saúde ou mesmo de sua família, ante os malefícios provocados pelas substâncias químicas às quais esteve exposto, especialmente o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT).
3. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o termo inicial da prescrição para as ações de indenização por dano moral é o momento da efetiva ciência do dano em toda sua extensão, em obediência ao princípio da actio nata, uma vez que não se pode esperar que alguém ajuíze ação para reparação de dano antes dele ter ciência.
4. O dano moral alegado, consistente no sofrimento e na angústia experimentados pelo recorrente, apenas nasceu no momento em que o autor teve ciência inequívoca dos malefícios que podem ser provocados por sua exposição desprotegida ao DDT.
5. A Lei nº 11.936/09 não traz qualquer justificativa para a proibição do uso do DDT em todo o território nacional, e nem descreve eventuais malefícios causados pela exposição à referida substância. Logo, não há como presumir, como equivocadamente firmado pelo Tribunal de origem, que a partir da vigência da Lei nº 11.936/09 os agentes de combate a endemias que foram expostos ao DDT tiveram ciência inequívoca dos malefícios que poderiam ser causados pelo seu uso ou manuseio.
Fixação da tese 6. Nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição, não devendo ser adotado como marco inicial a vigência da Lei nº 11.936/09, cujo texto não apresentou justificativa para a proibição da substância e nem descreveu eventuais malefícios causados pela exposição ao produto químico.
DO JULGAMENTO DO CASO CONCRETO 7. O Tribunal de origem reconheceu a prescrição da pretensão indenizatória, aduzindo que o termo inicial do prazo prescricional para as ações em que se busca indenização pela exposição ao DDT seria o dia 14/05/2009, data de início de vigência da Lei nº 11.936/09, que proibiu o uso da substância em todo o território nacional. Aduziu que, excepcionalmente, poderia ser fixada data posterior se demonstrado, ab initio litis, que o autor obteve ciência inequívoca do fato causador do dano em momento posterior à vigência de referida lei.
8. Nota-se que o entendimento do Tribunal Regional está em confronto com a tese firmada no presente tema, devendo ser fixado como termo inicial o momento em que o servidor, ora recorrente, teve ciência dos malefícios que podem surgir de sua exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, sendo irrelevante a data de vigência da Lei nº 11.936/09.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para determinar a reapreciação do recurso de apelação, afastando-se a data de vigência da Lei nº 11.936/09 como marco inicial do prazo prescricional.
(REsp 1809043/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2021, DJe 17/03/2021) - destaquei.
Diante do julgamento do Tema n. 1.023, recebi estes autos eletrônicos para prosseguir com aquele julgamento, em face do pedido de vista.
Passo, portanto, à apreciação.
De início, considerando a tese firmada pela sistemática dos recursos repetitivos no julgamento do Tema 1.023/STJ, observo que não há falar em ocorrência da prescrição do fundo de direito na hipótese, de modo que acompanho o e. Relatora sobre a matéria.
De igual forma, acompanho as razões da e. Relatora ao rejeitar a alegação de cerceamento de defesa.
Com efeito, os elementos probatórios presentes nos autos são suficientes para o deslinde da controvérsia, em que a parte autora fundamenta sua pretensão indenizatória no mero risco da potencialidade de existência do dano, diferentemente de outros casos que chegam a esta Corte, em que os trabalhadores sustentam o efetivo desenvolvimento de patologia decorrente da exposição aos agentes químicos.
E, no mérito, igualmente adiro ao voto da Relatoria, pois entendo que a mera possibilidade de o autor adquirir uma patologia futura não caracteriza violação de seu patrimônio imaterial em grau suficiente a configurar dano moral, pois não se trata de um prejuízo concreto à sua saúde.
O autor, na condição de servidor público ocupante do cargo de Agente de Saúde Pública, objetiva a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais em razão da exposição a inseticidas de alto grau de toxicidade sem o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual adequados no exercício de suas atividades no combate a endemias, argumentando o potencial risco de desenvolvimento de doenças graves.
Sabe-se que as consequências de eventual exposição do ser humano a fatores externos prejudiciais à saúde são imprevisíveis. O organismo humano reage das formas mais variadas à exposição a agentes insalubres, assim como a tratamentos medicamentosos. Assim como o autor pode vir a desenvolver alguma doença em função da alegada exposição aos pesticidas, pode ocorrer de jamais eclodir patologia alguma, como também pode vir a desenvolver doença(s) em decorrência de fatores diversos do mencionado.
Conclui-se, assim, que o mero risco da potencialidade nociva de agentes químicos é insuficiente para fundamentar a pretensão autoral, pois constitui premissa básica da indenização a existência comprovada do dano, o qual, no caso em exame, seria configurado pelo efetivo surgimento de enfermidade(s) relacionada(s) à contaminação/intoxicação pelas substâncias químicas utilizadas no exercício do labor, circunstância não verificada na hipótese em comento.
Dessa forma, ausentes os pressupostos do dever de indenizar, entendo pela manutenção da sentença de improcedência.
Ante o exposto, voto por, acompanhando a eminente Relatora, negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5003718-19.2016.4.04.7110/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: MARIO LUIZ OLIVEIRA PRESTES (AUTOR)
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APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
EMENTA
AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. FUNASA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. IMPROVIMENTO, NO MÉRITO.
1. Tratando-se de pretensão indenizatória em face da Fazenda Pública, o prazo de prescrição a ser observado não é aquele previsto no Código Civil, tendo em vista a existência de legislação especial sobre a matéria, qual seja, o Decreto n.º 20.910/32, que dispõe que o prazo prescricional para todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal e autarquia seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originou.
2. O pedido está alicerçado basicamente na omissão no fornecimento de equipamento de proteção individual enseja o reconhecimento de indenização a título de danos morais.
3. O mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar tal pretensão, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de novembro de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 09/07/2019
Apelação Cível Nº 5003718-19.2016.4.04.7110/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: MARIO LUIZ OLIVEIRA PRESTES (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 09/07/2019, na sequência 380, disponibilizada no DE de 27/06/2019.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DA DES. FEDERAL MARGA BARTH TESSLER NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO. PEDIU VISTA A DES. FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA. AGUARDA O DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO.
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Pedido Vista: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 04/12/2021 04:01:13.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/11/2021 A 24/11/2021
Apelação Cível Nº 5003718-19.2016.4.04.7110/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: MARIO LUIZ OLIVEIRA PRESTES (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/11/2021, às 00:00, a 24/11/2021, às 14:00, na sequência 464, disponibilizada no DE de 04/11/2021.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DA DESEMBARGADORA FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA ACOMPANHANDO A RELATORA E O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL ROGERIO FAVRETO NO MESMO SENTIDO, MAS APRESENTANDO RESSALVA DE ENTENDIMENTO, A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO. APRESENTOU RESSALVA DE ENTENDIMENTO O DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
VOTANTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Ressalva - GAB. 31 (Des. Federal ROGERIO FAVRETO) - Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO.
Acompanho a relatora, com os acréscimos do voto-vista da Des. Vânia Hack de Almeida, ressalvando a possibilidade futura do servidor pleitear eventual indenização, caso comprove os malefícios causados pela exposição ao DDT.
Conferência de autenticidade emitida em 04/12/2021 04:01:13.