Agravo de Instrumento Nº 5041129-13.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: ROSANE DA ROSA ALANO
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Rosane da Rosa Alano interpôs o presente agravo contra decisão que indeferiu tutela de urgência em ação ajuizada para obtenção de auxílio-doença (
):[...]
3. Tendo em vista a necessidade de instrução a respeito das alegações da parte autora, a tutela de urgência, caso requerida, será analisada na sentença.
[...]
Sustentou a agravante que está preenchido o requisito do risco de dano grave, porque necessita do benefício para sua manutenção. Alegou, também, que não há necessidade de aguardar-se a sentença, porque há prova suficiente no procedimento comum de que não tem condições de retornar às suas atividades laborativas, em virtude das suas limitações físicas e cognitivas.
Sobreveio decisão deferindo a antecipação de tutela recursal e determinando o restabelecimento imediato do benefício.
Sem contrarrazões.
VOTO
Tutela de urgência
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.
Benefícios por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
A agravante teve indeferido requerimento de prorrogação de auxílio-doença em 21 de setembro de 2021, por não ter sido constatada incapacidade laborativa (
).A perícia médica administrativa foi realizada em 25 de agosto de 2021, com o seguinte teor (
):[...]
EXAME FISICO: ...NaO APRESENTA CONDIcoES LABORATIVAS. AO EXAME: BOM ESTADO GERAL E NUTRICIONAL INFORMA BEM. RELATO CLARO E DETALHADO COM DEMONSTRAcaO DE BOA MEMoRIA LuCIDA E ORIENTADA EUPNEICA DEAMBULA SEM DIFICULDADE E SEM AUXiLIO MANIPULA SEUS DOCUMENTOS COM AGILIDADE (...)
CONSIDERACOES: CONSIDERANDO OS ACHADOS CLiNICOS ATUAIS E DOCUMENTAcaO MeDICA APRESENTADA, NaO Ha ELEMENTOS OBJETIVOS QUE POSSAM JUSTIFICAR A PRORROGAcaO DO BENEFiCIO ALeM DA DATA PREVIAMENTE FIXADA. INCONGRUeNCIAS E EMPRESA ATIVA DOCUMENTAcaO MeDICA REGISTRADA E DEVOLVIDA PARA A SEGURADA. SEM RETENcaO DE ATESTADO. FUNDAMENTAcaO LEGAL: ARTIGO 71 DO REGULAMENTO DA PREVIDeNCIA SOCIAL APROVADO PELO DECRETO N� 3.048 DE 06/05/1999.
RESULTADO: NaO EXISTE INCAPACIDADE LABORATIVA.
[...]
Contudo, há laudo neuropsicológico, de julho de 2020, assinado pela psicóloga Tatiani Incerti Santos, com detalhado relato das limitações neuropsicológicas da agravante. Apresentou conclusão, a partir da análise de vários aspectos: a) inteligência; b) funções executivas (conjunto de processos cognitivos que são responsáveis pela eficiência e adequação dos meios de resolução de problemas); c) funções verbais/linguagem; d) atenção; e) memória; f) orientação (consciência de si e do ambiente); g) aspectos emocionais; h) observação/postura; e i) personalidade (
):[...]
De acordo com os resultados qualitativos e quantitativos obtidos nesta Avaliação, foi possível identificar que Rosane segue apresentando indicadores de reserva cognitiva (provavelmente devido à escolaridade). Os resultados sugerem que ela apresentou aspectos relacionados à Linguagem preservados. No entanto, as seguintes funções apresentam evolução negativa: Memória de Curto Prazo Verbal (capacidade de aprender novas informações), Memória Visual, Funções Executivas (tais como estabelecer uma relação entre dois assuntos, fazer cálculos apenas com a mente e estabelecer uma ordem de prioridade entre várias tarefas). Capacidade de Planejamento e Tomada de decisão. De acordo com o DSM V, foi possível identificar que a avaliada apresenta sintomatologia compatível com Transtorno Neurocognitivo Maior (prejuízo cognitivo com interferência funcional) - Possível de Doença Vascular. Em função de se tratar de uma doença crônica, geralmente irreversível a avaliada não apresenta condições cognitivas e/ou psicológicas para desempenhar atividades laborativas. (negritei)
Função Preservada/Resultado | Função Prejudicada/Resultado |
QI Verbal Médio | QI Total Médio Inferior |
| QI Execução: Extremamente baixo |
| Memória de Curto Prazo Verbal/Inferior |
| Memória Visual/ Inferior |
| Memória Declarativa episódica/Inferior |
| Orientação/Inferior |
| Atenção Concentrada/Inferior |
| Inteligência Geral Não-Verbal/ Inferior |
| Funções Executivas/ Inferior |
| Percepção Visual: Inferior |
| Aspectos Emocionais/Sintomas de Depressão |
[...]
Também há atestado médico assinado pelo neurocirurgião Sandro de Medeiros, de 16 de setembro de 2021, no seguinte sentido (
):[...]
Atesto para os devidos fins que a Sra. Rosane da Rosa Alano está em tratamento médico desde abril de 2019, realizando consultas particulares de 2 a 3 consultas anuais devido a (...) episódios agudos de desorientação espacial, fazendo uso contínuo dos medicamentos Fluoxetina 20mg + Heimer 10ml + Zolpidem 10mg.
Em acompanhamento Neuropsicológico.
Sem condições definitivas de retorno ao trabalho.
Sugiro aposentadoria por invalidez
CID - F07
[...]
A moléstia é descrita na Classificação internacional de Doenças (CID) como:
F07 - Transtornos de personalidade e do comportamento devidos a doença, a lesão e a disfunção cerebral
Neste caso, a situação médica e psicológica relatada pelos documentos acima são suficientes para afastar a presunção de veracidade da perícia administrativa realizada pela autarquia previdenciária.
Há, portanto, elementos suficientes no sentido de que se mantém a inaptidão já anteriormente reconhecida, quando do anterior deferimento do benefício previdenciário. Necessária, assim, a prorrogação do benefício.
Direitos há para os quais o tempo é elemento essencial, justamente porque devem ser exercidos em um determinado momento, que lhes é próprio. É o caso típico dos benefícios previdenciários relacionados a deficiências.
Assim, deve ser deferido o pedido de imediata implantação do benefício.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento.
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Agravo de Instrumento Nº 5041129-13.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: ROSANE DA ROSA ALANO
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AUxílio-DoenÇA. RESTABELECIMENTO. REQUISITOS. PERIGO DE DANO E VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO.
Comprovada por documentos a incapacidade para o trabalho, deve ser excepcionalmente deferido o benefício de forma antecipada, quando a verossimilhança das alegações, no caso concreto, desconstitui a presunção de veracidade da perícia administrativa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003008952v6 e do código CRC 46fa3030.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/02/2022 A 15/02/2022
Agravo de Instrumento Nº 5041129-13.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH
AGRAVANTE: ROSANE DA ROSA ALANO
ADVOGADO: JOAO BATISTA BORGES AZEVEDO JUNIOR (OAB RS084279)
ADVOGADO: FELIPE LACERDA COGO (OAB RS083894)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/02/2022, às 00:00, a 15/02/2022, às 16:00, na sequência 325, disponibilizada no DE de 27/01/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juíza Federal ANDRÉIA CASTRO DIAS MOREIRA
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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