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Agravo de Instrumento Nº 5049768-20.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
AGRAVANTE: MAFALDA MERLO DOS SANTOS
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Mafalda Merola dos Santos em face de decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, ao considerar que, aparentemente, a autora não está em tratamento em CACON e advertiu que a inicial pode vir a ser indeferida por falta de documento que comprobatório da incapacidade financeira (DIRPF).
A agravante reitera, como preliminar, o pedido de assistência judiciária gratuita. Alega que é idosa e que sequer conseguiu se aposentar, sendo dependente de seu cônjuge que, por sua vez, é titular de benefício previdenciário com renda mensal equivalente a R$ 3000,00. Quanto ao mérito, sustenta que sofre de doença grave em estágio avançado, tendo realizado recentemente cirurgia oncológica. Aduz que, de acordo com atestados médicos, o único tratamento possível é a imunoterapia combinada, em virtude de sua baixa toxicidade. Afirma que o tratamento postulado não está disponível em CACON ou UNACON. Assevera que preencheu os requisitos estabelecidos no Tema STJ nº 106: apresentou laudos comprovando a imprescindibilidade do tratamento, demonstrou incapacidade financeira e postulou medicamento aprovado pela ANVISA.
Em decisão liminar, foram deferidos os pedidos de AJG e de tutela provisória recursal.
Irresignada, a União interpôs agravo interno, alegando, em síntese, que não foi observada a Súmula 99 deste Tribunal, visto que a agravante não é paciente da CACON ou UNACON. Sustenta, além disso, que não foi observada a política pública de saúde para casos similares.
Atendendo a requerimento da agravante, o prazo para entrega dos medicamentos foi reduzido para 5 dias.
É o relatório.
VOTO
A decisão liminar teve a seguinte fundamentação:
Mafalda Merlo dos Santos, 85 anos, é portadora de neoplasia maligna de rim (CID C64) com prognóstico desfavorável. Em abril de 2021, passou por cirurgia para retirada de seu rim direito. Em outubro, foi constatada a progressão da doença, com metástases hepáticas e intraperitoniais. De acordo com os laudos médicos acostados aos autos (ev. 01 - atestmed5 e ev. 07 - laudo8), a ora agravante possui saúde fragilizada. Sendo assim, os tratamentos disponíveis no SUS, por sua toxicidade, não são indicados. No lugar deles, foi-lhe prescrita imunoterapia combinada com os fármacos nivolumabe e ipilimumabe.
A decisão agravada indeferiu o pedido de tutela de urgência nos seguintes termos:
Desde já indefiro o pedido de liminar porque aparentemente a autora não está em tratamento em CACON, conforme entendimento do TRF4:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RUXOLITINIBE. TRATAMENTO DE MIELOFIBROSE AGUDA - LEUCEMIA DE CÉLULAS (CÂNCER NA MEDULA). TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS AUSENTES. 1. As normas relativas ao direito à saúde devem ser analisadas e interpretadas de forma sistêmica, visando à máxima abrangência e ao amplo acesso aos direitos sociais fundamentais. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada nº. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Indispensável, em primeira linha, nos casos onde se pretende o fornecimento de fármaco oncológico, submissão do paciente a tratamento perante unidades de CACON ou UNACON, uma vez que o atendimento por estas não se resume a entrega do medicamento para a moléstia específica, mas o tratamento integral do paciente. 4. Na hipótese em exame, os documentos juntados com a inicial demonstram que a parte autora está em tratamento da mielofibrose que lhe aflige na Clínica Qualivita, entidade não cadastrada como integrantes da Rede de atenção Oncológica do SUS, aos cuidados da Dra. Paula Giacometto, a qual prescreveu o fármaco oncológico ora requerido, portanto, sendo assistida por médica particular. 5. Todavia, imprescindível, para eventual fornecimento de medicamento pelo Poder Público, que o autor se submeta a realização do tratamento por meio de unidades credenciadas como CACON ou UNACON, o que não ocorreu no caso dos autos. 6. Ausentes os pressupostos indispensáveis para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do artigo 300 do CPC, deve ser revogada a decisão monocrática que deferiu a medida. (TRF4, AG 5009671-12.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 03/07/2020)
Não houve cumprimento integral do despacho anterior, do que pode resultar indeferimento da inicial por falta de documento essencial:
(c) para demonstrar o requisito da incapacidade financeira para arcar com o custo total ou parcial da medicação requerida, apresente os comprovantes atualizados de renda oriundos de todas as fontes pagadoras, seus, de seu esposo(a) e de eventuais filhos que possuir e que exerçam atividade laborativa, mesmo que não residam no seu domicílio, face ao dever de assistência mútua previsto no art. 1.566, III e 1.696 do CC e 229 da CF. Apresente também a última declaração do imposto de renda sua e de seu esposo apresentada à Receita Federal;
Não identifiquei DIRPF do marido da autora.
Pois bem.
No que diz respeito à necessidade de tratamento perante o sistema público de saúde, a circunstância de o medicamento/tratamento/procedimento ser prescrito por médico particular não é, por si só, motivo para o excluir da assistência prestada pelo Poder Público.
É dever do Poder Público zelar, de maneira responsável, pelo bem jurídico tutelado constitucionalmente, garantindo aos cidadãos em geral o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar (STF, 2ª Turma, RE n.º 271.286 AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24/11/2000 - grifei). Se a Constituição não estabelece distinção entre os assistidos, nem o legislador prescreve a hipossuficiência como critério seletivo para a prestação do serviço público (ou seja, o dever do Estado de assistir o indivíduo não está condicionado à condição de paciente do SUS), não há como preterir o indivíduo que, às vezes com certo sacrifício, adere a plano privado de saúde (via de regra, restrito à cobertura de custos relativos a consulta e exame médicos e laboratoriais), porém necessita do fornecimento de um determinado medicamento/tratamento que não se inclui no âmbito de sua cobertura. Caberá ao SUS, conforme cada caso, buscar o ressarcimento das despesas que vier a suportar, junto ao plano de saúde. Nesse mesmo sentido, aliás:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. prescrição por médico particular. (Im)possibilidade. prova pericial. - A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal). - O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. - A circunstância de o medicamento/tratamento/procedimento ser prescrito por médico particular não é, por si só, motivo para o excluir da assistência prestada pelo Poder Público. - Demonstrada a verossimilhança das razões que embasam o pedido inicial, por ter sido a situação específica do autor devidamente avaliada por perícia médica judicial, deve ser concedida a tutela de urgência, a fim de assegurar a efetividade da prestação jurisdicional. (TRF4, AG 5064150-57.2017.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora para Acórdão VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 20/03/2018)
Julgo demonstrada, igualmente, a probabilidade do direito alegado.
De início, registro que não há controvérsia quanto à incapacidade financeira da agravante, visto que é postulado tratamento oncológico de alto custo. A agravante é dependente de seu esposo, que, por sua vez, é titular de aposentadoria especial com renda mensal de aproximadamente R$ 4000,00.
Conquanto não integrem a RENAME e não faça parte de nenhum programa de Assistência Farmacêutica do SUS, os antineoplásicos nivolumabe e ipilimumabe possuem registro válido na ANVISA (disponível em <https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351308360201510/?substancia=25853> e <https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351231323201157/?substancia=25169>, acesso em 01-12-21). Cumpre registrar que, nas bulas de ambos, há indicação expressa da combinação dos medicamentos para tratamento em primeira linha de pacientes adultos com carcinoma e células renais avançado ou metastático que possuem risco intermediário ou alto (desfavorável), como é o caso da agravante. Não se trata, portanto, de tratamento experimental.
Sobre a ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde, os laudos médicos esclarecem, suficientemente, que os medicamentos disponíveis na rede pública não são indicados no caso, dadas a idade avançada e a fragilidade do estado de saúde da agravante.
De relatório recente da CONITEC (disponível em <http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2021/Sociedade/20210629_ReSoc280_ipilimumabenivolumabe_e_pembrolizumabeaxitinibe_CCRm.pdf>, acesso em 01-12-21), extrai-se que o uso de quimioterapia paliativa é possível para pacientes com risco baixo ou intermediário, ainda qu frequentemente esse tipo de tumor seja muito resistentes ao tratamento quimioterápico. Quanto ao tratamento postulado (nivolumabe+ipilimumabe), consta que para pacientes classificados com risco intermediário ou alto, as associações foram superiores ao sunitinibe em todos os desfechos. Por fim, admite-se que embora as associações dos medicamentos tenham apresentado eficácia superior ao tratamento disponível no SUS para indivíduos com risco intermediário ou alto, a relação custo-efetividade foi considerada desfavorável e a incorporação resultaria em impacto orçamentário elevado ao SUS.
A reforçar a adequação da medida concessiva, reporto-me à recentíssima Nota Técnica nº 55585, disponível no sistema E-NatJus dando conta da adequação e imprescindibilidade do uso da combinação de nivolumabe-ipilimumabe para tratamento de carcinoma renal metastático em paciente idosa não exposta a tratamentos prévios (disponível em <https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:55585:1638385633:c9c7f1a5e6ae61de0bef4ccc5e2b83199bca13df5af8c13ed24809e3532ad22a>, acesso em 01-12-21).
Elevada, portanto, a probabilidade de manutenção desta decisão.
A possibilidade de dano grave, de difícil ou impossível reparação, caso seja mantida a decisão agravada, está devidamente comprovada, já que a agravante é portadora de doença grave, sendo urgente a necessidade de dar início ao tratamento.
Ante o exposto, defiro o pedido de tutela provisória recursal, determinando que os réus forneçam à agravante os medicamentos nivolumabe e ipilimumabe, na quantidade e dosagem indicadas na prescrição médica.
Estando a solução alinhada à jurisprudência formada sobre a matéria, ratifico a liminar.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, dando por prejudicado o agravo interno.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003201117v3 e do código CRC 791b664a.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5049768-20.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
AGRAVANTE: MAFALDA MERLO DOS SANTOS
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. fornecimento de MEDICAMENTO. neoplasia maligna de rim. nivolumabe e ipilimumabe.
1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de sáude; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). 2. Quadro fático apto a demonstrar que a combinação dos medicamentos nivolumabe e ipilimumabe é indispensável, justificando a tutela provisória deferida. Agravo de instrumento ao qual se dá provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, dando por prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003201118v3 e do código CRC c3e1cf1f.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Agravo de Instrumento Nº 5049768-20.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
AGRAVANTE: MAFALDA MERLO DOS SANTOS
ADVOGADO: MARCELO PENNA DE MORAES (OAB RS025698)
ADVOGADO: PEDRO PENNA DE MORAES BRUFATTO (OAB RS078657)
ADVOGADO: Thayse Magno Nunes Mancuso (OAB RS076360)
ADVOGADO: TATIANA NEMETZ BOCHERNITSAN (OAB rs071199)
ADVOGADO: Oscar Berwanger Bohrer (OAB RS079582)
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 11, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, DANDO POR PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:01:34.