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AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA ON LINE. VERBA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. TRF4. 5027053-47.2022.4.04.0000...

Data da publicação: 14/10/2022, 03:17:23

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA ON LINE. VERBA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. Por força de previsão legal expressa, são impenhoráveis proventos de aposentadoria. Em caráter excepcional, a lei autoriza a penhora de verba de natureza alimentar quando a dívida cobrada consistir em prestação alimentícia, proveniente de relação civil de dependência econômica, o que não se configura no caso em exame. (TRF4, AG 5027053-47.2022.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 26/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5027053-47.2022.4.04.0000/SC

RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

AGRAVANTE: CIRO MARCIAL ROZA

ADVOGADO: MARIO WILSON DA CRUZ MESQUITA (OAB SC009489)

ADVOGADO: PAULO CESAR PORTALETE (OAB SC014455)

ADVOGADO: CÍCERO EDUARDO VISCONTI (OAB SC009312)

ADVOGADO: GERALDO JOSE DUARTE (OAB SC056266)

AGRAVANTE: DENISE MACHADO ROZA

ADVOGADO: MARIO WILSON DA CRUZ MESQUITA (OAB SC009489)

ADVOGADO: PAULO CESAR PORTALETE (OAB SC014455)

ADVOGADO: CÍCERO EDUARDO VISCONTI (OAB SC009312)

ADVOGADO: GERALDO JOSE DUARTE (OAB SC056266)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que no âmbito de execução de título extrajudicial, deferiu apenas parcialmente o pedido da parte Executada de liberação de penhora sobre verba de natureza alimentar, nos seguintes termos (evento 523, DESPADEC1):

"A executada DENISE MACHADO ROZA pretende o desbloqueio dos ativos financeiros bloqueados no evento 515, SISBAJUD1, sob o fundamento de tratar-se de cifra proveniente de aposentadoria e conta poupança.

Decido.

O detalhamento de ordem judicial de bloqueio de valores demonstra que foi bloqueada a cifra de R$ 2.399,55 (evento 515, SISBAJUD1), do total de R$ 3.096.377,02 executados.

Dessume-se das provas carreadas, a consubstanciar o pedido, que a parte executada recebe provento de aposentadoria na poupança pessoa física Caixada instituição financeira CEF (evento 518, EXTR_BANC2, fl. 5).

O pedido de liberação dos valores bloqueados deve ser deferido parcialmente.

Nada obstante a cifra bloqueada seja oriunda de salário recebido pela parte executada, tal circunstância, por si só, não enseja a liberação total dos valores, porquanto o art. 833, IV, do CPC deve ser interpretado de forma sistemática com os outros dispositivos do mesmo diploma processual e, em especial, em consonância com o texto da Constituição da República.

Diz-se isso porque, historicamente, o sistema jurídico pátrio - e os tribunais pátrios - têm conferido proteção excessiva ao devedor, deixando de tutelar o credor e autor da execução, situação que, evidentemente, deve ser avaliada de acordo com a atual ordem jurídica consagradora do neoprocessualismo (CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: Direitos Fundamentais, Políticas Públicas e Protagonismo Judiciário. São Paulo: RT, 2009).

Neste contexto, é importante mencionar que a atuais reformas sobrevieram com o fim de atribuir maior efetividade ao processo judicial, seja cognitivo ou executório. Em termos legais, as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (CPC, art. 4º).

No plano constitucional, além do princípio da universalidade de jurisdição - inafastabilidade (art. 5º, XXXV) - a Emenda 45/2004 também trouxe o princípio da tempestiva entrega da prestação jurisdicional, garantindo, aos litigantes, em ações de cognição e em ações de execução, o direito à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII).

No plano processual infraconstitucional, o CPC vigente buscou conferir efetividade ao processo com a instituição da execução ex intervalo, fase de cumprimento de sentença etc.

Também é imperioso mencionar que os arts. 833 e 805 do CPC devem ser compatibilizados com o art. 797 do mesmo diploma, que consagra a utilidade da execução, que deve ser processada no interesse do exequente.

Tal digressão é necessária para demonstrar que o Judiciário não pode tutelar de forma incondicionada o interesse do devedor, deixando infrutífera a satisfação do credor, em afronta ao princípio da maior coincidência possível (GIUSEPPE CHIOVENDA), pois o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que seria obtido com o cumprimento espontâneo da norma violada.

Desta forma, é necessário buscar um justo equilíbrio entre o interesse do credor e a situação do devedor, observado, ainda, o interesse social maior, que é manter a integridade da ordem jurídica e a segurança nas relações sociais.

O núcleo da questão é saber: é juridicamente razoável admitir que o devedor mantenha investimentos ou reservas financeiras protegidas pelo Estado em detrimento do seu credor? A resposta mais adequada parece ser negativa, pois (a) o Estado possui o dever fundamental de prestar jurisdição com efetividade, eficiência e eficácia (art. 5º, XXXV e art. 37 da CF); (b) não é lógico e fere a proporcionalidade (art. 5º, LIV, da CF) admitir que o credor seja prejudicado - diante da ausência do pagamento do seu crédito e o devedor consiga - com a proteção estatal - manter investimentos ou aplicações financeiras, ainda que em conta-poupança; (c) a boa fé objetiva determina que as obrigações sejam cumpridas com o fim de solucionar os conflitos.

Por fim, o art. 5º, XXXV, da Constituição também contempla a efetividade, traduzida no dever estatal de prestar a melhor jurisdição, sob pena de configurar afronta à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), que constitui cláusula implícita ao princípio da proporcionalidade - art. 5º, LIV, da Constituição (GUASTINI, Riccardo. Interpretación, Estado y Constitución, Lima: ARA Editores, 2010, p. 214).

O sistema jurídico também estabeleceu que qualquer assalariado possui o direito de dispor de 30% dos seus vencimentos em operações de consignação ou desconto em folha, fixando tal limite como margem consignável, nos termos dos art. 45 da Lei 8.112/1990 e art. 7º do Decreto 8.690/2016; art. 115, VI, da Lei 8.213/1991, e, inclusive, os percentuais de 30%, 35% e até 40% da remuneração do empregado, segundo autorizado pela Lei nº 10.820/2003, porquanto: "§ 2º No momento da contratação da operação, a autorização para a efetivação dos descontos permitidos nesta Lei observará, para cada mutuário, os seguintes limites: I - a soma dos descontos referidos no art. 1º não poderá exceder a 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração disponível, conforme definido em regulamento, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: a) a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou b) a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito; e II - o total das consignações voluntárias, incluindo as referidas no art. 1º, não poderá exceder a quarenta por cento da remuneração disponível, conforme definida em regulamento".

Se o devedor possui a faculdade de dispor de 30% da sua remuneração (em outras hipóteses de 35% até 40%), presume-se que o remanescente - 70% - é suficiente para sua sobrevivência e para a preservação da sua dignidade - também protegida constitucionalmente (art. 1º), razão pela qual é possível admitir-se a penhora até o limite de 30% do salário ou da conta poupança.

Nada obstante os fundamentos acima esposados suficiente por si sós para deferir apenas parcialmente a liberação da cifra bloqueada, pode-se vislumbrar a solução da vexata quaestio sob o ângulo de ser possível ou não a penhora de 30% do salário da parte executada para o pagamento de dívida de natureza não alimentar, na ponderação entre os princípios da dignidade huma e mínimo existencial e a responsabiliade do devedor com seus bens para adimplemento de suas dívidas.

As hipóteses do art. 833 do CPC constituem as denominadas “regras de impenhorabilidade” que, inseridas em um conjunto de medidas previstas pelo legislador para a humanização da execução, representam limitações à satisfação do credor com o objetivo de garantir o mínimo necessário para a manutenção da dignidade do devedor.

Neste norte, nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves “a garantia de que alguns bens jamais sejam objeto de expropriação judicial é a tentativa mais moderna do legislador de preservar a pessoa do devedor, colocando-se nesses casos sua dignidade humana em patamar superior à satisfação do direito do exequente (...). A preocupação em preservar o executado – e quando existente também sua família – fez com que o legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 11. ed. Salvador: Ed. JusPodvm, 2019. p. 1122-1123).

Dentre as impenhorabilidades legais, destacam-se as verbas de natureza remuneratória, previstas no inciso IV do art. 833 do CPC que abrangem: os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º. Embora diversificadas, todas essas hipóteses enquadram-se no gênero “remuneração”, que representa a retribuição pecuniária paga à pessoa natural pelo seu trabalho, ainda que durante o período de inatividade.

A impenhorabilidade da verba remuneratória, contudo, não é absoluta, havendo exceção expressa na lei quando a dívida se referir a pagamento de prestação alimentícia independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 salários-mínimos mensais (art. 833, § 2º, do CPC).

Sabendo-se que a sociedade historicamente considerada é cambiante nas suas relações interpessoais, é necessário evoluir no sentido de admitir, em execução de dívida não alimentar, a flexibilização da regra de impenhorabilidade quando a hipótese concreta dos autos revelar que o bloqueio de parte da remuneração não prejudica a subsistência digna do devedor e de sua família.

Busca-se, nesse contexto, harmonizar duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana – de um lado, o direito ao mínimo existencial; de outro, o direito à satisfação executiva.

Sob essa ótica, a aplicação do art. 833, IV, do CPC exige um juízo de ponderação à luz das circunstâncias que se apresentam caso a caso, sendo admissível que, em situações excepcionais, afaste-se a impenhorabilidade de parte da remuneração do devedor para que se confira efetividade à tutela jurisdicional favorável ao credor.

Tem-se, assim, que a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória, preservando-se o suficiente para garantir a subsistência dina do devedor e de sua família.

Dito isso, na espécie, é perfeitamente possível a penhora de verba salarial da parte exequente, no importe de até 30%, haja vista que o demonstrativo de pagamento de salários jungidos a estes autos é possível aferir que tal desconto não ensejará comprometimento da sua manutenção digna. Da mesma forma, observa-se do único extrato bancário juntado, pelo próprio executado, a intensa movimentação financeira da conta corrente com saques, compras com cartão de débito e crédito.

Nesse sentido, é o entendimento do colendo STJ, para quem:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA.
1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei.
2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia.
3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais.
4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente.
5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.
6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.
7. Recurso não provido.
(EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018)

Dessume-se, acerca da evolução do entendimento da relativização da impenhorabilidade de verbas remuneratórias, no âmbito do STJ, os seguintes precedentes nesse sentido: REsp 1.285.970/SP, 3ª Turma, DJe 08/09/2014; REsp 1.326.394/SP, 3ª Turma, DJe 18/03/2013; REsp 1.356.404/DF, 4ª Turma, DJe de 23/08/2013; REsp 1.514.931/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 06/12/2016; REsp 1658069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017; AgInt no REsp 1746018/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 06/09/2019; EREsp 1518169/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, DJe 27/02/2019.

Ante o exposto, defiro em parte o pedido e determino o desbloqueio, em favor da parte executada, de 70% do valor bloqueado, isto é, a liberação de R$ 1.678,16, mantendo-se o bloqueio de 30% da cifra restante.

Preclusa a decisão, proceda-se à transferência dos valores que permanecem bloqueados à conta vinculada ao feito, nos termos do art. 854, § 5º, do CPC.

Intime-se a parte exequente para informar os dados para transferência.

Após a comprovação do saque, imputados os valores no crédito excutido, junte a parte exequente memória de cálculo atualizada já considerando as amortizações e, outrossim, aduza o que de direito sobre o prosseguimento do feito em seus ulteriores termos. Prazo: 15 dias.

Intimem-se.

CLENIO JAIR SCHULZE,

Juiz Federal"

Inconformada, a parte Agravante alega, em síntese, que "Desta forma, in casu, o deferimento da constrição de 30% dos valores de aposentadoria da Agravante, afronta um direito fundamental previsto na Constituição Federal, uma vez que afeta a possibilidade de manter sua dignidade, restringindo acesso a recursos de sua aposentadoria, e em nada, ou pouco mais do que nada contribuindo para um resultado útil ao processo – princípio da utilidade. Seguindo nesse diapasão, também a decisão está ferindo o princípio da menor onerosidade da execução ao devedor, que deve pautar todas as espécies de execução (art. 805 do CPC), pois que diante da insolvabilidade não há razão útil em manter o bloqueio de seus salários de aposentadoria. A Executada-Agravante Denise é pessoa que tem sérios problemas saúde, de cunho cardíaco, e diabetes, e outros o que torna a sua aposentadoria extremamente fundamental para efeitos de aquisição de medicamentos para combater as doenças e lutar pelo direito a vida."

Aduz que "Deve-se levar em consideração que o valor em que se encontra atualmente a Execução nestes autos nº 5003172- 76.2012.4.04.7215/SC no montante de R$ 3.096.377,02 (Evento 523)é infelizmente impagável, com recursos da aposentadoria da Agravante, com a constrição a 30% dos valores que a Agravante percebe aà título de aposentadoria."

Conclui afirmando a necessidade de deferimento da antecipação de tutela e de provimento do agravo para liberação do bloqueio.

O recurso foi recebido e deferido o efeito suspensivo,

A parte Agravada apresentou contrarrazões aduzindo, em suma, que "Os extratos apresentados pela agravante no evento 518 do processo de origem são referentes ao mês de setembro de 2021 e, portanto, não comprovam que o bloqueio SISBAJUD incidiu na referida conta poupança; tampouco servem para demonstrar que recaiu sobre proventos de aposentadoria."

É o relatório.

VOTO

Por ocasião da decisão inicial assim me manifestei:

"(...)

É o breve relatório. Decido.

Acerca de bens impenhoráveis, prevê o Código de Processo Civil:

"Art. 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.

Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

(...)

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

(...)

§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, §8º, e no art. 529, §3º.

(...)."

Pela Lei n.º 8.213/91:

Art. 114. Salvo quanto a valor devido à Previdência Social e a desconto autorizado por esta Lei, ou derivado da obrigação de prestar alimentos reconhecida em sentença judicial, o benefício não pode ser objeto de penhora, arresto ou seqüestro, sendo nula de pleno direito a sua venda ou cessão, ou a constituição de qualquer ônus sobre ele, bem como a outorga de poderes irrevogáveis ou em causa própria para o seu recebimento.

Tem-se, portanto, que em caráter excepcional, a lei autoriza a penhora de verba de natureza alimentar quando a dívida cobrada consistir em prestação alimentícia, proveniente de relação civil de dependência econômica.

Todavia, a execução de que se trata tem por objeto Acórdão n.º 3153/2010 do TCU que condenou a parte ao pagamento de indenização em razão de irregularidades encontradas na licitação por Concorrência n.º 05/2001 efetivada pela Prefeitura Municipal de Brusque para a realização de obras no município.

A propósito, nesse sentido, o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, inadmitindo a penhora de bem de família:

"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE (LEI 8.009/90, ART. 3º). IMPROCEDÊNCIA. DESCABIDA AMPLIAÇÃO DO ALCANCE DA EXCEÇÃO PREVISTA NA LEI. RECURSO PROVIDO.
1. A Lei 8.009/90 estabelece como regra a impenhorabilidade do bem de família. O art. 1º é peremptório: "O imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nessa lei." 2. As ressalvas são somente aquelas dos incisos do art. 3º, o qual, primeiro, reafirma no seu caput a impenhorabilidade do bem de família, excepcionando, no que interessa à hipótese, a possibilidade de satisfação do credor de pensão alimentícia. A exceção não deve ser ampliada.
3. A exclusão da impenhorabilidade, prevista na lei específica, é a do credor de pensão alimentícia, a qual, sendo espécie do gênero prestação alimentícia (ou crédito alimentar), é mais restrita do que a situação do credor de qualquer outra prestação alimentícia. 4. Toda prestação cuja verba tenha natureza alimentar é prestação alimentícia, mas nem toda prestação alimentícia é pensão alimentícia, embora toda pensão aliment ícia seja prestação alimentícia. A lógica é de gênero e espécie. Há diferença.
5. Recurso especial provido para julgar procedentes os embargos à execução.
(REsp 1361473/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 01/08/2017)

Assim, há determinação legal expressa de impenhorabilidade de proventos de aposentadoria, bem como presunção no sentido de que a reserva de montante de até 40 salários mínimos em conta poupança se destina ao provimento da subsistência pessoal e familiar, detendo caráter alimentar e sendo, por isso, impenhorável.

E a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança mas, também, as mantidas em conta-corrente, guardadas em papel-moeda ou em fundo de investimentos, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Nesse sentido já decidiu a Segunda Seção do STJ no julgamento do REsp. n.º 1.230.060/PR, aos 13/08/2014, DJe 29/08/2014. Mais recentemente, no mesmo sentido: REsp. n.º 1.675.902/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, 29/06/2017; REsp. n.º 1.650.495/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 16/06/2017; RMS 52238/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, T3, DJe de 08/02/2017; AgRg no REsp. 156.614-5/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, T2, DJe de 18/12/2015.

Não é outro o posicionamento que vem sendo adotado por esta Corte, consolidado pela Súmula n.º 108, in verbis:

"É impenhorável a quantia depositada até quarenta salários mínimos em caderneta de poupança (art. 833, X, NCPC), bem como a mantida em papel moeda, conta-corrente ou aplicada em CDB, RDB ou em fundo de investimentos, desde que seja a única reserva monetária, e ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude."

No caso concreto, o valor existente na conta de poupança não ultrapassa o equivalente a 40 salários mínimos, sendo esta a única reserva monetária.

Não bastasse, a necessidade de manutenção de uma reserva destinada à fazer frente às necessidades básicas pessoais e da família se mostra ainda mais compreensível diante do contexto sócio-econômico pelo qual vem atravessando o país. A propósito:

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. LIMITE. EXPEDIÇÃO. OFÍCIO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESNECESSIDADE. INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que são impenhoráveis os valores de até 40 (quarenta) salários mínimos poupados ou mantidos pelo devedor em conta-corrente ou em outras aplicações.
3. Na hipótese, a apresentação de defesa independe da identificação do tipo de conta onde os valores, inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos, estão depositados.
4. O interesse recursal não está demonstrado quando o recurso não é necessário para atingir o fim pretendido pelo promovente.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1914004/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/08/2021, DJe 03/09/2021)

No caso, o valor do benefício recebido pela Agravante em 07/03/2022 foi de R$ 3.877,83 (ev. 518 EXTR BANC2 pg. 5), sendo portanto, indevida a penhora de qualquer percentual sobre a referida remuneração, restando incontroverso se tratar de verba de natureza alimentar.

Ante o exposto, defiro o efeito suspensivo, nos termos da fundamentação.

Vista à parte Agravada para se manifestar.

Intimem-se."

Não vejo razão agora para modificar tal entendimento, nem mesmo diante dos argumentos versados nas contrarrazões.

Diferente do que alegou a parte Agravada, os extratos anexados no evento 518 compreendem o período de 03/09/2021 a 09/03/2022, dos quais consta de forma expressa corresponderem à conta de poupança pessoa física n.º 812964595-5 em nome de Denise M. Roza, com comprovante de creditamento mensal de benefício do INSS e o bloqueio parcial por ordem judicial realizado no dia 09/03/2022.

Portanto, devidamente comprovado se tratar de bloqueio de valores em conta de poupança na qual a parte Agravante recebe seu benefício previdenciário.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.



Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003334728v5 e do código CRC 3de9eb3f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGERIO FAVRETO
Data e Hora: 26/8/2022, às 10:35:19


5027053-47.2022.4.04.0000
40003334728.V5


Conferência de autenticidade emitida em 14/10/2022 00:17:22.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5027053-47.2022.4.04.0000/SC

RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

AGRAVANTE: CIRO MARCIAL ROZA

ADVOGADO: MARIO WILSON DA CRUZ MESQUITA (OAB SC009489)

ADVOGADO: PAULO CESAR PORTALETE (OAB SC014455)

ADVOGADO: CÍCERO EDUARDO VISCONTI (OAB SC009312)

ADVOGADO: GERALDO JOSE DUARTE (OAB SC056266)

AGRAVANTE: DENISE MACHADO ROZA

ADVOGADO: MARIO WILSON DA CRUZ MESQUITA (OAB SC009489)

ADVOGADO: PAULO CESAR PORTALETE (OAB SC014455)

ADVOGADO: CÍCERO EDUARDO VISCONTI (OAB SC009312)

ADVOGADO: GERALDO JOSE DUARTE (OAB SC056266)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA ON LINE. VERBA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE.

Por força de previsão legal expressa, são impenhoráveis proventos de aposentadoria.

Em caráter excepcional, a lei autoriza a penhora de verba de natureza alimentar quando a dívida cobrada consistir em prestação alimentícia, proveniente de relação civil de dependência econômica, o que não se configura no caso em exame.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003334729v4 e do código CRC 18455b84.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGERIO FAVRETO
Data e Hora: 26/8/2022, às 10:35:19


5027053-47.2022.4.04.0000
40003334729 .V4


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/08/2022 A 23/08/2022

Agravo de Instrumento Nº 5027053-47.2022.4.04.0000/SC

RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON

AGRAVANTE: CIRO MARCIAL ROZA

ADVOGADO: MARIO WILSON DA CRUZ MESQUITA (OAB SC009489)

ADVOGADO: PAULO CESAR PORTALETE (OAB SC014455)

ADVOGADO: CÍCERO EDUARDO VISCONTI (OAB SC009312)

ADVOGADO: GERALDO JOSE DUARTE (OAB SC056266)

AGRAVANTE: DENISE MACHADO ROZA

ADVOGADO: MARIO WILSON DA CRUZ MESQUITA (OAB SC009489)

ADVOGADO: CÍCERO EDUARDO VISCONTI (OAB SC009312)

ADVOGADO: GERALDO JOSE DUARTE (OAB SC056266)

ADVOGADO: RONEI DANIELLI (OAB SC010706)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/08/2022, às 00:00, a 23/08/2022, às 16:00, na sequência 404, disponibilizada no DE de 03/08/2022.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 14/10/2022 00:17:22.

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