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PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LENALIDOMIDA. MIELOMA MÚLTIPLO. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DA EFETIVIDADE DO F...

Data da publicação: 07/07/2020, 08:33:19

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LENALIDOMIDA. MIELOMA MÚLTIPLO. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DA EFETIVIDADE DO FÁRMACO. OPÇÕES DE TRATAMENTO PELO SUS PRESENTES. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Não reunido corpo de evidências científicas de que o medicamento é eficaz para o tratamento da enfermidade da autora e havendo opções de tratamento eficazes oferecidas pelo SUS, não deve ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido. (TRF4, AG 5020517-25.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 22/08/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5020517-25.2019.4.04.0000/RS

RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

AGRAVANTE: ZELIA HOFF TAVARES

ADVOGADO: FABRÍCIO DA SILVA PIRES (DPU)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Zelia Hoff Tavares em face de decisão (evento 72, originário) que indeferiu seu pedido de tutela antecipada para dispensação do fármaco Lenalidomida, nos seguintes termos:

Trata-se de ação pelo procedimento comum entre as partes supra, com pedido de tutela de urgência, para fins de fornecimento da medicação LENALIDOMIDA 25mg, por tempo indeterminado, a ser ministrado pela via oral, 1 vez ao dia, por 21 dias em ciclos de 28 dias (usa 21 dias e para 7 dias), para tratamento da enfermidade de que padece a parte autora (Mieloma Múltiplo (CID C90.0).

Narra a autora que

já fez uso de todos os medicamentos disponibilizados pelo SUS, tendo recebido quatro linhas de tratamento, consoante laudos em anexo, de modo que não restam alternativas senão pleitear o fornecimento do fármaco LENALIDOMIDA.

Diz que o medicamento foi indeferido pelo Estado do Rio Grande do Sul por não fazer parte do elenco de medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde e que quanto à medicação disponível (talidomida) a autora não pode fazer uso por neuropatia sentitiva motora axonal e distal dos membros superiores. Diz que a lenalidomida acarreta menor incidência de efeitos da neuropatia e que já recebeu quatro linhas de tratamento pelo SUS, sendo o fármaco pleiteado o único adequado para a quinta e última linha de tratamento disponível.

Trata-se de medicamento não diponível para comercialização em drogarias, sendo que o preço máximo de venda para o Estado do RS para a caixa da dosagem de 25mg, contendo 21 cápsulas, é de R$ 19.423,32, conforme consulta ao site da ANVISA.

Argumenta com o disposto nos arts. 1º, III, 5º, caput, 6º, 23, II, 196 e 198 da CF e arts. 2º e 6º da Lei nº 8.080/90.

Requer:

a) A concessão do benefício da gratuidade de justiça;
b) A concessão da tutela de urgência, pelos fundamentos expostos, para que seja, desde já, conferido à demandante o medicamento indispensável a sua saúde – LENALIDOMIDA 25mg, por tempo indeterminado, de acordo com a prescrição em anexo, devendo-se intimar o Gerente do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde no Rio Grande do Sul – União Federal e o Secretário Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, para cumprimento da decisão, com a entrega da medicação para utilização pelo autor ou o depósito do valor necessário à aquisição do remédio;

(...)
d) o julgamento pela procedência do presente pedido, para a entrega regular da medicação prescrita à autora por tempo indeterminado;

Deferido à autora os beneficios da gratuidade de justiça e de prioridade de tramitação, foi determinada emenda à inicial no despacho do evento 3, promovida nos eventos 6 e 11.

Na decisão do evento 13 foi determinada a realização de prova pericial e mais esclarecimentos à parte autora, prestados no evento 25.

Apresentada a prova pericial no evento 50 e expedida requisição de pagamento ao perito (evento 51), foi determinada a juntada aos autos de Nota Técnica de nº 151/2018 elaborada pelo NAT-JUS do TJCE (despacho do evento 55)e complementação da perícia no evento 58.

Complementada a perícia (evento 64), e juntadas a Nota Técnica no evento 56, assim como laudo pericial de demanda anterior com o mesmo objeto ajuizada pela autora (evento 68), em cumprimento à determinação do evento 66, o Estado do Rio Grande do Sul requereu o indeferimento da antecipação de tutela (evento 71).

É o relatório. Decido.

A Constituição da República consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu art. 6º, como direito social. O seu art. 196, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

O Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 196 da Constituição Federal e debruçando-se sobre a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175-AgR/CE (decisão no Agravo Regimental proferida em 17 de março de 2010, Relator Ministro Gilmar Mendes), estabeleceu alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos entes políticos.

Aquela Corte entendeu que "é possível identificar [...] tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde". Ressalvou, porém, que não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize.

Assim sendo, a análise judicial de pedidos de dispensação gratuita de tratamentos pressupõe que se observe, se existe ou não uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte.

Se referida política existir, havendo previsão de dispensação do tratamento buscado, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo público a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento.

Não estando a prestação pleiteada entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", configura omissão legislativa/administrativa ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal.

O Poder Público não pode simplesmente invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo.

O postulado consagrado na Constituição da República indica a necessidade da preservação da dignidade da pessoa humana, bem como também ser dever do Estado garantir o máximo de bem estar possível aos seus jurisdicionados, pois não se trata de tutela apenas de direito, mas sim a expectativa de uma vida digna com a plenitude de saúde.

Essa conclusão não dispensa a aplicação de parâmetros à decisão que analisa requerimento judicial de tutela de saúde, que foram definidos pelo STF quando do julgamento da STA 175.

Na dicção do Relator da referida STA, há que se verificar, em primeiro lugar, se o medicamento solicitado encontra-se contemplado em políticas públicas. Em caso positivo, não se criam direitos, apenas se determina o respectivo cumprimento.

Destaca o Ministro Gilmar Mendes, em segundo lugar, no caso de não se encontrar contemplado em políticas públicas, se há vedação legal ao fornecimento, como, por exemplo, de fármacos não registrados na ANVISA. Nessa situação, o registro é uma garantia à saúde pública e atesta a segurança do medicamento – exceção feita para a aquisição por meio de organismos internacionais, nos termos da Lei 9.782/99.

Em terceiro lugar, refere a existência, ou não, de evidências científicas para o uso do fármaco, a assim chamada Medicina Baseada em Evidências, bem como a demonstração de que as alternativas disponibilizadas pelo sistema público não são adequadas e/ou são ineficazes para o caso concreto. A regra, portanto, é privilegiar o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento da opção do paciente. Também não se admitem, no caso da inexistência de tratamento na rede pública, a utilização de medicamentos experimentais, sob pena de riscos de outra ordem.

De outra parte, deve ser aplicada na espécie a tese firmada pelo STJ no julgamento do Tema 106, com o seguinte conteúdo:

TESE FIXADA: A tese fixada no julgamento repetitivo passa a ser: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018.

Com base em tais critérios será feita a análise da tutela requerida nesta demanda.

Os requisitos de registro do medicamento na ANVISA, assim como de incapacidade da parte autora para fazer frente ao custo da medicação com renda de cerca de R$ 1.600,00, decorrente de sua aposentadoria e pensão (conforme petição do evento 25), absolutamente incompatível com o custo anual de tratamento de R$ 233.079,84, estão devidamente demonstrados pelos documentos juntados como Extrato 8, Informação 10 e Informação 12 juntados ao evento 1, Outros 3 juntado ao evento 6 e contracheque 3 juntado ao evento 11.

Quanto à imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como a ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS, passo à análise.

A medicação foi prescrita pelo médico assistente da autora, a partir da fundamentação de que já recebeu duas linhas de tratamento, não pode fazer uso da talidomida por neuropatia sensitivo motora axonal e distal dos membros superiores, tendo tratado com ciclofosfamida e desametasona, posteriormente com melfalanao e prednisona e bortezomibe, ciclofosfamida e dexametasona, estando novamente com a doença em atividade, demandando tratamento para evitar piora clínica (atestado médico 2 juntado ao evento 6).

Em perícia realizada no dia 01/06/2017, em outra demanda ajuizada pela autora, que tramitou perante este juízo sob nº 5023437-80.2017.4.04.7100/RS, cujo laudo foi juntado ao evento 68, a utilização da medicação não foi recomendada principalmente à luz da ausência de registro na ANVISA, condição ora suprida.

Na Nota Técnica juntada ao evento 56, elaborada pelo NAT-JUS do Ceará em 05/09/2018, chegou-se à conclusão de que as evidências científicas atuais sugerem que a terapia proposta proporciona tempo de sobrevida livre de progressão da doença maior do que o placebo, mas não maior tempo de sobrevida global em relação ao placebo, não recomendando o uso, com a seguinte conclusão:

Desta forma, o fármaco requerido não parece ser imprescindível ao tratamento da enfermidade que acomete a paciente. Contudo, é possível que contribua para a preservação de sua dignidade e melhoria da sua qualidade de vida, embora a relação de custo-efetividade da terapia proposta seja bastante questionável, sobretudo quando aplicada a um sistema de saúde pública com recursos extremamente limitados.

E, na perícia do juízo, juntada ao evento 50 e complementada no evento 64, foi apontada outra possibilidade mais econômica e com resposta adequada à dignidade e melhoria da qualidade de vida da autora:

Laudo do evento 50

QUESITOS DO JUÍZO (DESPDEC1, ev. 13)

13. Discorra... ...abordados e considerados relevantes para a compreensão da situação analisada.

A autora é idosa (75), sedentária e obesa, fatores de risco para maior liberação mineral óssea e que pode agravar-se com o tempo, decorrente da descalcificação do MM. O ácido zolidrônico, que reduz significativamente a mortalidade e melhora significativamente a SLP; 46 e 52 meses; HR = 0,86; P = 0,01). Há comprometimento ósseo considerável (sic) e tem-se na tentativa da associação da droga pleiteada a melhoria de resposta mais prolongada. Todavia, lenalidomida, é droga de recomendação livre somente pela NCCN que não tem restrição de custos, eis que não considera gastos com saúde pública [9,10], pois para o NICE e CADTH, ambas implicadas em saúde pública esta droga somente é permitida mediante ajuste de custos [11,12]. Para o NICE lenalidomida somente é plausível de uso se o fabricante prover a continuidade do uso após 26 meses e conclui que mais estudos são necessários para melhor definir o uso da dorga [11]; o CADTH embora recomende o uso de lenalidomida, também considera assim como o NICE que a droga não é custo-benéfica comparada ao placebo [12]. Além disso, o alegado maior efeito da droga não foi comparado com dexametasona em baixas doses, que permite considerável paliação, como referido no quesito 9 acima [7], considerando-se que MM é doença incurável.

Laudo do evento 64

Intimado neste ato (DESPDEC1, ev. 58), este perito para que esclareça a referência na resposta ao quesito 13 do juízo à medicação ácido zoledrônico, informando se trata-se de medicação indicada para o caso em substituição à lenalidomida ou para uso concomitante e da mesma forma, dizer se se trata de medicação disponível no SUS e eventual custo, caso conhecido, e se recomendável sua utilização na espécie dos autos, comento o que se segue:
Quanto ao ácido zolidrônico, trata-se de questionamento quando ao seu emprego e porque o MA não considerou a possibilidade de uso para reduzir a desmineralização óssea e reduzir a dor o’ssa alegada.
Esta droga seria de uso associado ao tratamento geral, mas não exclusiva e sim associada ao uso de prednisona em baixas doses + best supportive care como referido no laudo prévio (LAUDO1, ev. 50).
O custo varia em média de R$ 796,95 a R$ 1200,00, conforme deduz-se da Tabela CMED-ANVISA como utilizada para compra de medicamentos pelo Governo para uso em saúde pública [1].
[1]. ANVISA-CMED. Ac. Zolidrônico
(http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/78fa81004707dd7d86489741cdd33a01/LISTA_CONFO
RMIDADE_GOV_2015-01-20_v2.pdf?MOD=AJPERES) pag. 25.

À luz do exposto, indefiro a tutela requerida, visto que se vislumbra tratamento com outra droga de melhor custo-efetividade para o sistema público de saúde, a saber a utilização de ácido zoledrônico associado ao uso de prednisona em baixas doses, além do best supportive care.

Proceda-se desde logo à citação dos réus.

Faculto à parte autora buscar junto a seu médico assistente laudo debatendo a alternativa apontada na perícia do juízo.

Alega a agravante, em síntese, que o fármaco é indispensável para o tratamento de sua enfermidade, diante do esgotamento de todas as alternativas de tratamento ofertadas pelo SUS, considerando-se que suas condições de saúde afastam algumas das alternativas em razão da alta toxidade e mesmo de contraindicação medicamentosa. Ademais, a opção de tratamento indicada pelo perito restou superada por outro fármaco de menor custo.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (evento 2).

Não foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Na decisão preambular assim decidi:

Tenho que não procede a irresignação da agravante.

O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Não se trata de direito absoluto, uma vez que é desarrazoado exigir do Estado custear todo e qualquer tratamento de saúde aos cidadãos, sob pena de instaurar uma desordem administrativa e inviabilizar o funcionamento do SUS.

É certo que a atribuição de formular e implantar políticas públicas na defesa da saúde da população é do Executivo e do Legislativo, entretanto, não pode o Judiciário se furtar de seu múnus público quando chamado para apreciar alegações de desrespeito a direitos fundamentais individuais e sociais, entre eles o direito à saúde do cidadão.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, definiu alguns parâmetros para solução judicial dos casos que envolvem direito à saúde:

(a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;

(b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;

(c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e

(d) a não configuração de tratamento experimental.

Na mesma senda, o egrégio Superior Tribunal de Justiça estabeleceu (Tema 106) requisitos para fins de concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (REsp 1657156/RJ, rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 04/05/2018).

O leading case está assim ementado:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.

Cabe referir que, com a finalidade de criar uma diretriz institucional para a dispensação de medicamentos no âmbito do SUS, em especial diante da necessidade de incorporar novas tecnologias cuja eficácia e adequação fossem comprovadas, de modo a constituirem-se em parte da assistência terapêutica integral fornecida pelo SUS, foi alterada a Lei nº 8.080/90 pela Lei nº 12.401/2011, que criou um procedimento, a cargo do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.

De especial interesse para a apreciação do caso concreto, os artigos 19-M e 19-Q, fornecem diretrizes para a dispensação medicamentosa que considero relevantes:

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;

“Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:

I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;

II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;

III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.”

“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

Observa-se que foi definido legalmente conceito de assistência integral de saúde de forma mais restrita, buscando equilibrar a necessidade do cidadão de um tratamento que seja mais eficaz e os limitados recursos do sistema de saúde para alcançar esta finalidade.

Considero que tais parâmetros encontram-se dentro daquilo que razoavelmente pode ser exigido do Estado pelo cidadão, levando em consideração o princípio da isonomia e os termos do princípio da reserva do possível. Ou seja, na dispensação medicamentosa deve-se levar em consideração o alcance do medicamento a todos os cidadãos em situação similar o que, no caso de medicamentos de alto custo, deve ser não somente possível, mas também sustentável.

Deste modo, a atuação do Judiciário em seara que não é de sua natural ambientação, uma vez que se ingressa no âmbito da discrecionariedade administrativa, se qualifica e justifica quando visa assegurar o efetivo fornecimento de medicamentos ou outras prestações de saúde integrados à política de saúde vigente e que não estejam sendo fornecidos ou, excepcionalmente, quando o SUS não fornece tratamento eficaz, não oferece qualquer tratamento ou, ainda, quando, especialmente quando se trata de aumento de sobrevida ou de qualidade de vida, quando o medicamento apresenta eficácia diversa da opção indicada pelo SUS, sendo, de qualquer sorte, de se buscar observar as diretrizes da CONITEC, nos termos do art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, naquilo que se revele adequado.

Observo, ainda, que a CONITEC, além de expedir Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) apresenta, no caso dos tratamentos oncológicos, as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT), fundamentadas em evidências científicas, que nos termos do próprio site (http://conitec.gov.br/index.php/protocolos-e-diretrizes), constituem documento que não se restringe às tecnologias incorporadas no SUS, mas sim, ao que pode ser oferecido a este paciente, considerando o financiamento repassado aos centros de atenção e a autonomia destes na escolha da melhor opção para cada situação clínica.

Deste modo, é lastreado nas referidas diretrizes que o tratamento oncológico pelo SUS, em que os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde credenciados pelo SUS, habilitados em oncologia, na qualidade de UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) e CACON (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), aos quais cabe prestar assistência especializada e integral ao paciente.

No caso dos autos, a agravante comprova ser portadora de Mieloma Múltiplo (CID C 90.0), estar em tratamento junto ao CACON, pelo Sistema Único de Saúde - SUS e a prescrição do fármaco Lenalidomida, diante de sua ausência de resposta a outras linhas de tratamento e diante de suas contra-indicações decorrentes de neuropatia (evento 1, ATESTMED2).

O laudo pericial (evento 50) indica que o fármaco não apresenta indicação para o tratamento da enfermidade da autora em protocolo clínico, divergindo da prescrição do assistente técnico diante da divergência existente entre as diversas agências internacionais que avaliaram o fármaco e mesmo das respostas dos estudos apresentados, tanto em termos de sobrevida, quanto em qualidade de vida.

Assim concluiu o laudo pericial:

A autora é idosa (75), sedentária e obesa, fatores de risco para maior liberação mineral óssea e que pode agravar-se com o tempo, decorrente da descalcificação do MM. O ácido zolidrônico, que reduz significativamente a mortalidade e melhora significativamente a SLP; 46 e 52 meses; HR = 0,86; P =0,01). Há comprometimento ósseo considerável (sic) e tem-se na tentativa da associação da droga pleiteada a melhoria de resposta mais prolongada. Todavia, lenalidomida, é droga de recomendação livre somente pela NCCN que não tem restrição de custos, eis que não considera gastos com saúde pública [9,10], pois para o NICE e CADTH, ambas implicadas em saúde pública esta droga somente é permitida mediante ajuste de custos [11,12]. Para o NICE lenalidomida somente é plausível de uso se o fabricante prover a continuidade do uso após 26 meses e conclui que mais estudos são necessários para melhor definir o uso da dorga [11]; o CADTH embora recomende o uso de lenalidomida, também considera assim como o NICE que a droga não é custo-benéfica comparada ao placebo [12]. Além disso, o alegado maior efeito da droga não foi comparado com dexametasona em baixas doses, que permite considerável paliação, como referido no quesito 9 acima [7], considerando-se que MM é doença incurável.

Deste modo, entendo que não restou reunido corpo de evidências científicas capazes de levar à conclusão pela indispensabilidade do fármaco.

Quanto à inviabilidade da opção de tratamento indicada pelo perito, a parte logrou apresentar laudo de seu assistente técnico informando que a autora faz uso de medicamento análogo de menor custo, para tratar as lesões ósseas (evento 1, ATESTMED2). Deste modo, há opção medicamentosa oferecida pelo próprio SUS para o caso, ainda que não se trate da doença de fundo, motivo pelo qual, não restaram superadas as razões da decisão impugnada, que fez referência específica a esta possibilidade.

Questão relevante do referido documento é a indicação da refratariedade do uso de dexametasona pela parte, não especificada pelo assistente técnico da parte e referida pelo perito como opção de tratamento. Entendo, todavia, que haveria supressão de instância na apreciação deste ponto, uma vez que a abertura da decisão atacada foi para a reapreciação da opção de uso do ácido zoledrônico, não pelo uso da dexametasona em baixas doses.

Deste modo, concluo que inexistem motivos para alterar a decisão lançada pelo Juízo Singular.

Ante o exposto, indefiro a atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento.

Comunique-se ao Juízo de Origem.

Intimem-se, sendo que a parte agravada na forma do artigo 1.019, inciso II, do Código de Processo Civil.

Não vindo aos autos nenhuma informação atual capaz de modificar os fundamentos da decisão inicial, adoto-os como razões de decidir.

Acrescento, tão somente, que ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir do recurso.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.



Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001209604v3 e do código CRC fc1acad6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 22/8/2019, às 15:24:27


5020517-25.2019.4.04.0000
40001209604.V3


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 05:33:19.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5020517-25.2019.4.04.0000/RS

RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

AGRAVANTE: ZELIA HOFF TAVARES

ADVOGADO: FABRÍCIO DA SILVA PIRES (DPU)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LENALIDOMIDA. MIELOMA MÚLTIPLO. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DA EFETIVIDADE DO FÁRMACO. OPÇÕES DE TRATAMENTO PELO SUS PRESENTES.

1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Não reunido corpo de evidências científicas de que o medicamento é eficaz para o tratamento da enfermidade da autora e havendo opções de tratamento eficazes oferecidas pelo SUS, não deve ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de agosto de 2019.



Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001209605v3 e do código CRC d2245a2e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 22/8/2019, às 15:24:27


5020517-25.2019.4.04.0000
40001209605 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 05:33:19.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 20/08/2019

Agravo de Instrumento Nº 5020517-25.2019.4.04.0000/RS

RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN

AGRAVANTE: ZELIA HOFF TAVARES

ADVOGADO: FABRÍCIO DA SILVA PIRES (DPU)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 20/08/2019, na sequência 371, disponibilizada no DE de 02/08/2019.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 05:33:19.

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