Agravo de Instrumento Nº 5008800-50.2018.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
AGRAVANTE: SANTO COLATINO LOPES DIAS
ADVOGADO: LUIZ TASSINARI
ADVOGADO: LUIZ MARCELO TASSINARI
ADVOGADO: CLARISSA TASSINARI
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em ação postulando a conversão da aposentadoria comum em especial, ou, subsidiariamente, a revisão, extinguiu o processo na parte relacionada ao pedido de reconhecimento como atividade especial do período de 04/11/1982 a 12/07/2006, trabalhado na empresa Tanac S.A., pois já formulado no processo nº 2006.71.00.025055-2.
Sustenta o agravante que no Procedimento nº 2006.71.00.025055-2, que tramitou no JEF da 21ª Vara Federal de Porto Alegre/RS, o objeto da lide era a concessão de uma aposentadoria por tempo de contribuição na DER de 12/04/2004, ao passo que no presente feito, postulada a conversão da aposentadoria por tempo de serviço comum que o INSS lhe conceceu em 07/05/2015 em aposentadoria especial, com a inclusão no cômputo no período contributivo do período trabalhado na empresa Tanac, de 04/11/1982 até 07/05/2015, ou, alternativamente, a revisão da RMI da aposentadoria que titula atualmente pela conversão da atividade especial em comum. Alega que é possível relativizar a coisa julgada em matéria previdenciária, ainda mais se a questão restou posteriormente definida pelo STF, em repercussão geral (Tema 555), de forma mais favorável ao segurado, contrapondo a decisão judicial antes proferida.
Oportunizada a resposta.
É o relatório.
VOTO
Previamente, é importante notar que, embora não expressamente, a decisão agravada extinguiu o processo sem resolução do mérito, ante o óbice da coisa julgada (CPC, art. 485, V).
Logo, tem incidência o disposto no parágrafo único do art. 354 do CPC, verbis:
"Art. 354. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá sentença.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento."
Indubitável, pois, o cabimento do presente agravo de instrumento.
Na questão de fundo, cabe notar que o Superior Tribunal de Justiça não tem acolhido a tese da coisa julgada secundum eventum probationis. Mas, despeito, é curial notar que, como revela o teor da ementa do julgado proferido no REsp nº 1.352.721/SP, há um enfoque diferenciado em vista da natureza social do Direito Previdenciário, in verbis:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO Nº. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 28/04/2016) (grifou-se)
Tem-se, então, que, embora inviável a relativização da coisa julgada em matéria previdenciária ou mesmo do entendimento de que a coisa julgada se forma secundum eventum probationem naquelas situações em que a sentença considere frágil ou inconsistente a prova dos autos para efeito de cômputo de tempo de serviço, admite-se uma flexibilização na apreciação judicial de novo acervo probatório acerca do preenchimento dos requisitos de um benefício previdenciário, tal como ocorre na via administrativa.
Julgando monocraticamente o REsp nº 1.572.577/PR, o Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES assim se pronunciou:
"A questão do recurso especial gira em torno das características da coisa julgada em processo previdenciário, se possível, a denominada coisa julgada secundum eventum probationis.
A interpretação ora proposta abranda critérios da coisa julgada material do processo civil clássico, quando a denegação de proteção previdenciária ocorrer por insuficiência de provas, adequando o processo civil clássico ao processo civil previdenciário, mercê da garantia do devido processo legal.
Pondera-se de um lado a coisa julgada como garantia da ordem jurídica, legitimada como cláusula pétrea, fenômeno jurídico que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso, que incorpora força de lei nos limites da lide e das questões decididas, prevista no artigo 5º, XXXVI, da Constituição de 1988.
Do outro lado um pedido de reconhecimento de um direito previdenciário fundamental, essencial à vida, à própria sobrevivência.
É preciso perquirir os valores mais caros ao processo civil, para que se realize a mais adequada cobertura previdenciária, considerando que a relação jurídica do INSS com seu segurado é relação jurídica de trato sucessivo.
Por seu turno, o Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 471, I, assegura à parte, tratando-se de relação jurídica continuativa e sobrevindo modificação do estado de fato ou de direito, a possibilidade de pedir a revisão do que foi estatuído em sentença. Mesmo depois de proferido o julgamento, as relações jurídicas continuativas continuam vivas, gerando novos fatos e com eles novas lides.
Resguarda-se, assim, a possibilidade de o segurado reunir novos elementos de prova necessários para obter efetivamente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da vida, à idéia de não preclusão do direito previdenciário, à garantia dos direitos fundamentais.
É sabido que a coisa julgada determinada pelo resultado do processo, vale dizer, secundum eventum litis, é gênero do qual é espécie a coisa julgada segundo o resultado da prova, isto é, secundum eventum probationis, constitui-se como expediente de exceção à intangibilidade da coisa julgada.
Em lides previdenciárias, se as provas forem insuficientes, a coisa julgada se fará segundo o resultado da prova, isto é, secundum eventum probationis. Alcançada nova prova, poderá o autor propor nova ação, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobrevindo modificação do estado de fato ou de direito.
Parece-me mais consentâneo com o Código de Processo Civil brasileiro a extensão da coisa julgada secundum eventum probationis na tutela dos direitos fundamentais previdenciários, que se coaduna com a ideologia contemporânea de extração da máxima efetividade do processo. Esta interpretação compatibiliza-se com as premissas de um Estado Democrático de Direito.
Parece-me estranho que um segurado da Previdência Social não possa, depois de obter novas provas, pleitear seu direito. O pêndulo da segurança jurídica está, no meu modo de sentir, em garantir a esse cidadão novamente o acesso ao Judiciário, para que se dê eficácia aos direitos sociais de caráter prestacional.
Oportuno asseverar que, para autorizar o processamento de nova ação, a prova superveniente deve conter um caráter inovador no que toca ao conjunto probatório firmado na primeira ação e suprir com eficiência a lacuna deixada no primeiro processo, em que se julgou o pedido improcedente.
Todavia, fiquei vencido nessa tese, prevalecendo entendimento da Corte Especial que não admite o instituto da coisa julgada secundum eventum probationis.
Refiro-me ao representativo da controvérsia REsp 1.352.721/SP, julgado em 16/12/2015.
(...)
Faço, apenas, a ressalva do meu ponto de vista, mas, curvo-me à Corte.
Ante o exposto, com fulcro no artigo 932, IV, b, do CPC/2015, nego provimento ao recurso especial.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 29 de abril de 2016." (grifou-se)
Nesta perspectiva, pois, evidencia-se que, no desate do presente recurso, é prescindível a adoção da repelida diretriz da coisa julgada secundum eventum probationis, tal como inferiu em seu percuciente voto-vista o Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA no julgamento do AI nº 5069572-13.2017.4.04.0000/RS, do qual me permito transcrever, a propósito, o seguinte excerto:
"(...)
Feitas estas colocações, por outro lado, reputo recomendável e possível, mesmo sem flexibilizar a legislação civilista, que se insista que a imutabilidade da coisa julgada se dá apenas diante das questões apreciadas e decididas na demanda anterior, atentando para o fato de que a coisa julgada se estabelece pela existência de tríplice identidade, mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir.
É a partir daí, segundo estes critérios objetivos, que se vai poder afirmar qual relação jurídica de direito material foi decidida e não poderá ser novamente apreciada:
'Embora os fundamentos de fato e de direito (causa de pedir) não integrem a pretensão, esta não pode ser corretamente compreendida e delimitada sem a visualização daqueles, pois é por meio de tais fundamentos que os limites do objeto litigioso são precisamente definidos. (Leonel, Ricardo de Barros, 1967. Causa de Pedir e pedido: o direito superveniente, Ed. Método 2006)'
O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada também pelos fatos narrados na petição inicial, fatos estes definidos pelo autor, cujas oposições feitas pelo réu, a princípio, não são capazes de ampliar.
No tocante à causa petendi relativamente à teoria da substanciação não é demais lembrar alguns balizadores doutrinários:
'Pela teoria da Substanciação, seriam elementos integrantes da causa de pedir: (a) a situação de fato que dera origem à relação jurídica afirmada objeto de discussão no processo e (b) essa própria relação jurídica (que nada mais é do que o enquadramento do fato à previsão abstrata, "contida no ordenamento de direito positivo, e do qual decorre a juridicidade daquela e, em imediata sequência, a materialização, no pedido, da conseqüência jurídica alvitrada pelo autor"). Assim, a causa de pedir, para a teoria da substanciação é afirmada pelos fatos afirmados pelo autor e também pela atribuição jurídica desses fatos afirmada pelo autor.(Scalabrin, Felipe André. Causa de Pedir e Atuação no Supremo Tribunal Federal, vol. 3, Ed. Verbo Jurídico, 2013)'
Importante que se tenha em mente que só posso deduzir ou repelir o que se estabelece em razão da delimitação feita na inicial como causa de pedir e, se não tenho esta causa passível de ser enfrentada, exatamente por absoluta ausência da narrativa dos fatos apreciáveis ou até mesmo do que seria possível deduzir-se a partir deles, por óbvio, não posso sustentar que a parte poderia ter oposto para o acolhimento ou rejeição de seu pedido, fato que não apresenta liame com os limites definidos na causa de pedir.
Colocar-se a questão da imutabilidade para além dos limites postos na causa onde sequer seria razoável exigir-se análise do que não decorre logicamente dos fatos narrados, consistiria em desbordar dos limites de segurança que o legislador estabeleceu.
Obstaculizar-se o direito de postular em juízo quando presente outra causa de pedir, inviável de ser demonstrada à época da propositura, por uma gama imensurável de razões, como por exemplo obtenção posterior de um reconhecimento judicial ou até mesmo o próprio desconhecimento pelo interessado à época da distinção legal de um fator existente na sua atividade laboral, é tornar letra morta as disposições relativas ao acesso à justiça para garantia de direito fundamental à Previdência.
(...)."
No julgamento no PROCEDIMENTO COMUM DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 2006.71.00.025055-2/RS, a sentença (proferida em 19/03/2007) assim se manifestou sobre o período em liça:
"Entretanto, a partir de 22/10/1986, não há como reconhecer a especialidade da atividade desenvolvida pelo autor. Em resposta a ofício expedido por este Juízo, a empresa TANAC S.A. informou que, a partir de 22/10/1986, passou a fornecer protetores auriculares tipo concha, modelo MARK V da marca MSA do Brasil Equipamentos e Instrumentos LTDA, o qual possui certificado de aprovação (CA) nº 4026. Tal equipamento atenuava a exposição ao agente agressivo ruído em, no mínimo, 18 decibéis. Na realidade, portanto, o requerente, a partir desta data, esteve exposto a níveis de ruído inferiores a 80 decibéis, pois o uso do equipamento de proteção individual diminuía a intensidade do ruído.
Saliento que apesar da edição da Súmula n. 09 da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, o entendimento deste Juízo permanece sendo o de que a exposição aos agentes nocivos necessita ser efetivamente demonstrada, o que não ocorreu. Com efeito, se um trabalhador que permanece exposto a ruído inferior a 80 decibéis não faz jus ao reconhecimento da atividade como especial, por um critério de isonomia, também o trabalhador que, nada obstante trabalhe em ambiente com pressão sonora excessiva, mas que com a utilização de equipamentos de proteção reduz o ruído para níveis inferiores a 80 decibéis, não tem direito à conversão. Sendo assim, havendo no DSS expressa menção ao fornecimento de protetores auriculares, e que tal documento vêm subscrito por profissional habilitado, e foi corroborado por ofício encaminhado ao Juízo, comprovando que tais equipamentos efetivamente diminuem o nível de ruído a quem os utiliza, não há como se sustentar que o autor, ainda assim, permanecia exposto a agente agressor, para fins previdenciários. Logo, considerando que com o uso do EPI o nível médio de ruído não atingiu o limite legalmente previsto, não há que se falar em especialidade da atividade."
Sobre a neutralização do agente nocivo ruído pelo uso de EPIs, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se em sede de repercussão geral (Tema 555):
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Conduz à admissibilidade do Recurso Extraordinário a densidade constitucional, no aresto recorrido, do direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193 e 225, CRFB/88). 2. A eliminação das atividades laborais nocivas deve ser a meta maior da Sociedade - Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -, que devem voltar-se incessantemente para com a defesa da saúde dos trabalhadores, como enuncia a Constituição da República, ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/88), a valorização social do trabalho, a preservação da vida e da saúde (art. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), e o meio ambiente de trabalho equilibrado (art. 193, e 225, CRFB/88). 3. A aposentadoria especial prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição da República, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos "casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar". 4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo. 5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998. 6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. 7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores. 8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador. 9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em "condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física". 10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. 11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. 12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. 13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores. 14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário. (ARE 664335, Rel.Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, j. 4.12.2014, Repercussão Geral - Mérito DJe 12.2.2015)
Portanto, tratando-se de agente nocivo ruído, a discussão sobre o uso e a eficácia do EPI perde relevância, tendo em vista os termos da decisão acima.
Avulta, pois, evidente a colisão exegética com a diretriz compendiada pelo Pretório Excelso, abrindo ensanchas a que, numa outra demanda, com pedido diverso, haja uma reanálise da especialidade quanto ao mesmo período laboral.
Estabelecidas tais premissas, tenho que, no caso em foco, não há eficácia preclusiva de coisa julgada em face da possibilidade de comprovação por meio de novas provas apresentadas pela parte agravante e superveniente manifestação do STF na resolução do Tema 555.
Neste contexto, pois, deve ser deferida a petição inicial também com relação a eventual reconhecimento de especialidade das atividades exercidas na empresa Tanac SA no período de 04/11/1982 a 12/07/2006, trabalhado na empresa Tanac S.A.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
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EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE EFICÁCIA PRECLUSIVA DE COISA JULGADA QUANTO A PERÍODOS DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL.
1. Não afronta a coisa julgada a discussão sobre o reconhecimento de labor especial de período analisado em demanda precedente, para fins de obtenção do mesmo tipo de aposentadoria, tendo em vista a possibilidade de reexame das alegações não declinadas naquele feito, mediante apresentação de novos elementos probantes com relação à prestação laboral no período controvertido.
2. In casu, inexiste eficácia preclusiva de coisa julgada em face da possibilidade de comprovação por meio de novas provas apresentadas pelo agravante, além do pedido de perícia judicial, ignorado na primeira demanda.
3. Nesse contexto, deve ser deferida a petição inicial também com relação a eventual reconhecimento de especialidade das atividades exercidas no período questionado, prosseguindo-se com o regular andamento processual.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de abril de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/04/2019
Agravo de Instrumento Nº 5008800-50.2018.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
AGRAVANTE: SANTO COLATINO LOPES DIAS
ADVOGADO: LUIZ TASSINARI
ADVOGADO: LUIZ MARCELO TASSINARI
ADVOGADO: CLARISSA TASSINARI
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído no 2º Aditamento do dia 15/04/2019, na sequência 933, disponibilizada no DE de 01/04/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Comentário em 12/04/2019 12:09:02 - GAB. 62 (Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ) - Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ.
Acompanho o voto do eminente relator quanto ao afastamento do óbice da coisa julgada. Considero que, no presente caso, o óbice já fica afastado em decorrência da alteração do pedido. Tenho reconhecido que a avaliação da especialidade da atividade, frente ao pedido de aposentadoria, qualifica-se como motivação, dirige-se à causa de pedir. E no presente caso, ainda que tenha havido debate sobre a mesma causa de pedir em ambos os processos, os pedidos são diversos. Considerando que os motivos não fazem coisa julgada, entendo que nada obsta ao prosseguimento do feito quanto a todos os períodos em que se sustenta exercício de atividade especial.
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:45:32.