Agravo de Instrumento Nº 5034458-08.2020.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
AGRAVANTE: ASSOCIAÇÃO DE ENSINO DE SANTA CATARINA
AGRAVADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação de tutela recursal, interposto por ASSOCIAÇÃO DE ENSINO DE SANTA CATARINA contra decisão que, no Mandado de Segurança n. 50123164120204047200, indeferiu liminar, que tem por objeto a suspensão da exigibilidade das contribuições de terceiros (Salário Educação, INCRA, SESC, SENAI, SEBRAE).
Eis o teor da decisão recorrida (evento 03):
A concessão de liminar em mandado de segurança, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/09, requer a presença simultânea da relevância do fundamento e do risco de ineficácia da medida, caso concedida apenas ao final.
O perigo da demora que justifica a concessão de tutela antecipada, de caráter excepcional, é somente aquele iminente, irremediável e devidamente comprovado, capaz de inviabilizar ou tornar inútil uma tutela posterior.
A prevalência do princípio da efetividade da jurisdição sobre os princípios do contraditório e da segurança jurídica somente pode ocorrer nos casos em que estiver comprovada a necessidade da medida como forma de assegurar a utilidade prática da futura sentença de procedência ou para evitar a ocorrência de dano concreto irreparável.
Não é o caso dos autos, pois eventuais prejuízos financeiros não devem ser confundidos com dano irreparável ou de difícil reparação, conforme entendimento consolidado do E. TRF4 (v.g., AG 0007513-21.2010.404.0000/SC, 1ª T., Rel Des. Fed. Álvaro Eduardo Junqueira, j. em 23.3.2010; e AG 2005.04.01023602-6, 1ª T., Rel Des. Fed. Vilson Darós, DJ 28.9.2005).
Ademais, a forma de recolhimento a que se opõe o(a) impetrante vem de longa data, tanto que requer a compensação dos valores indevidamente recolhidos.
Registro, ainda, que o mandado de segurança possui rito célere, havendo brevidade na solução do litígio, de forma a não restar, portanto, inócuo seu pedido se somente for concedido ao final, na sentença. Ademais, na hipótese de eventual concessão da segurança, o cumprimento da sentença se dará de imediato, visto que, havendo recurso de apelação, este não suspenderá os seus efeitos (art. 14, § 3º, da Lei n. 12.016/09).
Logo, não há urgência que justifique a concessão de liminar antes de oportunizado o contraditório, o que permite que a questão seja analisada quando da sentença, estando resguardada a sua eficácia em caso de procedência.
Ausente, assim, o pressuposto do risco de ineficácia da medida, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/09, inviável o deferimento da medida liminar.
Ante o exposto:
01. Indefiro o pedido liminar, sem prejuízo de que seja novamente analisado por ocasião da prolação da sentença.
02. Concedo à impetrante prazo de 15 dias para regularizar sua representação processual, mediante a juntada de procuração e atos constitutivos - sob as penas do art. 76, II, c/c 104, ambos do CPC.
03. Regularizada a representação nos termos do item anterior e comprovado o recolhimento das custas iniciais, NOTIFIQUE-SE a autoridade impetrada para prestar informações no prazo de 10 (dez) dias, bem como o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada para que, querendo, ingresse no feito.
04. O Código de Processo Civil dispõe expressamente, em seu artigo 10, a seguinte determinação:
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Tal regra, que possui nítido contorno constitucional, de respeito ao direito ao contraditório (especialmente em sua acepção material), à ampla defesa e ao direito à não surpresa, deve ser também aplicado às ações de mandado de segurança, razão pela qual o impetrante tem direito de se manifestar sobre as informações apresentadas pela autoridade coatora, bem como ambas as partes tem o direito de se manifestar sobre o parecer do Ministério Público, caso este analise, efetivamente, o mérito do mandamus.
05. Ante o exposto, após a juntada das informações pela autoridade coatora, intime-se a parte impetrante para no prazo de 15 dias se manifestar sobre o referido documento, em face do disposto no art. 10 do CPC.
06. Após o cumprimento do item anterior, intime-se, no prazo de 10 dias, o MPF para que, querendo, apresente parecer.
07. Com base nas mesmas razões aduzidas no tópico 03, caso o parecer do Parquet tenha efetivamente analisado o mérito da demanda, intime-se a parte impetrante, bem como a autoridade coatora e o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para se manifestarem no prazo de 15 (quinze) dias sobre o referido parecer, nos termos do referido art. 10 do CPC. Caso o referido parecer não analise o mérito do presente mandamus façam os autos conclusos para sentença.
08. Após, façam os autos conclusos para sentença.
Em suas razões recursais, sustenta a agravante que o art. 149, §2º, III, “a”, da CF fixou como base de cálculo das contribuições em tela somente o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro, e não mais a remuneração paga aos trabalhadores. Aduz que não há dúvida de que foram revogados os dispositivos legais que versam sobre as hipóteses de incidência das Contribuições questionadas nesta ação. Postula, assim, que seja suspensa a exigibilidade das Contribuições ao INCRA, ao SEBRAE, do Salário-Educação, ao SESC e ao SENAC, na forma do art. 151, IV, do Código Tributário Nacional (CTN).
Indeferido o pedido de efeito suspensivo, contraminutou a União.
É o relatório.
VOTO
Quando da decisão inaugural do agravo de instrumento, assim me manifestei:
Sobre a tutela de urgência, dispõe o Código de Processo Civil que:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
A liminar em mandado de segurança, por sua vez, pressupõe relevância do fundamento e risco de ineficácia da medida, caso deferida apenas ao final (artigo 7º, III, da Lei n. 12.016/09).
No caso dos autos, insurge-se a parte recorrente contra o indeferimento de pedido de liminar visando ao reconhecimento do direito à suspensão da exigibilidade das contribuições sociais destinadas ao SEBRAE, INCRA e salário educação sobre a folha de salários.
Registro, por oportuno, que vinha entendendo que a concessão de liminar em mandado de segurança pressupõe a demonstração de risco de ineficácia, acaso concedida a ordem apenas em sentença (requisito específico do art. 7º, III, da Lei n. 12.016/09), o que, diante da tramitação célere do mandado de segurança e da inaplicabilidade da tutela de evidência a essas ações (conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça), restringia os provimentos liminares a casos excepcionais, em que demonstrado grave prejuízo ao contribuinte (nessa linha: TRF4, AG 5026110-35.2019.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 07/08/2019; TRF4, AG 5025543-04.2019.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 25/07/2019).
Após o início da suspensão de prazos determinada pela Resolução CNJ n.º 313/2020, em razão da pandemia de Coronavirus reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, em um primeiro momento, mantive tal diretriz ao examinar os pedidos de liminares recursais em agravos de instrumento relacionados a mandados de segurança, dado que ainda não se tinha presente clareza sobre o tempo de duração das medidas.
Em um segundo momento, diante da perspectiva de manutenção da suspensão de prazos e consequente não tramitação dos processos em primeiro grau, adotei novo entendimento em face de tais circunstâncias, passando a analisar os requerimentos à luz dos prejuízos causados ao impetrante diante do novo cenário de redução da atividade econômica e também da ausência de perspectiva de prolação de sentenças.
Por fim, mesmo retomada a regular fluência dos prazos processuais, entendo que o cenário atual recomenda a manutenção de tal entendimento, pois não há normalização da atividade econômica, o que justifica que o requisito da ineficácia da ordem seja considerado com tais temperamentos.
Passo, assim, a analisar, sucintamente, a pretensão veiculada pela parte recorrente.
Da contribuição ao salário-educação.
Nos termos da Súmula 732 do STF, é constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação, seja sob a carta de 1969, seja sob a Constituição Federal de 1988, e no regime da Lei 9424/96.
As Turmas integrantes da 1ª Seção têm adotado o entendimento de que a alínea "a" do inc. III do § 2º do art. 149 da Constituição, que prevê como bases de cálculo das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico o faturamento, a receita bruta, o valor da operação e, na hipótese de importação, o valor aduaneiro, não contém rol taxativo. Apenas declinou bases de cálculo sobre as quais as contribuições poderão incidir.
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2001. 1. A Emenda Constitucional nº 33/2001, ao acrescentar o § 2º, inciso III, ao artigo 149 da Constituição Federal, não restringiu a competência tributária da União para a instituição de contribuições sociais, tampouco as limitou ao faturamento, receita bruta ou valor da operação e sobre a importação. 2. Sentença mantida. (TRF4, AC 5010207-72.2016.404.7110, SEGUNDA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 28/06/2017)
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. EXIGIBILIDADE. EC 33/2001. RECEPÇÃO. A Emenda Constitucional nº 33/2001 não impediu a incidência de contribuições sobre a folha de salários, continuando a ser devida a contribuição para o salário-educação. (TRF4, AC 5002204-43.2016.404.7203, PRIMEIRA TURMA, Relator AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, juntado aos autos em 05/04/2017)
Já se disse que a referida emenda apenas estabeleceu fatos econômicos que estão a salvo de tributação, por força de imunidade, e, por outro lado, fatos econômicos passíveis de tributação, quanto à instituição de contribuições sociais e contribuições de intervenção no domínio econômico.
É verdade que a ministra Ellen Gracie, no julgamento do RE 559.937, assentou que o § 2º, III, do art. 149 "fez com que a possibilidade de instituição de quaisquer contribuições sociais ou interventivas ficasse circunscrita a determinadas bases ou materialidades, fazendo com que o legislador tenha um campo menor de discricionariedade na eleição do fato gerador e da base de cálculo de tais tributos".
No entanto, naquele julgamento, estavam em análise os limites do conceito de valor aduaneiro. Em momento algum o STF assentou que as contribuições incidentes sobre a folha de salários, anteriores à alteração promovida pela EC 33/2001 no art. 149 da Constituição teriam sido por ela revogadas. A ministra Ellen Gracie, em dado momento, salienta que a alteração visou evitar "efeitos extrafiscais inesperados e adversos que poderiam advir da eventual sobrecarga da folha de salários, reservada que ficou, esta base, ao custeio da seguridade social (art. 195, I, a), não ensejando, mais, a instituição de outras contribuições sociais e interventivas".
Dá a entender, como se vê, que a alteração constitucional orienta o legislador para o futuro.
Cumpre referir que existem questões que deverão ser equacionadas pelo STF e que não têm sido suscitadas pelos contribuintes em demandas análogas, tais como a questão relativa ao disposto no art. 240 da Constituição, norma constitucional originária, segundo a qual ficam "ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical". Da mesma forma, com relação ao disposto no art. 62 do ADCT.
Há quem sustente, com base nesses e outros dispositivos, que as atuais contribuições compulsórias dos empregadores destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical devem ter como base de cálculo, necessariamente, a folha de salários. A vingar essa tese, perdem força os argumentos daqueles que sustentam que a EC 33/2001 revogou todas as atuais contribuições existentes incidentes sobre a folha de salários (com exceção do previsto no art. 195 da Constituição).
Em suma, na ausência de manifestação concreta do STF sobre a matéria, mantenho a posição que venho adotando.
Das contribuições para o SEBRAE-APEX-ABDI
O art. 8° da L 8.029/1990, alterada pela L 8.154/1990, criou um adicional às contribuições devidas aos serviços sociais previstos no art. 1° do DL 2.318/1986 (SESI, SENAI, SESC, SENAC), destinando-o à implementação do SEBRAE, cuja finalidade é incrementar políticas de apoio às micro e pequenas empresas.
O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade desse dispositivo (Plenário, RE 396.266/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27/2/2004, p. 22), assentando que:
"a) as contribuições do art. 149 da CF 1988 - contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas - estão sujeitas à lei complementar (art. 146), o que não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar.
b) a contribuição social do § 4° do art. 195 CF1988, decorrente de "outras fontes", não é imposto, razão pela qual não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes;
c) a contribuição para o SEBRAE é de intervenção no domínio econômico e, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do Dl 2.318/1986, não se inclui no rol do art. 240 da CF1988;
d) o art. 8° da L 8.029/1990 não ofende qualquer inciso ou parágrafo dos arts. 146, 149, 154 e 195 da CF1988."
Este Tribunal tem assentado as seguintes conclusões em relação à contribuição para o SEBRAE:
a) quando se fala em contribuição social é necessário estar atento à realidade sobre a qual o legislador constituinte buscou atuar, mais do que às palavras por ele empregadas para se expressar. O SEBRAE, ao contrário do que se afirma, presta serviços que interessam não só às micro e pequenas empresas, mas também a todas as atividades empresariais conexas. O apoio ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas acaba por atender aos interesses de todos, beneficiando em cadeia.
b) tratando-se de contribuição de intervenção no domínio econômico, ela deve ser paga por todas as empresas à vista do princípio da solidariedade social, nos termos do art. 195 da CF 1988. Em virtude desse princípio, não existe, necessariamente, a correspondência entre contribuição e prestação, entre o contribuinte e os benefícios decorrentes da exação. O postulado primordial do princípio da solidariedade é que aqueles que têm melhores condições devem contribuir com uma parcela maior para financiar os serviços de relevância para toda a sociedade.
c) o incentivo às microempresas está previsto no núcleo permanente da Constituição. No art. 170 estão estampados os princípios informadores da ordem econômica e financeira, e o seu inc. IX enuncia o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Já o art. 179 propugna que os entes federados dispensem às microempresas e empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações ou pela eliminação ou redução destes por meio de lei. E no seu preâmbulo e no art. 3º, I, II e III, a Constituição estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. Trata-se de normas constitucionais originárias que, em maior ou menor intensidade, de acordo com o princípio de que se deve retirar o máximo de eficácia possível das normas constitucionais, também dão amparo à exigência da contribuição ao SEBRAE, reforçando a idéia de que os seus serviços devem ser mantidos por toda a coletividade.
d) a interpretação sistemática do art. 149 da Constituição levam a concluir que é devida a contribuição para o SEBRAE por todas as empresas, sejam micro, pequenas, médias ou grandes.
Nesse sentido, os seguintes precedentes: AC 1997.71.00.001006-9/RS, 2ª Turma, Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo, D.E. de 21/5/2008; AMS 2000.71.00.023627-9/RS, 1ª Turma, Rel. Des. Fed. Vilson Darós, D.E. de 13/5/2008; AC 2005.71.07.000095-7/RS, 1ª Turma, Rel. Juiz Federal Roger Raupp Rios, D.E. de 13/5/2008.
Por fim, a alínea "a" do inc. III do § 2º do art. 149 da CF 1988 prevê como bases de cálculo das contribuições de intervenção no domínio econômico o faturamento, a receita bruta, o valor da operação e, na hipótese de importação, o valor aduaneiro.
O dispositivo não contém rol taxativo. Apenas declinou bases de cálculo sobre as quais as contribuições poderão incidir.
Não fosse assim, a alteração promovida pela EC 33/2001 estaria em conflito com outras normas constitucionais originárias, sendo, por essa razão, inconstitucional.
A interpretação sistemática e lógica dos dispositivos constitucionais, originários e derivados, conduz à conclusão de que não houve revogação do art. 8º da L 8.029/1990 e alterações promovidas pelas Leis 8.154/1990, 10.668/2003 e 11.080/2004 pela EC 33/2001, que deu nova redação ao art. 149 da CF 1988.
Da contribuição para o INCRA
O DL 1.145/1970 e a LC 11/1971 foram recepcionados pela CF1988, restando a qualificação jurídica das contribuições para o FUNRURAL e para o INCRA - exigidas como um adicional da contribuição previdenciária sobre a folha de salários - amoldada às novas normas constitucionais.
A parcela de 2,4%, recolhida ao FUNRURAL, era contribuição previdenciária destinada a financiar a seguridade social rural.
Quanto à parcela de 0,2%, recolhida ao INCRA, a qualificação é outra. A política agrícola e fundiária, e a reforma agrária, estão inseridas no Título VII da Constituição, que trata da Ordem Econômica e Financeira. A desapropriação de imóveis rurais exige recursos específicos previstos em orçamento, e o INCRA é delegado por lei para promover e executar a reforma agrária. Por essa razão a contribuição de 0,2% sobre a folha de salários que lhe é destinada se caracteriza como contribuição de intervenção no domínio econômico, nos termos do art. 149 da CF1988.
Em se tratando de contribuição de intervenção no domínio econômico, não se exige que o sujeito passivo dela tire algum proveito, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma, unânime, AI-AgR 663.176/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 16/10/2007). Afastada a controvérsia em torno da referibilidade subjetiva da contribuição, pode ser legitimamente exigida de todo o universo dos empregadores, inclusive urbanos, sejam eles empresas comerciais ou industriais (TRF4, Primeira Seção, EIAC 2006.71.06.001699-7/RS, Rel. Des. Fed. Vilson Darós, D.E. de 16/6/2008).
A partir do julgamento dos EDREsp 770.451/SC, o Superior Tribunal de Justiça sufragou o entendimento de que a contribuição para o INCRA não se destina à Seguridade Social, caracterizando-se como contribuição de intervenção no domínio econômico, conforme já antes indicado. Conseqüentemente, a contribuição em questão não foi extinta pelas LL 7.789/1989 e 8.212/1991, ambas reguladoras do custeio previdenciário. Destacam-se, ainda, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1032770/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 16/4/2008, p. 1; AgRg no REsp 982998/AL, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 30/4/2008, p. 1; AgRg no REsp 982998/AL, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 30/4/2008, p. 1; EDcl no AgRg no Ag 870348/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 3/4/2008; p. 1; REsp 885199/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 18/12/2007, p. 259.
A Ministra Eliana Calmon elencou de forma pormenorizada os fundamentos adotados pela 1ª Seção daquele Tribunal:
a) a referibilidade direta não é elemento constitutivo das CIDE's;
b) as contribuições especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade). Esse é o traço característico que as distingue das contribuições de interesse de categorias profissionais e de categorias econômicas;
c) as CIDE's afetam toda a sociedade e obedecem ao princípio da solidariedade e da capacidade contributiva, refletindo políticas econômicas de governo. Por isso, não podem ser utilizadas como forma de atendimento ao interesse de grupos de operadores econômicos;
d) a contribuição destinada ao INCRA, desde sua concepção, caracteriza-se como contribuição especial de intervenção no domínio econômico, classificada doutrinariamente como contribuição especial atípica (CF/67, CF/69 e CF/88 - art. 149);
e) o INCRA herdou as atribuições da SUPRA no que diz respeito à promoção da reforma agrária e, em caráter supletivo, as medidas complementares de assistência técnica, financeira, educacional e sanitária, bem como outras de caráter administrativo;
f) a contribuição do INCRA tem finalidade específica (elemento finalístico) constitucionalmente determinada de promoção da reforma agrária e de colonização, visando atender aos princípios da função social da propriedade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais (incs. III e VII do art. 170 da CF 1988);
g) a contribuição do INCRA não possui referibilidade direta com o sujeito passivo, por isso se distingue das contribuições de interesse das categorias profissionais e de categorias econômicas;
h) o produto da sua arrecadação destina-se especificamente aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares. Por isso, não se enquadram no gênero Seguridade Social (Saúde, Previdência Social ou Assistência Social), sendo relevante concluir ainda que:
h.1) esse entendimento (de que a contribuição se enquadra no gênero Seguridade Social) seria incongruente com o princípio da universalidade de cobertura e de atendimento, ao se admitir que essas atividades fossem dirigidas apenas aos trabalhadores rurais assentados com exclusão de todos os demais integrantes da sociedade;
h.2) partindo-se da pseudo-premissa de que o INCRA integra a "Seguridade Social", não se compreende por que não lhe é repassada parte do respectivo orçamento para a consecução desses objetivos, em cumprimento ao art. 204 da CF 1988;
i) o único ponto em comum entre o FUNRURAL e o INCRA e, por conseguinte, entre as suas contribuições de custeio, residiu no fato de que o diploma legislativo que as fixou teve origem normativa comum, mas com finalidades totalmente diversas;
j) a contribuição para o INCRA, decididamente, não tem a mesma natureza jurídica e a mesma destinação constitucional que a contribuição previdenciária sobre a folha de salários, instituída pela L 7.787/1989 (inc. I do art. 3º), tendo resistido à CF 1988 até os dias atuais, com amparo no art. 149 da Carta Magna, não tendo sido extinta pela L 8.212/1991 ou pela L 8.213/1991."
Ainda, transcrevo e adoto como razões de decidir parte dos fundamentos do acórdão proferido na ação rescisória nº 0017160-06.2011.404.0000/RS, em que foi relator o Desembargador Joel Ilan Paciornik.
"A discussão travada nesta rescisória diz respeito à contribuição ao incra, originária da exação ao extinto Serviço Social Rural, órgão que se dedicava à prestação de serviços sociais no meio rural e à promoção do aprendizado e do aperfeiçoamento das técnicas de trabalho adequadas ao meio rural, entre outros fins elencados no art. 3º da Lei nº 2.613/55.
O custeio do SSR foi regulado nos arts. 6º e 7º da Lei nº 2.613/55, prevendo a cobrança de três contribuições, a saber:
(1ª) 3% sobre a soma paga aos empregados das pessoas naturais ou jurídicas que exerçam as atividades agroindustriais mencionadas nos incisos do caput do art. 6º, que foram desobrigadas de contribuir ao SESC ou ao SESI, nos termos do § 1º;
(2ª) adicional de 0,3% sobre a contribuição devida por todos os empregadores aos institutos e caixas de aposentadoria sobre o total dos salários pagos, consoante o § 4º do art. 6º;
(3ª) 1% do montante da remuneração mensal dos empregados das empresas rurais não enquadradas no caput do art. 6º, consoante o art. 7º.
O Serviço Social Rural foi incorporado à Superintendência de Política Agrária (SUPRA), pela Lei Delegada nº 11/62, destinando-se a este órgão as contribuições previstas na Lei nº 2.613/55.
A Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) extinguiu a SUPRA e criou dois novos órgãos, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), para promover e executar a reforma agrária, e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), para promover o desenvolvimento rural nos setores de colonização, da extensão rural e do cooperativismo.
Igualmente, as atribuições do Serviço Social Rural foram transferidas ao INDA, quanto à extensão rural, cabendo 50% da arrecadação, e ao órgão do Serviço Social da Previdência que atenderia aos trabalhos rurais, quanto às demais atribuições, tocando-lhe os outros 50% da arrecadação. Enquanto não fosse criado esse órgão, suas atribuições e arrecadações permaneceram com o INDA, nos termos do art. 117 da Lei nº 4.504/64.
O Instituto Nacional da Reforma Agrária - incra foi criado pelo Decreto-Lei nº 1.110/70, englobando o IBRA e o INDA. Quanto às contribuições criadas pela Lei nº 2.613/55, assim dispôs o Decreto-Lei nº 1.146/70:
Art. 1º. As contribuições criadas pela Lei nº 2.613, de 23 de setembro 1955, mantidas nos termos deste Decreto-Lei, são devidas de acordo com o artigo 6º do Decreto-Lei nº 582, de 15 de maio de 1969, e com o artigo 2º do Decreto-Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970:
I - Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA:
1 - as contribuições de que tratam os artigos 2º e 5º deste Decreto-Lei;
2 - 50% (cinqüenta por cento) da receita resultante da contribuição de que trata o art. 3º deste Decreto-Lei.
II - Ao Fundo de Assistência do Trabalhador Rural - FUNRURAL, 50% (cinqüenta por cento) da receita resultante da contribuição de que trata o artigo 3º deste Decreto-Lei.
Art. 2º A contribuição instituída no "caput" do artigo 6º da Lei número 2.613, de 23 de setembro de 1955, é reduzida para 2,5% (dois e meio por cento), a partir de 1º de janeiro de 1971, sendo devida sobre a soma da folha mensal dos salários de contribuição previdenciária dos seus empregados pelas pessoas naturais e jurídicas, inclusive cooperativa, que exerçam as atividades abaixo enumeradas:
I - Indústria de cana-de-açúcar;
II - Indústria de laticínios;
III - Indústria de beneficiamento de chá e de mate;
IV - Indústria da uva;
V - Indústria de extração e beneficiamento de fibras vegetais e de descaroçamento de algodão;
VI - Indústria de beneficiamento de cereais;
VII - Indústria de beneficiamento de café;
VIII - Indústria de extração de madeira para serraria, de resina, lenha e carvão vegetal;
IX - Matadouros ou abatedouros de animais de quaisquer espécies e charqueadas.
§ 1º Os contribuintes de trata este artigo estão dispensados das contribuições para os Serviços Sociais da Indústria (SESI) ou do Comercio (SESC) e Serviços Nacionais de Aprendizagem Industrial (SENAI) ou do Comércio (SENAC), estabelecidas na respectiva legislação.
Art. 3º. É mantido o adicional de 0,4% (quatro décimos por cento) a contribuição previdenciária das empresas, instituído no § 4º do artigo 6º da Lei nº 2.613, de 23 de setembro de 1955, com a modificação do artigo 35, § 2º, item VIII, da Lei número 4.863, de 29 de novembro de 1965.
Art. 5º. É mantida a contribuição de 1% (um por cento), instituída no artigo 7º da Lei nº 2.613, de 23 de setembro de 1955, com a alteração do artigo 3º do Decreto-Lei número 58, de 21 de novembro 1966, sendo devida apenas pelos exercentes de atividades rurais em imóvel sujeito ao Imposto Territorial Rural.
O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural somente foi instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25-05-1971, prevendo a concessão dos benefícios de aposentadoria por velhice, aposentadoria por invalidez, pensão, auxílio-funeral, serviços de saúde e serviço social ao trabalhador rural e seus dependentes. O custeio foi regulado no art. 15 da LC nº 11/71:
Art. 15. Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes:
I - da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida:
a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em todas as obrigações do produtor;
b) pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos ou vendê-los, no varejo, diretamente ao consumidor.
II - da contribuição de que trata o art. 3º do Decreto-lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qual fica elevada para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatro décimos por cento) ao FUNRURAL."
Com a instituição do PRORURAL, o adicional da contribuição previdenciária das empresas foi majorado para 2,6%, cabendo ao incra 0,2% desse montante e o restante ao FUNRURAL (art. 15, II, da LC nº 11/71, c/c arts. 1º e 3º do DL nº 1.146/70), continuando válida, também, a contribuição instituída pelo art. 6º, caput, da Lei nº 2.613/55, reduzida para 2,5%, incidente sobre a folha mensal dos salários de contribuição dos empregados e devida pelas pessoas naturais e jurídicas, inclusive cooperativas, cujas atividades se enquadrassem no rol do art. 2º do DL nº 1.146/70, e a contribuição de 1% (um por cento), instituída no artigo 7º da Lei nº 2.613/55, devida apenas pelos exercentes de atividades rurais em imóvel sujeito ao Imposto Territorial Rural.
(TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0017160-06.2011.404.0000, 1ª SEÇÃO, Des. Federal JOEL ILAN PACIORNIK, POR UNANIMIDADE, D.E. 08/08/2012)
Assim, devida a contribuição destinada ao INCRA.
Deve ser mantido, diante disso, o indeferimento da liminar postulada.
Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação de tutela recursal.
Não havendo, por ora, nenhum fato ou fundamento novo a justificar a alteração desse entendimento, mantenho a decisão em seus exatos termos.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002084997v2 e do código CRC acb4feae.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5034458-08.2020.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
AGRAVANTE: ASSOCIAÇÃO DE ENSINO DE SANTA CATARINA
AGRAVADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
EMENTA
agravo de instrumento. tributário. contribuições sociais (sEBRAE, INCRA E SALÁRIO EDUCAÇÃO).
1. A alínea "a" do inc. III do § 2º do art. 149 da Constituição, que prevê como bases de cálculo das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico o faturamento, a receita bruta, o valor da operação e, na hipótese de importação, o valor aduaneiro, não contém rol taxativo. Apenas declinou bases de cálculo sobre as quais as contribuições poderão incidir.
2. O adicional destinado ao SEBRAE constitui simples majoração das alíquotas previstas no Decreto-Lei nº 2.318/86 (SENAI, SENAC, SESI, SESC, SENAT, SEST), e deve ser recolhido pelos sujeitos passivos que também contribuem para as entidades ali referidas.
3. A contribuição de 0,2%, destinada ao INCRA, qualifica-se como contribuição interventiva no domínio econômico e social, encontrando sua fonte de legitimidade no art. 149 da Constituição de 1988, podendo ser validamente exigida das empresas comerciais ou industriais.
4. As contribuições incidentes sobre a folha de salários, anteriores à alteração promovida pela Emenda Constitucional 33/2001 no art. 149 da Constituição não foram por ela revogadas.
5. Agravo de instrumento desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de outubro de 2020.
Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002084998v3 e do código CRC 5326d305.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 30/09/2020 A 07/10/2020
Agravo de Instrumento Nº 5034458-08.2020.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
AGRAVANTE: ASSOCIAÇÃO DE ENSINO DE SANTA CATARINA
AGRAVADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/09/2020, às 00:00, a 07/10/2020, às 16:00, na sequência 971, disponibilizada no DE de 21/09/2020.
Certifico que a 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
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