Agravo de Instrumento Nº 5039295-72.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: SILVIA MARIA DE AVILA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em ação previdenciária pela qual o juízo a quo corrigiu de ofício o valor da causa e determinou a redistribuição do feito ao Juizado Especial Federal competente para o julgamento da lide, nos seguintes termos:
Nas ações que visam à concessão de benefício previdenciário, o valor da causa deve corresponder à soma das parcelas vencidas e vincendas, sendo estas até o limite de uma prestação anual (artigo 292 do CPC). Em se tratando de revisão, o valor da causa deve corresponder apenas à diferença entre o pretendido e os valores já percebidos, descontados mês a mês.
As parcelas vencidas, por sua vez, sofrem apenas o acréscimo de correção monetária, sem a incidência de juros - que só são devidos a contar da citação -, e têm como termo inicial a DER e como termo final o mês imediatamente anterior à data do ajuizamento.
Quanto ao valor dos danos morais, para fins de fixação do valor da causa, não deve ultrapassar dez salários mínimos (R$ 11.000,00), especialmente quando a inicial não aponta os danos efetivamente sofridos pela parte autora, limitando-se a referir a não concessão do benefício (TRF4, AG 5003557-57.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 16/07/2020).
Portanto, observados os parâmetros acima delimitados, nos termos do artigo 292, § 3º, do Código de Processo Civil, retifico de ofício o valor da causa de R$ 97.953,09 para R$ 45.817,57.
Por oportuno, registre-se ter sido reiterada a adoção por esse Juízo dessa medida nas ações propostas pelo representante da parte autora. Além disso, observa-se a desistência requerida pelos autores representados pelo escritório de advocacia nas causas em que não logra êxito o intento de elevação do valor da causa a patamar superior ao limite máximo de competência dos juizados especiais, inclusive após a interposição de agravo de instrumento (por exemplo: 5006051-71.2021.4.04.7108, 5010266-90.2021.4.04.7108 e 5003148-63.2021.4.04.7108). Ocorre que, embora a atribuição do valor da causa seja incumbência da parte demandante e do demandado, eventual impugnação, "a pretensão de valores a título de danos morais não pode configurar uma tentativa clara de manipulação do valor da causa, com vistas à fixação da competência perante juízo federal comum, sendo cabível o controle do valor da causa com a finalidade de evitar eventual abuso na sua definição a partir de critério arbitrário e totalmente em dissonância com a jurisprudência desta mesma 3ª Seção, nos excepcionais casos de admissibilidade de indenização por danos morais em decorrência de negativa de concessão ou revisão de benefício ou do cancelamento de benefícios pelo INSS." (TRF4, AG 5025573-68.2021.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 22/06/2021).
Proceda a Secretaria à retificação do valor da causa no cadastro processual.
Assim, resultando o valor da causa abaixo de 60 salários mínimos e não versando a causa sobre nenhuma das matérias elencadas no parágrafo 1º do artigo 3º da Lei nº 10.259/01, reconheço a absoluta incompetência deste Juízo para o processamento da demanda.
O agravante alega, em síntese, que os efeitos financeiros da aposentadoria por tempo de contribuição devem retroagir à data em que tinha direito à aposentadoria (09/2018) e não à data do pedido administrativo (jan/20). Esclarece que o valor da causa indicado na peça inicial refere-se ao cálculo das parcelas vencidas e vincendas (R$ 60.760,07) somadas à indenização, correspondente ao dano moral (R$ 44.000,00), totalizando em R$ 97.953,09. Sustenta, ainda, que o valor arbitrado a título de danos morais está de acordo com o entendimento jurisprudencial, visto que corresponde à soma das parcelas vencidas/vincendas.
Liminarmente, foi indeferida a antecipação da tutela.
Intimado, o agravado não apresentou contrarrazões.
A agravante, por sua vez, interpôs agravo interno repisando os argumentos da inicial do recurso.
É o relatório.
VOTO
A decisão inaugural foi proferida nos termos que transcrevo:
Admissibilidade
De início, registro o trânsito em julgado do REsp n.º 1696396/MT e do REsp n.º 1704520/MT, em 22/02/2019, com tese firmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos do STJ - Tema 988, in verbis:
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
À luz desta nova orientação jurisprudencial, entendo que se deve dar trânsito ao agravo para exame da questão relativa à competência para processamento e julgamento da ação originária.
Mérito do recurso
O Juízo a quo declinou da competência para o Juizado Especial Federal, por não considerar adequado o valor da causa, que incluiu, além de parcelas retroativas à DER, danos morais no montante de R$44.000,00.
Quanto ao valor dos danos morais, no caso, não se discute ser possível a cumulação de pedidos, na forma do disposto no artigo 327, caput, do CPC/2015, uma vez atendidos os requisitos previstos nos parágrafos e incisos do artigo.
E é verdadeiro que a jurisprudência da 3ª Seção deste Tribunal consolidou-se no sentido de que o o valor atribuído à causa, quando requerida indenização por danos morais, no caso de ações previdenciárias, não deve ser desproporcional à soma dos valores vencidos e de doze parcelas vincendas, aplicando-se o que dispõe o artigo 292, VI, do CPC (TRF4 5026471-62.2013.404.0000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 13/05/2014).
No entanto, o atual entendimento das turmas da 3ª Seção, nos casos em que houve arbitramento de danos morais, é de que a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, definida em cada caso à luz de circunstâncias específicas, orbita em torno dos R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que não chega próximo ao pretendido no caso dos autos. Cumpre referir que valores maiores já foram fixados, chegando-se a R$ 20.000,00, frente a circunstâncias muito específicas.
No que se refere à inclusão, no valor da causa, de parcelas retroativas à DER, importante dizer, a parte autora pode prosseguir requerendo parcelas antes da DER, mas o valor da causa deve ser recalculado, de forma a evitar a escolha do juiz competente. E é do conhecimento do autor e de seu procurador que é o segurado que escolhe o momento de se aposentar, de forma que a formulação de pretensão ao recebimento de valores em período anterior ao próprio pedido de benefício gera a necessidade de que se indague de eventual tentativa de manipulação do valor da causa, com reflexos na competência.
Ao avaliar o pedido e a causa de pedir, o juízo de origem anteviu a impossibilidade do pagamento de parcelas anteriormente à DER bem como de danos morais no montante de R$44.000,00, identificando, na pretensão de valores, uma tentativa de manipulação do valor da causa, com vistas à fixação da competência perante juízo federal comum.
O que fez o juízo de origem, no exercício de sua competência, foi o controle do valor da causa, de forma a evitar eventual abuso na sua definição a partir des critérios arbitrários.
O Código de Processo Civil, no capítulo III, tratando da competência, dispõe no artigo 42 que as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência.
Cumpre, portanto, ao órgão judicial pronunciar-se sobre a sua competência.
O juízo a quo nada mais fez que dar aplicação, ao caso concreto, da teoria do abuso de direito. O ato abusivo tem inicialmente uma aparência de legalidade, mas seu exercício revela-se irregular a partir do momento em que se observa o desvio de finalidade que move o agente, ao fazer uso anormal de uma prerrogativa que a lei lhe assegura.
No caso, a inclusão de parcelas anteriores ao próprio pedido de aposentadoria, sem justificação específica, bem como de valor desproporcional a título de danos morais, caracteriza exercício de faculdade processual com desvio de finalidade - fixar a competência na vara comum, com exclusão do Juizado Especial.
Se ao Judiciário não for dado poder para atuar em casos como tais, estará legitimando ato processual praticado com desvio de finalidade, portanto abusivo.
Sobre a teoria do abuso no direito de demandar, o Desembargador Rui Stoco, fazendo distinção com a ma-fé processual, dá bem a noção dos motivos que levaram o magistrado a reconhecer que o valor da causa foi excessivo e, assim, corrigi-lo de ofício:
E, como instrumento de paz social e distribuição de justiça, visando não só a dar a cada um o que é seu, mas, ainda, dar a cada um o que deve ser seu e, também tendo como meta optata precípua solucionar as pretensões resistidas em juízo, a teoria do abuso do direito faz-se presente no procedimento, posto que se exige das partes em juízo que atuem de boa-fé, procedendo com lisura e lealdade. O descumprimento desses ditames induz a má-fé, que se subsume no conceito de abuso do direito e do ato ilícito que, por sua vez, integra o campo maior da responsabilidade civil. Portanto, o abuso do direito está para a má-fé assim como a responsabilidade civil está para o ato ilícito. Desde longa data MENDONÇA LIMA (1980, p. 59) já advertia que: A infração mais grave ao princípio da probidade processual é, sem dúvida, a que caracteriza o "abuso do direito de demandar". Tal direito não diz respeito apenas à atividade do autor ao propor a ação, mas, também, abrange a do réu em defender-se ou, na linguagem de nosso Código de Processo Civil, em responder (excepcionar, contestar ou reconvir). Lembrava, ainda, o ilustre professor aspecto importante, que merece registro, ao afirmar: Mesmo uma ação bem proposta ou uma defesa lisa podem originar, contudo, atos de improbidade em vários atos no decorrer da causa. Mas, se a origem já é pecaminosa todo o processo ficará maculado, ainda que nenhum ato mais se apresente infringente do preceito de lealdade. São, portanto, situações diferentes: o abuso do direito de demandar e os atos de má-fé no curso do processo. Esses podem existir - ainda que um só - independentemente daquela atitude inicial: mas aquela contaminará todo o processo, mesmo que, depois, venha correr sem nenhum vício em qualquer dos atos.
(...)
A má-fé no curso do procedimento pode constituir fato isolado que, em alguns casos, não contamina a higidez do processo como um todo, embora em alguns casos isso possa ocorrer. Contudo, o abuso do direito de demandar significa que a própria ação intentada é temerária, sem origem ou com suporte em fatos inexistentes ou diversos daqueles expostos. Essa a lição que se colhe em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Só quando se chama alguém a juízo, sem base alguma, sem fomento de direto, sem se mostrar com legítimo interesse de agir, é que surge o abuso no exercício da demanda" (TJSP - 19ª C. Civil - Ap. 241.788-2 - Rel. Des. Telles Corrêa - j. 13.03.1995). Portanto, o abuso do direito de demandar contamina a ação como um todo, enquanto o ato de má-fé praticado no processo, como acontecimento episódico ou isolado, pode, no máximo, conduzir à anulação do ato com a consequente imposição de sanção pecuniária. (Stoco, Rui; Abuso do direito e ma-fé processual; p.76/77; São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 2001)
Nesse contexto, tendo em conta que o juiz não extinguiu o processo, sequer parcialmente para afastar o pedido formulado, tendo apenas identificado e afastado o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial, devendo, após a devida adequação, ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais, conforme decidido na origem.
Ante o exposto, indefiro a antecipação da tutela recursal.
Não vejo razão, agora, para modificar tal entendimento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002927083v3 e do código CRC 40f872f1.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5039295-72.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: SILVIA MARIA DE AVILA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. VALOR DA CAUSA. CONTROLE. INCLUSÃO DE PARCELAS ANTERIORES À DER. DANO MORAL. ABUSO DE DIREITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.
1. A inclusão de parcelas anteriores ao próprio pedido de aposentadoria, sem justificação específica, bem como de valor desproporcional a título de danos morais, caracteriza exercício de faculdade processual com desvio de finalidade - fixar a competência na vara comum, com exclusão do Juizado Especial.
2. Quando o juiz não extingue o processo, sequer parcialmente, para afastar o pedido formulado e a medida se resume a identificar e afastar o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial.
3. Havendo a devida adequação deve ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de dezembro de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 07/12/2021
Agravo de Instrumento Nº 5039295-72.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
AGRAVANTE: SILVIA MARIA DE AVILA
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 07/12/2021, na sequência 409, disponibilizada no DE de 22/11/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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