AGRAVO INTERNO EM Agravo de Instrumento Nº 5013295-69.2020.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: IRIA WEIMER LANGE
RELATÓRIO
Trata-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática de provimento do agravo de instrumento.
Em suas razões, o recorrente alega, em sínteese, que o STJ pacificou o entendimento de que a propositura de uma ação coletiva somente interrompe a prescrição do fundo de direito e não afeta a prescrição que atinge as parcelas vencidas.
Intimado nos termos do artigo 1.021, §2º, do CPC, o agravado não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
A decisão terminativa agravada foi proferida nos termos que transcrevo:
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em fase executiva na qual foram declaradas prescritas as parcelas vencidas há mais de cinco anos da data da propositura do cumprimento de sentença (anteriores a 14/01/2015), entendendo que a ação coletiva interrompe a prescrição somente para fins de ajuizamento da ação individual.
Sustenta a agravante, em síntese, que como se trata de cumprimento de sentença proferida na ACP n. 2003.71.00.065522-8, a qual conferiu direito à revisão do seu benefício pelos índices do Índice de Reajuste do Salário Mínimo - IRSM, deve ser reformada a decisão para afastar a prescrição e determinar o pagamento das parcelas ainda não pagas pela executada e abrangidas pela ACP n. 2003.71.00.065522-8 (20 de novembro de 1998 a agosto de 1999).
Decido.
A sentença proferida na ACP n. 2003.71.00.065522-8 foi clara ao dispor que estariam prescritas apenas as parcelas anteriores aos cinco anos do ajuizamento daquela ação (27-03-00).
Ocorre que a execução deve observância ao título exequendo e decisões já definitivas, conforme disposto nos artigos 507 e 508 do CPC:
Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.
Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.
Portanto, a prescrição quinquenal das parcelas vencidas conta-se do ajuizamento da ação civil pública, e não do cumprimento de sentença
Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ADEQUAÇÃO AOS TETOS DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS 20/98 E 41/2003. PRAZO PRESCRICIONAL PARA PAGAMENTO DAS PARCELAS VENCIDAS. DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO INDIVIDUAL. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 23/11/2017, que, por sua vez, julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. Na linha dos precedentes desta Corte a respeito da matéria, "'no que toca à interrupção da prescrição pelo ajuizamento da ação civil pública, o STJ, no julgamento do REsp 1.388.000/PR, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, firmou orientação no sentido de que a propositura da referida ação coletiva tem o condão de interromper a prescrição para a ação individual. Contudo, a propositura de ação coletiva interrompe a prescrição apenas para a propositura da ação individual. Em relação ao pagamento de parcelas vencidas, a prescrição quinquenal tem como marco inicial o ajuizamento da ação individual' (AgInt no REsp 1642625/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 12/06/2017).
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ADEQUAÇÃO AO TETO DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS 20/1998 E 41/2003. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO A QUO. AJUIZAMENTO DA AÇÃO INDIVIDUAL. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. O julgado recorrido seguiu a orientação desta Corte, segundo a qual "em relação ao pagamento de parcelas vencidas, a prescrição quinquenal tem como marco inicial o ajuizamento da ação individual" (AgInt no REsp 1642625/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 12/06/2017). 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1.668.595/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/02/2018)
Assim também já se manifestou esta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. Em sede de execução de sentença, não há falar em prescrição da pretensão executória contra a Fazenda Pública, tratando-se de dar cumprimento ao julgado que expressamente fixou o termos inicial e final da prescrição quinquenal. Dispositivos legais elencados pelo embargante não dizem respeito à matéria tratada nos autos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003596-58.2015.4.04.7201, 6ª Turma, Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/10/2018)
PREVIDENCIÁRIO. RECUPERAÇÃO DOS EXCESSOS DESPREZADOS NA ELEVAÇÃO DO TETO DAS ECS 20/1998 E 41/2003. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/2009. DIFERIMENTO PARA EXECUÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. No tocante à prescrição, o ajuizamento da Ação Civil Pública nº 0004911-28.2011.4.03.6183, perante a 1ª Vara Federal Previdenciária de São Paulo, em 05/05/2011, com objeto similar ao desta demanda, interrompeu o prazo prescricional quinquenal, que somente voltará a correr depois do trânsito em julgado da mencionada demanda coletiva, consoante preceituam os artigos 202 e 203, ambos do Código Civil. Nesse sentido, a prescrição atinge as eventuais parcelas devidas anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ACP, ou seja, anteriores a 05/05/2006. Precedentes do TRF4 (TRF4, AC 5074753-69.2016.404.7100, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/06/2017); TRF4, AC 5051406-16.2016.404.7000, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 07/07/2017; (TRF4, AC 5017144-22.2016.404.7200, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 22/06/2017). 2. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso. (TRF4, AC 5017732-04.2017.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 28/02/2019)
Nesse contexto, deve ser reformada a decisão para afastar a prescrição das parcelas ainda não pagas pela executada e abrangidas pela ACP n. 2003.71.00.065522-8.
Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.
Mantenho a decisão impugnada pelos fundamentos já expendidos.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo interno.
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AGRAVO INTERNO EM Agravo de Instrumento Nº 5013295-69.2020.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: IRIA WEIMER LANGE
EMENTA
AGRAVO INTERNO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL PARA PAGAMENTO DAS PARCELAS VENCIDAS.
A prescrição quinquenal das parcelas vencidas conta-se do ajuizamento da ação civil pública, e não do cumprimento de sentença. Precedentes do STJ e desta Corte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de maio de 2020.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001770054v3 e do código CRC b9bdad62.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 19/05/2020 A 27/05/2020
Agravo de Instrumento Nº 5013295-69.2020.4.04.0000/RS
INCIDENTE: AGRAVO INTERNO
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH
AGRAVANTE: IRIA WEIMER LANGE
ADVOGADO: MATEUS CORREA GUEDES (OAB SC038783)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/05/2020, às 00:00, a 27/05/2020, às 14:00, na sequência 305, disponibilizada no DE de 08/05/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Comentário - GAB. 61 (Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA) - Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA.
Acompanho a Relatora quanto à questão da prescrição.
Não é novo nesta Turma o debate sobre os limites da prescrição da pretensão quando o direito é reconhecido em ação coletiva. Já tive a oportunidade de apresentar extenso voto sobre o assunto quando dos debates acerca da revisão relativa aos tetos das EC 20 e 41. Registro, contudo, que os argumentos não seduziram o Superior Tribunal de Justiça que, em decisões mais recentes, considerou que a prescrição da pretensão individual não era interrompida por ação coletiva. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ADEQUAÇÃO AOS NOVOS TETOS DO RGPS INSTITUÍDOS PELAS ECS 20/1998 E 41/2003. 1.
Cuidaram os autos, na origem, de Ação visando à readequação da RMI de aposentadoria, implantada em 1989, pelo teto máximo do RGPS. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para readequar o benefício aos novos tetos, limitando os atrasados ao lustro que antecedeu a Ação Individual. O acórdão negou provimento às Apelações e à Remessa Necessária. 2. O particular pretende a decretação da interrupção da prescrição a partir da Ação Civil Pública, afirma que houve, além de divergência jurisprudencial, ofensa ao art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91.
3. O INSS requer seja reconhecida a ocorrência da decadência e/ou a impossibilidade de majoração do benefício do autor, tendo em vista que não restou nenhum efeito patrimonial da incidência do teto quando da entrada em vigor das EC 20/1998 e 41/2003.
Alternativamente, requer seja fixado que o início do pagamento das parcelas em atraso deve retroagir à data da citação, bem como determinado que, a partir de 29.6.2009, os juros e a correção monetária incidam nos termos do art. lº- F da Lei 9.494/1994.
4. Houve acordo para a adequação aos juros nos termos postos pelos recorrentes (fls. 368, 379, 380-381, e-STJ). 5. Inicialmente, constata-se que não se configura a ofensa ao art. 1.022, II, do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. Com efeito, a instância a quo esclareceu que o entendimento do STF também é aplicado aos benefícios concedidos antes da vigência da Constituição Federal de 1988, época em que a legislação previdenciária também estabelecia tetos limitadores, no caso o menor e o maior valor-teto, aplicáveis ao valor do salário de benefício (arts. 21 e 23 da CLPS/1984, arts.
26 e 28 da CLPS/1976 e art. 23 da LOPS).
6. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010. 7. No que diz respeito à prescrição, o aresto recorrido não destoa da orientação desta Corte Superior de que, nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da Ação Individual. 8. Nesse cenário, conquanto interrompido pela Ação Coletiva o prazo prescricional relativo à discussão do fundo de direito, a opção da parte em iniciar e dar sequência à Ação Ordinária Individual, posteriormente ao ajuizamento da Ação Coletiva e antes de seu trânsito em julgado, torna o feito individual processualmente autônomo e independente do litígio coletivo, fato esse que desloca o termo inicial da prescrição das prestações vencidas para o momento do ajuizamento da Ação Ordinária Individual.
9. Recursos Especiais não conhecidos, e condenadas as partes ao pagamento de honorários recursais correspondentes a 10% (dez por cento) sobre a verba sucumbencial fixada na origem, observando-se eventual concessão do benefício da Justiça Gratuita deferida nos autos.
(REsp 1787847/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 29/05/2019)
Não desconsidero que o caso acima citado envolve a prescrição da pretensão (fase de conhecimento) e não da prescrição da execução (fase de cumprimento). Contudo, é pacífico o entendimento de que a execução prescreve no mesmo prazo da "ação", razão pela qual, caso se adote as mesmas razões de decidir que o STJ atribui à revisão pelos tetos, também a execução da ação coletiva relativa à revisão do IRSM estaria fulminada pela prescrição.
Conforme destaque no início, contudo, já apresentei, em outra oportunidade, as seguintes razões para justificar a inocorrência de prescrição (TRF4 5006942-37.2017.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 06/02/2018):
Interrupção da prescrição e ações coletivas
Tanto os direitos subjetivos como os direitos potestativos se sujeitam a limites temporais para garantir estabilidade às relações jurídicas. É ponto comum na doutrina que os direitos subjetivos de caráter prestacional são limitados pelo decurso do tempo através da prescrição, enquanto os direitos potestativos são limitados pelo decurso do tempo através da decadência. Como existe divergência doutrinária sobre o próprio conceito de direito subjetivo, acaba se tornando frequente a confusão entre prescrição e decadência.
O tema foi bem colocado por José dos Santos Carvalho Filho (Improbidade administrativa: prescrição e outros prazos extintivos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 62):
O direito subjetivo, em certo momento, pode render ensejo a que a outra parte cumpra determinda obrigação. Se não há a satisfação dessa obrigação, o direito do titular é vulnerado, nascendo, então, a pretensão, que é o poder de exigibilidade do titular em relação ao devedor. Como conseqüência, o titular deve movimentar-se para exigir a satisfação da obrigação e, ao fazê-lo, socorre-se da ação em sentido material. Direito, pretensão e ação formam o tripé em que repousa a proteção do direito contra o fenômeno da prescrição.
Com efeito, enquanto a decadência causa a extinção do próprio direito, a prescrição extingue a pretensão. Assim, quando prescrição e decadência não possuem o mesmo prazo, é possível que o sujeito tenha direito subjetivo, mas não possa mais exigir o seu cumprimento: houve prescrição, mas não decadência. Nada impede, porém, que o direito positivo dê resultado idêntico aos dois fenômenos. É o que ocorre, por exemplo, no direito tributário, posto que a prescrição é causa de extinção do crédito e, portanto, do direito nascido com a obrigação tributária (art. 156, V, CTN).
No Direito Previdenciário, a prescrição e a decadência são parcialmente tratados pela Lei 8.213/91. Com efeito, há regra expressa sobre o termo final, que é o decurso do prazo legal, mas não há regra específica sobre o termo inicial e nem sobre eventuais fatores de influência desse prazo, como ocorre com a interrupção e suspensão do prazo. A única exceção está na disposição relativa aos menores, incapazes e ausentes (art. 79, Lei 8.213/91).
No que tange à prescrição, a matéria é tratada pelo art. 103, parágrafo único, da Lei 8213/91. A prescrição daquilo que deveria ter sido pago - e, portanto, se trata de direito subjetivo de caráter pecuniário - ocorre após o decurso de cinco anos contados da data em que o pagamento era devido. Define-se, assim, o termo inicial (data em que deveriam ser pagas) e o termo final (após cinco anos). Vale lembrar que há regra específica para as prestações decorrentes de acidente do trabalho (art. 104, Lei 8.213/91). Resta indagar sobre a existência de situações que podem influenciar na regular fluência do prazo prescricional.
Nessa linha, prevalece nos tribunais que o regime jurídico da prescrição em Direito Previdenciário é complementado pelo Decreto n. 20.910/32 - norma jurídica ainda vigente e que cuida da prescrição quinquenal das pretensões em face do Poder Público.
As pretensões de índole previdenciária, em larga medida, envolverão o Poder Público através da autarquia previdenciária (INSS). Assim, as situações que podem influenciar na fluência do prazo podem ser visualizadas a partir da mencionada norma. São, basicamente, duas as figuras: (a) interrupção do prazo prescricional; (b) suspensão do prazo prescricional.
Através da interrupção, o cômputo do prazo prescricional é reiniciado desde o início. No Direito Previdenciário, se aplicável o Decreto, a interrupção somente poderá ocorrer uma vez (art. 8º do Decreto n. 20.910/32). Além disso, após a interrupção, o prazo prescricional começa a correr pela metade (art. 9º do Decreto n. 20.910/32). Não há, no Decreto, regra explícita sobre quais são as causas de interrupção da prescrição. Como o art. 9º do Decreto faz referência ao "último ato do processo" como reinício do prazo interrompido, é possível inferir que a pendência de processo judicial é causa interruptiva da prescrição. Haveria, portanto, causa legalmente prevista para a interrupção presente no citado art. 9º do Decreto. Essa interpretação é reforçada pelas disposições processuais. De fato, a propositura de ação judicial interrompe a prescrição em razão de norma prevista no Código de Processo Civil (art. 240, §1º, CPC).
Questão interessante diz respeito ao reconhecimento das causas interruptivas previstas no Código Civil, como, por exemplo, o ato inequívoco de reconhecimento do direito pelo devedor (art. 202, VI, CC). Vale lembrar que o regime jurídico público não é plenamente compatível com o Direito Privado. Então seria possível mesclar regramentos distintos?
A resposta da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região é positiva. Admite-se o emprego dos marcos interruptivos previstos no Código Civil. Confira-se:
REVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO POR AÇÃO CAUTELAR DE NOTIFICAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO PELO ACÓRDÃO RESCINDENDO AO DECRETAR A PRESCRIÇÃO. ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO À DISPOSIÇÃO DE LEI. OCORRÊNCIA. 1. Não tendo sido, a Ação Cautelar de Notificação Judicial, objeto de controvérsia e sobre ela não tendo havido pronunciamento judicial, incide em erro de fato o acórdão que, ao decretar a prescrição, não atentou para a existência da demanda primeiramente ajuizada. 2. Viola o disposto no art. 172, I e IV, do Código Civil de 1916, vigente á época dos fatos, o acórdão que, ao decretar a prescrição, desconsidera o efeito interruptivo da cautelar de Notificação Judicial. 3. Como a Ação de Cobrança, autuada neste Tribunal sob o n.º 2001.04.01..057328-1, foi ajuizada em 17-12-1998, não tendo, portanto, transcorrido os dois anos e meio contados desde o fim da interrupção da prescrição, estão prescritas as parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu o ajuizamento da primeira ação (Cautelar de Notificação Judicial), isto é, as parcelas anteriores a 26-04-1991. Como na ação de cobrança se postulam as diferenças relativas entre os pedidos administrativos formulados, nos extremos, no lapso de 19-04-1991 e 03-02-1993, encontra-se prescrita apenas a parcela corresponde ao período de 19 a 26 de abril de 1991, relativa ao benefício da segurada Genovefa Alessio. (TRF4, AR 2006.04.00.027974-4, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA LAZZARI, D.E. 17/07/2009)
Através da suspensão da prescrição, por outro lado, o cômputo do prazo prescricional é paralisado enquanto estiver pendente a causa da suspensão, voltando a correr normalmente após deixar de existir a causa. Exemplo de causa suspensiva expressa da prescrição é a pendência do processo administrativo (art. 4º, Decreto 20.910/32). O requerimento administrativo, portanto, não interrompe a prescrição, mas a suspende (CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 927). A suspensão, então, perdura até o término do processo administrativo, com a regular notificação da parte interessada. Vale atentar para o fato de que, como não houve a interrupção, o prazo apenas volta a fluir do ponto em que havia sido paralisado. Não há o reinício e menos ainda o retorno pela metade.
Essas considerações gerais permitem reafimar o questionamento inicial: é possível a interrupção da prescrição da ação individual em razão do ajuizamento de ação coletiva previdenciária?
Tenho para mim que o assunto é verdadeira intersecção entre Direito Processual Coletivo e Direito Previdenciário.
Preliminarmente, vale lembrar que não existe um regramento unificado de tutela coletiva no Direito Brasileiro. Assim, a doutrina especializada faz um esforço para compreender a existência de um microssistema de tutela coletiva através da conjugação de variadas leis, em especial o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública. Nem seria preciso destacar aqui que o papel da tutela coletiva é justamente apresentar solução uniforme para os sujeitos que se encontrem em uma mesma posição jurídica, seja qual for a natureza desse interesse, evitando a proliferação de demandas judiciais.
A coexistência da ação individual e da ação coletiva que possuam o mesmo objeto é resolvida pelo direito positivo da seguinte forma: a parte que pretende ajuizar ação individual poderá fazê-lo, pois, não haverá a extinção do processo em razão de litispendência. Porém, caso a ação individual seja ajuizada, a parte não será beneficiada pelos efeitos da coisa julgada decorrente da ação coletiva. Por outro lado, caso queira se beneficiar da ação coletiva, a parte interessada deverá requerer a suspensão da sua ação individual no prazo de trinta dias, a contar a ciência do ajuizamento da ação coletiva, tudo nos termos do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 104, CC. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
O art. 104 do CDC gera um inconveniente de ordem prática, porque no âmbito da tutela coletiva, a sentença de improcedência por falta de provas não faz coisa julgada material e autoriza o ajuizamento de ação individual posterior (art. 16, da Lei 7347/85). Todavia, se a parte interessada preferiu aguardar o resultado de eventual ação coletiva sofrerá o prejuízo decorrente do decurso do tempo. De fato, não há regra expressa sobre a interrupção ou suspensão da prescrição do direito individualmente considerado em razão do ajuizamento de ação de natureza transindividual. Assim, se a parte interessada decidir aguardar o resultado da ação coletiva e esta não der resultado, o tempo fatalmente poderá ter atingido a pretensão do direito que é buscado em juízo.
Em razão disso, à luz do direito positivo, cria-se uma verdadeira lacuna no sistema de tutelas coletivas. O mecanismo que seria destinado a evitar o ajuizamento de ações, ocasiona o exato inverso: para evitar o perecimento da pretensão em razão do transcurso do tempo, a parte interessada deverá ajuizar ação individual antes mesmo da conclusão da ação coletiva. Obteria, assim, a interrupção da prescrição em razão do regramento geral para qualquer ação individual (art. 240, §1º, CPC).
Não é em vão que essa lacuna é criticada pela doutrina. Cita-se, por exemplo, a posição de Daniel Amorim Assumpção Neves, para quem a simples existência da ação coletiva seria, sim, causa de suspensão da prescrição das ações individuais. O autor fundamenta seu raciocínio no próprio art. 104 do CDC. Ora, se a parte ajuizasse uma ação individual, haveria a suspensão do processo até o desfecho da ação coletiva, de modo que deveria ocorrer esse efeito mesmo sem o ajuizamento da ação (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Processo Coletivo. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 536).
Para solucionar esse exato problema, é que a 3ª Turma do STJ decidiu que: "a citação válida em ação coletiva configura causa interruptiva do prazo de prescrição para o ajuizamento da ação individual" (AgRg nos EDcl no REsp 1426620/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 05/11/2015, DJe 18/11/2015). Na mesma linha, a 2ª Turma apontou que a "Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público objetivando a nulidade dos atos normativos expedidos no sentido de não admitir prova de tempo de serviço rural em nome de terceiros interrompeu a prescrição quinquenal das ações individuais propostas com a mesma finalidade" (REsp 1449964/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 05/08/2014, DJe 13/10/2014).
Com efeito, no cenário atual, encontram-se inúmeras decisões do STJ no sentido de que hverá a interrupção da prescrição da ação individual em razão do ajuizamento de ação coletiva previdenciária (Vide, p. ex.: REsp 1643935/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 20/04/2017). Confira-se, a propósito, decisão de junho de 2017:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973,ALEGADA PELO INSS, NÃO CONFIGURADA. AÇÃO COLETIVA. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO DA AÇÃO INDIVIDUAL. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES.
1. Não há falar em nulidade por violação do art. 535 do CPC/1973, pois o INSS somente apontou a omissão quando intimado da decisão do acórdão dos Embargos de Declaração da parte contrária, estando, portanto, preclusa a questão. Ademais, não há interesse recursal, já que a sentença, e o acórdão recorrido não reformou essa decisão, incluiu os juros e correção monetária pretendidos (art. 1º-F da Lei 9.494/1997).
2. De acordo com a jurisprudência do STJ, a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público interrompe a prescrição quinquenal das ações individuais propostas com a mesma finalidade (art. 219, caput e § 1º do CPC/1973 e art. 203 do CC) até o trânsito em julgado da ação coletiva.
3. Recurso Especial do INSS não provido e Recurso Especial de Jacira de Oliveira Machado provido.
(REsp 1643702/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 19/06/2017)
Em posição divergente pretérita (maio de 2017), identificam-se casos em que o STJ passou a entender que a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação individual, ainda que haja a interrupção do prazo prescricional em razão de ação coletiva (AgRg no REsp 1559883/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 23/05/2016; no mesmo sentido: REsp 1647686/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 05/05/2017; REsp 1656512/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/04/2017, DJe 02/05/2017). Essa posição divergente vai assentada em dois argumentos: (a) autonomia da ação individual em relação à ação coletiva; (b) não observância do art. 104 do CDC - que determina o ajuizamento da ação individual com a suspensão do processo para que a parte possa se beneficiar dos efeitos positivos da ação coletiva. Ao que tudo indica, essa interpretação considera que o benefício da interrupção da prescrição diz respeito, justamente, ao que é obtido com o resultado do processo. Por essa razão, apenas haverá a interrupção da prescrição se a parte interessada anuir em se submeter à coisa julgada surgida na ação coletiva.
A posição divergente do STJ (maio de 2017), ao que tudo indica, não se coaduna com a própria definição de prescrição: como é possível que haja a interrupção da prescrição para o ajuizamento da ação sem que haja os reflexos financeiros daí decorrentes? Conforme já adiantado anteriormente, a prescrição se relaciona justamente com a exigibilidade do direito, isto é, a pretensão. Assim, uma vez interrompido o prazo prescricional, o cômputo do prazo para todos os seus efeitos jurídicos deve ser contabilizado a partir do reinício da contagem. E como também já apontado, o reinício do prazo interrompido, no Direito Previdenciário, se dá com o "último ato do processo" e é computado pela metade (art. 9º do Decreto n. 20.910/32). Talvez o STJ tenha, uma vez mais, desconsiderado a distinção entre prescrição e decadência já superada há muito tempo.
Por outro lado, em nenhum momento o Superior Tribunal de Justiça confrontou as razões de direito que, para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, justificam a interrupção da prescrição da ação individual em virtude do ajuizamento da ação coletiva. Com efeito, na orientação desta Corte, a interrupção da prescrição decorre de uma interpretação conjugada das normas do Código Civil, em especial o art. 203 que considera que a interrupção da prescrição pode decorrer de um ato praticado por terceiros ("qualquer interessado"), verbis:
Art. 203, CC. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
Para o Tribunal Regional, o sujeito processual legitimado para a tutela coletiva, justamente em razão da sua legitimação processual para a defesa de interesse que não é seu, ao praticar algum dos atos previstos no art. 202 do Código Civil, causará a interrupção da prescrição em relação aos seus representados, já que "a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado" (art. 203 do Código Civil). Essa é a ratio decidendi que pode ser identificada em inúmeros julgados do Tribunal, tanto da 6ª Turma de Direito Previdenciário como da 5ª Turma de Direito Previdenciário. Em julgamento mais antigo, as razões foram amplamente explicitadas pelo Des. Federal Celso Kipper (APELREEX 5002141-97.2011.404.7201, 6ª Turma, Relator Celso Kipper, juntado aos autos em 25/07/2013):
O Código de Processo Civil dispõe, em seu art. 219, que a citação válida interrompe a prescrição, e o §1.º diz que esta interrupção retroagirá à data da propositura da ação. De outro lado, o antigo Código Civil, em seu art. 174, previa que a interrupção da prescrição podia ser promovida: a) pelo próprio titular do direito em via de prescrição; b) por quem legalmente o represente; c) por terceiro que tenha legítimo interesse. A disposição no sentido de que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado foi mantida no atual Código Civil Brasileiro, em seu art. 203.
(....)
Releve-se que, a não se entender assim, restaria esvaziada a razão de ser da ação coletiva, instrumento adequado e de aconselhável utilização, face à economia e praticidade da medida, a obviar o inconveniente do ajuizamento de centenas de ações individuais e a injustiça de não se reparar o prejuízo daqueles que, por ignorância ou dificuldade de meios, não vão à Justiça vindicar seus direitos.
São essas as razões pelas quais se deve considerar que a prescrição pode ser interrompida, sob o ponto de vista material, em razão de uma conduta praticada por outro sujeito, como, por exemplo, aquele que ingressa com Ação Civil Pública na tutela de direito que também pertence ao titular da posterior ação individual.
Verifica-se, portanto, que ainda não houve um enfrentamento expresso do Superior Tribunal de Justiça acerca dessa questão em específico. Além disso, em precendentes posterior, o próprio STJ aceitou - novamente - a possibilidade de interrupção da prescrição da ação individual em razão do ajuizamento da ação coletiva.
Todas essas razões me permitem concluir que é possível a interrupção da prescrição da ação individual em razão do ajuizamento de ação coletiva previdenciária, tal como foi considerado por ocasião do julgamento originário e que ora é desafiado pelos aclaratórios.
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:41:47.