Apelação Cível Nº 5002600-05.2021.4.04.7216/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: ANGELA MARIA PEREIRA (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
INTERESSADO: COMANDANTE DA INFANTARIA MOTORIZADA - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - TUBARÃO (IMPETRADO)
RELATÓRIO
Trata-se de Mandado de Segurança em que a impetrante postula a concessão da segurança, a fim de que seja restabelecida a pensão especial de ex-combatente, recebida por reversão.
Narrou a impetrante que é beneficiária da cota de 1/3 da pensão de ex-combatente, desde de março de 2005, oriunda do falecimento de seu genitor, Urbano Pereira, ocorrido em 09/09/1983. Asseverou também, que recebe pensão por morte estatutária do Ministério dos Transportes, desde outubro de 1983, igualmente em virtude do óbito de seu genitor Urbano Pereira.
A medida liminar foi indeferida (evento 20 - autos originários).
Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido denegando a segurança (evento 46 - autos originários):
Apela a impetrante. Alega, em síntese, que, na condição de filha do ex-combatente Urbano Pereira, percebe pensão especial de ex-combatente, no valor igual ao soldo de Segundo Sargento, na cota de 1/3, desde março de 2005, mediante ação judicial nº 2009.72.16.000.127-2/SC. Assevera que também é beneficiária de uma pensão estatutária do Ministério dos Transportes, matrícula 1077073, desde outubro de 1983, também em decorrência da morte do Sr Urbano Pereira. Sustenta que não há impedimento legal para que a apelante cumule a pensão militar com a pensão civil de outro regime, pois as possibilidades previstas nos dois incisos daquele artigo 29 não são excludentes ou alternativas. Aduz que a jurisprudência pacífica do STJ, bem como desta Corte, sufragam a possibilidade de cumulação dos benefícios previdenciários com a pensão especial de ex-combatente, desde que não possuam o mesmo fato gerador, ou seja, a condição de ex-combatente. Assevera que contra a Administração corre a limitação temporal da decadência.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Devidamente intimado, o Ministério Público Federal argumentou que a situação dos autos não se constitui em matéria que demande intervenção ministerial e se manifestou pelo prosseguimento do feito (evento 04 - PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Segundo a redação do art. 1º da Lei nº 12.016/2009, cabível mandado de segurança para a proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente, ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, podendo o juiz conceder a liminar se atendidos os requisitos previstos no art. 7º, III, do citado diploma legal.
Discute-se no presente writ situação em que a impetrante percebe, em razão do falecimento de Urbano Pereira, em 09/09/1983, a quota de 1/3 da pensão de ex-combatente, a contar de março de 2005 e pensão por morte estatutária do Ministério dos Transportes, desde outubro de 1983, também em virtude do óbito.
Inicialmente, não há falar em decadência, porquanto o ato ilegal não gera direito adquirido e em se tratando de relação de trato continuado e sucessivo, a cada pagamento o prazo é renovado periodicamente (TRF4 5046996-60.2016.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/06/2017).
Ainda, em relação à decadência do direito da Administração de revisar seus atos, deve-se observar que a aplicação do prazo decadencial, previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, é questionável em situações de omissão da administração Pública (no caso, deixar de suspender o pagamento de proventos percebidos irregularmente), porque (1) o ato ilegal/inconstitucional não gera direito subjetivo ao destinatário e (2) em se tratando de relação jurídica de trato sucessivo (e, portanto, de omissão persistente), qualquer eventual prazo é renovado periodicamente (assim como a própria ilicitude).
Logo, se há algum prazo para a Administração revisar os atos de aposentadoria/pensão para regularizar situação ilegal, este só pode ser computado a partir da ciência da irregularidade.
Quanto ao mérito do caso sub judice, é necessário observar, inicialmente, o que dispõe a Lei nº 4.242/63, aplicável em razão da data do óbito do genitor da apelante (1983) - grifei:
"Art. 30. É concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros, pensão igual à estipulada no art. 26 da Lei n.º 3.765, de 4 de maio de 1960.
Parágrafo único. Na concessão da pensão, observar-se-á o disposto nos arts. 30 e 31 da mesma Lei nº 3.765, de 1960."
Já o artigo 29 da Lei 3.765/60, que regulamenta a questão, dispõe:
Art. 29. É permitida a acumulação: (Redação dada pela Medida provisória nº 2215 -10, de31.8.2001)
I-de uma pensão militar com proventos de disponibilidade, reforma, vencimentos ou aposentadoria; (Redação dada peça Medida provisória nº 2215 -10, de 31.8.2001):
II -de uma pensão militar com a de outro regime, observado o disposto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal . (Redação dada peça Medida provisória nº 2215 -10, de 31.8.2001).
Consoante jurisprudência pacífica desta Corte, não apenas o instituidor, mas também seus dependentes, devem cumprir os requisitos a que aludem o disposto no art. 30 da Lei nº 4.242/63: a) que o dependente do ex-combatente encontre-se incapacitado, sem poder prover os meios de subsistência e, ainda, b) sem receber qualquer importância dos cofres públicos.
Para a condição de ex-combatente, devem ser considerados, no que diz respeito à sua respectiva caracterização, os termos da Lei 5.315/67 e, quanto à outorga da pensão, os das Leis 3.765/60 e 4.242/63, já que a primeira nada dispunha quanto à outorga da pensão.
Apesar de a Lei 3.765/60 considerar como dependentes também as filhas maiores de 21 anos, o art. 30 da Lei 4.242/63 trouxe um requisito específico, qual seja, a prova de que os ex-combatentes encontravam-se "incapacitados, sem condições de prover os próprios meios de subsistência", que não percebiam "qualquer importância dos cofres públicos", e que tal requisito deverá ser preenchido não apenas pelo ex-combatente, mas também por seus dependentes.
Além disso, o fato gerador dos benefícios da impetrante (pensão especial de ex-combatente e pensão por morte) é o mesmo, ou seja, o óbito de seu genitor e a condição de ex-combatente (considerado para o cômputo do tempo de serviço junto ao Ministério dos Transportes).
Nestes termos, esta Corte já decidiu:
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. PENSÃO DE EX-COMBATENTE. CUMULAÇÃO COM OUTROS RENDIMENTOS AUFERIDOS DOS COFRES PÚBLICOS. VEDAÇÃO LEGAL (ART. 30 DA LEI Nº 4.242/63). INCAPACIDADE E IMPOSSIBILIDADE DE PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO, À ÉPOCA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. A cumulação da pensão especial de ex-combatente, com quaisquer outros rendimentos auferidos dos cofres públicos, é expressamente vedada pelo art. 30 da Lei n° 4.242/63. Tratando-se a autora de servidora aposentada do Ministério da Saúde; e na ausência também de comprovação de que à época do óbito do instituidor da pensão estava incapacitada e impossibilitada de prover o próprio sustento, não há direito à pensão especial de ex-combatente. (TRF4, AC 5012294-17.2019.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 13/10/2021)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. EX-COMBATENTE. REQUISITOS. ACUMULAÇÃO. REVERSÃO. ÓBITO OCORRIDO EM 1984. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LIMITES DO PEDIDO. JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 942 DO CPC. - Ao apreciar o recurso o órgão julgador deve deliberar com observância dos limites da devolução ((princípio tantum devolutum quantum appelatum), sob pena de ofertar prestação jurisdicional extra ou ultra petita. Inteligência dos artigos 1.008 e 1.013, caput, do Código de Processo Civil, razão pela qual inviável se cogitar de acolhimento da pretensão em relação à autora Maria Otília. - No que toca às demais demandantes, impõe-se o registro de que o de cujus não era militar reformado. Recebia ele benefício de ex-combatente, que não pressupõe contribuição. - Ocorrido o óbito sob a vigência das Leis nºs 4.242/63 e 3.765/60, para fazer jus ao recebimento de pensão especial de ex-combatente, tanto o militar, quanto os dependentes devem comprovar o preenchimento dos requisitos do art. 30 da Lei 4.242/63, tais como a incapacidade de prover os próprios meios de subsistência, e a não percepção de qualquer importância dos cofres públicos. Precedentes do STJ. - Em razão da expressa previsão do artigo 30 da Lei nº 4.242/63, no caso de pensão para ex-combatente é vedada a cumulação. A regra permissiva de acumulação de que trata o artigo 29 da Lei 3.765/1960 destina-se apenas às pensões militares stricto sensu, que pressupõem contribuição. (TRF4, AC 5010195-53.2019.4.04.7110, QUARTA TURMA, Relator para Acórdão RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 05/03/2021)
Portanto, no caso, tendo em vista que a filha do ex-combatente percebe benefício previdenciário (pensão por morte estatutária) deixado pelo genitor concedido pelo Ministério dos Transportes, resta descumprido o requisito previsto no art. 30 da Lei 4.242/63 - sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres público.
Prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, considero prequestionados todos os dispositivos legais/constitucionais invocados pelas partes.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003585943v6 e do código CRC 5fd3886f.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5002600-05.2021.4.04.7216/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: ANGELA MARIA PEREIRA (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
INTERESSADO: COMANDANTE DA INFANTARIA MOTORIZADA - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - TUBARÃO (IMPETRADO)
EMENTA
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. PENSÃO DE EX-COMBATENTE. CUMULAÇÃO COM OUTROS RENDIMENTOS AUFERIDOS DOS COFRES PÚBLICOS. VEDAÇÃO LEGAL (ART. 30 DA LEI Nº 4.242/63). INCAPACIDADE E IMPOSSIBILIDADE DE PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO, À ÉPOCA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
1. A cumulação da pensão especial de ex-combatente, com quaisquer outros rendimentos auferidos dos cofres públicos, é expressamente vedada pelo art. 30 da Lei n° 4.242/63.
2. Caso em que, em se tratando de filha do ex-combatente, a qual percebe benefício previdenciário (pensão por morte estatutária) deixado pelo genitor concedido pelo Ministério dos Transportes, resta descumprido o requisito previsto no art. 30 da Lei 4.242/63 - sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres público, e na ausência também de comprovação de que à época do óbito do instituidor da pensão estava incapacitada e impossibilitada de prover o próprio sustento, não há direito à pensão especial de ex-combatente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação. A Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA com base em diferente fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2022.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003585944v3 e do código CRC 25089d5e.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/11/2022 A 29/11/2022
Apelação Cível Nº 5002600-05.2021.4.04.7216/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN
APELANTE: ANGELA MARIA PEREIRA (IMPETRANTE)
ADVOGADO(A): FÁBIO LOPES DE LIMA (OAB SC016277)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/11/2022, às 00:00, a 29/11/2022, às 16:00, na sequência 73, disponibilizada no DE de 09/11/2022.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO. A DESEMBARGADORA FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA COM BASE EM DIFERENTE FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Ressalva - GAB. 33 (Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA) - Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA.
Inobstante não comungue do entendimento esposado pela 4ª Turma desta Corte por ocasião do julgamento do processo de n. 5046996-60.2016.4.04.0000, a que se reporta a Relatora, tenho que no caso dos autos a administração militar somente teve ciência da cumulação indevida de benefícios por meio de notificação oriunda do Tribunal de Contas da União, em setembro de 2020.
Assim, considerando que o transcurso do prazo decadencial só pode ser computado a partir de tal data e que em setembro de 2021 foi suspenso o pagamento da pensão especial de ex-combatente, porquanto a apelada recusou-se a efetuar opção entre os pensionamentos, não há que se falar em decadência do direito da administração de rever o ato concessivo.
Ressalto que a impetrante deixou de fazer prova de que a administração militar teve ciência da cumulação de benefícios em data anterior.
Assim, por diversa fundamentação, acompanho a eminente Relatora e voto por negar provimento ao apelo da impetrante.
Conferência de autenticidade emitida em 06/12/2022 08:00:59.