Apelação Cível Nº 5003473-21.2019.4.04.7104/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ADAO CAETANO (AUTOR)
ADVOGADO: DIEGO PIERDONÁ PORTELLA (OAB RS067829)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença publicada na vigência do novo CPC, cujo dispositivo tem o seguinte teor (EVENTO 17 do originário):
DISPOSITIVO
Em face do exposto, resolvo o mérito com base no art. 487, I, do CPC, julgando parcialmente procedente o pedido autoral, para os fins de:
a) restabelecer a aposentadoria especial nº 178.054.711-8, titularizada pela parte autora desde 22/10/2014, a qual deverá ser mantida independentemente do afastamento do trabalho, ante a inconstitucionalidade do §8º do art. 57 da Lei nº 8.213/1991;
b) declarar a inexistência do débito previdenciário gerado em função do cancelamento do beneficio n.º 178.054.711-8 e, conseqüentemente, a ilegalidade da cobrança.
c) condenar o INSS ao pagamento das prestações vencidas e vincendas, corrigidas e acrescidas de juros de mora, nos termos da fundamentação.
Mantenho a antecipação da tutela nos termos em que foi deferida.
Sem custas, na forma do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.
Sentença sem remessa necessária, tendo em vista que a condenação é inferior a 1.000 (mil) salários mínimos (CPC, art. 496, § 3º).
Havendo interposição de recurso, intime-se a parte contrária para apresentação de contrarrazões, nos termos do artigo 1.010, § 1º, do CPC.
Em suas razões recursais a Autarquia Previdenciária discorre, genericamente, sobre o poder-dever de revisar eventuais vícios na concessão de benefícios, sustenta a constitucionalidade da exigência de afastamento do segurado das atividades nocivas como condição para percepção da aposentadoria especial (§8º do artigo 57 da Lei 8.213/1991), e requer a condenação do segurado à devolução dos valores indevidamente recebidos (EVENTO 21 do originário).
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A sentença fundamentou o cancelamento da dívida do segurado na declaração de inconstitucionalidade do §8º do artigo 57 da Lei 8.213/1991, reconhecida por esta Corte no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000:
Postula o autor o restabelecimento do benefício de aposentadoria especial nº 178.054.711-8, cessado administrativamente sob o argumento de que o autor continuou a exercer a mesma atividade que ensejou o benefício de aposentadoria especial, o que é vedado pelo §8º do art. 57 da Lei nº 8.213/1991. Requer, ainda, a declaração da inexistência do débito decorrente da irregularidade apontada pelo INSS, no valor de R$ 78.653,27, referente ao período de 01/11/2017 a 30/04/2019.
O § 8º do artigo 57 c/c o art. 46 da Lei 8.213/91 assim dispõe:
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.
Como visto, segundo a norma, o titular de aposentadoria especial que voltar a exercer atividade sujeita a agentes nocivos terá cessado seu benefício.
A referida limitação, contudo, padece de inconstitucionalidade, conforme já decidido pela Corte Especial do Eg. TRF da 4ª Região (Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n.º 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 24/05/2012). Isso porque afronta o princípio constitucional que garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5.º, XIII, da Constituição Federal de 1988. Além disso, a proibição de trabalho perigoso ou insalubre existente no art. 7.º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988, só se destina aos menores de dezoito anos, não havendo vedação ao segurado aposentado; e o art. 201, § 1.º, da Carta Magna de 1988, não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial, assegurada, portanto, à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício.
Cumpridas, assim, as exigências do artigo 57 da Lei n.º 8.213/91, independentemente do afastamento do trabalho, deve o INSS restabelecer a aposentadoria especial nº 178.054.711-8, titularizada pela parte autora desde 22/10/2014, e o débito levado a efeito pela autarquia declarado inexigível.
Ainda que por fundamento diverso, a desconstituição do débito imputado ao segurado deve prevalecer.
De acordo com o Tema 709 (STF), “[é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não”. Porém, “nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão”.
Quando da implantação do benefício ou após o início do recebimento, a própria Autarquia deverá averiguar se o segurado, a depender do caso, permanece exercendo ou retornou ao exercício da atividade. Em ambos os casos ela poderá proceder à sua cessação.
Na hipótese de já efetivada a implantação do benefício e verificada a continuidade ou retorno ao labor nocivo, no julgamento do ED no Recurso Extraordinário nº 791.961/PR (Tema 709), o STF assim modulou: "c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento; d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento".
Segundo consta na peça inicial, o segurado é detentor "de um benefício de aposentadoria especial de número 178.054.711-8 e com DER em 04/12/2017, decorrente da ação judicial de n. 50035186420154047104/RS". Além disso, o segurado obteve no Juízo de origem liminar para suspender a cobrança dos valores recebidos, tendo por base a inconstitucionalidade da exigência de afastamento das atividades nocivas (§8º do artigo 57 da Lei 8.213/1991) arguida nesta Corte (5001401-77.2012.404.0000 - RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA).
No caso, portanto, ficou demonstrada a boa-fé do segurado e o preenchimento dos requisitos para irrepetibilidade dos valores recebidos a título de aposentadoria especial até a publicação do julgamento dos ED no Recurso Extraordinário nº 791.961/PR (8-3-2021 - DJE nº 44). Eventuais descontos efetuados pelo INSS deverão ser restituídos, acrescidos de correção monetária e juros de mora.
CONSECTÁRIOS
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Por fim, a partir de 8-12-2021, incidirá o artigo 3º da Emenda n. 113:
Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Conclusão
Dar parcial provimento ao recurso do INSS para adequar a sentença ao Tema 709 (STF), mantida a declaração de inexistência do débito previdenciário de parcelas recebidas até 8-3-2021 e a condenação do INSS à devolução de eventuais descontos, acrescidos de juros e correção monetária.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso.
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Apelação Cível Nº 5003473-21.2019.4.04.7104/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
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APELADO: ADAO CAETANO (AUTOR)
ADVOGADO: DIEGO PIERDONÁ PORTELLA (OAB RS067829)
EMENTA
APOSENTADORIA ESPECIAL. APELAÇÃO parcialmente PROVIDA. INCIDÊNCIA DO TEMA 709 (STF). IRREPETIBILIDADE DOS VALORES ALIMENTARES RECEBIDOS DE BOA-FÉ, POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. CONDENAÇÃO INSS À RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de janeiro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/12/2021 A 27/01/2022
Apelação Cível Nº 5003473-21.2019.4.04.7104/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ADAO CAETANO (AUTOR)
ADVOGADO: DIEGO PIERDONÁ PORTELLA (OAB RS067829)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/12/2021, às 00:00, a 27/01/2022, às 14:00, na sequência 356, disponibilizada no DE de 07/12/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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