APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014270-88.2012.4.04.7108/RS
RELATOR | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
APELANTE | : | JOSE LEONI MACEDO SIMOES |
ADVOGADO | : | ALEXANDRA LONGONI PFEIL |
: | JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK | |
: | ANILDO IVO DA SILVA | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL/POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE LABOR EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. RUÍDO. MOTORISTA. PENOSIDADE. EPI. REQUISITOS NÃO ATENDIDOS. AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO.
1. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal.
2. Até 28.4.1995, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995, necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e, a contar de 6.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
3. O uso de EPIs (equipamentos de proteção), por si só, não basta para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado. Seria necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho.
4. Considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição a ruído superior a 80 dB até 05.3.1997; superior a 90 dB entre 06.3.1997 a 18.11.2003 e superior a 85 dB a partir de 19.11.2003 (REsp 1.398.260). Persiste a condição especial do labor, mesmo com a redução do ruído aos limites de tolerância pelo uso de EPI.
5. Em relação ao reconhecimento da especialidade de atividades penosas, há que assentar alguns pontos, a saber: (1) a Constituição da República valoriza especialmente o trabalho insalubre, o penoso e o perigoso; (2) a valorização do trabalho insalubre está assentada pela legislação e pela jurisprudência mediante parâmetros probatórios estabelecidos (inicialmente, enquadramento profissional, depois, perícia); (3) a valorização do trabalho perigoso, por sua vez, faz-se mediante a identificação jurisprudencial de determinadas condições de trabalho (por exemplo, casos do eletricitário e do vigilante armado); (4) a valorização do trabalho penoso, por sua vez, não só não pode ser ignorada, como deve dar-se mediante o reconhecimento de determinadas condições, procedimento já sedimentado quanto ao trabalho perigoso.
6. Assim como as máximas da experiência são suficientes para o reconhecimento jurisprudencial da periculosidade de certas atividades, também o são quanto ao trabalho penoso.
7. A atividade de motorista se reveste, via de regra, de considerável penosidade para aqueles que a executam, mostrando-se absolutamente injustificada e desproporcional qualquer espécie de relativização quanto à caracterização da penosidade como elemento autorizador do reconhecimento de que determinada atividade laboral é especial, sob pena de se esvaziar a proteção constitucional estabelecida em relação ao tema.
8. Para atividades exercidas até a data da publicação da MP 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei 9.732, de 11 de dezembro de 1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador.
9. Com a edição da Lei 9.032/95, somente passou a ser possibilitada a conversão de tempo especial em comum, sendo suprimida a hipótese de conversão de tempo comum em especial.
10. Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, remanesce o direito da parte autora à averbação dos períodos reconhecidos, para fins de obtenção de futuro benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação e negar provimento à remessa oficia, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de junho de 2017.
Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8916285v10 e, se solicitado, do código CRC B9ED4462. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Francisco Donizete Gomes |
Data e Hora: | 21/06/2017 19:05 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014270-88.2012.4.04.7108/RS
RELATOR | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
APELANTE | : | JOSE LEONI MACEDO SIMOES |
ADVOGADO | : | ALEXANDRA LONGONI PFEIL |
: | JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK | |
: | ANILDO IVO DA SILVA | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora e remessa oficial em face de sentença proferida nos autos de ação previdenciária em que postulada a concessão de aposentadoria especial, mediante o cômputo de tempo de serviço considerado especial, no(s) período(s) de 14/11/1995 a 20/05/1996, 03/08/2000 a 02/07/2007, bem como mediante a conversão de tempo de serviço comum em tempo especial, com o pagamento, ao final, dos respectivos reflexos financeiros, a contar da primeira DER em 02/01/2008, ou da segunda DER em 22/07/2011.
O dispositivo do ato judicial parcialmente favorável à parte autora restou exarado nos seguintes termos:
"Dispositivo
Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na presente ação ordinária, nos termos do art. 269, inciso I , do CPC, para o efeito de condenar o INSS a:
a) averbar como tempo especial o período de 14/11/1995 a 20/05/1996, laborado para Auvergne Produtos Alimentícios Ltda., e 19/11/2003 a 02/07/2007, laborado para Empresa de Transporte Coletivo Courocap Ltda., nos termos da fundamentação.
Em face da sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários de seu advogado.
Em face da sucumbência parcial em relação ao objeto da perícia, condeno a parte autora a ressarcir 50% e o INSS a ressarcir 50% dos honorários periciais despendidos pela SJRS. Resta suspensa a exigibilidade da verba em relação à parte autora, por litigar ao amparo da assistência judiciária gratuita.
Sem custas, a teor do art. 4º da Lei nº 9.289/96.
Sentença sujeita a reexame necessário."
Em suas razões recursais, postula a parte autora a reforma da sentença para: a) reconhecer a especialidade do labor como motorista no período de 03/08/2000 a 18/11/2003, na empresa Transporte Coletivo Courocap Ltda., tendo em vista a exposição ao agente nocivo penosidade; b) reconhecer a possibilidade de conversão de tempo de serviço comum em tempo especial, pelo fator multiplicador 0,71; c) condenar o INSS a arcar com honorários sucumbenciais, afastando a compensação.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (Metas CNJ), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da aposentadoria especial
A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, é devida ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.
Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, visto que o que enseja a outorga do benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma em comento (15, 20, ou 25 anos), sob condições nocivas.
Das atividades especiais
Considerações gerais
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR n. 3320/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24-09-2008; EREsp n. 345554/PB, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08-03-2004; AGREsp n. 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23-06-2003; e REsp n. 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23-06-2003) e por esta Corte: (EINF n. 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. de 18-11-2009; APELREEX n. 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 30-03-2010; APELREEX n. 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. de 17-03-2010; APELREEX n. 2007.71.00.033522-7/RS; Quinta Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. de 25-01-2010).
Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n. 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, de 14-10-1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29-04-1995 (ou 14-10-1996) e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) a partir de 06-03-1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei n. 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II) até 28-04-1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05-03-1997, e os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99 a partir de 06-03-1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula nº. 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).
Do ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06/05/1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, in verbis:
Período trabalhado | Enquadramento | Limites de tolerância |
Até 05/03/1997 | 1. Anexo do Decreto nº 53.831/64; 2. Anexo I do Decreto nº 83.080/79; | 1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB. |
De 06/03/1997 a 06/05/1999 | Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 | Superior a 90 dB. |
De 07/05/1999 a 18/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, na redação original | Superior a 90 dB. |
A partir de 19/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003 | Superior a 85 dB. |
Quanto ao período anterior a 05/03/97, já foi pacificado, em sede da Seção Previdenciária desta Corte (EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19/02/2003, p. 485) e também do INSS na esfera administrativa (Instrução Normativa nº 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79 até 05/03/97, data imediatamente anterior à publicação do Decreto nº 2.172/97. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto nº 53.831/64.
Considerando que o último critério de enquadramento da atividade especial (Decreto nº 4.882, de 18/11/2003) veio a beneficiar os segurados expostos a ruídos no ambiente de trabalho, uma vez que passou a considerar deletéria à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 85 decibéis; e, não mais, aqueles superiores a 90 decibéis como fazia a legislação anterior, bem como o caráter social do direito previdenciário, a 3ª Seção desta Corte entendia cabível a aplicação do jus superveniens, considerando-se especial a atividade quando sujeita a ruídos superiores a 85 decibéis desde 06-03-1997, data da vigência do Decreto nº 2.172/97.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso repetitivo REsp nº 1.398.260, sedimentou o entendimento de que não é possível atribuir retroatividade à norma sem expressa previsão legal, conforme se vê do acórdão a seguir transcrito da 1ª Seção:
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. EXPOSIÇÃO AO AGENTE FÍSICO RUÍDO. APLICAÇÃO RETROATIVA DO DECRETO N.º 4.882/2003. IMPOSSIBILIDADE.
1. O acórdão rescindendo foi prolatado em consonância com a jurisprudência desta Corte, que está firmada no sentido de não se poder atribuir força retroativa à norma, sem que haja expressa previsão legal. Assim, a contagem do tempo de serviço prestado sob condições especiais deve ocorrer de acordo com a legislação vigente à época em que efetivamente executado o trabalho, em observância ao princípio tempus regit actum.
2. Na vigência do Decreto n. 2.172/1997, o nível de ruído considerado prejudicial à saúde do obreiro era superior a 90 decibeis, não merecendo amparo a tese autoral de que, por ser mais benéfico ao segurado, teria aplicação retroativa o posterior Decreto n. 4.882/2003, que reduziu aquele nível para 85 decibeis.
3. A matéria, inclusive, já foi submetida ao crivo da Primeira Seção que, na assentada do dia 14/5/2014, ao julgar o REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, sob o rito do art. 543-C do CPC, chancelou o entendimento já sedimentado nesta Corte, no sentido da irretroatividade do Decreto n. 4.882/2003.
4. Pedido rescisório julgado improcedente.
(AR 5.186/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 04/06/2014)
Portanto, considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição a ruído superior a 80 dB até 05.3.1997, superior a 90 dB entre 06.3.1997 a 18.11.2003 e superior a 85 dB a partir de 19.11.2003.
Equipamentos de Proteção - EPI
A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei 9.732, de 11 de dezembro de 1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, determinando que o laudo técnico contenha informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. A própria autarquia já adotou esse entendimento na Instrução Normativa 45/2010 (art. 238, § 6º).
Em período posterior a dezembro de 1998, a desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência de EPIs é admissível desde que haja laudo técnico afirmando, inequivocamente, que a sua utilização pelo trabalhador reduziu efetivamente os efeitos nocivos do agente agressivo a níveis toleráveis, ou os neutralizou (STJ, REsp 720.082/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 10/04/2006, p. 279; TRF4, EINF 2001.72.06.002406-8, Terceira Seção, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 08/01/2010).
Oportuno mencionar que restou reconhecida pelo e. STF a existência de repercussão geral atinente ao fornecimento de equipamento de proteção individual (Tema 555). No julgamento do ARE 664.335 (Tribunal Pleno, Rel Min. Luiz Fux, publ. no DJ do dia 12/02/2015), a Corte Suprema fixou duas teses: 1) "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial"; e 2) "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Ademais, para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado é necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho.
Da conversão do tempo comum para especial
Quanto à possibilidade de conversão do tempo de serviço comum para especial, vinha esta Corte entendendo possível em relação a todo o labor desempenhado até 28/04/95, dia anterior à entrada em vigor da Lei nº 9.032, que alterou a redação do art. 57, §5º, da Lei 8.213/91.
Contudo, a matéria em questão restou apreciada pelo STJ, no Recurso Especial nº 1.310.034/PR, submetido ao regime do art. 543-C do CPC, cuja ementa estampa:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL NA RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO. ACOLHIMENTO. RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO STJ 8/2008 MANTIDA. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL E COMUM. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO. LEI APLICÁVEL. CRITÉRIO. LEGISLAÇÃO VIGENTE QUANDO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DA APOSENTADORIA.
1. A parte embargante aduz que o item "4" da ementa apresenta erro material, já que em 24.1.2002, data do requerimento administrativo de concessão da aposentadoria, não estaria vigente a redação original do art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991, e sim a redação dada ao citado dispositivo legal pela Lei 9.032/1995 (art. 57, § 5º).
Com isso e aplicando a tese fixada sob o rito do art. 543-C do CPC ao presente caso, assevera que não é possível a conversão de tempo comum em especial em favor do embargado.
Resolução da controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC
2. Não sendo objeto de irresignação a tese fixada sob o regime do art. 543-C do CPC no acórdão embargado, mas sim a sua aplicação sobre o caso concreto, permanece incólume a resolução da controvérsia sob o regime dos recursos repetitivos assentada no acórdão embargado:
2.1. Como pressupostos para a solução da matéria de fundo, destaca-se que o STJ sedimentou o entendimento de que, em regra; a) a configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor, e b) a lei em vigor quando preenchidas as exigências da aposentadoria é a que define o fator de conversão entre as espécies de tempo de serviço. Nesse sentido: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC.
2.2. A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço. Na mesma linha: REsp 1.151.652/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 9.11.2009; REsp 270.551/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 18.03.2002; Resp 28.876/SP, Rel. Ministro Assis Toledo, Quinta Turma, DJ 11.09.1995; AgRg nos EDcl no Ag 1.354.799/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 5.10.2011.
Exame dos presentes Embargos de Declaração - caso concreto
1. Com efeito, tem razão a autarquia previdenciária quanto ao erro de premissa do item "4" da ementa, pois em 2002, data da reunião dos requisitos da aposentadoria, não vigorava a redação original do art.
57, § 3º, da Lei 8.213/1991, mas sim o art. 57, § 5º, da Lei 8.213/1991 com a redação dada pela Lei 9.032/1995 (houve renumeração dos parágrafos).
2. Conforme decidido no acórdão embargado, esta Primeira Seção, sob o regime do art. 543-C do CPC, estabeleceu que é a lei do momento da aposentadoria que rege o direito à conversão de tempo comum em especial e de especial em comum, o que, com o erro material acima sanado, demanda a revisão da resolução do caso concreto.
7. A lei vigente no momento da aposentadoria, quanto ao direito à conversão do tempo de serviço de comum em especial, era o art. 57, § 5º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 9.032/1995, que suprimiu a possibilidade de conversão de tempo comum em especial, mantendo apenas a hipótese de conversão de tempo especial em comum ("§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.").
9. No caso dos autos, a reunião dos requisitos para a aposentadoria foi em 2002, quando em vigor, portanto, o art. 57, § 5º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 9.032/1995, que afastou a previsão de conversão de tempo comum em especial.
10. Não se deve confundir tal situação, todavia, com as premissas adotadas no item "2" da ementa do acórdão embargado (2.1 acima), como segue: 10.1. "a configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor": essa regra consiste na definição da lei que rege a configuração do tempo de serviço. Por exemplo, se o trabalho foi exercido de 1990 a 1995, a lei vigente no momento da prestação do serviço é que vai dizer se a atividade é especial ou comum.
10.2. "a lei em vigor quando preenchidas as exigências da aposentadoria é a que define o fator de conversão entre as espécies de tempo de serviço": para saber qual o fator de conversão do tempo de serviço de especial para comum, e vice-versa, a lei que rege o direito é a do momento da aposentadoria. Exemplo: se em 2003 o tempo de serviço para aposentadoria especial era de 25 anos e o tempo de serviço para aposentadoria por tempo de contribuição era de 35 anos (para homens), o fator de conversão do tempo de serviço especial em comum será de 1,4 (resultado da divisão 35/25), sendo irrelevante se, ao tempo da prestação do lapso laboral que se pretende converter, havia norma que estipulava outra proporção.
11. No presente recurso representativo da controvérsia, repita-se, o objeto da controvérsia é saber qual lei rege a possibilidade de converter tempo comum em especial, e o que ficou estipulado (item "3" da ementa) no acórdão embargado é que a lei vigente no momento da aposentadoria disciplina o direito vindicado.
12. No caso concreto, o objetivo era que a conversão do tempo de serviço fosse regida pela Lei vigente ao tempo da prestação (Lei 6.887/1980), o que foi afastado pelo postulado decidido sob o regime do art. 543-C do CPC de que "a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço".
13. Ao embargado foi deferida administrativamente a aposentadoria por tempo de contribuição em 24.1.2002, pois preencheu o tempo de 35 anos de serviço, mas pretende converter o tempo comum que exerceu em especial, de forma a converter o citado benefício em aposentadoria especial.
14. A vantagem desse procedimento é que a aposentadoria especial não está submetida ao fator previdenciário (art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, com a redação da Lei 9.876/1999), o que de certa forma justifica a vedação legal de conversão do tempo comum em especial, pois, caso contrário, todos os aposentados por tempo de contribuição com 35 anos de tempo de serviço comum, por exemplo, poderiam pleitear a conversão desse tempo em especial (fator 1,4) de forma a também converter a aposentadoria comum em especial (25 anos) e, com isso, afastar o fator previdenciário.
15. Tal argumento de reforço, com intuito de apresentar visão sistêmica do regime geral de previdência social, denota justificativa atuarial para a vedação de conversão do tempo comum em especial fixada pela Lei 9.032/1995.
16. O sistema previdenciário vigente após a Lei 9.032/1995, portanto, somente admite aposentadoria especial para quem exerceu todo o tempo de serviço previsto no art. 57 da Lei 8.213/1991 (15, 20 ou 25 anos, conforme o caso) em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
17. Embargos de Declaração acolhidos, com efeito infringente, para prover o Recurso Especial e julgar improcedente a presente ação, invertendo-se os ônus sucumbenciais, mantendo-se incólume a resolução da controvérsia sob o rito do art. 543-C do CPC.
(EDcl no REsp 1310034/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 02/02/2015)
Como visto, restou estabelecido no recurso representativo de controvérsia que é a lei do momento da aposentadoria que rege o direito à conversão de tempo comum em especial e de especial em comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço. A lei vigente à época do labor define, isto sim, a configuração da atividade como especial ou comum; não a possibilidade de conversão de um em outro.
Com a edição da Lei 9.032/95, somente passou a ser possibilitada a conversão de tempo especial em comum, sendo suprimida a hipótese de conversão de tempo comum em especial.
Não há falar em aplicação híbrida de regimes jurídicos ou de legislação subsequente mais benéfica, possibilidade esta rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 415.454/SC e do RE 416.827/SC (DJ 26/10/07). O entendimento assentado no repetitivo do STJ em comento reafirma os pressupostos estabelecidos pelo STF, pois considera o regime da lei vigente à época do jubilamento como o aplicável para a fixação dos critérios que envolvem a concessão da aposentadoria.
No caso concreto, a reunião dos requisitos para a aposentadoria foi quando já em vigor o art. 57, §5º, da Lei 8.213/91 (redação dada pela Lei 9.032/95), que afastou a previsão de conversão de tempo comum em especial e restringiu à hipótese exclusiva de conversão de tempo especial em comum.
Conclusão: mantida a sentença quanto à impossibilidade de conversão de tempo de serviço comum em tempo especial.
Caso concreto
A análise do caso concreto por ocasião da prolação da sentença restou exarada nos seguintes termos:
"Entendo que deve ser reconhecida a especialidade dos seguintes períodos:
Empresa | Auvergne Produtos Alimentícios Ltda. |
Período | 14/11/1995 a 20/05/1996 |
Cargo/Setor | Motorista |
Provas | Anotação na CTPS (PROCADM1 - evento 10 - p. 7), PPP (PROCADM2 - evento 10 - p. 32/35),PPRA 1996 (PROCADM7 e PROCADM8 - Evento 1 - fls. 09/14), laudos similares Comprebem Comércio e Transporte Ltda., Transportes Federal e Transdecar Transportes (PROCADM8 - evento 1 - fls. 15/35) |
Conclusão/Fundamento | Caracterizada a especialidade. Formulário indica que a parte laborou como motorista (acompanhamento de mercadorias no depósito e entrega programada), sem indicar exposição a agentes nocivos. O laudo técnico da própria empresa somente contempla a função de operador de empilhadeira, com ruído médio de 84 Db. Os laudos similares, no entanto, apontam, para a atividade de motorista de caminhão, ruído de 91,62 Db (Comprebem), 94,5 Db (Transportes Federal) e 104 Db (Transdecar). Portanto, acima do limite de 80 Db vigente no período (cód. 1.1.6 do quadro anexo do Dec. 53.831/64). |
Empresa | Empresa de Transporte Coletivo Courocap Ltda. |
Período | 19/11/2003 a 02/07/2007 |
Cargo/Setor | Motorista de ônibus |
Provas | PPP (PROCADM1- evento 10 - p. 24/26 e PROCADM2 - evento 10 - 36/37) e laudo produzido por determinação judicial (evento 37). |
Conclusão/Fundamento | Caracterizada a especialidade. Formulário indica que a parte laborou como motorista de ônibus, exposta a ruído de 83 Db. O laudo técnico aponta ruído de 86,97 Db. Portanto, acima do limite de 85Db vigente no período (cód. 2.0.1, do anexo IV, do Dec. 3.048/99, c/c Dec. 4.882/03) |
Porém, não é possível a conversão do seguinte intervalo:
Empresa | Empresa de Transporte Coletivo Courocap Ltda. |
Período | 03/08/2000 a 18/11/2003 |
Cargo/Setor | Motorista de ônibus |
Provas | PPP (PROCADM1- evento 10 - p. 24/26 e PROCADM2 - evento 10 - 36/37) e laudo produzido por determinação judicial (evento 37). |
Conclusão/Fundamento | Não caracterizada a especialidade. Formulário indica que a parte laborou como motorista de ônibus, exposta a ruído de 83 Db. O laudo técnico aponta ruído de 86,97 Db. Portanto, não caracterizada exposição habitual e permanente a ruído superior ao limite de 90 Db vigente no período (cód. 2.0.1, do anexo IV, do Dec. 2.172/97) |
Frente ao recém evidenciado, reconheço como especial 04 anos, 01 mês e 22 dias."
Neste feito, o exame recursal abrange a apelação cível e a remessa oficial, expressamente interpostas diante da sentença recorrida.
Nessas circunstâncias, havendo recurso de apelação por parte do autor, onde suscitados os tópicos indicados no relatório, tenho que quanto aos demais fundamentos de mérito - reconhecimento da especialidade nos períodos de 14/11/1995 a 20/05/1996 e de 19/11/2003 a 02/07/2007 -, a sentença deve ser confirmada por suas próprias razões, uma vez que lançada conforme a legislação aplicável. Tanto que a autarquia previdenciária deles teve expressa ciência e resolveu não se insurgir.
A matéria controvertida, portanto, objeto de recurso da parte autora, diz respeito à especialidade do labor no período de 03/08/2000 a 18/11/2003, em que o autor exerceu a função de motorista de ônibus na Empresa de Transporte Coletivo Courocap Ltda., realizando transporte coletivo de passageiros em percursos urbanos de Novo Hamburgo/RS, consoante aponta o PPP (Evento 1, PROCADM9, p. 27/28).
A respeito do reconhecimento da especialidade das atividades de motorista, necessário tecer algumas considerações.
Registro, de início, que a proteção ao trabalho é matéria de ordem constitucional, tutelada a partir de diversos dispositivos da Constituição Federal, entre os quais vale mencionar o artigo 7º, o qual integra, como se sabe, o título que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, bem assim o artigo 170, que fundamenta a ordem econômica na valorização do trabalho humano, e, ainda, o artigo 193, que estabelece o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais. Reputo especialmente relevante situar o tema em exame para desde logo firmar entendimento no sentido de que, em se tratando de tutela das condições de trabalho - e particularmente em relação a ofícios manuais, porquanto são estes histórica e reiteradamente objeto de desvalorização legislativa - não se mostra razoável admitir a ocorrência de retrocesso, assim entendido o processo que objetiva legitimar patamares inferiores de proteção em relação àqueles em algum momento já estabelecidos, seja pelo legislador constituinte, seja por normas infraconstitucionais.
A propósito, ainda, da matriz constitucional da proteção ao trabalho, tenho por oportuno lembrar que, nos exatos termos do inciso XXIII do artigo 7º da Constituição Federal, é assegurado, na forma da lei, tratamento remuneratório diferenciado ao trabalho penoso, insalubre ou perigoso. Forçoso concluir, portanto, que o legislador constituinte colocou sob o mesmo patamar de proteção as atividades penosas, insalubres e perigosas.
Na mesma linha, entendo relevante mencionar que a concessão de benefício de aposentadoria com tempo de serviço reduzido - objetivo último do reconhecimento da especialidade em toda e qualquer atividade - também possui fundamento constitucional, consoante se extrai do conteúdo do §1º do artigo 201 da CRFB/88, com a redação que lhe conferiu a Emenda Constitucional nº. 47, de 05.07.2005), verbis:
"§1º - É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar." (grifei)
Destaco, a propósito, que o texto constitucional é cristalino no sentido de reconhecer a possibilidade de que sejam adotados critérios diferenciados para a concessão de benefícios de aposentadoria nas hipóteses em que o trabalhador exercer atividades que prejudiquem a sua saúde ou integridade física. É dizer, por outras linhas, que o critério fundamental eleito pelo legislador constituinte para admitir a redução do tempo de serviço para fins de aposentação foi a preservação da saúde e da integridade física do trabalhador. Nessa linha é a lição de André Studart Leitão ao comentar o fundamento principiológico que norteia a concessão do benefício de aposentadoria especial, para quem "(...) a redução do tempo de serviço justifica-se pela finalidade precípua do benefício: afastar o indivíduo do exercício de atividade nociva antes que ele venha a tornar-se incapaz (...)" (LEITÃO, André Studart. Aposentadoria Especial, 2ª ed., Florianópolis: Conceito Editorial, 2013, p.51).
Em síntese, inevitável concluir, a partir da conjugação das normas constitucionais já referidas, que o parâmetro de proteção estabelecido pelo legislador constituinte abrange, da mesma forma, o trabalho considerado penoso, insalubre ou perigoso e, ainda, que as políticas a serem implementadas pelo Estado no sentido de efetivar essa proteção compreendem o estabelecimento de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, do que deve resultar, por óbvio, menor tempo de exposição a situações penosas, perigosas ou insalubres.
Estabelecida a premissa constitucional que fundamenta o reconhecimento de que determinadas atividades sujeitam o segurado a condições insalutíferas e, portanto, justificam o estabelecimento de requisitos diferenciados para fins de concessão de aposentadoria, restou reservada à legislação infraconstitucional a missão de regulamentar a matéria. Significa dizer que são as normas infraconstitucionais que devem se amoldar ao preceito básico de matriz constitucional, qual seja, o de que as atividades que tenham o potencial de causar prejuízos à saúde e à integridade física do trabalhador merecem tratamento diferenciado no que toca à concessão de aposentadoria.
Admitir, portanto, que normas de natureza infraconstitucional acabem, a pretexto de regulamentar, limitando desproporcionalmente, por qualquer meio, a concessão de benefícios a segurados que exerçam atividades que expõem o trabalhador a condições prejudiciais à saúde acabaria por inverter essa relação que confere à Constituição o poder de estabelecer os princípios fundamentais a respeito do tema, e às demais normas que integram o ordenamento jurídico tão-somente a atribuição de regulamentar questões específicas, sempre tendo como inafastável limite, reitero, o parâmetro principiológico estabelecido pelo constituinte.
No que toca especificamente ao reconhecimento da especialidade das atividades de motorista, há que se distinguir as possibilidades jurídicas aplicáveis em, pelo menos, dois momentos históricos.
Com efeito, até 28.04.1995 o reconhecimento da especialidade das atividades de motorista era possível em razão do enquadramento pela categoria profissional, consoante expressamente previsto nos Códigos 2.4.4 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64 e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79. Nessa linha, inclusive, é o entendimento reiteradamente adotado no âmbito deste Regional (AC nº. 5007540-49.2012.4.04.7112, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, j. em 01.06.2016; AC nº. 5003445-70.2012.4.04.7016, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Vânia Hack de Almeida, j. em 18.05.2016; AC nº. 5062817-23.2011.4.04.7100, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. em 24.11.2015; AC nº. 5003240-39.2010.404.7201, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Rogério Favreto, j. em 12.06.2012; entre outros). Inexiste, pois, maior controvérsia no que diz respeito ao reconhecimento da especialidade da atividade de motorista em relação aos períodos anteriores a 29.04.1995.
Extinta a possibilidade de caracterização da especialidade em decorrência do enquadramento por categoria profissional, impõe-se um exame acurado acerca da realidade fática que envolve a atividade de motorista, sempre tendo como baliza os parâmetros constitucionais segundo os quais uma vez que determinada atividade profissional imponha ao trabalhador condições que prejudiquem a sua saúde, deve ser considerada especial para fins de concessão de aposentadoria.
Pois bem, parece-me inegável que, via de regra, a atividade de motorista - seja motorista de caminhão, seja motorista de ônibus - envolve a sujeição do trabalhador a diversos fatores prejudiciais à saúde, entre os quais se pode citar, apenas para exemplificar, o ruído e o calor decorrentes da proximidade com o motor dos veículos, as vibrações decorrentes do próprio funcionamento constante de motores e da má qualidade das vias públicas brasileiras, a privação do sono que provém da necessidade de cumprir prazos excessivamente exíguos para a entrega de cargas e mercadorias e, ainda, o impacto psicológico causado pela insegurança de uma atividade que, seja no âmbito de rodovias intermunicipais, seja no contexto urbano, é reiteradamente alvo de roubos e ações violentas.
Objetivando tornar mais clara a dimensão dos prejuízos que a atividade de motorista causa à saúde dos trabalhadores, pesquisadores do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo e do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de Minas Gerais realizaram estudo conjunto que avaliou especificamente o impacto da combinação entre ruídos e vibrações nas condições de saúde de 190 motoristas. A propósito, trago à colação trechos relevantes de tal estudo, que foi objeto de publicação pela Revista de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (SILVA, Luiz Felipe; MENDES, René. Exposição combinada entre ruído e vibração e seus efeitos sobre a audição de trabalhadores in: Revista de Saúde Pública, 2005, nº. 39, p. 9-17):
"(...) Vibração de corpo-inteiro (VCI) é um estímulo freqüentemente presente em muitas realidades de trabalho, expondo trabalhadores em diversas operações e situações: indústria da construção civil (motoniveladoras, pá carregadeiras, tratores de esteira); indústria do transporte (caminhões, ônibus, motocicletas, veículos em geral); transporte ferroviário (trens, metrô); equipamentos industriais (ponte-rolante, empilhadeira); máquinas agrícolas (tratores, colheitadeiras); helicópteros; embarcações e veículos fora-de-estrada usados em mineração. (...)
Uma peculiaridade da realidade de trabalho de motoristas de ônibus urbano, é a exposição constante ao ruído e o conseqüente risco de perda auditiva induzida por ruído (PAIR), sobretudo em razão da configuração dos veículos utilizados. Na literatura internacional, especificamente no tocante aos países industrializados, não se verificou a existência de qualquer pesquisa ou estudo sobre o assunto. Pesquisas que consideram importante a exposição de motoristas de ônibus urbanos ao ruído, como fator de risco à saúde, se manifestam em países dependentes ou denominados 'em desenvolvimento' (Tovalin et al,25 1991; Cordeiro et al,8 1994). (...)
Os resultados encontrados sustentam que o posto de trabalho de motorista de ônibus, sobretudo naqueles com motor dianteiro, comportam risco de desenvolvimento de PAIR, em virtude dos níveis de exposição ao ruído. (...) Apesar de os níveis de exposição ao ruído registrados, correspondentes a jornada de oito horas, não serem de muito relevo, foram suficientes para produzir valores importantes de prevalência de PAIR na população estudada. Os dados obtidos, tanto resultantes da avaliação ambiental como da audiológica, apontam para a necessidade de um programa de conservação auditiva. (...)
Os valores elevados da exposição à VCI observados revelaram situações expressivas de risco, à medida que superam em muito o limite de tolerância para oito horas estabelecido pela ISO-2631¹¹ (1985), que é de 0,63 m/s². Logo, são notórias a inadequação do posto de trabalho e a importância de intervenções ergonômicas. Medidas de prevenção devem ser implantadas, como a seleção de veículos dotados de suspensão mais adequada do chassi, bem como para o assento, manutenção sistemática e apropriada das partes dos veículos relevantes e reestruturação da característica do pavimento das ruas. (...)" (grifei)
Note-se, portanto, que os pesquisadores chegaram a duas importantes conclusões, a saber: (a) ainda que os níveis de ruído eventualmente encontrados em postos de trabalho de motoristas, por si só, não apresentassem valores significativos, os resultados encontrados com o passar do tempo revelaram importante ocorrência de perda auditiva induzida por ruído (PAIR); e (b) o nível de vibração a que, de regra, os motoristas se encontram sujeitos extrapola consideravelmente os limites estabelecidos pela norma internacional ISO-2631.
A propósito desta segunda constatação, tenho por relevante mencionar que tal conclusão já seria suficiente para embasar o reconhecimento da especialidade das atividades de motorista até mesmo se levadas em consideração apenas as regulamentações administrativas expedidas pela autarquia previdenciária. Com efeito, a Instrução Normativa INSS/PRES nº. 77, de 21.01.2015, que dispõe a respeito das normas gerais atinentes à concessão de benefícios previdenciários, assim dispõe em seu artigo 283:
Art. 283. A exposição ocupacional a vibrações localizadas ou no corpo inteiro dará ensejo à caracterização de período especial quando:
I - até 5 de março de 1997, véspera da publicação do Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997, de forma qualitativa em conformidade com o código 1.0.0 do quadro anexo ao Decretos nº 53.831, de 25 de março de 1964 ou Código 1.0.0 do Anexo I do Decreto nº 83.080, de 1979, por presunção de exposição;
II - a partir de 6 de março de 1997, quando forem ultrapassados os limites de tolerância definidos pela Organização Internacional para Normalização - ISO, em suas Normas ISO nº 2.631 e ISO/DIS nº 5.349, respeitando-se as metodologias e os procedimentos de avaliação que elas autorizam; e
III - a partir de 13 de agosto de 2014, para o agente físico vibração, quando forem ultrapassados os limites de tolerância definidos no Anexo 8 da NR-15 do MTE, sendo avaliado segundo as metodologias e os procedimentos adotados pelas NHO-09 e NHO-10 da FUNDACENTRO, sendo facultado à empresa a sua utilização a partir de 10 de setembro de 2012, data da publicação das referidas normas."
Resta evidente, como se vê, que a atividade de motorista se reveste, via de regra, de considerável penosidade para aqueles que a executam, mostrando-se absolutamente injustificada e desproporcional qualquer espécie de relativização quanto à caracterização da penosidade como elemento autorizador do reconhecimento de que determinada atividade laboral é especial, sob pena de se incorrer em frontal violação ao parâmetro constitucional de proteção já referido. Note-se, por exemplo, que justificativa alguma há para reconhecer como especial o trabalho perigoso - como de fato ocorre com relação à caracterização da especialidade do vigia ou do trabalhador que se expõe à eletricidade - e não o fazer em relação ao trabalho penoso, não apenas em decorrência de que a proteção constitucional conferida a ambos é a mesma, mas também pelo fato de que a lógica indica que os prejuízos de se exercer diuturnamente uma atividade penosa são certos, ao passo que os danos de exercer uma atividade perigosa são potenciais, podem jamais se verificar efetivamente presentes, e ainda assim conferem ao trabalhador o bônus da especialidade.
Corolário lógico de tal constatação é a conclusão no sentido de que exigir que, a partir de 29.04.1995, os trabalhadores que exerceram atividades de motorista comprovem a efetiva exposição exclusivamente aos agentes nocivos relacionados no Anexo I do Decreto nº. 3.048/99 - o qual, se sabe, é apenas exemplificativo (STJ, REsp 1306113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013) - ignorando assim toda a realidade fática que envolve tal profissão, acabaria, à toda evidência, por incorrer em indevida limitação por vias infraconstitucionais do parâmetro de proteção estabelecido pelo legislador constituinte. Ademais, não se pode deixar de apontar que a produção de tal prova, por vezes, se mostra excessivamente difícil, na medida em que, inexistindo documentação contemporânea acerca dos agentes nocivos aos quais o segurado se encontrava exposto à época do exercício do labor, os laudos técnicos hoje produzidos muitas vezes não reproduzem com exatidão as circunstâncias experimentadas pelo trabalhador ao longo de anos, uma vez que veículos mais modernos proporcionam maior conforto a motoristas e passageiros, especialmente no que diz respeito à questão acústica.
Não se está afirmando, com isso, que toda atividade de motorista deva ser, indiscriminadamente, considerada especial, sob pena de realizar indevido enquadramento por categoria profissional, hipótese vedada pela legislação, como referido alhures, desde 29.04.1995. Admite-se, portanto, que os elementos de prova aplicáveis ao caso concreto demonstrem que a partir da interação de diversos fatores - como grau tecnológico do veículo, o bom estado de conservação das vias que eram percorridas, a inexistência de elementos outros, tais como a pressão pelo cumprimento de prazos e metas, a privação do sono, a necessidade de percorrer grandes distâncias, entre outros - poderão descaracterizar a especialidade da atividade. Busca-se evitar, todavia, que seja imputado ao segurado o ônus de comprovar algo que muitas vezes não é mensurável, seja porque não foram efetuados registros contemporâneos e os registros feitos de forma extemporânea acabam não refletindo as efetivas condições de trabalho, seja porque, a rigor, há elementos que tornam penosa a atividade de motorista e que são de difícil quantificação a partir de critérios exclusivamente técnicos.
O que se pretende com a posição ora adotada é, em síntese, evitar que se esvazie o texto constitucional no que tange à possibilidade de se reconhecer a penosidade como elemento caracterizador da especialidade de determinadas atividades.
Com efeito, a despeito de a evolução legislativa haver, em dado momento, acabado com a possibilidade do reconhecimento de especialidade a partir do enquadramento do trabalhador pela categoria profissional que integra, restou explícita na legislação infraconstitucional a proteção do trabalho insalubre, em relação ao qual apenas se passou a exigir a demonstração efetiva da exposição a agentes nocivos elencados nos regulamentos editados pelo INSS, por qualquer meio de prova, num primeiro momento, e, a seguir, mediante a apresentação de documentos específicos embasados em laudos periciais.
Quanto à periculosidade, a jurisprudência assegurou a possibilidade de se reconhecer a especialidade de atividades que sujeitam o trabalhador a condições consideradas perigosas, como ocorre, consoante já referido, com o eletricitário e com o vigilante que exerce as suas funções munido de arma de fogo.
Neste quadro, restou apenas a penosidade desprovida de qualquer proteção no que toca ao tema que ora se examina, razão pela qual, por vezes, se busca identificar a existência de agentes nocivos - traço característico do reconhecimento da especialidade em decorrência de insalubridade - em relação a atividades que são, em verdade, penosas. Não existe, a meu sentir, qualquer justificativa para que se mantenha tal distinção, sob pena não apenas de violação do já mencionado parâmetro constitucional de proteção que alcança a penosidade da mesma forma que a insalubridade e a periculosidade, mas também de se incorrer em grave discriminação a determinadas categorias profissionais.
Em suma: (1) a Constituição da República valoriza especialmente o trabalho insalubre, o penoso e o perigoso; (2) a valorização do trabalho insalubre está assentada pela legislação e pela jurisprudência mediante parâmetros probatórios estabelecidos (inicialmente, enquadramento profissional, depois, perícia); (3) a valorização do trabalho perigoso, por sua vez, faz-se mediante a identificação jurisprudencial de determinadas condições de trabalho (por exemplo, casos do eletricitário e do vigilante armado); (4) a valorização do trabalho penoso, por sua vez, não só não pode ser ignorada, como deve dar-se mediante o reconhecimento de determinadas condições, procedimento já sedimentado quanto ao trabalho perigoso.
Vale dizer, assim como as máximas da experiência são suficientes para o reconhecimento jurisprudencial da periculosidade de certas atividades, também o são quanto ao trabalho penoso.
A propósito, não se diga que embasamento legal não há a permitir que se reconheça a penosidade como elemento caracterizador de especialidade laboral. Isto porque, o direito processual vigente, ao cuidar da produção probatória, prevê que "em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial." (artigo 375 do Código de Processo Civil de 2015).
Esta regra jurídica diz respeito, primeiramente, às chamadas máximas de experiência e à prova prima facie. Em precisa lição, comentou João Carlos Pestana de Aguiar (Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., São Paulo: RT, 1977):
"Estudando as máximas de experiência, não podemos deixar de fazer alusão à prova prima facie, da qual aquelas são a fonte. Surgida na Alemanha ao limiar deste século e, segundo autores, por obra de Rumelin, o qual chegou a ser confundido com o precursor também das máximas de experiência, recebeu a prova prima facie a denominação de "prova de primeira aparência". Consiste na formação do convencimento do juiz através de princípios práticos da vida e da experiência daquilo que geralmente acontece (id quod plerumque accidit). Embora seja um juízo de raciocino lógico formado fora dos elementos de prova constantes dos autos, não se pode afirmar que se trata de um juízo baseado na ciência privada. É, sob certo ângulo de visão, uma exceção à regra quod non est in actis non est in mundo, mas que se forma por meio de noções pertencentes ao patrimônio cultural comum, eis que se sustém naquilo que de ordinário acontece. Logo, são noções ao alcance de grande número de pessoas e até mesmo do conhecimento obrigatório de uma camada social, pelo que não se pode concluir como noções limitadas à ciência privada do juiz." (p. 106-107).
Na hipótese vertente, não se pode esquecer a história e a realidade nacional ao interpretar o conjunto probatório. O juiz não pode ser indiferente à realidade, sob pena inclusive de ofender a norma constitucional que manda que todos os Poderes Públicos, inclusive o Judiciário, pratiquem o direito conforme os objetivos fundamentais da República (Constituição da República de 1988, art. 3°), dentre os quais se inclui construir uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), erradicar a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (inciso III) e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV).
As máximas de experiência conduzem, ademais, como salientado pelo processualista citado, às provas prima facie ou "provas de primeira aparência". Elas chamam a atenção do óbvio: a formação do convencimento não pode ser alheia à experiência daquilo que geralmente acontece. Dados e interpretações da realidade nacional tão fundamentais e decisivos, não podem ser ignorados pelo Poder Judiciário. Eles precisam ser demonstrados e fundamentados, como ora se pretende fazer a partir da apresentação de elementos concretos a respeito da penosidade que atinge, como regra, as atividades de motoristas.
Como disse Moacir Amaral dos Santos, estes conhecimentos "...integram o patrimônio de noções pacificamente armazenadas por uma determinada esfera social, e assim a do juiz, a que se pode genericamente denominar cultura, se utiliza o juiz como normas destinadas a servir como premissa maior dos silogismos que forma no seu trabalho de fixação, interpretação e avaliação das provas." (Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 51).
Disse o mesmo jurista, em outra passagem: "O juiz, como homem culto e vivendo em sociedade, no encaminhar as provas, no avaliá-las, no interpretar e aplicar o direito, no decidir, enfim, necessariamente usa de uma porção de noções extrajudiciais, fruto de sua cultura, colhida de seus conhecimentos sociais, científicos, artísticos ou práticos, dos mais aperfeiçoados aos mais rudimentares. São as noções a que se costumou, por iniciativa do processualista STEIN, denominar máximas da experiência ou regras da experiência, isto é, juízos formados na observação do que comumente acontece e que, como tais, podem ser formados em abstrato por qualquer pessoa de cultura média." (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 2° vol., 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1983, p. 339).
Na hipótese dos autos, caracterizada a especialidade da atividade desempenhada pelo autor no período de 03/08/2000 a 18/11/2003, na função de motorista de ônibus, em razão da exposição ao agente nocivo penosidade, nos termos da fundamentação.
Do direito à aposentadoria especial no caso concreto
No presente caso, não há dúvidas quanto ao preenchimento da carência, nos termos do art. 25, caput e inciso II, da Lei nº 8.213/1991 e alterações. Considerando o tempo especial reconhecido judicialmente, na ação judicial transitada em julgado nº 2009.71.58.000398-6, relativo aos períodos de 01/01/1987 a 19/05/1992 e de 17/06/1992 a 28/04/1995, correspondente a 8 anos, 3 meses e 1 dia, e judicialmente nesta demanda (sentença e acórdão), relativo aos períodos de 14/11/1995 a 20/05/1996 e 03/08/2000 a 02/07/2007, que perfazem 7 anos, 5 meses e 7 dias, constata-se que o autor (beneficiário) computa um total de 15 anos, 8 meses e 8 dias de labor em condições insalutíferas até a DER (22/07/2011), insuficientes à concessão da aposentadoria especial.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço, extinta pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 e transformada em aposentadoria por tempo de contribuição, foi garantida (art. 3º) aos segurados da previdência social que, até a data da publicação da Emenda, em 16.12.98, tivessem cumprido os requisitos para sua obtenção, com base nos critérios da legislação então vigente (arts. 29, caput, e 52 a 56 da Lei nº 8.213/91, na sua redação original), quais sejam: a) 25 anos de tempo de serviço, se mulher, ou 30 anos, se homem e b) carência (conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91, inscritos até 24-7-1991, ou conforme o art. 25, II, da Lei, para os inscritos posteriormente). O valor da aposentadoria corresponde a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano para cada ano completo de atividade até o máximo de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de tempo de serviço para as mulheres, e 35 para os homens.
Oportuno enfatizar que o direito adquirido a tal modalidade de benefício exige a satisfação de todos os requisitos até a data da EC nº 20/98, já que, a partir de então, passa a viger a aposentadoria por tempo de contribuição, consoante previsão do art. 201, §7º, da Constituição Federal, para a qual exigem-se 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do fator previdenciário, conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29.11.1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I, e §7º).
Da conversão do tempo de serviço especial em comum
Como destacado anteriormente, considerando que o parágrafo 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei nº 9.711/98 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional nº 20, de 15-12-1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1.º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28-05-1998.
O fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação aplicada na data concessão do benefício, e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1151363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
Assim, implementados os requisitos para aposentadoria na vigência da Lei nº 8.213/91 o fator de conversão deverá ser 1,4 (homem - 25 anos de especial para 35 anos de comum) ou 1,2 (mulher - 25 anos de especial para 30 de comum).
Do direito à aposentadoria por tempo de contribuição no caso concreto
Em primeiro lugar, insta destacar a possibilidade de se conceder benefício diverso daquele expressamente postulado na inicial, no caso a aposentadoria por tempo de contribuição, sem que se incorra em julgamento extra petita.
O Superior Tribunal de Justiça, em inúmeras oportunidades, manifestou o entendimento de que, em sendo preenchidas as condições para concessão de determinado benefício previdenciário, pouco importa que o segurado houvesse pleiteado benefício diverso, dado que, como referiu o Ministro Hamilton Carvalhido, Relator no julgamento do REsp nº 496.814, "não vincula o juiz a pretensão do autor, mas sim, a norma jurídica que efetivamente incidiu, cabendo, como cabe, ao julgador, aplicar o direito aos fatos, procedendo, desta forma, a um novo enquadramento das circunstâncias fácticas da causa. Daí, o velho brocardo latino, iura novit curia." A propósito, vale mencionar, além do acórdão referido, os que seguintes:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DIVERSO DO PEDIDO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. É possível a concessão de benefício previdenciário diverso do pedido na inicial nos casos em que, do conjunto probatório dos autos, restar evidente o cumprimento dos requisitos necessários, aplicando-se, assim, o princípio da fungibilidade.
2. Agravo interno ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 637.163/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 03/11/2009)
RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO QUE DEIXA DE INDICAR O DISPOSITIVO TIDO POR VIOLADO. SÚMULA Nº 284/STF. ACÓRDÃO QUE DECIDE NOS LIMITES DO PEDIDO E DA MATÉRIA DEVOLVIDA AO TRIBUNAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. IMPLEMENTAÇÃO SIMULTÂNEA DE REQUISITOS. DESNECESSIDADE.
1. A falta de indicação do dispositivo de lei federal tido por violado e de qual seria sua correta interpretação, e, ainda, de demonstração da medida em que teria o acórdão recorrido violado lei federal e em que consistiu a suposta negativa de vigência da lei ensejam deficiência de fundamentação no recurso especial, inviabilizando a abertura da instância especial (Súmula do STF, Enunciado nº 284).
2. Em tendo sido a lide decidida nos limites em que foi proposta, não há falar em ocorrência de julgamento extra petita.
3. "Não se verifica alteração da causa de pedir quando se atribui ao fato qualificação jurídica diversa da originalmente atribuída. Da mihi factum, dabo tibi jus." (REsp nº 156.242/DF, da minha Relatoria, in DJ 23/10/2000).
4. "A perda da qualidade de segurado, após o atendimento aos requisitos da idade mínima e do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, não impede a concessão da aposentadoria por idade." (EREsp nº 327.803/SP, Relator para o acórdão Ministro Gilson Dipp, in DJ 11/4/2005).
5. Recurso da segurada parcialmente conhecido e improvido. Recurso da autarquia previdenciária conhecido e improvido.
(REsp nº 496.814, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2005, DJ de 01/07/2005)
A matéria já foi objeto de diversos precedentes também nesta Casa, os quais estão magistralmente resumidos no acórdão da 3ª Seção, da lavra do E. Desembargor Federal Celso Kipper:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. CÔMPUTO EM DUPLICIDADE DE TEMPO DE SERVIÇO. ERRO DE FATO (ART. 485, IX, CPC). OCORRÊNCIA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA APÓS A DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CONSIDERAÇÃO. POSSIBILIDADE. APROVEITAMENTO DO TEMPO DE SERVIÇO EXERCIDO PELO SEGURADO NO INTERREGNO QUE MEDEOU O PROTOCOLO DO BENEFÍCIO E O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONCESSÓRIA. 1. É possível considerar determinado tempo de serviço ou contribuição, ou ainda outro fato ocorrido entre o requerimento administrativo do benefício e o ajuizamento da ação, para fins de concessão de benefício previdenciário ou assistencial, ainda que ausente expresso pedido na petição inicial. 2. Particular relevância da questão nas hipóteses em que o segurado ou beneficiário não preenche todos os requisitos necessários à concessão do benefício na data do requerimento, mas vem a fazê-lo na data do ajuizamento da ação. 3. Considerando que as ações previdenciárias veiculam pretensões de direito social fundamental (Constituição Federal, artigos 6º, 194, 201 e 203), impõe-se dar às normas infraconstitucionais, inclusive às de caráter processual, interpretação conducente à efetivação e concretização daqueles direitos, respeitados os demais princípios constitucionais. 4. A autarquia previdenciária, mesmo em juízo, não se desveste de sua condição de Estado (na forma descentralizada), devendo efetivar o dever de assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (CF, art. 194) em toda oportunidade propícia para tal, inclusive no curso de processo judicial. 5. Jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça e deste tribunal no sentido de que nas ações previdenciárias compreende-se o pedido como sendo o do melhor benefício a que o segurado ou beneficiário tem direito, devendo-se, para tanto, considerar a implementação de seus requisitos até o momento do ajuizamento da ação sempre que não for possível a sua concessão com base nos elementos fáticos ocorridos até o requerimento administrativo, sem que isso implique violação aos princípios da adstrição ou da estabilização da lide, razão pela qual não é extra ou ultra petita a decisão que a)concede aposentadoria por invalidez quando pleiteado auxílio-doença; b) defere auxílio-doença quando requerida aposentadoria por invalidez; c) concede auxílio-acidente quando o pleito formulado era o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; d)defere aposentadoria por invalidez quando pleiteado auxílio-acidente; e) concede renda mensal vitalícia quando formulado pedido de aposentadoria por invalidez; f) concede auxílio-doença quando requerida renda mensal; g) defere benefício assistencial em vez de renda mensal; h) concede benefício assistencial quando pleiteado aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença; i) concede aposentadoria por idade rural quando pleiteado benefício assistencial; j) concede aposentadoria por idade, com base em tempo de trabalho urbano, quando pleiteada aposentadoria por idade rural; k) concede aposentadoria por idade quando requerida aposentadoria por tempo de serviço/contribuição; l) concede aposentadoria por tempo de serviço/contribuição quando requerida aposentadoria por idade urbana ou aposentadoria especial. 6. Inexistência, igualmente, de violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, na medida em que o INSS, por ocasião da contestação, pode (e deve) manifestar-se sobre a pretensão deduzida em juízo, bem como as modificações de fato e de direito até então ocorridas, especialmente quando a comprovação do cumprimento dos requisitos do benefício independe do aporte de nova documentação, porquanto verificável por dados obtidos no sistema cadastral eletrônico (CNIS) da própria autarquia previdenciária. 7. Entendimento que (a) não contraria os artigos 49 e 54 da Lei de Benefícios - que se aplicam aos casos em que, já por ocasião do requerimento administrativo, estiverem presentes os pressupostos para a concessão do benefício previdenciário -, (b) tampouco macula a legalidade do ato administrativo que, corretamente, indeferiu o benefício: embora legal o indeferimento à época do requerimento, ilegal a manutenção daquela decisão, ante a alteração dos pressupostos fáticos e a nova provocação, por parte do segurado, de um posicionamento da Autarquia, consistente no ajuizamento de ação previdenciária. 8. Irrelevância, em tais casos, da ausência de novo requerimento administrativo, visto que o ajuizamento da ação evidencia a reiteração do desejo de obtenção do benefício por parte do segurado ou beneficiário, e o benefício previdenciário ou assistencial, em tais casos, será concedido a partir do ajuizamento da ação, não mais do requerimento, evitando-se, assim, enriquecimento sem causa por parte do autor da ação. 9. Tratando-se, como no caso dos autos, de ação rescisória - que visa à desconstituição de coisa julgada -, a situação fática a ser considerada deve ser aquela existente no momento do ajuizamento da ação em que proferida a decisão que se quer rescindir, razão pela qual, em juízo rescisório, o cômputo do tempo de serviço posterior à DER deve ser limitado à data do ajuizamento da ação originária (ordinária de concessão), vedado o aproveitamento do tempo trabalhado no período compreendido entre o ajuizamento dessa demanda e da ação rescisória. (AR n. 2002.04.01.050028-2, Relator para o acórdão Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. de 07-04-2009). 10. Caso em que, mesmo considerado o tempo trabalhado no período compreendido entre a DER e o ajuizamento da ação originária, o autor não conta tempo suficiente à concessão do benefício pretendido, hipótese em que resta-lhe assegurado o direito à averbação do tempo de serviço (29 anos, 04 meses e 29 dias). 11. Ação rescisória julgada parcialmente procedente. (TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2009.04.00.034924-3, 3ª SEÇÃO, Des. Federal CELSO KIPPER, POR MAIORIA, D.E. 09/10/2012)
Do direito à aposentadoria no caso concreto
a) em 16-12-98 (advento da EC nº 20/98), a parte autora somava apenas 21 anos, 5 meses e 7 dias de tempo de contribuição, não fazendo jus, portanto, à concessão de aposentadoria por tempo de serviço;
b) em 28-11-1999 (advento da Lei nº 9.876/99), a parte autora contava com 38 anos de idade e somava 21 anos, 5 meses e 7 dias de tempo de contribuição, não implementando a idade mínima nem atingindo o tempo mínimo necessário, razão por que não faz jus à aposentadoria;
c) na DER (22/07/2011), a parte contava com 49 anos de idade e somava 33 anos, 0 meses e 8 dias de tempo de contribuição, não fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição com proventos integrais nem à aposentadoria proporcional por tempo de serviço por não atingir a idade e o tempo necessário com a inclusão do pedágio.
RECONHECIDO NA FASE ADMINISTRATIVA | Anos | Meses | Dias | |||
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | 21 | 2 | 22 | ||
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | 21 | 2 | 22 | ||
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 22/07/2011 | 30 | 0 | 17 | ||
RECONHECIDO NA FASE JUDICIAL | ||||||
Obs. | Data Inicial | Data Final | Mult. | Anos | Meses | Dias |
especial | 14/11/1995 | 20/05/1996 | 0,4 | 0 | 2 | 15 |
especial | 03/08/2000 | 02/07/2007 | 0,4 | 2 | 9 | 6 |
Subtotal | 2 | 11 | 21 | |||
SOMATÓRIO (FASE ADM. + FASE JUDICIAL) | Modalidade: | Coef.: | Anos | Meses | Dias | |
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | Tempo Insuficiente | - | 21 | 5 | 7 |
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | Tempo insuficiente | - | 21 | 5 | 7 |
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 22/07/2011 | Não cumpriu pedágio | - | 33 | 0 | 8 |
Pedágio a ser cumprido (Art. 9º EC 20/98): | 3 | 5 | 3 | |||
Data de Nascimento: | 16/10/1961 | |||||
Idade na DPL: | 38 anos | |||||
Idade na DER: | 49 anos |
Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
Dos ônus sucumbenciais
Dos ônus sucumbenciais
Reconheço a sucumbência recíproca, razão pela qual condeno cada uma das partes no pagamento de metade das custas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, arbitrados em 10% sobre o valor dado à causa, vedada a compensação da verba honorária.
Deverá, ainda, ser observada a isenção prevista no art. 4º da Lei n. 9.289/96 com relação ao INSS; bem como a suspensão da exigibilidade das verbas de sucumbência com relação à parte autora, por ser beneficiária da gratuidade de justiça (art. 12 da Lei 1060/50).
Conclusão
Apelação da parte autora parcialmente provida para reconhecer a especialidade do labor no período de 03/08/2000 a 18/11/2003 e converter em comum pelo fator 1,4, determinando sua averbação para fins de futura aposentadoria.
Remessa oficial improvida.
Reconhecida a sucumbência recíproca.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e negar provimento à remessa oficial.
É o voto.
Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8916284v7 e, se solicitado, do código CRC 4931BE27. | |
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014270-88.2012.4.04.7108/RS
RELATOR | : | ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | JOSE LEONI MACEDO SIMOES |
ADVOGADO | : | ALEXANDRA LONGONI PFEIL |
: | JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK | |
: | ANILDO IVO DA SILVA | |
: | ELISANGELA LEITE AGUIAR | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
VOTO DIVERGENTE
Peço vênia para divergir quanto ao reconhecimento como tempo de serviço especial de motorista de caminhão/ônibus no período de 03/08/2000 a 18/11/2003, sem qualquer prova de exposição a agentes nocivos, apenas por mera presunção de que se tratava de atividade penosa.
Ocorre que o enquadramento por categoria profissional foi extinto com o advento da Lei 9.032/95, enquanto o período controverso compreende interregno posterior ao referido diploma legal, momento a partir do qual deve haver prova de exposição a agentes nocivos.
De outra parte, tenho a compreensão de que todas as atividades profissionais possuem algum grau de penosidade/stress, valendo citar, por exemplo, os bancários, profissionais da área de segurança, entre tantos outros, os quais também são submetidos a fatores desgastantes. De qualquer maneira, tais profissões não implicam no reconhecimento da especialidade pelo simples fato de terem sido exercidas, ainda que sejam atividades que notoriamente geram desgaste físico-psicológico em grau acentuado. Isso porque, o enquadramento por categoria profissional foi definitivamente extinto a partir da vigência da Lei 9.032/95. A partir de então, do segurado deve comprovar a exposição a algum agente nocivo à saúde catalogado por lei/decreto para fins de reconhecimento da especialidade.
Acresça-se, por fim, que, em relação à alegação da especialidade do labor, considerada a penosidade da atividade, a 3ª Seção desta Corte, já decidiu no sentido de não ser possível o respectivo reconhecimento, in verbis:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE ÔNIBUS. CONVERSÃO. LEI Nº 9.711/98. DECRETO Nº 3.048/99. 1. A Lei nº 9.711, de 20-11-1998, e o Regulamento Geral da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 06-05-1999, resguardam o direito adquirido de os segurados terem convertido o tempo de serviço especial em comum, até 28-05-1998, observada, para fins de enquadramento, a legislação vigente à época da prestação do serviço. 2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então e até 28-05-1998, por meio de formulário embasado em laudo técnico ou pericial. 3. Inviável o reconhecimento da especialidade da atividade de motorista após 28/04/95 apenas com base em presumida penosidade da atividade desenvolvida. (TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2001.04.01.067837-6, 3ª SEÇÃO, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 16/09/2009, PUBLICAÇÃO EM 17/09/2009)"
Dessa forma, tenho que não restou devidamente demonstrada a especialidade das atividades desempenhadas no período de 03/08/2000 a 18/11/2003.
Cumpre acrescentar que, embora a parte autora tenha apresentado laudos periciais de outros segurados, deve prevalecer a informações extraídas do laudo pericial produzido no presente feito, pois elaborado com a possibilidade de participação das partes e produzido no local da prestação de serviço. Ademais, no momento oportuno, a parte autora não apresentou seu inconformismo quanto ao laudo pericial, deixando apenas por ocasião da interposição do recurso, o pedido de reconhecimento da especialidade até mesmo por outros agentes, os quais poderiam ter sido questionados durante a realização da perícia.
Com efeito, a parte autora não implementou os requisitos para a concessão da aposentadoria postulada, seja especial ou por tempo de serviço/contribuição, uma vez que não conta com o tempo mínimo para a inativação. Por outro lado, faz jus à averbação do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum, conforme reconhecido na sentença, para fins de futura aposentadoria.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa oficial.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, , na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9015496v3 e, se solicitado, do código CRC 48DCB4FD. | |
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Data e Hora: | 13/06/2017 11:07 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/05/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014270-88.2012.4.04.7108/RS
ORIGEM: RS 50142708820124047108
RELATOR | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Claudio Dutra Fontella |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Presencial - DRA. ELISANGELA LEITE AGUIAR |
APELANTE | : | JOSE LEONI MACEDO SIMOES |
ADVOGADO | : | ALEXANDRA LONGONI PFEIL |
: | JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK | |
: | ANILDO IVO DA SILVA | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/05/2017, na seqüência 543, disponibilizada no DE de 12/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO RELATOR, JUIZ FEDERAL FRANCISCO DONIZETE GOMES, NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL; O VOTO DIVERGENTE DO DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO NEGANDO-LHES PROVIMENTO, E O VOTO DO DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ ACOMPANHANDO O RELATOR, FOI SOBRESTADO O JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015, PARA QUE TENHA PROSSEGUIMENTO NA SESSÃO DE 20-6-2017, MEDIANTE NOVA INCLUSÃO DO PROCESSO EM PAUTA.
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Sustentação Oral - Processo Pautado
Divergência em 30/05/2017 10:29:34 (Gab. Des. Federal ROGERIO FAVRETO)
Voto em 30/05/2017 11:58:21 (Gab. Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ)
Com a vênia da divergência, acompanho o Relator para reconhecer a especialidade da atividade desempenhada pelo autor no período de 03/08/2000 a 18/11/2003, na função de motorista de ônibus, em razão da exposição ao agente nocivo penosidade.
Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9018112v1 e, se solicitado, do código CRC 88ED8D84. | |
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Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
Data e Hora: | 31/05/2017 00:38 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/06/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014270-88.2012.4.04.7108/RS
ORIGEM: RS 50142708820124047108
RELATOR | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Marcus Vinícius Aguiar Macedo |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Presencial - DRA. ELISANGELA LEITE AGUIAR |
APELANTE | : | JOSE LEONI MACEDO SIMOES |
ADVOGADO | : | ALEXANDRA LONGONI PFEIL |
: | JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK | |
: | ANILDO IVO DA SILVA | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/06/2017, na seqüência 22, disponibilizada no DE de 02/06/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO DA DES. FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, E O VOTO DO JUIZ FEDERAL HERMES S. DA CONCEIÇÃO JR. ACOMPANHANDO O RELATOR, A TURMA, POR MAIORIA, VENCIDOS EM PARTE OS DES. FEDERAIS ROGERIO FAVRETO E VÂNIA HACK DE ALMEIDA, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR | |
AUSENTE(S) | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9056401v1 e, se solicitado, do código CRC 52AB7466. | |
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