Apelação Cível Nº 5001063-57.2019.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SEBASTIAO TELES DE MARAFIGO (AUTOR)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 17-12-2019, na qual o magistrado a quo julgou procedente o pedido para, reconhecendo a especialidade das atividades desempenhadas nos períodos de 26-09-1985 a 18-04-1986, 02-07-1986 a 11-04-1988, 18-01-1989 a 16-06-1995, 08-11-1995 a 05-03-1997, 06-03-1997 a 16-09-1997, 09-03-1999 a 18-11-2003, 19-11-2003 a 03-11-2004, 01-03-2005 a 17-10-2005 e 06-01-2006 a 16-04-2015, determinar a concessão do benefício de aposentadoria especial à parte autora, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, a partir da data do requerimento na esfera administrativa (16-04-2015).
Condenou o Instituto Previdenciário, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença. Demanda isenta de custas judiciais (artigo 4º, I e II, da Lei nº. 9.289/96).
Em suas razões, a Autarquia Previdenciária insurge-se contra o reconhecimento, como tempo especial, dos períodos de 26-09-1985 a 18-04-1986, 02-07-1986 a 11-04-1988, 18-01-1989 a 16-06-1995, 08-11-1995 a 05-03-1997, 06-03-1997 a 16-09-1997 e 09-03-1999 a 18-11-2003. Sustenta que os PPPs dos períodos acima citados, informam que não havia levantamento ambiental ou laudo pericial à época dos períodos, inclusive o PPP sequer indica agente nocivo, assim não há comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos (EV 9, PROCADM2, pág 1-7). Dessa forma, impossível o reconhecimento da atividade como especial. Inclusive a decisão contraria o artigo 58, § 1º da Lei 8.213/1991. Prequestiona acerca do princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF), o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF), o art. 195, §5º, CF (exigência da precedência de fonte de custeio); e o art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Reexame necessário
Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.
A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).
Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)
No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.
1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.
2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.
3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.
4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, TRS/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).
Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.
Mérito
A controvérsia restringe-se ao reconhecimento do tempo de serviço prestado sob condições especiais, nos intervalos de 26-09-1985 a 18-04-1986, 02-07-1986 a 11-04-1988, 18-01-1989 a 16-06-1995, 08-11-1995 a 05-03-1997, 06-03-1997 a 16-09-1997 e 09-03-1999 a 18-11-2003, com a consequente concessão de aposentadoria especial.
Da atividade especial
O reconhecimento da especialidade da atividade exercida é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 26-11-2014, os Embargos de Declaração no Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034, da Relatoria do Ministro Herman Benjamin, fixou o entendimento de que a configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor, seguindo assim orientação que já vinha sendo adotada desde longa data por aquela Corte Superior (AgRg no AREsp 531814/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 29-09-2014; AR 2745/PR, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 08-05-2013; AR n. 3320/PR, Terceira Seção, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24-09-2008; EREsp n. 345554/PB, Terceira Seção, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08-03-2004; AGREsp n. 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23-06-2003; e REsp n. 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23-06-2003) e também por este Tribual (APELREEX n. 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 30-03-2010; APELREEX n. 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. de 17-03-2010; APELREEX n. 2007.71.00.033522-7/RS, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. de 25-01-2010; e EINF n. 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 18-11-2009).
Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n. 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, com o fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n. 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n. 1.523, de 14-10-1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29-04-1995 (ou 14-10-1996) e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) a partir de 06-03-1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n. 1.523/96 (convertida na Lei n. 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica;
d) a partir de 01-01-2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o Perfil Profissiográfico Previdenciário, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o PPP já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição n. 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16-02-2017). De qualquer modo, sempre possível a comprovação da especialidade por meio de perícia técnica judicial.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos n. 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n. 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo II) até 28-04-1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n. 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), n. 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05-03-1997, e, a partir de 06-03-1997, os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n. 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n. 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).
Agente nocivo ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto n. 53.831, de 25-03-1964, o Quadro I do Decreto n. 72.771, de 06-09-1973, o Anexo I do Decreto n. 83.080, de 24-01-1979, o Anexo IV do Decreto n. 2.172, de 05-03-1997, e o Anexo IV do Decreto n. 3.048, de 06-05-1999, alterado pelo Decreto n. 4.882, de 18-11-2003, consideram especiais as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, nos termos abaixo:
Até 05-03-1997: 1. Anexo do Decreto n. 53.831/64 - superior a 80 dB; 2. Quadro I do Decreto n. 72.771/73 e Anexo I do Decreto n. 83.080/79 - superior a 90 dB.
De 06-03-1997 a 06-05-1999: Anexo IV do Decreto n. 2.172/97 - superior a 90 dB.
De 07-05-1999 a 18-11-2003: Anexo IV do Decreto n. 3.048/99, na redação original - superior a 90 dB.
A partir de 19-11-2003: Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999 com a alteração introduzida pelo Decreto n. 4.882/2003 - superior a 85 dB.
Quanto ao período anterior a 06-03-1997, já foi pacificado pela Seção Previdenciária desta Corte (AR n. 2005.04.01.056007-3, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 16-07-2008; EIAC n. 2000.04.01.091675-1, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.J. de 07-06-2006; e EIAC n. 2000.04.01.137021-0, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.J. de 01-03-2006) e também pelo INSS na esfera administrativa (Instrução Normativa n. 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos n. 53.831/64, n. 72.771/73 e n. 83.080/79. Desse modo, até 05-03-1997, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto n. 53.831/64.
No que tange ao período posterior, o Superior Tribunal de Justiça julgou, em 14-05-2014, o Recurso Especial Repetitivo n. 1.398.260, da Relatoria do Ministro Herman Benjamin, que restou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC.
1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
2. O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ.
Assim, deve ser admitida como especial a atividade em que o segurado ficou sujeito a ruídos superiores a 80 decibéis, até 05-03-1997; superiores a 90 decibéis, entre 06-03-1997 e 18-11-2003; e superiores a 85 decibéis, a contar de 19-11-2003, data em que passou a viger o Decreto n. 4.882.
Em qualquer caso, o nível de pressão sonora deve ser aferido por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no formulário expedido pelo empregador (STJ, Petição n. 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 16-02-2017).
Já no que se refere à técnica aplicável para aferição do ruído, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar os Recursos Especiais 1.886.795/RS e 1.890.010/RS, definiu a seguinte tese em sede de Recurso Repetitivo (Tema 1083):
O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.
Do referido julgado, infere-se que a informação acerca do Nível de Exposição Normalizado (NEN) é exigível apenas para períodos posteriores a 18-11-2003, data da publicação do Decreto 4.882:
4. A partir do Decreto n. 4.882/2003, é que se tornou exigível, no LTCAT e no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), a referência ao critério Nível de Exposição Normalizado - NEN (também chamado de média ponderada) em nível superior à pressão sonora de 85dB, a fim de permitir que a atividade seja computada como especial.
5. Para os períodos de tempo de serviço especial anteriores à edição do referido Decreto, que alterou o Regulamento da Previdência Social, não há que se requerer a demonstração do NEN, visto que a comprovação do tempo de serviço especial deve observar o regramento legal em vigor por ocasião do desempenho das atividades.
Nessa situação, caso haja informação de exposição a ruído variável sem que o documento da empresa indique o correspondente NEN, deverá ser determinada pelo julgador a realização de perícia técnica:
7. Se a atividade especial somente for reconhecida na via judicial, e não houver indicação do NEN no PPP, ou no LTCAT, caberá ao julgador solver a controvérsia com base na perícia técnica realizada em juízo, conforme disposto no art. 369 do CPC/2015 e na jurisprudência pátria, consolidada na Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, observado o critério do pico de ruído.
Ainda de acordo com o julgado em alusão, para os períodos anteriores ao Decreto 4.882, não havendo no laudo técnico informação sobre a média ponderada do nível de pressão sonora, deve-se utilizar o critério dos picos de ruído (maior nível de ruído no ambiente durante a jornada de trabalho). Com efeito, decidiu o STJ que "descabe aferir a especialidade do labor mediante adoção do cálculo pela média aritmética simples dos diferentes níveis de pressão sonora, pois esse critério não leva em consideração o tempo de exposição ao agente nocivo durante a jornada de trabalho".
Com essas considerações em vista, passa-se à análise do caso concreto.
Na hipótese vertente, quanto aos períodos controversos de atividade laboral exercidos em condições especiais, o magistrado a quo assim discorreu (evento 26, SENT1):
5. Findas as necessárias premissas, passe-se à análise do caso concreto.
A parte autora pretende o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos listados na inicial, para fins de obtenção de benefício de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição de acordo com as regras permanentes.
É cediço que, para efeito de análise de tempo de serviço prestado em condições especiais, aplicam-se as normas vigentes à época da atividade. Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça: REsp 551917-RS; Sexta Turma; Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. DJe 15/09/2008.
Considerado o conjunto probatório, merece(m) ser reconhecido(s) como tempo de serviço especial:
Período: de 26/09/1985 a 18/04/1986 |
Empresa: Lavradora Racional de Madeiras Lavrama S/A, sucedida por Compensados e Laminados Lavrasul S/A, no cargo de Alimentador de Linha de Produção. |
Provas: CTPS no evento 9, PROCADM1, p. 13; formulário PPP com preenchimento incompleto sob o fundamento de que a empregadora não possuía levantamento ambiental na época no evento 9, PROCADM1, p. 22-23; laudo de perícia judicial realizada em outro processo, na empresa sucessora e para colaborador que também exerceu os cargos de Alimentador de Linha de Produção e Operador de Produção no evento 1, LAUDO14. |
Agente(s) nocivo(s)/Atividade(s): Ruído acima de 80 dB(A). |
Enquadramento: Código 1.1.6 do quadro anexo ao Decreto nº. 53.931/64 e código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº. 83.080/79. |
Período: de 02/07/1986 a 11/04/1988 |
Empresa: Lavradora Racional de Madeiras Lavrama S/A, sucedida por Compensados e Laminados Lavrasul S/A, no cargo de Alimentador de Linha de Produção. |
Provas: CTPS no evento 9, PROCADM1, p. 14; formulário PPP com preenchimento incompleto sob o fundamento de que a empregadora não possuía levantamento ambiental na época no evento 9, PROCADM1, p. 24-25; laudo de perícia judicial realizada em outro processo, na empresa sucessora e para colaborador que exerceu os cargos de Alimentador de Linha de Produção e Operador de Produção no evento 1, LAUDO14. |
Agente(s) nocivo(s)/Atividade(s): Ruído acima de 80 dB(A). |
Enquadramento: Código 1.1.6 do quadro anexo ao Decreto nº. 53.931/64 e código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº. 83.080/79. |
Período: de 18/01/1989 a 16/06/1995 |
Empresa: Lavradora Racional de Madeiras Lavrama S/A, sucedida por Compensados e Laminados Lavrasul S/A, no cargo de Auxiliar de Produção. |
Provas: CTPS no evento 9, PROCADM1, p. 15; formulário PPP com preenchimento incompleto sob o fundamento de que a empregadora não possuía levantamento ambiental na época no evento 9, PROCADM2, p. 1-2; laudo de perícia judicial realizada em outro processo, na empresa sucessora e para colaborador que exerceu os cargos de Alimentador de Linha de Produção e Operador de Produção no evento 1, LAUDO14. |
Agente(s) nocivo(s)/Atividade(s): Ruído acima de 80 dB(A). |
Enquadramento: Código 1.1.6 do quadro anexo ao Decreto nº. 53.931/64 e código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº. 83.080/79. |
Período: de 08/11/1995 a 05/03/1997 |
Empresa: Lavradora Racional de Madeiras Lavrama S/A, sucedida por Compensados e Laminados Lavrasul S/A, no cargo de Auxiliar de Mecânico. |
Provas: CTPS no evento 9, PROCADM1, p. 15; formulário PPP com preenchimento incompleto sob o fundamento de que a empregadora não possuía levantamento ambiental na época no evento 9, PROCADM2, p. 3-4; laudo de perícia judicial realizada em outro processo, na empresa sucessora e para colaborador que exerceu os cargos de Alimentador de Linha de Produção e Operador de Produção no evento 1, LAUDO14. |
Agente(s) nocivo(s)/Atividade(s): Ruído acima de 80 dB(A). |
Enquadramento: Código 1.1.6 do quadro anexo ao Decreto nº. 53.931/64 e código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº. 83.080/79. |
Período: de 06/03/1997 a 16/09/1997 |
Empresa: Lavradora Racional de Madeiras Lavrama S/A, sucedida por Compensados e Laminados Lavrasul S/A, no cargo de Auxiliar de Mecânico. |
Provas: CTPS no evento 9, PROCADM1, p. 15; formulário PPP com preenchimento incompleto sob o fundamento de que a empregadora não possuía levantamento ambiental na época no evento 9, PROCADM2, p. 3-4; laudo de perícia judicial realizada em outro processo, na empresa sucessora e para colaborador que exerceu os cargos de Alimentador de Linha de Produção e Operador de Produção no evento 1, LAUDO14. |
Agente(s) nocivo(s)/Atividade(s): Ruído acima de 90 dB(A). |
Enquadramento: Código 2.0.1 do Anexo IV, tanto do Decreto nº. 2.172/97 como do Decreto nº. 3.048/99, este último em sua redação original. |
Período: de 09/03/1999 a 18/11/2003 |
Empresa: Lavradora Racional de Madeiras Lavrama S/A, sucedida por Compensados e Laminados Lavrasul S/A, no cargo de Operador de Empilhadeira. |
Provas: CTPS no evento 9, PROCADM1, p. 16-17; formulários PPP com preenchimento incompleto até 31/0/2003 sob o fundamento de que a empregadora não possuía levantamento ambiental na época no evento 9, PROCADM2, p. 5-6 e 7-8; laudo de perícia judicial realizada em outro processo, na empresa sucessora e para colaborador que exerceu os cargos de Alimentador de Linha de Produção e Operador de Produção no evento 1, LAUDO14. |
Agente(s) nocivo(s)/Atividade(s): Ruído acima de 90 dB(A). |
Enquadramento: Código 2.0.1 do Anexo IV, tanto do Decreto nº. 2.172/97 como do Decreto nº. 3.048/99, este último em sua redação original. |
(...)
No caso em apreço, verifico que o autor, nos períodos controversos, exerceu diversas atividades operacionais exclusivamente no setor Serraria e Laminadora na empresa Lavradora Racional de Madeiras Lavrama S/A (Alimentador de Linha de Produção, Auxiliar de Produção, Operador de Serra Dupla, Operador de Pá Carregadeira, Operador de Empilhadeira, Serrador, Auxiliar de Mecânico e Mecânico).
Para a comprovação da especialidade de suas atividades, apresentou os Perfis Profissiográficos Previdenciários da empresa que, com efeito, informam que não havia levantamentos ambientais ou laudos periciais na época (evento 1, FORM12). A empresa, em comunicação oficial, confirma a ausência de documentos da época e a impossibilidade de apuração das condições ambientais respectiva (evento 18, PET1).
Afirma o INSS que inexiste comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos no caso em apreço, restando inviável o reconhecimento da atividade como especial.
No entanto, admite-se a prova técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de labor) quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do autor, haja vista ser viável, desse modo, a verificação das condições de trabalho do segurado em estabelecimento cujas atividades sejam semelhantes àquelas onde laborou originariamente. Nesse sentido, os precedentes da Terceira Seção desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. MATÉRIA DEVOLVIDA AO TRIBUNAL PELO APELO. ARTS. 512 e 515, CAPUT, DO CPC. QUESTÃO DE ORDEM DE NULIDADE AFASTADA. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. POSSIBILIDADE. 1. Afastada Questão de Ordem de nulidade do acórdão proferido pela Turma. 2. A jurisprudência desta Corte vem admitindo a prova técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de labor) quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do autor, haja vista ser possível, desse modo, a verificação das condições de trabalho do segurado em estabelecimento de atividades semelhantes àquele onde laborou originariamente. (EINF 0004856-93.2008.4.04.7108, de minha Relatoria, D.E. 09-04-2012)
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. COMPROVAÇÃO. PERÍCIA TÉCNICA INDIRETA OU POR SIMILARIDADE. ACEITABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO.
- Esta Corte vem entendendo pela possibilidade de realização de perícia técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de trabalho), como meio hábil a comprovar tempo de serviço prestado em condições especiais, quando impossível a coleta de dados no efetivo local de trabalho do demandante. Precedentes.
- Embargos infringentes improvidos.
(EI n. 2000.04.01.070592-2, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, DJU de 12-05-2008)
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. ATIVIDADE ESPECIAL. PERÍCIA INDIRETA EM ESTABELECIMENTO SIMILAR.
1. É viável a utilização de prova técnica confeccionada de modo indireto, em empresa similar àquela em que laborou o segurado, quando não há meio de reconstituir as condições físicas do local de trabalho originário.
2. Precedentes desta Corte.
(EI n. 2002.70.00.075516-2, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. de 23-04-2009)
Nessa linha, reputo viável a utilização do laudo judicial produzido em outro processo, relativamente a períodos, setores e funções equivalentes, a fim de verificar a natureza especial das atividades desenvolvidas pelo autor.
Compulsando os autos, verifico que o laudo em que se baseou o magistrado sentenciante para o reconhecimento de todos os períodos controversos avaliou a especialidade das funções de Alimentador de Linha de Produção e Operador de Produção no setor de serraria da empresa sucessora Compensados e Laminados Lavrasul S.A. Dessa forma, o laudo em referência não serve à comprovação da especialidade das atividades exercidas como Auxiliar de Mecânico e Mecânico, em face da natureza diversa das respectivas atribuições.
Com efeito, as atividades relacionadas ao processo produtivo industrial no setor de serraria e laminação da empresa em questão (tais como auxílio de produção, alimentação de linha de produção e operação de máquinas diversas) estão sujeitas ao ruído excessivo provocado pelos equipamentos, o qual é inerente e indissociável destas operações. O laudo de referência da empresa paradigma informa que, além do ruído produzido nas atividades específicas, também há a influência do ruído produzido por outras atividades realizadas no mesmo ambiente de trabalho e que, desta forma, contribuem para o nível de ruído geral. A avaliação do ruído na área de produção concluiu que os níveis encontrados, todos acima do nível de ação, apresentaram uma média ponderada (LAVG) de 93,83 dB(A) e uma dose de exposição de 340,32%. Outrossim, o expert concluiu que o empregado estava exposto às poeiras respiráveis de forma habitual e permanente, bem como a produtos contendo hidrocarbonetos aromáticos em face da liberação de resinas das toras e da remoção destas com solvente querosene (evento 1, LAUDO14, página 5).
Assim foi o parecer conclusivo do laudo (evento 1, LAUDO14):
1- O primeiro agente nocivo a enquadrar as atividades como especial é o ruído. Durante a perícia foram medidos níveis de ruído de 89,8 dB(A) a 97,6 dB(A), através do ruído provocado pelas atividades similares às do Autor ou do ruído provocado pelas demais atividades realizadas no mesmo ambiente. Os níveis de ruído medidos, 89,8 dB(A); 90,2 dB(A); 93,1 dB(A); 95,3 dB(A); 92,8 dB(A); 94,9 dB(A); 93,0 dB(A); 94,5 dB(A); 97,6 dB(A); 94,7 dB(A); 93,5 dB(A) e 93,1 dB(A), estão acima do Limite de Tolerância estabelecido pelo Decreto Nº 53.831/1964, que determina como especial as jornadas de trabalho realizadas em locais com ruídos acima de 80 decibéis. Os níveis de ruído medidos apresentam uma média ponderada (LAVG) de 93,83 dB(A) e uma dose de exposição de 340,32%. Conforme já informado, na empresa e período em discussão, não houve fornecimento de EPI destinado à proteção auditiva do Autor. A exposição do Autor aos níveis citados era habitual e permanente, durante 08 horas diárias de trabalho.
2 - O segundo agente que encontramos para enquadrar as atividades do Autor como insalubres, embora não tenhamos realizado avaliação quantitativa, pelas razões expostas, diz respeito às exposições diárias às Poeiras Vegetais, conforme descrito no item 4.3, letra “c” deste Laudo Pericial, sem a comprovação do uso de EPI´s necessários para a proteção do trato respiratório. Neste caso, embora não tenha sido realizada uma avaliação quantitativa, deve-se considerar os efeitos cumulativo e sinérgico deste agente e a forma como o Autor trabalhava, ou seja, sem nenhuma proteção para este tipo de agente.
3 – O terceiro agente que encontramos para enquadrar as atividades do Autor como insalubres, é o fato do mesmo ter tido, em suas atividades, contatos habituais com solventes, conforme descrito no item 4.3, letra “d” do Laudo Pericial, sem o uso de EPI´s necessários e adequados para a sua proteção. Neste caso, também se deve levar em consideração o efeito cumulativo dos agentes incidentes e o fato do Autor trabalhar sem a proteção individual necessária e adequada.
Pelo exposto, e considerando os elementos técnicos obtidos durante a Perícia, entendemos não haver dúvidas quanto ao enquadramento das atividades do Autor como insalubres, no período em estudo, uma vez que o mesmo laborou em ambientes ruidosos, com exposição às Poeiras Respiráveis e manuseio de agentes químicos sem o uso de Equipamento de Proteção Individual, específico e adequado para cada tipo de agente, conforme determina a NR-6.
O laudo produzido nos autos n. 5001528-81.2010.404.7211, acostado no evento 1, LAUDO18, corrobora a exposição do profissional operador de empilhadeira a ruídos excessivos durante a jornada de trabalho.
Acerca da exposição ao ruído, oportuno ressaltar que a informação acerca do Nível de Exposição Normalizado (NEN) é exigível apenas para períodos posteriores a 18-11-2003, data da publicação do Decreto 4.882, o que não se aplica ao caso dos autos.
Já quanto à exposição do segurado à poeira de madeira, conforme entendimento desta Corte, embora não conste expressamente, nos Decretos regulamentadores, a poeira de madeira como agente nocivo à saúde, impende referir seu potencial patogênico, o qual é absorvido pelo corpo humano por meio da cavidade nasal e seios paranasais, causando diversas dermatites e doenças, principalmente as respiratórias, decorrentes do contato do segurado, de forma direta e habitual, com o pó de madeira, indissociável da sua atividade profissional.
Outrossim, o rol dos Decretos não é taxativo, passível de enquadrarem-se outras situações, desde que agressoras à integridade física do trabalhador. De fato, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 14-11-2012, o Recurso Especial Repetitivo n. 1.306.113, da Relatoria do Ministro Herman Benjamin, consolidou o entendimento de que as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/91).
Dessa forma, muito embora os Decretos regulamentadores não tenham contemplado o agente agressivo poeira de madeira, sendo tal rol exemplificativo, é possível o enquadramento pretendido, a teor da Súmula 198 do extinto TFR, haja vista que há laudo técnico comprovando a exposição do segurado a tal agente nocivo sem a utilização de proteção adequada.
A respeito do referido agente nocivo, transcrevo excerto do voto lavrado pela Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, na AC n. 5000808-41.2010.4.04.7203, em acórdão proferido pela Sexta Turma desta Corte:
"(...)
A poeira oriunda do beneficiamento da madeira, seja nas serrarias ou na indústria moveleira, é prejudicial ao trabalhador e enseja o reconhecimento da atividade como especial, desde que a ela exposto de modo habitual e diuturno em sua jornada de trabalho. Embora, a rigor, possa haver alguma dificuldade em enquadrá-la como agente químico ou orgânico típico, trata-se de agente patogênico com características físicas, químicas e biológicas, e o sistema do organismo mais comumente lesado pelo contato é o trato respiratório. Por ser partícula relativamente grande, sua inalação frequente pode provocar dermatite de contato no delicado tecido das vias aéreas superiores e no sensibilíssimo tecido pulmonar. A literatura médica relata com frequência a incidência de alergias, asma e pneumonia por irritação, em que a inflamação do pulmão e bronquíolos dá-se não em razão da presença de agentes químicos em si, mas pela intromissão do agente físico irritante em local desprovido de qualquer resistência. Isto se dá de forma gradativa, escapando, no mais das vezes, à atenção do trabalhador. Os sintomas podem surgir de forma mais rápida se o indivíduo inalar a poeira de madeira pela boca. Assim, o processo lesivo ao organismo nem sempre é aparente, constituindo-se, no mais das vezes, em tosses secas crônicas, dificuldade respiratória, bronquite crônica, rinites, entre outros, podendo evoluir, com o tempo, para doença pulmonar obstrutiva crônica, quando seus efeitos maléficos tornam-se mais evidentes e, em geral, irreversíveis.
Em suma: a poeira de madeira provoca, ao longo dos anos, redução da função pulmonar, em maior ou menor escala, conforme o indivíduo. Ademais, o pó de madeira também pode ser veículo para agentes químicos tóxicos (presentes em tintas, solventes e outros) e biológicos (fungos), igualmente agressivos ao trato respiratório. Nestes casos, em geral a asma é a patologia mais frequente, e tem natureza alérgica. Portanto, as atividades exercidas sob as condições acima descritas ensejam seu reconhecimento como especial, desde que demonstrada a exposição por meio de laudo técnico.
Comprovada a agressividade do agente e o malefício à saúde do trabalhador, pela exposição continuada ao longo da jornada de trabalho, o reconhecimento da especialidade pode ser feito mesmo sem enquadramento nos decretos regulamentadores, pois seu rol não é exaustivo. De qualquer sorte, podendo ser veículo de agentes químicos e biológicos, e mesmo tóxicos, cabe enquadrar a poeira de madeira sob os Códigos 1.2.11 do Anexo do Decreto 53.831/64, e 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
(...)"
No mesmo sentido, alguns precedentes desta Corte: Apelação/Reexame Necessário n. 0001114-05.2017.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. de 07-05-2018; Apelação Cível n. 5009119-05.2016.4.04.7205, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Rel. Des. Federal Jorge Antonio Maurique, julgado em 14-12-2017; e Apelação/Reexame Necessário n. 0004852-35.2016.404.9999, Rel. Des. Federal Vânia Hack de Almeida, D.E. de 23-06-2016.
Assim, resta mantida a sentença em que reconhecida a especialidade do período controverso, em face da exposição do segurado ao ruído superior a 80 decibéis e à poeira de madeira.
Acerca dos períodos de 08-11-1995 a 05-03-1997 e 06-03-1997 a 16-09-1997, em que o autor laborou nas funções de Auxiliar de Mecânico e Mecânico, o laudo produzido no evento 1, LAUDO17 é suficiente à comprovação pretendida. Com efeito, no caso do trabalhador que exerce a atividade de mecânico ou auxiliar de mecânico, é notória a exposição rotineira, habitual e permanente a óleos e graxas no exercício desta profissão, porquanto ínsitos às atividades de manutenção corretiva e preventiva de máquinas e equipamentos.
Resta mantida, pois, a sentença quanto aos períodos reconhecidos como especiais, bem como quanto à concessão da aposentadoria especial à parte autora, desde a data do requerimento administrativo.
Correção monetária e juros
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11-08-2006 e 08-12-2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei n. 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários advocatícios
Acerca dos efeitos da decisão sobre a verba sucumbencial, observo que o Superior Tribunal de Justiça afetou, à sistemática dos recursos repetitivos, a questão que diz respeito à possibilidade ou não de majoração da verba honorária em grau recursal quando o recurso do INSS é negado, havendo alteração de ofício em relação aos consectários da condenação (Tema 1059):
(Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação. (Grifei)
Em face disso, é de ser diferida para a fase de cumprimento de sentença a eventual majoração da verba honorária em favor da parte autora, decorrente do presente julgamento.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas judiciais na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96, e na Justiça Estadual de Santa Catarina, a teor do que preceitua o art. 33, parágrafo primeiro, da Lei Complementar Estadual n. 156/97, com a redação dada pela Lei Complementar Estadual n. 729/2018.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS e diferir para a fase de cumprimento de sentença eventual majoração da verba honorária decorrente do presente julgamento.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003431066v15 e do código CRC f51facf1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 2/9/2022, às 23:21:47
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:46:48.
Apelação Cível Nº 5001063-57.2019.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SEBASTIAO TELES DE MARAFIGO (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS. ATIVIDADE ESPECIAL. LAUDO POR SIMILARIDADE. AGENTE NOCIVO RUÍDO. POEIRA DE MADEIRA. ÓLEOS E GRAXAS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. DIFERIMENTO. TEMA 1059 DO STJ.
1. Admite-se a prova técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de labor) quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado. Precedentes da Terceira Seção desta Corte.
2. É admitida como especial a atividade em que o segurado ficou sujeito a ruídos superiores a 80 decibéis até 05-03-1997, em que aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos n. 53.831/64, 72.771/73 e 83.080/79; superiores a 90 decibéis, entre 06-03-1997 e 18-11-2003, consoante Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99, este na redação original; e superiores a 85 decibéis, a contar de 19-11-2003, data em que passou a viger o Decreto n. 4.882.
3. A exposição ao agente nocivo poeira de madeira enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. Precedentes.
4. A exposição habitual e permanente a óleos e graxas, em face das tarefas de manutenção corretiva e preventiva de máquinas e equipamentos, enseja o reconhcimento do tempo de serviço como especial.
5. Comprovado o labor sob condições especiais por mais de 25 anos e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria especial, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do § 2º do art. 57 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.
6. Em razão da afetação pelo STJ no Tema 1059, é de ser diferida para a fase de cumprimento de sentença eventual majoração da verba honorária decorrente do presente julgamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS e diferir para a fase de cumprimento de sentença eventual majoração da verba honorária decorrente do presente julgamento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 31 de agosto de 2022.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003431067v3 e do código CRC e011ffa8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 2/9/2022, às 23:21:47
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:46:48.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 31/08/2022
Apelação Cível Nº 5001063-57.2019.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SEBASTIAO TELES DE MARAFIGO (AUTOR)
ADVOGADO: VIVIANE BUENO GOMES (OAB SC024977)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 31/08/2022, na sequência 38, disponibilizada no DE de 09/08/2022.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DIFERIR PARA A FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EVENTUAL MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA DECORRENTE DO PRESENTE JULGAMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Juiz Federal JAIRO GILBERTO SCHAFER
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:46:48.