Apelação Cível Nº 5006494-18.2018.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOÃO LUIZ CORDEIRO NETO (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interpostas contra sentença, integrada pela via de embargos de declaração e publicada em 18/02/2019, proferida nos seguintes termos (eventos 30 e 39):
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na inicial, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para condenar o INSS a:
a) averbar em favor da parte autora, como tempo de serviço especial, o período de 06/03/1997 a 25/06/2014;
b) conceder o benefício previdenciário de aposentadoria especial (NB 46/169.900.917-9). A DIB deve ser fixada na DER, em 14/10/2014; e o benefício deve ser implantado no prazo de 45 dias, independentemente do trânsito em julgado (CPC/2015, artigos 497, 536 e 537).
c) pagar à parte-autora os valores atrasados, com a correção monetária e juros, nos termos da fundamentação.
*Correção monetária e juros de mora
A atualização deve ser feita segundo variação do IPCA-E. E os juros de mora incidem a contar da citação, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
Condeno o réu, também, ao pagamento de honorários que fixo em 10% do valor do proveito econômico obtido pelo autor na demanda (CPC, art. 85, §§2 e 3, I), incidente sobre o valor devido até a presente data (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 TRF4).
Condenado o INSS, ainda, ao reembolso das custas processuais adiantadas pela parte autora.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra o deferimento do benefício à parte autora, sob os seguintes argumentos: (a) após o advento do Decreto nº 2.172/97 não é possível o enquadramento do labor como especial pela sujeição do obreiro à eletricidade; (b) a atividade periculosa não configura risco à integridade física ou à saúde do trabalhador, de forma que não enseja a concessão da aposentadoria especial; (c) a nocividade foi neutralizada pela utilização de EPIs/EPCs eficazes; e (d) não houve o recolhimento das contribuições previdenciárias na forma do art. 57, § 6º, da Lei nº 8.213/91, não se podendo conceder o benefício sem a correspondente fonte de custeio. Requer, para fins de incidência de correção monetária e juros de mora, a adoção da sistemática prevista no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09. Prequestiona afronta à matéria (evento 38).
Noticiada a implantação do benefício (evento 43).
Com contrarrazões (evento 50), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Atividade urbana especial
Trata-se de demanda previdenciária destinada ao reconhecimento do tempo de serviço prestado sob condições especiais, com a consequente concessão de APOSENTADORIA ESPECIAL, regulamentada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, ou, mediante a conversão daquele(s) interregno(s) para comum, com a concessão de APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO, prevista nos artigos 52 e 53, I e II, da Lei de Benefícios e artigo 9º, § 1º, I, "a" e "b", da Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
A natureza da atividade é qualificada pela lei vigente à época da prestação do serviço, sem aplicação retroativa de norma ulterior que nesse sentido não haja disposto (RE nº 174.150-3/RJ, Relator Ministro Octávio Gallotti, DJ 18/08/2000). Também por força do princípio tempus regit actum, o modo de comprovação da atividade especial é orientado pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço. A partir dessa premissa geral, articulam-se as seguintes diretrizes para o presente julgado:
a) Para as atividades exercidas até 28/04/1995, véspera da vigência da Lei nº 9.032/95, é possível o reconhecimento do tempo de atividade especial pelo pertencimento à determinada categoria profissional ou pela exposição aos agentes nocivos, nos termos previstos pelos decretos regulamentares. Por outro lado, em razão do caráter protetivo ao trabalhador, é de ser reconhecida a natureza qualificada da atividade ainda que as condições que prejudicam sua saúde ou integridade física não se encontrem expressas em determinado regulamento (inteligência da Súmula nº 198 do extinto TFR).
b) Após a vigência da Lei nº 9.032/95, em 29/04/1995, a concessão da aposentadoria especial pressupõe a comprovação, pelo segurado, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (Lei nº 8.213/91, art. 57, § 3º). Sem embargo, para a caracterização da especialidade não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada (salvo exceções, v.g., periculosidade) (TRF4, EINF nº 0010314-72.2009.404.7200, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011).
c) Para as atividades desempenhadas a partir de 06/03/1997, com a vigência do Decreto nº 2.172, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos se dá mediante formulário, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho (Lei nº 8.213/91, art. 58, § 1º) (TRF4, AC nº 2002.71.07.001611-3, Quinta Turma, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/07/2008).
d) Em relação aos agentes nocivos físicos ruído, frio e calor, é necessária a apresentação de laudo técnico independentemente do período de prestação da atividade, dada a necessidade de medição da intensidade desses agentes nocivos. De qualquer modo, a partir de 01/01/2004, é suficiente a apresentação de Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, elaborado conforme as exigências legais (TRF4, EINF nº 0010314-72.2009.404.7200, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011).
e) A extemporaneidade do laudo pericial não lhe retira a força probatória, em face da presunção de conservação do anterior estado de coisas, que deve operar desde que não evidenciada a alteração das condições de trabalho. A rigor, dada a evolução das normas de proteção ao trabalhador e em face das inovações tecnológicas, é plausível a tese de que, à época da prestação do serviço, as condições ambientais eram ainda mais ofensivas à saúde do trabalhador (TRF4, EINF 0031711-50.2005.404.7000, Terceira Seção, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 08/08/2013).
f) O limite de tolerância para ruído é de 80 dB(A) até 05/03/1997; 90 dB(A) de 06/03/1997 a 18/11/2003; e 85 dB(A) a partir de 19/11/2003 (STJ, RESP nº 1.398.260/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014, julgamento proferido de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia - CPC, art. 543-C).
g) Quanto aos efeitos da utilização do equipamento de proteção individual, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. Todavia, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria (ARE nº 664.335, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJ 12/02/2015). Deve-se observar, contudo, que a adoção de EPI não deve ser considerada para fins de caracterização da atividade especial em tempo anterior a 03/12/1998, visto que esta exigência apenas foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89 (IN INSS/PRES nº 77/2015, art. 279, §6º).
h) A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico vigente à época da prestação do serviço (STJ, EDcl no RESP nº 1.310.034/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 26/11/2014, DJ 02/02/2015, julgamento proferido de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia - CPC, art. 543-C). Dessa forma, é possível a conversão do tempo especial em comum mesmo para as atividades exercidas anteriormente à vigência da Lei nº 6.887/80, ao passo que a conversão do tempo comum em especial é apenas possível para o segurado que cumpriu os requisitos para aposentadoria especial até a vigência da Lei nº 9.032/95. O Egrégio STJ firmou entendimento, em recurso repetitivo representativo de controvérsia (RESP nº 1.151.363), que é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum mesmo após 1998, já que a última reedição da MP nº 1.663, parcialmente convertida na Lei nº 9.711/98, suprimiu a parte do texto das edições anteriores que revogava o § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
i) Segundo pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ED no RE 567360, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 06-08-2009; RE nº 262082, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 18-05-2001), em matéria previdenciária, para a análise das condições da inativação, a lei de regência é aquela vigente no tempo em que implementados os requisitos legais para a concessão do benefício, consoante o princípio tempus regit actum. Assim, nos casos em que os requisitos para a aposentadoria se perfectibilizaram sob a égide da legislação anterior, quando vigia o Decreto 83.080, de 24-01-1979, o fator de conversão a ser aplicado é 1,2. No entanto, quando os requisitos da aposentadoria forem implementados durante a vigência da Lei nº 8.213, de 24-07-1991, que prevê o fator de conversão 1,4, este é o fator a ser aplicado em todo o período laboral.
Exame do tempo especial no caso concreto
A questão pertinente à análise da nocividade das condições ambientais do trabalho prestado pela parte autora foi percucientemente examinada pelo juiz a quo na sentença, razão pela qual, a fim de evitar tautologia, reproduzo os seus fundamentos, os quais adoto como razões de decidir (evento 30):
Caso concreto
O autor requer seja reconhecida a especialidade do período de 06/03/1997 a 25/06/2014, laborados na ELETROSUL Centrais Elétricas S/A.
O período imediatamente anterior, qual seja, 01/06/1989 a 05/03/1997 foi reconhecido administrativamente (evento 13, PROCADM1, p. 24).
O formulário PPP atesta exposição habitual à eletricidade (risco de choque elétrico) em tensão acima de 380 volts; daí decorrendo o enquadramento administrativo do período anterior (até 05/03/1997) - evento 9, PPP2.
As insurgência do INSS não procedem.
A exposição a risco de choque elétrico em tensões superiores a 250 volts caracterizam a periculosidade da atividade, permitindo o reconhecimento como especial após 05/03/1997 (Dec. nº 53.831/64), tal qual anteriormente fundamentado.
O formulário PPP apresentado veio firmado pelo empregador, com menção ao profissional técnico responsável pela aferição dos agentes e sua intensidade. Suficiente tal prova ao fim a que se destina e bem assim ao deferimento da pretensão. De toda sorte, os laudos técnicos que embasaram vieram aos autos (evento 9), ratificando as informações prestadas.
Nas atividades do gênero, com risco de choque elétrico, não se exige ao reconhecimento da exposição habitual (todos os dias) e permanente (durante toda a jornada de trabalho). Ficando o segurado exposto, em parte de sua jornada de trabalho, dia-a-dia, durante muitos anos, a perigo de vida, há desgaste emocional tamanho que justifica a aposentadoria antecipada, privilegiada.
Por fim, no caso de periculosidade não se cogita de afastamento da especialidade por conta de eventual utilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI's). Em caso de explosão/incêndio, nenhum teria eficácia garantida. O mesmo em relação à possibilidade de choque elétrico, sempre existente em face do "fator humano" presente e indissociável nas atividades do gênero.
Especialidade reconhecida para o período reclamado (06/03/1997 a 25/06/2014).
O Recorrente insurge-se contra o deferimento do benefício à parte autora ao argumento de que, com o advento do Decreto nº 2.172/97, a periculosidade e a penosidade deixaram de figurar no rol de agentes nocivos a justificar a concessão de aposentadoria especial.
A atividade do eletricitário constava como perigosa no Código 1.1.8 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, envolvendo as operações em locais com eletricidade em condições de perigo de vida; trabalhos permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com risco de acidentes, pelos eletricistas, cabistas, montadores, dentre outros, cuja jornada normal ou especial fixada em lei para os serviços expostos a tensão superior a 250 volts, caracterizando, assim, a especialidade do trabalho.
De fato, os Decretos nºs 83.080/79 (Anexo II), 2.172/97 (Anexo IV) e 3.048/99 (Anexo IV) não contemplaram tal descrição. Ocorre que, além das hipóteses de enquadramento dos agentes nocivos conforme previsão nos decretos regulamentares, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos.
Acerca da celeuma, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, reconheceu a possibilidade de reconhecimento, como especial, do tempo de serviço em que o segurado esteve exposto à tensão elétrica superior a 250 volts, por entender que, À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991) (RESP nº 1.306.113, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJE 07/03/2013).
Logo, a exposição do trabalhador à tensão média superior a 250 volts, após 05/03/1997, autoriza a caracterização da atividade como especial.
Necessário anotar que a exposição de forma intermitente à tensão elétrica não descaracteriza o risco produzido pela eletricidade, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com a eletricidade. Assim, tratando-se de periculosidade por sujeição a altas tensões elétricas, o requisito da permanência não é imprescindível, já que o tempo de exposição não é fator condicionante para que ocorra um acidente ou choque elétrico, tendo em vista a presença constante do risco potencial, não restando desnaturada a especialidade da atividade pelos intervalos sem perigo direto. Deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
A tese de que a nocividade do trabalho foi neutralizada pelo uso de EPIs não se sustenta. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, conforme já referido. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).
Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere da leitura do art. 279, § 6º, da IN nº 77/2015, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/2016.
No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, na sessão de julgamento realizada em 22/11/2017, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema nº 15), decidiu por estabelecer a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, por maioria). Restou assentada no aresto, ainda, a orientação no sentido de que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório.
Na situação em apreço, não restou demonstrado que a nocividade tenha sido neutralizada pelo uso de EPI eficazes.
Ademais, em se tratando do agente periculoso eletricidade, concluiu-se, no bojo do IRDR (Tema nº 15), ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, computando-se o tempo de serviço como especial, ainda que evidenciado nos autos o seu uso eficaz, em conformidade com os precedentes já sedimentados neste Regional (ex vi: APELREEX nº 5003826-50.2013.404.7208, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, D.E. 10/07/2015).
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado no período de 06/03/1997 a 25/06/2014.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
A soma do tempo especial computado administrativamente pelo INSS (07 anos, 09 meses e 05 dias - evento 01, PROCADM6, pp. 21-26) com o que foi reconhecido em juízo totaliza 25 anos e 25 dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial desde a DER (14/10/2014), bem como ao recebimento das parcelas devidas desde então.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E, no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente considerado-se que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE nº 870.947, Tema nº 810), bem como no âmbito do STJ, que fixara o INPC para os benefícios previdenciários, mas suspendeu a decisão em face do efeito suspensivo conferido aos EDs opostos perante o STF.
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que, "diante da declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei nº 11.960/09 (ADI nº 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01/06/2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016).
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei nº 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei nº 11.960/09, restando prejudicado o recurso e/ou a remessa necessária, no ponto.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
Deve ser computado como tempo de serviço especial o período de 06/03/1997 a 25/06/2014.
A parte autora conta com mais de 25 anos de atividades nocivas, suficientes à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (14/10/2014), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então.
Recurso do INSS improvido no mérito. Prejudicado quanto aos critérios de correção monetária e juros de mora a serem aplicados.
Difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei nº 11.960/09.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por julgar prejudicada, em parte, a apelação do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001160691v3 e do código CRC a5efa4e7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
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Apelação Cível Nº 5006494-18.2018.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOÃO LUIZ CORDEIRO NETO (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria especial.
2. Não obstante o Decreto nº 2.172/97 não tenha incluído em seu rol de agentes nocivos a eletricidade, é possível o enquadramento da atividade como especial no período posterior a 05/03/1997, se comprovado através de perícia que o trabalhador estava exposto a tensões superiores a 250 volts. Interpretação conjugada do Decreto nº 53.831/64 (Código 1.1.8 do Quadro Anexo) com a Súmula nº 198 do TFR. Orientação assentada no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.306.113. Cabe ainda destacar que o tempo de exposição ao risco eletricidade não é necessariamente fator condicionante para que ocorra um acidente ou choque elétrico. Assim, por mais que a exposição do segurado ao agente nocivo eletricidade acima de 250 volts (alta tensão) não perdure por todas as horas trabalhadas, trata-se de risco potencial, cuja sujeição não depende da exposição habitual e permanente. A exposição do segurado ao agente periculoso eletricidade sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar prejudicada, em parte, a apelação do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 31 de julho de 2019.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001160692v3 e do código CRC 16710315.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 1/8/2019, às 19:50:3
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 31/07/2019
Apelação Cível Nº 5006494-18.2018.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOÃO LUIZ CORDEIRO NETO (AUTOR)
ADVOGADO: SANDRO LUÍS VIEIRA (OAB SC013931)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 31/07/2019, na sequência 60, disponibilizada no DE de 12/07/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, JULGAR PREJUDICADA, EM PARTE, A APELAÇÃO DO INSS E, NESTA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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