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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CARÊNCIA. DESCUMPRIMENTO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. IMPOSSIBILIDADE. TRF4. 5001803-11.2020.4.04.7007...

Data da publicação: 06/07/2024, 07:01:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CARÊNCIA. DESCUMPRIMENTO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER. 2. O art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, exige a apresentação de início de prova material para o reconhecimento do tempo rural. Ainda, a Súmula 149 do STJ confirma que a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário. 3. Hipótese em que os elementos de prova coligidos autorizam o reconhecimento da condição de qualidade de segurada especial da parte autora em pequena parte do período de carência, não sendo possível a concessão de aposentadoria por idade rural. 4. Caso em não houve labor urbano por tempo razoável a possibilitar a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, uma vez que foram realizadas apenas duas contribuições, após o requerimento administrativo e a prolação da sentença negando o direito ao benefício rural. (TRF4, AC 5001803-11.2020.4.04.7007, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 28/06/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001803-11.2020.4.04.7007/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: IRACEMA ANTT CARDOZO (Sucessão) (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELANTE: SIMONE ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: SIRLEI DE FATIMA ANTT CARDOZO BACKES (Sucessor)

APELANTE: SONIA MARIA ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: SOLANGE ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: LARISSA ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: IZAIR ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: CLEBER ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos em face de sentença que julgou procedentes em parte os pedidos formulados, nos seguintes termos (evento 29, SENT1):

Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido formulado na inicial, unicamente para reconhecer o trabalho da autora na roça, em regime de economia familiar no período de 01/01/1980 a 28/02/1999. Assim resolvo o mérito da causa (CPC, art. 487, I).

Como consequência, condeno o INSS a averbar, como tempo de serviço rural, o intervalo de 01/01/1980 a 28/02/1999, válido para efeitos de concessão de benefícios perante o RGPS.

Considerando a sucumbência mínima do réu, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao INSS, os quais, sopesados os critérios legais (CPC/2015, art. 85, §§ 2º e 3º, I), arbitro em 10% do valor atualizado da causa. A exigibilidade dessa verba, no entanto, está condicionada ao disposto no art. 12 da Lei n. 1.060/1950, em razão da justiça gratuita deferida.

A autora alega o exercício de atividade rural como boia-fria no período de carência. Cita ter apresentado início de prova material suficiente à comprovação do labor rual até 12/2018. Acrescenta que a atividade urbana do esposo, como vigia noturno, não descaracteriza a qualidade de segurada especial, por ser o trabalho no campo indispensável para o sustento familiar. Pede o reconhecimento do período rural de 03/1999 a 12/2018 e a concessão de aposentadoria por idade rural desde o requerimento administrativo (06/02/2014).

Sucessivamente, requer o reconhecimento de cerceamento de defesa e o retorno do processo à origem para realização de prova testemunhal ou a concessão de aposentadoria por idade híbrida a partir de 07/2021, data da implementação do requisito etário (evento 33, APELAÇÃO1).

O INSS recorre alegando que é descabido o reconhecimento do exercício de atividade rural após 30/10/1991, sem o recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes. Refere que deve ser excluído o tempo rural relativo ao intervalo de 08/1984 a 05/1986, no qual o esposo da autora exercia atividade urbana, uma vez que os documentos emitidos em nome dele não podem ser considerados para a comprovação da atividade rural (evento 34, APELAÇÃO1).

Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

Noticiado o óbito da autora, ocorrido em 19 de maio de 2022 (evento 13, PET1 e evento 13, CERTOBT2), procedeu-se à habilitação dos sucessores (evento 27, DESPADEC1).

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

Preliminarmente

A prefacial de cerceamento de defesa confunde-se com o mérito, adiante analisado.

Aposentadoria por Idade Rural

O art. 201, II, § 7º da Constituição Federal assegura a aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher. (Redação dada pela Emenda Constitucional 103/2019).

A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.

A exigência do preenchimento do requisito carência imediatamente antes da idade/DER decorre de expressa previsão do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, assim como da lógica do sistema. A aposentadoria com redução etária [de no mínimo cinco anos] visa proteger o trabalhador rural que, em razão da idade, perde o vigor físico, dificultando a realização das atividades habituais que garantem a sua subsistência. Não se pode perder de vista, igualmente, que a benesse ao segurado especial [ausência de contribuição mensal] foi concebida pelo constituinte originário fulcrada na dificuldade de essa gama de segurados efetuarem contribuições diretas ao sistema, e, especialmente, na importância social e econômica da permanência desses trabalhadores no campo.

O art. 39, I da Lei de Benefícios prevê que, para os segurados especiais referidos no inciso VII do caput do art. 11, fica garantida a concessão de aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário-mínimo.

Do Tempo de Serviço Rural

Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

[...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.

A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

Do Caso Concreto

A parte autora, nascida em 26/05/1958, completou 55 anos de idade na data de 26/05/2013. Assim, para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural precisa comprovar o exercício de atividade rural pelo período de 180 meses, contados de forma imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, formulado em 06/02/2014, ou seja, no período de 1998 a 2013 ou de 1999 a 2014.

No caso, consta na sentença (evento 29, SENT1):

No caso da autora, vê-se que embora tenha trabalhado por muitos anos na roça, mormente na condição de trabalhadora avulsa, ou por vezes como empregada rural informal (agregada), em boa parte do período correspondente à carência não mais dependeu do trabalho rural para sobreviver.

Disse que sempre trabalhou na condição de boia-fria. Este Juízo tem referido, com base na experiência adquirida em milhares de ações julgadas, que a atividade de boia-fria na região Sudoeste do Paraná está praticamente extinta desde o início da década de 2000, em razão da sofisticação das máquinas agrícolas, que acessam locais outrora inimagináveis.

Vale salientar que os únicos proprietários que contratavam boias-frias são os donos de grandes propriedades, os quais, invariavelmente possuem maquinário. Até mesmo os antigos murunduns, que não era acessíveis por maquinário, desapareceram e há tempos as curvas de nível são 100% plantadas.

É dispensável mencionar que os ganhos de um trabalhador rural boia-fria eram sobremaneira precários. Primeiro porque os valores pagos beiravam o regime escravagista. Segundo, porque a oferta de tralho era intermitente e de duração imprevisível. Contudo, para aqueles que já residiam no meio rural e obtinham pequenas áreas para cultivar as hortaliças, qualquer valor que recebessem era de vital importância. Mesmo assim, jamais chegava a um salário mínimo mensal.

Ao menos desde 1999 o marido da auitora, Antonio Cardozo, passou a trabalhar com vínculos empregatícios, sempre com proventos da ordem de 1,5 salário mínimo. E desde 2009 a autora recebe pensão por morte de 1,3 salário mínimo.

Não se está a dizer que a percepção do benefício previdenciário, bem assim que o salário do marido tornava o trabalho da autora dispensável, todavia, esses fatores, aliados à assertiva de que o trabalho de boia-fria praticamente inexiste no Sudoeste do Paraná há pelo menos 20 anos, é seguro concluir que Iracema não sobreviveu do trabalho na roça no período correspondente à carência.

Até mesmo o contrato de comodato celebrado com o Sr. Ary Daponti Pelisari não tem simetria com a realidade. É de se observar que o contrato é de cessão gratuita de uma área de cinco hectares, o que equivale a 70% do total do imóvel que o proprietário possui.

Não é plausível que um agricultor, proprietário de uma diminuta área de 7,2 hectares, ceda cinco hectares a um terceiro, que nem parente é, sem exigir-lhe nada em contrapartida. E para que não se diga que a área era improdutiva, em 2009 a autora emitiu uma nota de venda de 4,14 toneladas de soja.

A soja é uma cultura de trato eminentemente mecanizado. Ainda que o produtor possua uma trilhadeira, lhe é mais econômica contratar uma colheitadeira para colher do que arrancar as plantas manualmente, empilhar e depois debulhar, mão de obra que envolveria dezenas de pessoas. Além disso, é impraticável o cultivo de soja sem aplicação de defensivos, isto é, não há envolvimento braçal no cultivo.

É dizer, na melhor das hipóteses, a autora teria contratado integralmente serviços de máquinas para obter a produção, o que mais uma vez, foge à razoabilidade que o proprietário tivesse cedido gratuitamente o imóvel quando poderia arrendar obtendo lucros, ou contratar os serviços de terceiros como o fez a autora.

É necessário mencionar que a redução da idade para a obtenção da aposentadoria por idade rural se dá em razão da penosidade do trabalho braçal, típico do segurado especial, logo, aquele que paga para cultivar sua propriedade, ainda que o faça em pequena escala, não pode se enquadrar nessa condição.

Por outro lado, é visível que, conforme já anteriormente mencionado, Iracema trabalhou na roça por vários anos. Há um início de prova documental ao menos a partir de 1980. Desde 1999, o marido trabalhou com registros em CTPS, o que coincide com o fim do trabalho de boia-fria na região. Nesse contexto, é de se reconhecer a condição de segurada especial da autora de 01/01/1980 a 28/02/1999.

Em que pese tenha trabalhado por mais de 15 anos na roça, esse espaço de tempo não pode ser contabilizado para efeito de carência para a aposentadoria por idade rural. Por conseguinte, a autora não tem direito ao benefício pretendido.

Não encontro razões para a reforma da sentença, no particular em que reconheceu o exercício de atividade rural pela autora apenas em período remoto (1980 a 1999).

Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais cito:

a) certidão de casamento, celebrado em 03/11/1995, na qual o marido, Antonio Cardozo, está qualificado como agricultor (evento 1, PROCADM3, p. 10);

b) contrato de comodato de área rural de 5ha, lote nº 44, gleba 29-AM, Núcleo Ampere, Colônia Missões, celebrado pela autora e seu esposo com Ary Daponti Pelisari em 01/09/2008, com vigência de três anos e firma reconhecida em cartório em 27/03/2009 (​evento 1, PROCADM3​, p. 22);

c) comprovante de inscrição no Cadastro de Produtor Rural do Estado do Paraná, datado de 27/03/2009, onde consta o esposo da autora como Comodatário de área de 21,8ha, constando a autora como associada à produção (​evento 1, PROCADM3​, p. 24);

d) notas fiscais de venda de produtos agrícolas emitidas em nome da autora e/ou esposo, datadas de 1998/2000, 2008/2009 e 2013 (​evento 1, PROCADM3​, p. 25-32);

e) certidões de nascimento dos filhos Sirlei (1980), Sonia (1987), Simone (1990), Izair (1992), Cleber (1996) nas quais o marido é qualificado como agricultor (evento 1, OUT4, p. 1, 4, 6-7 e 9);

​f) histórico escolar das filhas da autora (Solange e Sônia), dando conta de que de 1994 a 1997 e de 1996 a 1998, estudaram na Escola Rural Municipal Cristo Rei, linha Salto do Ampere e Escola Rural Municipal João VI, linha Água Boa Vista, respectivamente (​evento 1, OUT4​, p. 10-15);

Além dessa documentação, consta dos autos a entrevista rural e a autodeclaração de segurado especial, em que a autora informa o exercício da atividade rural entre 1979 e 2018 (evento 1, PROCADM3, p. 2-3 e evento 15, DECL2).

Como bem destacado na sentença, em que pese terem sido trazidos à colação documentos que indicam a vinculação da parte autora ao campo, inexiste início de prova material para a quase totalidade do período de carência.

Com efeito, foram juntadas certidões de nascimento e documentos escolares antigos. Ademais, não há como considerar como provas as notas fiscais emitidas nos anos de 1998/2000, 2008/2009 e 2013 e o contrato de comodato firmado em 2008 (​evento 1, PROCADM3​, p. 25-32), pelas razões declinadas na sentença. Não bastasse, não há documentos para o intervalo de 2001 a 2007.

Ainda que fosse oportunizada à autora a produção de prova testemunhal, não seria possível o reconhecimento da atividade rural entre 2001 e 2007, uma vez que a Súmula 149 do STJ estabelece que a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

Nesse contexto, descabido o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.

Destaco que a atividade urbana exercida pelo esposo não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais componentes do grupo familiar, por não ser possível dizer que a renda decorrente do labor agrícola era dispensável ao sustento da família, haja vista a percepção de remuneração inferior a dois salários-mínimos (evento 52, CNIS3).

Neste sentido:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADA RURAL. ATIVIDADE URBANA DO MARIDO. RENDIMENTOS INFERIORES A DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS. 1. O fato de o marido exercer atividade urbana com rendimentos inferiores a dois salários mínimos não constitui óbice ao reconhecimento da qualidade de segurada especial da parte autora, pois comprovada a indispensabilidade da atividade rural para a manutenção do núcleo familiar. 2. Hipótese em que ficou demonstrada a qualidade de segurada da parte autora, devendo ser concedido benefício de aposentadoria por idade rural a contar da DER. (TRF4, AC 5009490-16.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 24/04/2024)

Apesar disso, a autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural, que exige a comprovação do exercício de atividade rural pelo período de 180 meses, contados de forma imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo.

No entanto, considerado o período rural reconhecido na sentença e a fungibilidade inerente aos benefícios previdenciários, passo ao exame do pedido de aposentadoria híbrida.

Regitro, ainda, que para fins de aposentadoria por idade rural ou híbrida não há necessidade do recolhimento de contribuições previdenciárias para o cômputo do tempo rural posterior a 10/1991. Tal exigência limita-se à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição

Aposentadoria por Idade Híbrida

O Regime Geral de Previdência Social Brasileiro, a partir da Lei 8.213/91 (cumprindo a nova ordem constitucional de 1988), prevê a possibilidade de concessão de duas espécies de aposentadoria por idade: a aposentadoria por idade urbana e a aposentadoria por idade rural.

Para concessão de aposentadoria por idade urbana (após a EC 103/2019 - nomeada aposentadoria voluntário por idade), a Lei 8.213/91 (artigo 48, caput) exige (a) idade [65 anos para homens e 60 anos para mulher, observada ainda a ampliação na idade conforme regra de transição da EC 103/2019, art. 18, § 1º] e (b) carência [contribuições vertidas ao sistema de previdência durante 180 meses] ou tempo mínimo de 15 anos/20 anos de contribuição como referido na EC 103/2019.

Os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade rural já estão especificados acima.

Com a vigência da Lei 11.718/2008, foi normatizada a concessão de aposentadoria por idade híbrida, que não é uma terceira espécie de benefício, mas sim subespécie da aposentadoria por idade rural, com o acréscimo do § 3º no art. 48 da Lei 8.213/1991:

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.

Vê-se que o legislador, ao ampliar a cobertura securitária através da Lei 11.718/2008, referiu-se ao trabalhador rural que tenha desempenhado atividade urbana por período inferior à carência para concessão de aposentadoria por idade urbana, permitindo o cômputo para fins de carência tanto das contribuições vertidas em atividade urbana quanto do período em que exerceu atividades rurais sem contribuições diretas ao sistema.

Nesse passo, andou bem o legislador ao garantir proteção securitária ao trabalhador que, apesar da vocação agrícola, passa a exercer atividades urbanas, porém, com a perda da competitividade [seja decorrente da redução do vigor físico, seja por avanços tecnológicos ou ausência de instrução], vê-se compelido à retomada de atividades rurais para garantir a sua subsistência. Não fosse essa regra [cômputo do período laborado em atividade urbana para fins de carência], ficariam esses trabalhadores desprotegidos pelo seguro social durante a velhice, apesar de terem vertido contribuições diretas ao sistema por período razoável e também terem exercido atividades rurais no final de sua vida produtiva, implicando afronta ao princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.

Pode-se denominar o benefício nos moldes acima referidos como aposentadoria por idade híbrida típica, por ser a extraída da leitura do § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, pelo método de interpretação gramatical.

Por consequência, tendo em vista tratar-se de previsão legal de subespécie de aposentadoria por idade rural, a interpretação das normas atinentes à espécie impõe que o período de carência seja observado sob os mesmos critérios da aposentadoria por idade rural, ou seja, no período imediatamente anterior ao requisito etário ou à DER.

Não há muitas dúvidas sobre os destinatários da regra estabelecida no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991. São os trabalhadores que durante parte considerável da vida produtiva dedicaram-se às atividades rurais [como segurados especiais, empregados rurais ou contribuintes individuais rurais] e em algum momento passaram a exercer atividades urbanas [recolhendo contribuições previdenciárias diretamente ao sistema previdenciário], e no final da vida produtiva retornam às atividades rurais. Em outras palavras, são aqueles segurados que nos anos finais antes de completarem a idade (60 anos ou 65 anos) estavam exercendo atividade produtiva e como tais vinculados ao RGPS.

Não é possível ao legislador, entretanto, dimensionar e regrar a integralidade dos casos que podem ser levados à apreciação administrativa e judicial. Coube à jurisprudência, então, interpretar a aplicação do § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 [a partir da redação da Lei 11.718/2008] nos casos concretos, de modo consonante com os princípios que regem a Previdência Social.

Muitos foram os debates até a prevalência da tese uniformizada no Tema 1007 pelo STJ, assim redigida:

O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.

Como se percebe, o ponto principal da decisão foi afirmar a irrelevância da natureza do último labor exercido, se rural ou urbano, para acesso à aposentadoria por idade híbrida.

Tratou-se, ainda, da possibilidade de cômputo de atividade rural remota para fins de carência e concessão de aposentadoria por idade híbrida.

Assim, o Tema 1007 definiu benefício que pode ser denominado aposentadoria por idade híbrida atípica, pois decorrente da integração de normas e regras a fim de, como já acima dito, conferir interpretação consonante os princípios que regem a Previdência Social.

Note-se, aliás, que mesmo antes da Lei 11.718/2008, já haviam decisões que destacavam a necessidade de assegurar a proteção previdenciária àqueles que se dedicam ao trabalho rural em regime de economia familiar desde pequenos, porém abandonam a lavoura antes de completar 55/60 anos de idade [requisito para a aposentadoria por idade rural do segurado especial] e, a partir daí, passam a exercer atividade urbana, porém quando completam o requisito etário geral 60/65 anos sequer estão próximos de cumprir a carência em número de contribuições mensais, exigida para a aposentadoria por idade [comum/urbana]. Seria pouco razoável obrigar tais pessoas a permanecerem contribuindo por longos anos após o implemento do requisito etário comum [60/65 anos] se, na prática, somado o tempo de serviço rural com o urbano, atingem muito mais do que 180 meses de trabalho/contribuição.

Voltando ao julgamento, pelo STJ, do Tema 1007, de acordo com o voto do Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho, foram estabelecidas as seguintes premissas, dentre outras:

[...] 13. [...] Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3º, da Lei 8213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para a atividade urbana com o avançar da idade.

[...] 20. Nesses termos, impõe-se reconhecer que, com o advento da Lei 11.718/2008, o trabalhador que não preencher os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade passa a ter direito de integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher. Admite-se, para tanto, a soma de lapsos de atividade rural, remotos e descontínuos, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade.

Na tese firmada – que não está desvinculada da análise cuidadosa de seus fundamentos – constata-se que o Superior Tribunal de Justiça conferiu proteção a trabalhadores idosos que desenvolveram atividade rural durante muitos anos e posteriormente migraram para a cidade, não tendo logrado, no entanto, com o tempo de contribuição em atividades urbanas, computar carência necessária à concessão de aposentadoria por idade urbana.

Embora a situação não tenha sido objeto de análise no julgado, há quem defenda que a decisão abrange a tese de que o trabalhador que permanece longas décadas sem qualquer vínculo com o RGPS e verte contribuições por tempo ínfimo [alguns casos com uma única contribuição, por vezes no teto] teria direito à aposentadoria por idade híbrida atípica mediante a contagem do tempo rural remoto: é dizer, trabalho rural na adolescência e uma [ou parcas] contribuição urbana próximo à idade de aposentadoria [60/65 anos, regra geral passada].

Não foi isso que o STJ decidiu, como se verá.

Como afirmado no parágrafo anterior, aportam inúmeros casos ao Poder Judiciário – e por certo há gama ainda maior, já que muitos benefícios são deferidos administrativamente [incorporação das decisões judiciais ao sistema administrativo previdenciário] – em que postulantes de aposentadoria afastaram-se das atividades rurais ainda jovens e deixaram de contribuir ao RGPS por décadas [3 ou 4 décadas], por motivos diversos, em muitos casos apesar de terem desenvolvido atividades de contribuição obrigatória, sem vertê-las.

O deferimento de aposentadoria a segurados que tenham deixado de desenvolver atividades rurais ainda jovens e tenham vertido poucas contribuições ao sistema [muitas vezes na iminência do requerimento administrativo do benefício], além de não encontrar respaldo no Tema 1007 do STJ, confere tratamento privilegiado a essa expressiva parcela de cidadãos, em detrimento de milhares de segurados que retiram mensalmente parte de sua renda, muitas vezes parca, para custear o sistema público de previdência.

A leitura dos precedentes que levaram à decisão do STJ e, especialmente, do voto-condutor, não deixa dúvidas de que não foi essa parcela de cidadãos trabalhadores brasileiros que buscou o tema abranger, mas sim aqueles que migraram à área urbana já com certa idade: é dizer, que passaram a tirar seu sustento do trabalho urbano e não mais do rural, aquele – urbano, - como continuidade desse – rural - à subsistência, demonstrando estabilidade no novo labor [urbano] justamente naquele período de carência a que se refere o § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, qual seja, imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo.

Discordo do raciocínio de que a aposentadoria por idade híbrida atípica não exige o cumprimento da carência nos moldes do citado § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991 [§2º - Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei], pois, como já se disse acima, a aposentadoria híbrida é espécie da aposentadoria por idade rural.

A propósito, vale citar trechos do voto condutor do acórdão, com grifo nosso:

6. Essa orientação passou a ser adotada por todos os Ministros que compõem as Turmas de Direito Público desta Corte Superior, pacificando a orientação que afirma possível a concessão de aposentadoria por idade híbrida mediante a contagem de períodos de atividade, como Segurado urbano ou rural, com ou sem a realização de contribuições facultativas de Segurado Especial, não constituindo óbice à concessão do benefício o fato de que a última atividade exercida pelo Segurado, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento da idade mínima, não tenha sido de natureza agrícola. [...]

13. A tese se revela, assim, não só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da legislação previdenciária. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para a atividade urbana com o avançar da idade.

14. Como já delineado nos julgados acima colacionados, esta Corte Superior é uníssona ao reconhecer que o tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei 8.213/1991 pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, não exigindo, do mesmo modo, a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

15. Nesse cenário, seja qual for a predominância do labor exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3o. do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano e rural, remoto ou descontínuo. Assegurada a dispensabilidade de recolhimento das contribuições referentes ao labor rural exercido antes de 1991. [...]

20. Nesses termos, impõe-se reconhecer que, com o advento da Lei 11.718/2008, o trabalhador que não preencher os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade passa a ter direito de integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher. Admite-se, para tanto, a soma de lapsos de atividade rural, remotos e descontínuos, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade.

21. Tais considerações permitem a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.

Para melhor destacar, nos trechos acima fala-se em: não ser necessário que a última atividade exercida pelo Segurado, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento da idade mínima, não tenha sido de natureza agrícola; não exigência da comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício; irrelevância da predominância do labor exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo; admissão da soma de lapsos de atividade rural, remotos e descontínuos, sem referência à atividade urbana remota; presença de labor misto; e, ainda, trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.

São diversas as referências, portanto, quanto à necessidade da efetiva existência do labor misto, ou seja, urbano e rural, assim como da presença de trabalho no momento anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo – na carência, o que deixa clara a submissão da denominada aposentadoria por idade híbrida atípica à regra do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, qual seja: trabalho urbano ou rural ou ambos no período de carência [contados de forma imediatamente anterior ao aniversário de 60/65 anos ou do requerimento administrativo].

Não é demais lembrar que no caso específico analisado pelo STJ a autora estava vinculada às lides urbanas ao menos desde 2001, não havendo início de prova material de que tenha retomado as lides rurais em algum momento desde então.

De fato, permitindo-se a interpretação equivocada da desnecessidade de trabalho urbano ou rural [ou ambos] durante razoável tempo no período de carência e, destarte, autorizando apenas poucas contribuições ao RGPS na qualidade de segurado urbano – para não dizer uma única [o que já vem sendo feito pelo INSS administrativamente e pelo Judiciário cumprindo o Tema 1007 STJ, no meu sentir, sem o distinguishing necessário] - o contribuinte do RGPS, cumpridor de suas obrigações e inserido no sistema durante toda a sua vida laboral, aquele que retira de sua renda, mensalmente, valores para sustentar os benefícios deferidos na esperança de nos imprevistos [benefícios não programados: incapacidade e morte] ou quando alcançar a idade [benefícios programados] haja aposentação, será o único prejudicado.

É importante que se faça, inclusive, reflexão sobre o que se está incentivando com uma interpretação ampliativa da tese fixada pelo STJ: (a) qual o motivo de um empresário arcar com sua responsabilidade tributária sabedor da possibilidade de recolher poucos meses [inclusive no valor máximo de contribuições] dos valores devidos a título de previdência? (b) quais as motivações que teriam pessoas sem atividade remunerada durante toda a vida para recolherem como contribuinte facultativo?

Essas situações, por certo, como afirmado acima, escapam às razões de decidir que ensejaram a fixação da tese pelo STJ no Tema 1007, e demandam distinção, porquanto a aplicação indiscriminada da tese a esses casos – dizendo mais do que o STJ disse – fere princípios constitucionais sensíveis ao Direito Previdenciário (art. 194, in fine, da CF), entre os quais cito:

a) Princípio da contributividade: a previdência social, apesar de ser mantida com aporte de recursos de fontes diversas, é também contributiva. Tem-se, pois, que o segurado é também contribuinte e com suas contribuições garante a proteção previdenciária [tanto para si quanto para seus dependentes]. Permitir o cômputo de atividade rural remota para concessão de aposentadoria por idade a pessoas que permaneceram à margem da obrigação contribuitiva [por iniciativa própria ou por impedimento legal, como é o caso dos vinculados a RPPS] e verteram poucas contribuições ao sistema é ferir o princípio da contributividade e tratar de forma não isonômica os demais segurados que aportaram contribuições ao sistema de previdência durante décadas. Inclusive, é levar o sistema a tornar inútil qualquer reforma previdenciária;

b) Princípio do equilíbrio financeiro e atuarial: a Constituição Federal preocupou-se com a necessidade de a previdência atender adequadamente os atuais beneficiários e também as gerações futuras. Impor à Autarquia [que apenas administra os recursos dos segurados] o pagamento de valores – inclusive superiores ao salário-mínimo – a titulares de escassas contribuições é promover a insustentabilidade do sistema público de previdência. Veja-se, inclusive, que em tal princípio fundamentou-se a EC 103/2019 (Reforma da Previdência);

c) Princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais: equiparar segurados que há longas décadas deixaram o campo e retornaram ao sistema previdenciário vertendo contribuições urbanas por curtos períodos aos trabalhadores rurais que dedicaram a vida ao trabalho do campo é desprestigiar estes a quem o Constituinte originário desejou proteger, por razões de política pública, econômica e social, autorizando adoção de regras diferenciadas para concessão de benefícios [artigo 195, § 8º, da CF]. Equiparar pessoas que abandonaram o campo há décadas àquelas que lá permaneceram, mesmo com alguns intervalos de atividade urbana intermitente, é ferir o princípio aqui indicado, tratando de forma similar situações completamente diversas;

d) Princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios: a seletividade impõe a escolha dos riscos sociais a serem cobertos. Quando se está diante de segurado que se vinculou ao RPPS – e nele está aposentado – não há risco social a ser coberto pelo RGPS, sobretudo quando vertidas poucas contribuições ao Regime Geral de Previdência, evidenciando que a manutenção adveio exclusivamente da renda do vínculo público que ensejou as contribuições ao RPPS. Assim também o segurado que [após sair do campo] exerceu trabalho remunerado durante décadas e não cumpriu a obrigação do recolhimento de contribuições previdenciárias, assumindo o próprio risco da desproteção.

Portanto, sob essa perspectiva, há violação expressa ao texto constitucional ao dar interpretação maior à tese fixada pelo STJ no tema em análise.

Além dos princípios referidos, não se pode olvidar que segurados idosos [com idade superior a 65 anos], de baixa renda, que não possuam condições de autossustento, são assistidos por benefício de cunho social e não previdenciário – LOAS.

De todo o exposto, tem-se que, apesar de estar autorizado por decisão judicial em recurso repetitivo com efeitos vinculantes o cômputo de atividade rural remota para cumprimento do período de carência e concessão de aposentadoria por idade híbrida atípica, não há, naquele julgado, dispensa do exercício de atividade urbana, rural ou ambas por período razoável de tempo imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou implemento do requisito etário, em cumprimento ao § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991. De fato, verificando-se o caso paradigma e as razões do Tema, no período de carência à aposentadoria por idade híbrida atípica, há necessidade de trabalho urbano e rural. E, utilizando-se o segurado de período remoto, há necessidade de trabalho rural ou urbano [contribuições urbanas] – ou ambos - imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou implemento do requisito, porquanto subespécie da aposentadoria por idade rural [regra do art. 48, in fine, da Lei 8.213/1991, citada nas razões de decisão do STJ]. Ressalte-se, à aposentadoria por idade rural a integralidade da carência é imediatamente anterior a idade ou requerimento administrativo como já antes explanado.

Inexistindo disposição legal do que é tempo razoável [já que se tratou de interpretação judicial das normas previdenciárias pelo STJ na fixação da tese], vinha entendendo que seriam necessários, no mínimo, 60 meses de contribuição urbana para possibilitar o cômputo do tempo rural remoto, já que esta era a carência exigida antes da égide da Constituição Federal de 1988, na vigência da LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social, Lei 3.807/1960, e que sempre foi considerada mínima para garantir o custeio do sistema público de previdência do modo como estruturado – manutenção do equilíbrio do sistema. Ainda, o art. 142 da Lei 8.213/1991 considerou longos 20 anos para que os meses de contribuição (60) fossem ampliados gradativamente até alcançar os atuais 180 meses.

Contudo, a tendência desta Corte é no sentido de não exigir tempo específico de labor urbano para a concessão de aposentadoria por idade híbrida. Assim, ressalvado meu entendimento pessoal, a análise do tempo razoável de labor urbano deve ser feita caso a caso, sempre tendo em vista que a lógica de tal espécie de benefício é garantir a aposentação para o segurado que efetivamente exerceu atividade urbana, após ou antes do trabalho rural.

Não é demais lembrar que é inexigível que o indivíduo contribua tempo suficiente para arcar com os custos de seu próprio benefício, mas é necessário que todos os contribuintes efetivamente auxiliem no sustento do sistema, sob pena dele vir a ruir por completo.

Reitero. A ideia de uma aposentadoria híbrida pressupõe a atividade mista, a alternância de trabalho rural e urbano, ou urbano e rural, ou rural, urbano e rural novamente. Não há como conceber uma aposentadoria por idade híbrida sem considerar a relevância de qualquer uma das atividades para o preenchimento do requisito carência. Não fosse assim, o segurado poderia se valer das aposentadorias por idade urbana ou rural.

Interpretar a decisão de forma diversa é deixar de aplicar os princípios constitucionais previdenciários e autorizar a utilização do sistema àqueles que, por diversas razões, de forma consciente, optaram pela exclusão do Regime e agora, diante de uma irrazoável interpretação de decisão judicial, veem a chance do “milagre” da coberta previdenciária.

Para finalizar, a propósito da aplicação do precedente formado no Tema 1007 do STJ, de forma conjunta com os preceitos da Lei 8.213/1991 e constitucionais, tem-se que:

a) a aposentadoria por idade híbrida, de que trata o § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, é devida também ao segurado que tenha exercido, por último, em período imediatamente anterior ao implemento da idade ou requerimento administrativo, atividade urbana, rural ou ambas, podendo ser denominada, então, de aposentadoria por idade híbrida atípica, já que decorrente da interpretação jurisprudencial dos preceitos legais;

b) na concessão da aposentadoria por idade híbrida atípica, é possível o cômputo de tempo de labor remoto e descontínuo, seja ele rural ou urbano, anterior à Lei 8.213/1991 ou posterior, e fora do período de carência exigido pelo § 2º do art. 48 da Lei 8213/1991 [imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou implemento da idade];

c) a carência da aposentadoria por idade híbrida atípica submete-se à regra do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, exigindo que no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo o segurado tenha exercido atividade urbana, rural ou rural e urbana, em período razoável;

d) não se configura a hibridez necessária ao benefício a presença de uma única, ou de parcas contribuições como segurado urbano em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou ao requerimento administrativo.

Na linha da argumentação acima, a presença dessas parcas contribuições, realizadas exclusivamente com o fim de tentar caracterizar o labor urbano atual, com o objetivo de computar tempo rural remoto, não é suficiente para a concessão da aposentadoria por idade híbrida.

É que nessa situação resta assente o recolhimento de contribuição, repise-se, com o intuito único de aproveitamento do tempo rural remoto para concessão de aposentadoria que, de outra forma, não seria possível obter.

No caso, a autora apresenta no CNIS o recolhimento de apenas duas contribuições previdenciárias, relativas às competências de 08/2021 e de 02/2022 (evento 51, CNIS2), posteriores ao requerimento administrativo e à prolação da sentença. Fica bastante óbvio, então, o intuito único de concessão do benefício.

É dizer, não houve labor urbano por tempo razoável a possibilitar a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, que pressupõe o efetivo exercício de atividade rural e urbana no período de carência.

Portanto, a autora não perfaz os requisitos necessários à aposentação.

Honorários Recursais

Considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, majoro a verba honorária devida pela parte autora em 20%, mantida a suspensão da exigibilidade.

Considerando que a sentença não condenou o INSS ao pagamento de honorários sucumbenciais, descabe a sua majoração, não obstante o desprovimento do recurso interposto.

Prequestionamento

No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004502846v81 e do código CRC 614e7c66.Informações adicionais da assinatura:
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5001803-11.2020.4.04.7007
40004502846.V81


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001803-11.2020.4.04.7007/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: IRACEMA ANTT CARDOZO (Sucessão) (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELANTE: SIMONE ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: SIRLEI DE FATIMA ANTT CARDOZO BACKES (Sucessor)

APELANTE: SONIA MARIA ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: SOLANGE ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: LARISSA ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: IZAIR ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELANTE: CLEBER ANTT CARDOZO (Sucessor)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. carência. descumprimento. Aposentadoria por idade híbrida. impossibilidade.

1. A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.

2. O art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, exige a apresentação de início de prova material para o reconhecimento do tempo rural. Ainda, a Súmula 149 do STJ confirma que a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

3. Hipótese em que os elementos de prova coligidos autorizam o reconhecimento da condição de qualidade de segurada especial da parte autora em pequena parte do período de carência, não sendo possível a concessão de aposentadoria por idade rural.

4. Caso em não houve labor urbano por tempo razoável a possibilitar a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, uma vez que foram realizadas apenas duas contribuições, após o requerimento administrativo e a prolação da sentença negando o direito ao benefício rural.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 28 de junho de 2024.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004504188v6 e do código CRC b3ceed3d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 28/6/2024, às 16:29:24


5001803-11.2020.4.04.7007
40004504188 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:06.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/06/2024 A 28/06/2024

Apelação Cível Nº 5001803-11.2020.4.04.7007/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART

APELANTE: IRACEMA ANTT CARDOZO (Sucessão) (AUTOR)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELANTE: SIMONE ANTT CARDOZO (Sucessor)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELANTE: SIRLEI DE FATIMA ANTT CARDOZO BACKES (Sucessor)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELANTE: SONIA MARIA ANTT CARDOZO (Sucessor)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELANTE: SOLANGE ANTT CARDOZO (Sucessor)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELANTE: LARISSA ANTT CARDOZO (Sucessor)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELANTE: IZAIR ANTT CARDOZO (Sucessor)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELANTE: CLEBER ANTT CARDOZO (Sucessor)

ADVOGADO(A): SUZANA GASPAR (OAB PR050320)

ADVOGADO(A): JAQUELINE ZANON TURONI (OAB PR034128)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/06/2024, às 00:00, a 28/06/2024, às 16:00, na sequência 715, disponibilizada no DE de 12/06/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:06.

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