Apelação Cível Nº 5008713-31.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEIA REGINA BORTOLIN RODRIGUES
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, desde a DER (26-11-2018).
O juízo a quo, julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os formulados por Leia Regina Bortolin Rodrigues em face de Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com resolução de mérito e supedâneo no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:
a) Reconhecer o efetivo exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, pelos períodos de 19.6.1975 até 19.9.1981 e de 17.62003 até o dia 26.11.2018;
b) Condenar o INSS a implantar o benefício de aposentadoria rural por idade, bem como a pagar os valores decorrentes da obrigação imposta, desde a data do requerimento administrativo (DER, 17.12.2018, Ev. 1, 6), observada a prescrição quinquenal.
Apelou o INSS sustentando que não restou comprovado o labor rural da autora e que a área familiar superava 4 módulos fiscais. Requer a modificação da sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Reexame necessário
Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.
A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).
Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)
No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.
1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.
2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.
3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.
4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, NONA TURMA, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).
Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.
Da aposentadoria prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91
A Lei nº 11.718/2008, dentre outras alterações, modificou o § 2º e instituiu os §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei de Benefícios da Previdência Social, nos seguintes termos:
Art. 48. Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.
Como se vê, a Lei nº 11.718/2008 instituiu a possibilidade de outorga do benefício de aposentadoria por idade com o preenchimento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço urbano e rural, desde que haja o implemento da mínima de 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.
O mesmo tratamento conferido ao segurado especial (trabalhador rural) que tenha contribuído sob outra categoria de segurado, para fins de obtenção de aposentadoria por idade (Lei nº 8.213/1991, §3º do art. 48), deve ser alcançado ao trabalhador urbano, que fará jus ao cômputo de período rural para implementar os requisitos necessários à obtenção da aposentadoria prevista no caput do art. 48.
A interpretação do § 3º do art. 48 deve ser feita à luz dos princípios constitucionais da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, de forma que não há justificativa para se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário está desempenhando atividade urbana.
A questão é objeto da Súmula nº 103 deste Tribunal, literis:
A concessão da aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, §3º, da Lei nº 8.213/91, não está condicionada ao desempenho de atividade rurícola pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo, pois, irrelevante a natureza do trabalho exercido neste período.
Ademais, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei nº 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural (STJ, REsp 1605254/PR, Segunda Turma, Rel.Ministro Herman Benjamin, julgado em 21-06-2016).
Ressalto, ainda, que a aposentadoria mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime, deve ser equiparada à aposentadoria urbana. Com efeito, a Constituição Federal, em seu art, 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
Dessa forma, considerando a natureza do benefício, deve ser conferido à aposentadoria por idade híbrida o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não havendo, portanto, exigência de preenchimento simultâneo dos requisitos idade e carência. Caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, é irrelevante e não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado.
A respeito dessa questão, § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.666/03, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício, nos termos do já decidido pela 3ª Seção desta Corte, nos Embargos Infringentes nº 0008828-26.2011.404.9999 (Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 10-01-2013).
Esse entendimento, aliás, está em conformidade com a jurisprudência mais recente do STJ (STJ, REsp 1605254/PR, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 21-06-2016; REsp 1476383/PR, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 01-10-2015; AgRg no REsp 1531534/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 23-06-2015).
Da comprovação do tempo de atividade rural
Para a comprovação do tempo de atividade rural faz-se necessário início de prova material, não sendo admitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91; Súmula 149 do STJ).
A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF - 4ª Região, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF - 4ª Região, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14-06-2007; TRF - 4ª Região, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).
Ainda, está pacificado que constituem prova material os documentos civis (STJ, AR n. 1166/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 26-02-2007; TRF - 4ª Região, AC 5010621-36.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 14-12-2016; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.71.08.009120-3/RS, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF - 4ª Região, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006) - tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, dentre outros - em que consta a qualificação como agricultor tanto da parte autora como de membros do grupo parental. Assim, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte).
No entanto, não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, parece-me necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, citar a hipótese de registro contemporâneo em CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, não é necessária a inquirição de testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos que vêm a juízo, no entanto, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, necessitando ser corroborada por prova testemunhal. Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) tem a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a necessária prova testemunhal.
Em razão disso, entendo que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.
Em 18-01-2019 foi editada a MP n. 871, convertida na Lei n. 13.846, de 18-06-2019, que alterou os artigos 106 e 55, § 3º, da LBPS, e acrescentou os artigos 38-A e 38-B, para considerar que o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
Em face disso, a jurisprudência dessa Corte passou a entender que a autodeclaração prestada pelo segurado é suficiente para, em cotejo com a prova material, autorizar o reconhecimento do tempo agrícola pretendido, sendo devida a oitiva de testemunhas apenas em casos excepcionais: AC n. 5023671-56.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 07-06-2022; AC n. 5023852-57.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Marcio Antonio Rocha, julgado em 10-05-2022; AC n. 5003119-70.2021.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, julgado em 08-04-2022; AC n. 5001363-77.2019.4.04.7127, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Taís Schilling Ferraz, julgado em 09-03-2022; e AG n. 5031738-34.2021.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 22-09-2021.
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Do caso concreto
A parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 18-06-2018, pois nascida em 18-06-1963 O requerimento administrativo foi apresentado em 26-11-2018. Deve comprovar o exercício de atividade rural e urbana por 180 meses.
A controvérsia cinge-se à comprovação do labor rural e ao tamanho da propriedade.
O magistrado sentenciante assim fundamentou o mérito:
Objetivando a comprovação do exercício da atividade campesina, a autora acostou aos autos: a) ficha pertinente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Praia Grande, expedida em novembro de 2007, além de comprovante de pagamento de anuidade, a contar do ano de 2007 até o ano de 2018 (Ev. 1, 7, p. 2-5); b) Escritura pública de compra e venda de bem imóvel, datada de 20.4.1983 (Ev. 1, 7, pgs. 6-13); c) Declaração de exercício de atividade rural (Ev. 1, 8, pgs. 8-13); d) extrato previdenciário, onde há indicação de que a autora gozou de benefício previdenciário pelos períodos de 25.9.2014 até 04.7.2018 e 23.3.2015 até 13.11.2017 (Ev. 1, 8, p. 16); e) Certidão de nascimento de Paulo Sérgio Rochi, ocorrido em 17.12.1973, filho de Ernesto Rochi e Saturna Bereta Rochi, esta genitora da autora (Ev. 1, 8, p. 18); f) Nota Fiscal de produtor, em nome da autora, referente aos anos de 2009, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2019 (Ev. 1, 8, pgs. 19-29); g) Carteira de Trabalho de Ernesto Rochi, emitida em 14.8.1980, onde consta a autora como sua dependente (enteada) (Ev. 1, 9, pgs. 3-6); h) Declaração emitida pela Secretária de Educação do município de Jacinto Machado, onde informa que a autora, filha de Saturna Bereta Rochi e Ernesto Rochi (padrasto), ambos agricultores na época, estudou nos anos de 1971 a 1975 de 1ª a 4ª série na Escola Isolada César Bellettini (Ev. 1, 9, p. 8); i) Certidão de Casamento de Ernesto Rochi e Saturna Bereta Rochi, ocorrido em 15.12.1973, onde consta na qualificação de agricultor (Ev. 1, 9, p. 9); j) Certidão de Transcrição onde consta a qualificação de Ernesto Rochi como sendo lavrador (Ev. 1, 9, pgs. 11-12); k) Escritura pública de compra e venda, datada de 06.6.2003, onde a autora se qualifica como agricultora (Ev. 1, 9, pgs. 13-15); l) Certidão de Óbito de Ernesto Rochi, ocorrido em 30.11.1994, onde consta sua qualificação como agricultor (Ev. 1, 9, p. 19) e m)Contrato de promessa de compra e venda, subscrito em 30.3.2014, onde a autora, na condição de promitente compradora, se qualifica como agricultora (Ev. 1, 11, pgs. 2-3).
Nesse sentido, calha salientar que O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros.
Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 do TRF-4: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Quanto à antiguidade da prova documental – em aproximação ou distanciamento do período controverso – em cotejo com a prova testemunhal, se contemporâneo ou não ao exercício da atividade, já ficou assente pelo Colendo STJ, na Súmula n. 577, que "é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório", circunstância respeitada em cada etapa do processo.
Consigno, ainda, a prova material inicial da existência da atividade rural ficou assente, considerando que “certidões da vida civil” são hábeis a constituir início probatório da atividade rural (vide, REsp n.º 980.065, Quinta Turma, j. 20-11-2007; REsp n.º 637.437, Quinta Turma, j. 17-08-2004; REsp n.º 1.321.493, j. 10-10-2012).
Em complemento, foram inquiridas em juízo três testemunhas arroladas pela parte autora, cujos depoimento transcrevo (Ev. 63):
A testemunha Astiria Casagrande Paganini, quando ouvida em juízo, alegou que a autora residia com seu pai e trabalhava na lavoura; que sempre trabalhou na lavoura, até seus 18 anos, quando se casou, mas seguiu trabalhando na lavoura; que, após o casamento, a autora se mudou para Praia Grande e soube que ela seguiu trabalhando na roça, mas não a viu exercendo a atividade; que, antes da autora casar, a via trabalhando na roça, pois era sua vizinha; que a autora iniciou a atividade na lavoura desde pequena, com aproximadamente 10 anos; que a autora plantava milho, cultivava fumo, juntamente com seu pai e sua mãe; que plantavam milho, fumo, arroz; que era para consumo e o que sobrava era comercializado; questionada pela procuradora da autora, respondeu que a autora não tinha empregado; que a genitora da autora era viúva; que as terras pertenciam à família da autora; que não utilizava máquina na lavoura; que acredita que a autora estudou até a 4ª série. (Transcrição não literal - Ev. 63, 2).
Já a testemunha Mario Raulino Martins informou que conhece a autora de Praia Grande; que sua residência é distante da autora, aproximadamente 2km; que as terras da autora ficam próxima da estrada; que conhece a autora há aproximadamente 17 anos; que conheceu a autora porque passa pela frente da sua residência; que a autora trabalha na agricultura; que a autora trabalha sozinha; que o marido da autora quando pode ajuda; que planta arroz, milho, batata, verdura; que não se trata de grande plantio; que nunca ingressou na propriedade da autora; que vê a autora trabalhar na agricultura; que o marido da autora trabalhou uns anos como caminhoneiro, mas depois parou não sabe por qual motivo; que quem trabalhava na roça era a autora; questionado pela procuradora da autora, respondeu que sabe onde a autora trabalhava, na região de Três Irmãos; que a autora sempre trabalhou na agricultura; que a terra cultivada pela autora possui aproximadamente 10ha. (Transcrição não literal - Ev. 63, 2).
Por fim, a testemunha Fermino Paganini alegou que é vizinho da autora; que conhece a autora há aproximadamente 30 anos; que a autora foi morar na localidade com sua genitora e seu padrasto; que a autora é casada e reside com seu marido; que a autora deve estar casada há 30 anos; que a autora é agricultora; que a autora mora com seu marido, que também trabalha na lavoura; que o marido da autora já teve um caminhão, mas não mais o possui, e, por isso, exerce atividade campesina; questionado pela procuradora da autora, respondeu que conheceu a autora quanto ela tinha 9 anos, aproximadamente; que, nessa época, os pais da autora trabalhavam na roça, com a ajuda da autora; que plantavam arroz; que as terras eram do padrasto da autora; que não tinham empregados; que possuíam alguns animais; que a autora permaneceu com seus pais até o seu casamento, quando foi residir em outro local; que, atualmente, a autora trabalha em terras próprias, localizadas no município de Três Irmãos, Praia Grande; que a autora planta arroz, feijão, milho; que, na época em que a autora morava com seus pais, a sua fonte de renda era a agricultura; que a autora não trabalhou em outros locais. (Transcrição não literal - Ev. 63, 2).
Ao que se percebe, a autora, desde muito cedo, exerceu a atividade campesina, juntamente com seus familiares, em regime de economia familiar, notadamente nas terras de sua genitora e de seu padrasto.
Não obstante o remoto período indicado na inicial, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.674.221/SP, submetido à sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1007), firmou a tese no sentido de que "o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo".
Trago à colação a ementa do julgado:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça (A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º. e 4º. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência (REsp. 1.407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3º. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida. [grifou-se].
Dito isso, deve-se atentar que não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova testemunhal, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido (AREsp 327.119/PB, j. em 02/06/2015, DJe 18/06/2015).
Ainda assim, a prova material possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento, desde que corroborada por prova testemunhal (AgRg no AREsp 320558/MT, j. em 21/03/2017, DJe 30/03/2017).
No particular, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que é possível o cômputo de tempo de atividade rural a partir dos doze anos, em regime de economia familiar, visto que a lei ao vedar o trabalho infantil do menor de 14, visou estabelecer a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA PORÉM NOTÓRIA. CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DO TRABALHO RURAL DO MENOR DE 14 ANOS. CABIMENTO. DESNECESSIDADE DE CONTRIBUIÇÕES. EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS COM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. [...] 3. É assente na Terceira Seção desta Corte de Justiça o entendimento de que, comprovada a atividade rural do trabalhador menor de 14 (catorze) anos, em regime de economia familiar, esse tempo deve ser computado para fins previdenciários. 4. Para fins de aposentadoria urbana pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS, não é exigível o recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao tempo de serviço prestado pelo segurado como trabalhador rural, no período anterior à vigência da Lei 8.213/91. 5. Embargos declaratórios acolhidos com atribuição de efeitos infringentes. Recurso especial conhecido e provido. (EDcl no REsp 408.478/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2006, DJ 05/02/2007, p. 323)
Com base nessa análise, tenho que razão assiste à autora, porquanto os elementos de provas dos autos permitem concluir o pleno exercício da atividade campesina, em regime de economia familiar, no período de 19.6.1975 até 19.9.1981 e de 17.62003 até o dia 26.11.2018, contemplando, desse modo, o segundo requisito exigido pela norma de regência, consistente no exercício da atividade rural pelo período de carência, o que lhe permite, desse modo, a concessão do benefício previdenciário da aposentadoria por idade rural.
No caso, os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material. A prova testemunhal, por sua vez, é precisa e convincente do labor rural da parte autora, em regime de economia familiar, no período de carência legalmente exigido.
O INSS argui que a área da propriedade, por ser superior a 04 módulos fiscais, descaracterizaria a condição de segurado especial da parte autora, nos termos da alínea "a" do inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
Contudo, apenas o tamanho da propriedade agrícola não é suficiente para descaracterizar a condição de segurado especial, devendo ser analisados os demais elementos do caso concreto. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. MÓDULOS FISCAIS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.
2. O fato de a propriedade ser superior a quatro módulos fiscais não tem o condão de, isoladamente, descaracterizar o regime de economia familiar, pois as circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91.
3. Comprovado labor rural nos períodos pugnados, tem a parte autora direito ao benefício pleiteado.
(AC n. 5028990-10.2018.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 08-04-2022)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE CÔNJUGE. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE RURAL. ÁREA SUPERIOR A 4 MÓDULOS FISCAIS.
(...)
3. A legislação previdenciária não exige que o segurado especial desempenhe o trabalho rural de forma exclusivamente manual, razão pela qual a utilização de maquinários não descarateriza, por si só, o regime de agricultura familiar.
4. O tamanho da propriedade rural nos registros imobiliários não é argumento exclusivo para descaracterizar a condição de segurado especial, pois essa informação deve ser levada em consideração juntamente com a extensão da área efetivamente passível de exploração econômica e de outros fatores caracterizadores da atividade prestada em regime familiar.
(...)
(AC n. 5032186-85.2018.4.04.9999, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Osni Cardoso Filho, julgado em 11-02-2021)
PPREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE RURAL. MAQUINÁRIOS AGRÍCOLAS. MANDATO DE VEREADOR. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO TUTELA ESPECÍFICA.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado mediante início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea.
2. A extensão da propriedade rural não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento da condição de segurado especial, devendo ser analisada juntamente com o restante do conjunto probatório que, na hipótese, confirmou o exercício da atividade rural somente pelo grupo familiar.
3. A propriedade de modestos maquinários agrícolas não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar, pois sua utilização é adequada, necessária e compatível com os avanços da mecanização junto ao pequeno produtor rural.
4. A circunstância do autor ser proprietário de um pequeno caminhão não é suficiente para desqualificar o regime familiar rural, eis que se insere no plano complementar do ramo agrícola, servindo como meio de transporte da produção própria e nas comuns trocas de serviço e auxílio entre produtores vizinhos em épocas de safra.
(...)
(AC n. 5001745-17.2017.4.04.7135, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 16-12-2020)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. A extensão da propriedade não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento da condição de segurado especial, devendo ser analisada juntamente com o restante do conjunto probatório que, na hipótese, confirmou o exercício da atividade rural somente pelo grupo familiar.
3. Tendo o autor comprovado o exercício de atividade rural na qualidade de segurado especial durante o período de carência necessário, resta mantida a sentença que julgou procedente o feito.
(AC n. 5031104-19.2018.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 03-06-2020)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TEMAS STF 810 E STJ 905. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA.
(...)
4. O tamanho da propriedade, por si só, não descaracteriza o regime de economia familiar, devendo tal fato ser analisado em conjunto com os demais elementos dos autos.
(...)
(AC n. 5022787-95.2019.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 03-02-2021)
Portanto, entendo que resta caracterizada a condição de segurada especial da requerente, devendo ser mantida a sentença proferida.
Correção monetária e juros
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11-08-2006 e 08-12-2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei n. 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do artigo 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte), consoante as disposições do art. 85, § 3º, I, do NCPC, ficando ressalvado que, caso o montante da condenação venha a superar o limite mencionado, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.
Doutra parte, considerando o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem assim recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g. ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe de 19-04-2017), majoro a verba honorária para 12%, devendo ser observada a mesma proporção de majoração sobre eventual valor que exceder o limite de 200 salários-mínimos.
Tutela específica
Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a Terceira Seção desta Corte, buscando dar efetividade ao disposto no art. 461, que dispunha acerca da tutela específica, firmou o entendimento de que o acórdão que concedesse benefício previdenciário e sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, em princípio, sem efeito suspensivo, ensejava o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, independentemente do trânsito em julgado ou de requerimento específico da parte, em virtude da eficácia mandamental dos provimentos fundados no referido artigo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, de minha Relatoria, julgado em 09-08-2007).
Nesses termos, entendeu o Órgão Julgador que a parte correspondente à obrigação de fazer ensejava o cumprimento desde logo, enquanto a obrigação de pagar ficaria postergada para a fase executória.
O art. 497 do novo CPC, buscando dar efetividade ao processo, dispôs de forma similar à prevista no Código de 1973, razão pela qual o entendimento firmado pela Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento da Questão de Ordem acima referida, mantém-se íntegro e atual.
Portanto, com fulcro no art. 497 do CPC, determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício de aposentadoria por idade rural da parte autora (CPF 64722538972), a ser efetivada em 45 dias. Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | |
ESPÉCIE | Aposentadoria por Idade |
DIB | |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS, determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, via CEAB e modificar, de ofício, os consectários legais.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004372063v3 e do código CRC f12962c4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 18/4/2024, às 19:6:24
Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2024 04:01:27.
Apelação Cível Nº 5008713-31.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEIA REGINA BORTOLIN RODRIGUES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE RURAL.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. A extensão da propriedade não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento da condição de segurado especial, devendo ser analisada juntamente com o restante do conjunto probatório que, na hipótese, autoriza o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, no intervalo controverso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, via CEAB e modificar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004372064v3 e do código CRC a8f2c96e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 18/4/2024, às 19:6:25
Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2024 04:01:27.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/04/2024 A 12/04/2024
Apelação Cível Nº 5008713-31.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEIA REGINA BORTOLIN RODRIGUES
ADVOGADO(A): ROSIANE BORTOLIN RODRIGUES (OAB SC027848)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/04/2024, às 00:00, a 12/04/2024, às 16:00, na sequência 450, disponibilizada no DE de 22/03/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB E MODIFICAR, DE OFÍCIO, OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2024 04:01:27.