APELAÇÃO CÍVEL Nº 5051118-29.2015.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANTONIO FERREIRA DOS PASSOS |
ADVOGADO | : | ROGERIO CEZAR MOLIN |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SAFRISTA. REQUISITOS.
1. O tempo de serviço rural, cuja existência é demonstrada por testemunhas que complementam início de prova material, deve ser reconhecido ao trabalhador agrícola safrista.
2. O safrista é trabalhador rural contratado por pequeno prazo para o exercício de atividades de natureza temporária, consoante disciplina o art. 14-A da Lei 5.889/1973 (que regula o trabalho rural), incluído pela Lei 11.718/2008. Portanto, tem relação de emprego, cujo contrato de trabalho deve ser formalizado mediante inclusão do obreiro em Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), bem como mediante anotação em CTPS ou Ficha de Registro de Empregados ou, ainda, através de contrato escrito (§§ 2º e 3º do art. 14-A da referida Lei). Por via de consequência, está sujeito a contribuição previdenciária (§ 5º), cujo recolhimento é de responsabilidade do empregador (§ 7º).
3. Demonstrado que a atividade rural foi exercida na condição de empregado safrista, para a qual o direito à aposentadoria é regido pelo artigo 143 da Lei 8.213/91, c/c artigos 2º e 3º da Lei 11.718/2008, bem como artigo 14-A da Lei 5.889/1973.
4. Uma vez completada a idade mínima (55 anos para a mulher e 60 anos para o homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência, é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS e manter a implantação do benefício já efetivada no primeiro grau, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 08 de março de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8819954v8 e, se solicitado, do código CRC 80B24DC0. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5051118-29.2015.4.04.9999/PR
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação do INSS contra sentença que julgou procedente ação visando à concessão de aposentadoria por idade rural a contar da data do requerimento administrativo (24/04/2014), condenando-o ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios de 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, com correção monetária e juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009. Deferiu a antecipação dos efeitos da tutela.
Afirma que não há início de prova material, pois os documentos apresentados não são contemporâneos ao período equivalente ao de carência e a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação pretendida.
Aduz que o boia-fria não é segurado especial, pois trata-se de contribuinte individual, sujeito ao recolhimento obrigatório de contribuições previdenciárias.
Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento, também por força de reexame necessário.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Remessa oficial
À luz do que preconiza o art. 475 do CPC/73 e atual art. 496 do CPC/2015 é cabível a remessa necessária contra as pessoas jurídicas de direito público. Excepciona-se a aplicação do instituto, quando por meros cálculos aritméticos é possível aferir-se que o montante da condenação imposta à Fazenda Pública é inferior àquele inscrito na norma legal (v.g. o art. 475, § 2º, do CPC/73 e art. 496, § 3º, do CPC).
No caso dos autos, tratando-se de benefício de valor mínimo devido desde 04/2014, e considerando a data da sentença (23/09/2015), fica evidente que de forma alguma o montante, mesmo atualizado e com incidência de juros, superará o limite de 60 salários mínimos.
Assim, não conheço da remessa oficial.
Mérito
Aos trabalhadores rurais, ao completarem 60 (sessenta) anos de idade, se homem, ou 55 (cinquenta e cinco), se mulher (Constituição Federal, art. 201, §7°, inciso II; Lei nº 8.213/1991, art. 48, §1°), é garantida a concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício (artigos 39, inciso I, e 48, §2°, ambos da Lei de Benefícios). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo de atividade rural necessário, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei nº 8.213/1991 para os trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição desta Lei; para os demais casos, aplica-se o período de 180 (cento e oitenta) meses (art. 25, inciso II). Em qualquer das hipóteses, deve ser levado em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos mencionados, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural; b) termo inicial do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício.
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de atividade rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5°, XXXVI; Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS, art. 102, §1°).
Nada impede, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
Exemplificando, se o segurado tiver implementado a idade mínima em 1997 e requerido o benefício na esfera administrativa em 2001, deverá provar o exercício de trabalho rural em um dos seguintes períodos: a) 96 (noventa e seis) meses antes de 1997; b) 120 (cento e vinte) meses antes de 2001, c) períodos intermediários - 102 (cento e dois) meses antes de 1998, 108 (cento e oito) meses antes de 1999, 114 (cento e quatorze) meses antes de 2000.
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31 de agosto de 1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 (cinco) anos, ou 60 (sessenta) meses, não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.
A disposição contida nos artigos 39, inciso I, 48, §2° e 143, todos da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1°, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo. Porém, nas ações ajuizadas antes do julgamento do Recurso Extraordinário nº 631.240/MG (03 de setembro de 2014), na hipótese de ausência de prévio requerimento administrativo, em que restar configurada a pretensão resistida por insurgência do Instituto Nacional do Seguro Social na contestação ou na apelação, ou ainda, quando apresentada a negativa administrativa no curso do processo, utiliza-se a data do ajuizamento da ação como data de entrada do requerimento para todos os efeitos legais.
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, §3°, da Lei nº 8.213/1991, e Súmula 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de o segurado valer-se de provas diversas das ali elencadas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
No que concerne à comprovação da atividade laborativa do rurícola, é tranquilo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade da extensão da prova material em nome de um cônjuge ao outro. Todavia, também é firme a jurisprudência que estabelece a impossibilidade de estender a prova em nome do consorte que passa a exercer trabalho urbano.
Esse foi o posicionamento adotado no julgamento do REsp. nº 1.304.479-SP, apreciado sob o rito dos recursos repetitivos, cujo acórdão transcrevo:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas prova em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta e período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está e conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (Grifo nosso).
Nos casos envolvendo trabalhador rural boia-fria o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. nº 1.321.493-PR, recebido como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes, relativamente ao Tema STJ nº 554:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
No referido julgamento, o Superior Tribunal de Justiça manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Portanto, o entendimento manifestado pelo STJ é no sentido de que, para o boia-fria, a exigência de início de prova material pode ser mitigada, admitindo-se, inclusive, que os documentos sejam anteriores ao período a ser comprovado, desde que a prova testemunhal seja coerente e robusta, de modo a ampliar o alcance temporal da sua eficácia probatória.
Por fim, reputo necessário tecer algumas considerações acerca do enquadramento do trabalhador "boia-fria" no regime da Previdência Social.
Inicialmente, destaco que o fato de o trabalhador rural qualificar-se como "boia-fria" (ou volante, ou diarista) não nos induz a concluir que o mesmo esteja inserido em uma específica e determinada relação de trabalho, a apontar para uma determinada forma de vinculação à Previdência Social, e que, portanto, o classifique automaticamente em uma das espécies de segurado elencadas nos incisos do artigo 11 da Lei 8.213/91.
Com efeito, sob a denominação genérica de "boia-fria" - expressão que não foi cunhada no universo jurídico e que tem sido objeto de estudo de diversos ramos das ciências sociais e humanas - encontram-se trabalhadores rurais que exercem sua atividade sob diversas formas, seja como empregados, como trabalhadores eventuais, ou como empreiteiros. (OLIVEIRA, Oris. Criança e Adolescente: O Trabalho da Criança e do Adolescente no Setor Rural. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm. Previdência Rural e Inclusão Social. Curitiba: Juruá, 2007, p. 90).
Certo é que os "boias-frias" constituem, em regra, a camada mais pobre dentre os trabalhadores rurais. Diversamente dos segurados especiais, eles não têm acesso a terra, trabalhando para terceiros, vendendo sua força de trabalho para a execução de etapas isoladas do ciclo de produção agrícola. Contudo, diferentemente dos empregados rurais, suas relações de trabalho não se revestem de qualquer formalização, ficando à margem, no mais das vezes, dos institutos protetivos dirigidos ao trabalho assalariado.
Assim, considerando a complexidade e diversidade das relações de trabalho e de formas de organização da produção em que estão imersos, num universo em que a informalidade e a ausência de documentação são a regra (e não por culpa dos trabalhadores, diga-se de passagem), o seu efetivo e seguro enquadramento no rol de segurados da Previdência Social demandaria extensa e profunda dilação probatória, incompatível com a necessidade de efetivação dos direitos sociais mais básicos das parcelas mais pobres da população, e mesmo com as parcas condições econômicas do trabalhador para fazer frente a processo tão complexo.
Esses fatores estão subjacentes ao entendimento dominante nesta Corte, segundo a qual o trabalhador rural volante/diarista/boia-fria é equiparado ao segurado especial quanto aos requisitos necessários para a obtenção dos benefícios previdenciários, focando-se então a questão na prova do exercício da atividade rural no respectivo período de carência. Nesse sentido: REOAC 0000600-28.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 17/04/2012; AC 0020938-57.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 15/03/2012; APELREEX 0017078-48.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogério Favreto, D.E. 16/02/2012).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
A parte autora implementou o requisito etário em 25/12/2013 (Evento 1, OUT3) e requereu o benefício na via administrativa em 24/04/2014 (Evento 1, OUT13). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses imediatamente anteriores a 2013 ou 2014, mesmo que de forma descontínua.
O autor alega ter exercido a atividade rural na condição de boia-fria.
Para fins de constituição de início de prova material, a ser complementada por prova testemunhal idônea, foram apresentados os seguintes documentos:
a) certidão de casamento em 1981, onde está qualificado como lavrador (evento 1, OUT5);
b) certidões de nascimento dos filhos, em 1985 e 1987, onde está qualificado como retireiro e lavrador, respectivamente (evento 1, OUT6);
c) certidão de casamento do filho em 2004, onde consta que o autor é lavrador (evento 1, OUT7, fl. 2);
d) CTPS com registro de vínculo como empregado rural safrista em 1993 (evento 1, OUT8);
e) CTPS da esposa do autor, com registros de vínculos rurais como safrista em 1993 e 1994 (evento 1, OUT9);
f) contrato de parceria agrícola para exploração de bicho da seda, de 03/1996 a 03/1999, por parte do autor e sua esposa, na propriedade de Ilson Barbosa Duarte (evento 1, OUT10 e OUT11);
g) certidão eleitoral, expedida em 2014, constando que o autor qualificou-se como trabalhador rural (evento 1, OUT12).
Na linha de entendimento fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material, mesmo aqueles extemporâneos ao período equivalente ao de carência.
Na audiência realizada em 23/04/2015 (evento 41; vídeos juntados no evento 68) foram ouvidos o autor e duas testemunhas, cujos depoimentos foram assim sintetizados na sentença:
Da análise da prova testemunhal, constata-se que há mais de 20 (vinte) anos o autor trabalha na atividade agrícola, ora no regime de economia familiar ora como diarista.
A parte autora Antonio Ferreira dos Passos, em seu depoimento corroborou os fatos que alegou na inicial :
"(...) Que tem 62 anos de idade e mora em Alto Paraná há 30 anos; que foi casado com a Sra. Maurina por 35 anos; que sempre trabalhou como boia-fria na lavoura com os 'gatos' Bento, Claudio Palito e Bidias; que tem 4 filhos que trabalham na roça de mandioca; que trabalhou na lavoura de café, feijão, milho e mandioca; quando trabalhava com bicho da seda o seu patrão era o Ilson, dono da propriedade rural; que ficou sem trabalhar apenas no período em que sua esposa ficou doente; atualmente trabalha com o 'gato' Bento na lavoura de mandioca;
A testemunha, José Bento, reforçou em seu depoimento a veracidade dos fatos alegados pelo autor:
"(...) Que tem 62 anos e mora em Alto Paraná há 30 anos; que se aposentou na qualidade de trabalhador rural; que conhece o autor faz uns 26 ou 27 anos; que é o gerenciador, que leva as pessoas para o trabalho, é conhecido como 'gato'; que levava e ainda leva o autor para o trabalho rural; que já levou o requerente para o trabalho na propriedade do Seu João Pasquali; que o autor já trabalhou com os 'gatos' Claudio Palito, Denilson, Augusto e Aparecido Dias o 'Bidias'; que o autor continua trabalhando na roça arrancando mandioca; que sabe que o requerente trabalhou na usina em um sítio; que o autor tem 4 filhos; que hoje não sabe se o autor ainda está trabalhando (...)"
Ainda, note-se que a prova testemunhal confirma que a parte autora sempre desenvolveu atividade laboral, tanto que a testemunha Vera Lucia da Silva Nascimento aduziu:
"(...) Que tem 59 anos e mora há 10 anos em Alto Paraná; é aposentada na qualidade de trabalhadora rural; que conheceu o autor há 10 anos, trabalhando como 'boia-fria'; trabalhavam na roça de mandioca; que trabalhavam com os 'gatos' Denilson, José Bento e Claudio Palito; que o autor sempre trabalhou na roça; que o requerente e sua esposa cuidavam de um barracão de bicho da seda; que até hoje o autor trabalha no meio rural (...)"
Entendo que o autor logrou demonstrar que trabalhou como safrista no período equivalente ao de carência. O curto espaço de 3 anos em que efetivou parceria agrícola cuidando de um barracão de bicho da seda está fora do período que necessita comprovar, mas ainda que assim não fosse em nada prejudicaria a pretensão, por se tratar de atividade rurícola exercida em regime de ecnomia familiar com sua esposa.
O safrista é trabalhador rural contratado por pequeno prazo para o exercício de atividades de natureza temporária, consoante disciplina o art. 14-A da Lei 5.889/1973 (que regula o trabalho rural), incluído pela Lei 11.718/2008. Portanto, tem relação de emprego, cujo contrato de trabalho deve ser formalizado mediante inclusão do obreiro em Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), bem como mediante anotação em CTPS ou Ficha de Registro de Empregados ou, ainda, através de contrato escrito (§§ 2º e 3º do art. 14-A da referida Lei). Por via de consequência, está sujeito a contribuição previdenciária (§ 5º), cujo recolhimento é de responsabilidade do empregador (§ 7º).
O fato de as relações de trabalho não terem sido devidamente formalizadas não pode vir em prejuízo do autor, desde que demonstrado ter exercido a atividade rural como safrista, como ocorreu no caso concreto.
Ademais, da mesma forma que o bóia-fria, também para o safrista devem ser mitigadas as exigências relativas à apresentação de prova documental, pois, guardadas as diferenças, têm em comum a hipossuficiência e o fato de atuarem em um universo no qual a regra é a informalidade e a ausência de documentação, a despeito da existência de normativa legal que deveria, no caso do safrista, protegê-lo.
Por tais razões, em que pese este Tribunal equiparar o boia-fria ao segurado especial, no caso concreto entendo que o autor deve ser considerado empregado safrista, com direito à aposentadoria pleiteada nos termos do artigo 143, da Lei 8213/91, c/c artigos 2º e 3º, da Lei 11718/08, bem como artigo 14-A, da Lei 5889/73.
O conjunto probatório, portanto, demonstra o exercício da atividade rural pela parte autora desde longa data até, no mínimo, a ocasião em que requereu o benefício.
Assim, tendo o autor completado 60 anos em 25/12/2013 e demonstrado o efetivo exercício de atividade rural por período superior a 180 meses, contados, retroativamente, de 2014, é devido o benefício de aposentadoria por idade rural a partir da data do requerimento administrativo (24/04/2014).
Tutela específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497 do Código de Processo Civil de 2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 9 de agosto de 2007), a parte autora faz jus ao cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício.
Todavia, não há necessidade de determinar a imediata implantação, já efetuada por força do provimento antecipatório, conforme constatei em consulta ao sistema Plenus (NB 173.385.125-6, implantado em 20/10/2015).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS e manter a implantação do benefício já efetivada no primeiro grau.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8819953v21 e, se solicitado, do código CRC 5DA96035. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5051118-29.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00012884820148160041
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Fábio Venzon |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANTONIO FERREIRA DOS PASSOS |
ADVOGADO | : | ROGERIO CEZAR MOLIN |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/03/2017, na seqüência 278, disponibilizada no DE de 20/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E MANTER A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO JÁ EFETIVADA NO PRIMEIRO GRAU.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
Data e Hora: | 08/03/2017 17:19 |