Apelação Cível Nº 5005295-22.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: TEREZA DA LUZ DILL
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença de improcedência do pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade (
).A recorrente sustenta, em síntese, ter comprovado por meio de documentos o exercício de atividade rural no período de carência, o que foi corroborado pela prova testemunhal. Cita que o INSS já reconheceu o labor no campo no período de 12 anos, 7 meses e 4 dias. Pede a reforma da sentença com vistas à concessão de aposentadoria por idade rural desde a data do requerimento administrativo em 11/01/2016 (
).Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Aposentadoria por Idade Rural
O art. 201, II, § 7º da Constituição Federal assegura a aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher. (Redação dada pela Emenda Constitucional 103/2019).
A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.
A exigência do preenchimento do requisito carência imediatamente antes da idade/DER decorre de expressa previsão do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, assim como da lógica do sistema. A aposentadoria com redução etária [de no mínimo cinco anos] visa proteger o trabalhador rural que, em razão da idade, perde o vigor físico, dificultando a realização das atividades habituais que garantem a sua subsistência. Não se pode perder de vista, igualmente, que a benesse ao segurado especial [ausência de contribuição mensal] foi concebida pelo constituinte originário fulcrada na dificuldade de essa gama de segurados efetuarem contribuições diretas ao sistema, e, especialmente, na importância social e econômica da permanência desses trabalhadores no campo.
O art. 39, I da Lei de Benefícios prevê que, para os segurados especiais referidos no inciso VII do caput do art. 11, fica garantida a concessão de aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário-mínimo.
Do Tempo de Serviço Rural
Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
[...]
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.
A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.
O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Do Caso Concreto
A parte autora, nascida em 27/12/1960, completou 55 anos de idade na data de 27/12/2015. Assim, para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural precisa comprovar o exercício de atividade rural pelo período de 180 meses, contados de forma imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, formulado em 11/01/2016, ou seja, de 2000 a 2015 ou de 2001 a 2016.
No caso, consta na sentença (
):O requisito da idade restou comprovado, conforme se vê pelo documento de mov. 1.3 vez que a parte autora nasceu em 27/12/1960.
Com o preenchimento do requisito da idade no ano de 2015, a parte autora deve comprovar o exercício de atividade rural pelo prazo de 180 meses, nos termos do art. 142 da Lei n. 8.213/91.
Resta comprovar o efetivo exercício da atividade rural no período idêntico a carência.
Para comprovação da atividade rural o autor juntou aos autos como início de prova material os seguintes documentos: a) notas de produtor rural dos anos de 2003 a 2006, de 2008 a 2016 (seq. 1.4 a 1.6). b) registro de imóvel rural (seq. 1.6). c) contrato de parceria avicula no ano de 2000 (seq. 1.11).
Os demais documentos acostados nos autos são extemporâneo ao período de carecia.
Tais documentos podem ser tidos como início de prova documental da atividade agrícola desenvolvida pela parte autora, visto que expressamente mencionam sua ocupação laboral.
O início de prova documental não necessariamente será plena em relação a todos os anos correspondentes ao período equivalente ao da carência. A jurisprudência vem admitindo como início de prova material notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, certidão da justiça eleitoral e etc. Tais documentos, juntamente com a prova oral, devem possibilitar a formação de um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Embora o art. 106 da Lei n.º 8.213/91 arrole os documentos aptos à comprovação da atividade rural, este rol não é taxativo, podendo a parte interessada apresentar outros documentos, desde que aptos a comprovar o exercício da atividade rural nas condições previstas no art. 11, VIII , da já mencionada lei.
Conforme entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, havendo início de prova material é necessário a complementação pela prova testemunhal.
[..]
Além da prova documental carreada aos autos com a petição inicial, em sede administrativa foram colhidos depoimentos testemunhais.
A testemunha LEANDREZ CORAZZA COSTA declarou que apenas viu a autora laborando até o período de 1995/1996 a 2000/2001 e de 2007 a 2010, já a testemunha MARCELINO JOSE BALDO declarou que viu a autora laborando em atividade rural no período de 2000 a 2006/2007 e de 2010 até os dias atuais. (seq. 59.9).
Conforme se verifica a autora não logrou êxito em comprovar a atividade rural do período de 2000/2001 até o ano de 2007, tendo em vista que não se encontram nos autos documentos que comprovem a atividade rural em todo o período de carência, improcedência do pedido é medida que se impõe.
Entendo que o caso comporta solução diversa.
Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou os documentos mencionados na sentença (
, , , , p. 1-2, , p. 2-3), dos quais destaco as notas fiscais de venda da produção rural emitidas em 1994 a 1996, 2003 a 2006 e em 2008 a 2016.Destaco do CNIS (
) que a parte autora teve reconhecido pelo INSS o período de atividade de segurada especial de 01/01/2004 a 31/05/2022, tendo sido concedido o benefício de aposentadoria por idade rural, na condição de segurada especial, NB 198.661.654-9, a partir de 31/05/2022, conforme .Remanesce, portanto, a comprovação do labor rural no período de 2000 a 2003.
Com efeito, tenho que os documentos trazidos à colação pela parte autora denotam a sua origem campesina, tendo o conjunto probatório indicado o exercício de labor rural durante todo o período de carência.
Depreendo a apresentação da nota fiscal nº 1087, emitida em 21/11/2003, vpalida como início de prova material para o referido ano. A prova testemunhal (
, p. 7, 9 e 10) convergiu no sentido do exercício de atividade rural pela autora no período de carência. Destaca-se o depoimento de Marcelino José Baldo ( , fl. 10), que confirmou o labor pela autora no período ainda controvertido.Conforme se depreende do CNIS (
) a parte autora não ostenta nenhum registro de vínculo empregatício ou de recolhimento de contribuições previdenciárias e apresentou contrato de parceria agrícola celebrado em 01/07/2000 ( , p. 3). Ademais, houve percepção do benefício de auxílio por incapacidade temporária como segurada especial, no período de 05/06/2004 a 18/06/2004.Como referido anteriormente, o início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados, corroborado pela prova testemunhal. No caso, a prova testemunhal foi uníssona e coerente, mostrando-se apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental.
Tenho que a documentação apresentada constitui início razoável de prova material do labor rural e comprova a vinculação da parte autora ao meio rural, corroborada por robusta prova testemunhal quanto ao desempenho de atividade agrícola no período de carência.
Em face do exposto, a teor da Súmula 577 do STJ, que preconiza a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, quando amparado por convincente prova testemunhal, cabível a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural desde a DER em 11/01/2016.
Correção Monetária e Juros
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11/08/2006 e 08/12/2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02/03/2018), inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29/06/2009 e 08/12/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários Sucumbenciais
Modificada a solução da lide, pagará o INSS honorários advocatícios fixados em 10% do valor das parcelas vencidas.
Da Tutela Específica
Deixo de determinar a imediata implantação, uma vez que a autora recebe aposentadoria por idade rural desde 31/05/2022.
Prequestionamento
No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Conclusão
Dado provimento ao apelo da parte autora para conceder aposentadoria por idade rural desde a DER 11/01/2016, com pagamento das parcelas vencidas referentes ao período de 11/01/2016 a 30/05/2022.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5005295-22.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: TEREZA DA LUZ DILL
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS.
1. A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.
2. Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material, o qual não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental.
3. Hipótese em que o conjunto probatório coligido denota o exercício de atividade rural, sendo possível a concessão de aposentadoria por idade rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de julho de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/07/2024 A 10/07/2024
Apelação Cível Nº 5005295-22.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: TEREZA DA LUZ DILL
ADVOGADO(A): BRUNA DE OLIVEIRA BENI (OAB PR062016)
ADVOGADO(A): OLICIO ALVES BENI (OAB PR033677)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/07/2024, às 00:00, a 10/07/2024, às 16:00, na sequência 663, disponibilizada no DE de 24/06/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 20/07/2024 04:01:21.