
Apelação Cível Nº 5014174-18.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença de improcedência do pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural a partir de 15/06/2018 (
).O recorrente sustenta, em síntese, ter apresentado início de prova material comprovando o exercício de atividade rural no período de carência, corroborado pela prova testemunhal. Pede a concessão do benefício desde a data do requerimento administrativo (
).Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Aposentadoria por Idade Rural
O art. 201, II, § 7º da Constituição Federal assegura a aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher. (Redação dada pela Emenda Constitucional 103/2019).
A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.
A exigência do preenchimento do requisito carência imediatamente antes da idade/DER decorre de expressa previsão do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, assim como da lógica do sistema. A aposentadoria com redução etária [de no mínimo cinco anos] visa proteger o trabalhador rural que, em razão da idade, perde o vigor físico, dificultando a realização das atividades habituais que garantem a sua subsistência. Não se pode perder de vista, igualmente, que a benesse ao segurado especial [ausência de contribuição mensal] foi concebida pelo constituinte originário fulcrada na dificuldade de essa gama de segurados efetuarem contribuições diretas ao sistema, e, especialmente, na importância social e econômica da permanência desses trabalhadores no campo.
O art. 39, I da Lei de Benefícios prevê que, para os segurados especiais referidos no inciso VII do caput do art. 11, fica garantida a concessão de aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário-mínimo.
Do Tempo de Serviço Rural
Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
[...]
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.
A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.
O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Do Caso Concreto
A parte autora, nascida em 15/03/1957, completou 60 anos de idade na data de 15/03/2017. Assim, para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural precisa comprovar o exercício de atividade rural pelo período de 180 meses, contados de forma imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, formulado em 15/06/2018, ou seja, de 2002 a 2017 ou de 2003 a 2018.
No caso, consta na sentença (
):No caso, o autor completou a idade mínima legalmente exigida (60 anos) em 15/03/2017, pois nasceu em 15/03/1957.
De acordo com o artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, teria que comprovar ainda, o exercício de atividade rural durante 180 (cento e oitenta) meses ou 15 (quinze) anos, de 15/03/2002 a 15/03/2017.
A título de início de prova material, juntou o autor os seguintes documentos: a) contrato de parceria agrícola em nome do seu pai, referente ao período de 30/09/1984 a 30/09/1987 (seq. 1.6); b) contratos de parceria agrícola em seu nome, referentes aos períodos de 30/09/1991 a 30/09/1993, 30/09/1994 a 30/09/1997 e 01/10/1999 a 30/09/2002 (seq. 1.6 e 1.7); c) instrumento particular de parceria de retiro de leite, referente ao período de 01/05/1998 a 31/10/1998 (seq. 1.7); d) notas fiscais de venda de produtos agrícolas em seu nome datadas de 1994, 1996, 1997, 1998, 1999 e 2001 (seq. 1.7 e 1.8); e) certidão de casamento lavrada em 19/10/1985, onde sua profissão consta como lavrador (seq. 1.9) e f) cópia da sua CTPS onde constam registros de contratos de trabalho rural nos anos de 2003 a 2011 (seq. 1.9).
Inobstante a documentação supracitada e os depoimentos das testemunhas e informante, os quais afirmaram que o autor trabalhou no meio rural, o certo é que o durante vários anos do período de carência o requerente realizou trabalho urbano, o que se infere pela cópia da CTPS juntada na seq. 1.9, fl. 04 e CNIS na seq. 1.11, fl. 03, onde consta registro de contrato de trabalho como auxiliar de expedição no período de 28/06/2011 a 23/05/2016, informações essas que afastam a sua qualidade se segurado especial, eis que contraria o disposto no art. 11, VII, da Lei 8.213/1991.
Desta forma, não comprovou o requerente a sua qualidade de segurado especial em grande parte do período de carência. E assim, não se desincumbiu do ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, o que seria seu dever a teor do art. 373, inc. I do CPC, razão pela qual, a improcedência do pedido inicial é medida que se impõe.
Não vejo razões para a reforma da sentença.
Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais cito:
a) contrato de parceria agrícola firmado pelo pai do autor em 26/09/1984, referente ao período de 30/09/1984 a 30/09/1987 (
, p. 5-6);b) contratos de parceria agrícola em nome próprio, referentes aos períodos de 30/09/1991 a 30/09/1993, 30/09/1994 a 30/09/1997 e 01/10/1999 a 30/09/2002 (
, p. 7 e , p. 1-3 e 6-7);c) instrumento particular de parceria de retiro de leite, referente ao período de 01/05/1998 a 31/10/1998 (
, p. 4-5);d) notas fiscais de venda de produtos agrícolas em nome próprio, datadas dos anos de 1994, 1996, 1997, 1998, 1999 e 2001 (
, p. 8 e , p. 1-5);e) certidão de casamento lavrada em 19/10/1985, onde o autor foi qualificado como lavrador (
, p. 1);f) cópia da CTPS onde constam registros de contratos de trabalho descontínuos como trabalhador rural entre 2003 e 2011. No período de 28/06/2011 a 07/07/2016 o autor manteve vínculo de emprego com a emp0resa OPPNUS Indústria do Vestuário Ltda., no cargo de auxiliar de expedição (
, p. 2-4).Como se percebe, os documentos coligidos indicam a origem campesina do autor e de sua família, bem como o exercício de atividade rural até o ano de 2011, seja na condição de segurado especial, seja como empregado rural.
No entanto, a partir de 28/06/2011 o autor passou a exercer atividade urbana, mediante vínculo de emprego anotado na Carteira de Trabalho, não sendo possível, desde então, o seu enquadramento como trabalhador rural (empregado) ou segurado especial.
A respeito, o art. 11, VII, § 10, da Lei 8.213/1991, dispõe:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
[...]
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
§ 10. O segurado especial fica excluído dessa categoria: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
I – a contar do primeiro dia do mês em que:
[...]
b) enquadrar-se em qualquer outra categoria de segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto nos incisos III, V, VII e VIII do § 9o e no § 12, sem prejuízo do disposto no art. 15; (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013). Sem grifos no original.
Reitero. A concessão de aposentadoria por idade rural exige a comprovação do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou ao cumprimento do requisito etário.
Como o autor deixou de exercer atividade rural no ano de 2011, não completou a carência necessária (180 meses) à concessão do benefício pleiteado.
Anoto, por fim, que a parte autora teve concedida aposentadoria por idade, NB 202.429.431-0, em 15/03/2022 (
).Honorários Recursais
Considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, majoro a verba honorária para 12% do valor atualizado da causa, mantida a suspensão por conta da justiça gratuita deferida.
Prequestionamento
No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do autor.
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Apelação Cível Nº 5014174-18.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. tempo rural. exercício de atividade urbana. carência. descumprimento. benefício indevido.
1. A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.
2. Hipótese em que a parte autora não cumpriu a carência necessária à concessão do benefício, haja vista o exercício de atividade urbana em parte do período, mediante vínculo de emprego anotado na Carteira de Trabalho.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 26 de setembro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 18/09/2024 A 26/09/2024
Apelação Cível Nº 5014174-18.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 18/09/2024, às 00:00, a 26/09/2024, às 16:00, na sequência 830, disponibilizada no DE de 09/09/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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