Apelação Cível Nº 5000758-92.2019.4.04.7140/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: MARIA MARGARET BOHRER (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
MARIA MARGARET BOHRER propôs ação de procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, bem como ao pagamento de todos os benefícios não pagos desde a data da cessação do benefício, ocorrida em 05/06/2019.
Sobreveio sentença (
) que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:"Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos para:
a) determinar ao INSS que conceda o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente à parte autora (MARIA MARGARET BOHRER, CPF 66939216049), desde a citação em 10/09/2020, com data de início do pagamento (DIP), renda mensal inicial (RMI) e renda mensal atual (RMA) a serem calculados administrativamente pelo INSS.
- condenar o INSS a pagar à parte autora os valores em atraso desde a DIB até o primeiro dia do mês da implantação (DIP), levando em consideração os critérios de cálculo descritos na fundamentação acima, referentes à soma das diferenças, verificadas mês a mês, entre os valores que eram devidos (nos termos desta sentença) e os que lhe foram pagos, excluídas as parcelas prescritas (aquelas que precederam os 5 anos anteriores à propositura da presente ação) e observado o disposto no art. 2º, III da Lei 13.982/20, c/c o artigo 1°, § 3º, II, da MP 1000/2020, referente a eventual recebimento de auxílio emergencial. Atualização nos termos da fundamentação.
Antecipação de tutela deferida para o fim de implantação do benefício. Requisite a Secretaria o seu cumprimento ao Gerente Executivo do INSS na Subseção, por meio da CEAB, no prazo de praxe".
Interpostos embargos de declaração, não foram acolhidos (
).Apelou a parte autora pedindo a reformada da sentença: a) fixando a DIB da aposentadoria por invalidez/incapacidade permanente na DCB do auxílio-doença, ou seja, em 05/06/2019 e b) subsidiariamente, caso não acolhido o pedido anterior, seja desconstituída a r. sentença, ante o vício citra petita, com a análise do pedido subsidiário de revisão da RMI da aposentadoria por idade, nos termos do art. 1.013, §3º do CPC (
).O apelado pediu o desprovimento do recurso (evento 126, CONTRAZ1).
Recorreu também o INSS, alegando inexistência de incapacidade ao argumento de que a parte autora desempenhou atividades no período, conforme CNIS. Subsidiariamente, requereu que o termo inicial do benefício fosse fixado na data da sentença ou na data da realização da perícia judicial, bem como a exclusão dos períodos nos quais a parte autora desempenhou atividade remunerada concomitante ao período de benefício. Requereu ainda efeito suspensivo ao recurso, cessando-se imediatamente a antecipação dos efeitos da tutela deferida em primeiro grau, nos termos do artigo 1.012 e §§ 3º, I, e 4º, do CPC (
).Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. O apelado pediu o desprovimento do recurso (eventos 126 e 139).
É o relato.
VOTO
Admissibilidade
Recursos adequados e tempestivos.
Benefícios por incapacidade laboral
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença foram tratados pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, que instituiu a Reforma da Previdência, como aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, respectivamente. A nova nomenclatura já foi inserida nos artigos 43 e 71 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99), com a redação dada pelo Decreto n.º 10.410/00.
Da leitura dos artigos acima transcritos, infere-se que são requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: i) qualidade de segurado do requerente; ii) cumprimento da carência de 12 contribuições, quando necessária; iii) incapacidade permanente e insuscetível de reabilitação profissional para o exercício de qualquer atividade laboral (aposentadoria); ou iv) incapacidade para o exercício da atividade exercida (auxílio).
Assim, para fazer jus ao benefício de auxílio-doença basta que o segurado esteja incapacitado para o exercício da sua atividade laboral, ou seja, a incapacidade pode ser total ou parcial, temporária ou permanente. Já a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade laboral.
Saliente-se que a doença pré-existente à filiação ao Regime Geral de Previdência não ensejará a percepção dos benefícios, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença.
Importa ressaltar que os benefícios de incapacidade são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita.
Acresça, ainda, que o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto, uma vez que não se pode olvidar que existem fatores que influenciam na possibilidade de reabilitação do segurado para atividade diversa da exercida, v.g., faixa etária, grau de escolaridade, qualificação profissional.
No caso concreto, inexiste controvérsia em relação à qualidade de segurado e à carência, cingindo-se a questão recursal ao termo inicial da incapacidade e a existência desta em razão do exercício atividade remunerada.
Aposentadoria por Incapacidade Permanente - Terrmo inicial
Os requisitos para a concessão do benefício foram bem analisados na decisão recorrida, cuja excerto da fundamentação cito e adoto como razões de decidir:
Consta do laudo pericial anexado aos autos:
Conclusão: com incapacidade permanente para toda e qualquer atividade
- Justificativa: A Autora tem limitações relacionadas a carregamento de pesos , esforço físico ,flexo extensão e rotação de tronco constantes, ortostatismo e deambulação prolongados
- DII - Data provável de início da incapacidade: 05/06/2019
- Data a partir da qual foi possível constatar que a incapacidade era permanente: 05/06/2019
- Justificativa: DII e incapacidade constatados através dos elementos obtidos no processo caracterizando incapacidade permanente da Autora.
- Há necessidade de acompanhamento permanente de terceiros? NÃO
- O(a) examinado(a) apresenta transtorno relacionado ao uso de substância(s) psicoativa(s) (ébrio habitual e/ou viciado em drogas ilícitas) ou está impossibilitado de exprimir sua vontade em razão de causa transitória ou permanente? NÃO
Intimado para prestar esclarecimentos, o perito informou:
"Considerando as patologias da Autora em cotejo com as funções de trabalho as quais foi reabilitada como professora de educação especial não há incapacidade para esta atividade. Portanto, retifico a laudo anteriormente emitido. A Autora pode desempenhar as atividades de trabalho as quais foi reabilitada."
A parte autora impugnou o laudo complementar. Requereu a realização de nova perícia médica (evento 89).
A fim de melhor elucidar os fatos, foi oficiado à empregadora da parte autora (Prefeitura Municipal de Canela), requerendo informações sobre as suas atividades atuais, funções exercidas nos últimos cinco anos, se as funções atuais exigem ortostatismo e quais as atividades a autora poderia realizar de maneira não ortotástica.
Em resposta, o município enviou cópia da portaria de nomeação e atribuições dos cargos da autora. Informou que a autora entrou em licença para tratamento de saúde em 11/03/2014, sendo encaminhada para programa de reabilitação profissional do INSS em 19/05/2016, concluído em outubro de 2016, consoante certificado juntado, quando cessado o afastamento. A autora retornou à mesma função em atividades diversas, com restrições para atividades que exijam deambulação e ortostatismo prolongado, longos períodos estáticos, subir e descer escadas, carregamento de peso, posições forçadas com a coluna vertebral. Por fim, constou que as funções atuais exigem ortostatismo, pois precisa atender aos alunos e que a autora não se adapta a nenhuma atividade a ser exercida na função de profissional do magistério (evento95, OFIC2).
Diante das informações fornecidas pela Prefeitura Municipal de Canela, em cotejo com os demais elementos dos autos, notadamente a idade da autora (62 anos) e a natureza das suas atividades, não vislumbro a possibilidade de desempenho do seu ofício, hipótese já rechaçada pelo empregador.
Quanto ao termo inicial, a decisão recorrida fundamentou a concessão do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente apenas a partir da citação no fato de não ter havido prévio requerimento administrativo de aposentadoria e sim de auxílio-doença.
Ocorre que é questão pacificada na jurisprudência a fungibilidade dos benefícios previdenciários.
A propósito, menciono precedente desta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. FUNGIBILIDADE. SENTENÇA EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. 1. Esta Corte vem firmando o entendido da fungibilidade entre os benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente e os de caráter assistencial, em razão do postulado de que eles efetivam a proteção social aos mesmos fatos geradores. 2. Hipótese em que foi requerida a concessão alternativa de auxílio-doença desde a DCB ou de aposentadoria por invalidez, desde a data da incapacidade definitiva constatada em laudo pericial. 3. Apelo do INSS desprovido. (TRF4 5000836-74.2021.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/10/2021)
No caso concreto, foi requerida administrativamente a prorrogação do auxílio por incapacidade temporária (
).Sendo fungíveis os benefícios por incapacidade, mostra-se irrelevante o requerimento administrativo ser de Auxílio por Incapacidade Temporária ou Aposentadoria por Incapacidade Permanente, devendo o julgador conceder o benefício adequado, de acordo com a prova produzida nos autos.
Aliás, como corretamente asseverado pela apelada em sede de contrarrazões, sequer é possível o requerimento administrativo direto de Aposentadoria por Incapacidade Permanente, devendo a segurada inicialmente requerer auxílio por incapacidade temporária. Posteriormente, realizada a perícia, a autarquia concederá um ou outro benefício.
Portanto, reconhecida na perícia judicial a existência de incapacidade permanente a partir de 05/06/2019 (
), deve o benefício de aposentaria por incapacidade permanente ser concedido desde a cessação do auxílio por incapacidade temporária cuja a prorrogação foi negada no âmbito administrativo.Atividade remunerada concomitante ao período de benefício
A questão já foi objeto de enfrentamento pelo Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada em 24/06/2020, quando do julgamento do Tema 1.013, firmando a seguinte tese:
No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.
Assim, embora conste dos autos remuneração referente ao período em que a parte autora estava incapacitada conforme perícia, de 05/06/2019 a 10/09/2020 (
), tal fato não impede o recebimento de benefício de incapacidade no período, uma vez que cancelado o benefício de auxílio-doença se justifica o retorno das atividades laborais para a garantia de sobrevivência.Do pedido subsidiário de revisão da RMI da aposentadoria por idade.
Concedido o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, resta prejudicada a revisão da RMI da aposentadoria por idade.
Do efeito suspensivo ao recurso.
Improvido o recurso do INSS no capítulo anterior, resta prejudicado o requerido efeito suspensivo.
Honorários Recursais
Vencido o INSS tanto em primeira como em segunda instância, sujeita-se ao acréscimo de honorários de advogado de sucumbência recursais de que trata o § 11 do art. 85 do CPC. Majora-se o saldo final de honorários de advogado de sucumbência fixado na sentença, para a ele acrescer vinte por cento.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p.único, da Lei Complementar Estadual nº156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Conclusão
A sentença deve ser parcialmente reformada para o fim de conceder o benefício de Aposentaria por Incapacidade Permanente a partir do dia imediatamente posterior à cessação do auxílio por incapacidade temporária ocorrida em 05/06/2019.
Dispositivo
Em face do exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento ao recurso do réu.
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Apelação Cível Nº 5000758-92.2019.4.04.7140/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: MARIA MARGARET BOHRER (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
aposentadoria por incapacidade permanente. fixação da DIB.
Havendo prévio requerimento administrativo e tendo a perícia judicial constatado que a incapacidade se manteve sem solução de continuidade desde a DCB do Auxílio por Incapacidade Temporária, a DIB da Aposentadoria por Incapacidade Permanente concedida judicialmente será o dia imediatamente posterior à cessação do Auxílio por Incapacidade Temporária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento ao recurso do réu, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de setembro de 2022.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003456612v6 e do código CRC 20b5935c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/09/2022 A 27/09/2022
Apelação Cível Nº 5000758-92.2019.4.04.7140/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON
APELANTE: MARIA MARGARET BOHRER (AUTOR)
ADVOGADO: HENRIQUE JOSE HALLER DOS SANTOS DA SILVA (OAB RS098079)
ADVOGADO: CÉSAR AUGUSTO FAVERO (OAB RS074409)
ADVOGADO: QUELI MEWIUS BOCH (OAB RS067771)
ADVOGADO: ALINE RADTKE (OAB RS095306)
ADVOGADO: RAFAELA DO AMARAL (OAB RS104216)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/09/2022, às 00:00, a 27/09/2022, às 16:00, na sequência 270, disponibilizada no DE de 08/09/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:08:22.