D.E. Publicado em 15/12/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001498-70.2014.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | MARIA ELISABETE DE ALMEIDA TAVARES |
ADVOGADO | : | Mario Lair de Souza |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL. HIV. CONDIÇÃO DE SEGURADA. COMPROVAÇÃO. CONCESSÃO. TERMO INICIAL.
1. Nas ações objetivando benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial, sem prejuízo que adote outros fatores e elementos para formar sua livre convicção, dada a liberdade de apreciação das provas e o livre convencimento motivado.
2. Hipótese em que, diante da natureza da doença, o estigma que provoca e os riscos ao sistema imunológico do seu portador, cabível a concessão do benefício por incapacidade. A Lei 7.670/88, ao prever tal patologia como causa justificadora do direito à aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, não fez qualquer ressalva quanto aos períodos assintomáticos.
3. Comprovada a manutenção da qualidade de segurada na data em que comprovada, nos autos, a existência da doença, possível a concessão da aposentadoria por invalidez.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de novembro de 2016.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6548445v70 e, se solicitado, do código CRC 9174746C. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
Data e Hora: | 24/11/2016 16:49 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001498-70.2014.404.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | MARIA ELISABETE DE ALMEIDA TAVARES |
ADVOGADO | : | Mario Lair de Souza |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, proposta por MARIA ELISABETE DE ALMEIDA TAVARES contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o restabelecimento do benefício de auxílio-doença ou, alternativamente, a concessão de aposentadoria por invalidez, com o pagamento de parcelas vencidas, retroativas à data da alta administrativa (05-07-2010), devidamente corrigidas e acrescidas de juros legais.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido, fls. 18-9.
O magistrado singular julgou improcedente o pedido condenando a autora ao pagamento das custas e aos honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.200,00, suspendendo, contudo, a exigibilidade, em razão da AJG concedida. Revogou a tutela antecipada.
Em suas razões, a parte autora postula a reforma da sentença, pois além de ser portadora de artrite reumatoide, dor lombar baixa, radiculopatia, também é portadora de HIV, sofrendo de doenças oportunistas, tais como tuberculose, febres esporádicas, etc. Argumenta que está desamparada e que necessita do restabelecimento do auxílio-doença, a ser convertido em aposentadoria por invalidez, tendo em vista não mais possuir condições laborativas. Aduz que o fato de descobrir ser soropositiva após o ajuizamento não impede a concessão do benefício. Requer, ainda, a determinação de realização de nova perícia clínica, tendo em vista o surgimento de doença superveniente à propositura do feito. Renova, por fim, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
Após as contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal, onde foi determinado o retorno à origem para a realização de nova prova pericial a fim de esclarecer a alegada condição de portadora de HIV e de tuberculose.
Realizada nova perícia (fls. 112/114), o magistrado singular acabou por proferir nova sentença também julgando improcedente o pedido, contra a qual a parte autora novamente apelou (fls. 133/142).
A movimentação processual do feito foi reativada (fl. 144).
À fl. 146 a autora renova o pedido de tutela antecipada.
À fl. 149 foi oportunizada à demandante, novamente, que juntasse documentos comprovando as doenças alegadas (HIV e tuberculose) e, após, retornaram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Consigno, inicialmente, que o despacho proferido à fl. 98 determinou apenas a baixa dos autos em diligência para nova prova pericial, não anulando a sentença prolatada às fls. 82/83. Portanto, torno sem efeito a nova sentença proferida às fls.127/131 e passo a examinar o primeiro apelo interposto pela autora, juntado às fls. 85/92.
Do benefício por incapacidade
Conforme o disposto no art. 59 da Lei n.º 8.213/91, o auxílio-doença é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, salvo as exceções legalmente previstas, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. A aposentadoria por invalidez, por sua vez, será concedida ao segurado que, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição, nos termos do 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
A lei de regência estabelece, ainda, que para a concessão dos benefícios em questão se exige o cumprimento da carência correspondente a 12 (doze) contribuições mensais (art. 25), salvo nos casos legalmente previstos.
Na eventualidade de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições exigidas, prevê o art. 15 da Lei n.º 8.213/91 um período de graça, prorrogando-se, por assim dizer, a qualidade de segurado durante determinado período. Vejamos:
"Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
Decorrido o período de graça, o que acarreta a perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores poderão ser computadas para efeito de carência. Exige-se, contudo, um recolhimento mínimo de 1/3 do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido, conforme se extrai da leitura do art. 24 da Lei n.º 8.213/91. Dessa forma, cessado o vínculo, eventuais contribuições anteriores à perda da condição de segurado somente poderão ser computadas se recolhidas, in casu, mais quatro contribuições.
É importante destacar que o pressuposto para a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez é a existência de incapacidade (temporária ou total) para o trabalho. Isso quer dizer que não basta estar o segurado acometido de doença grave ou lesão, mas, sim, demonstrar que sua incapacidade para o labor decorre delas.
De outra parte, tratando-se de doença ou lesão anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, não será conferido o direito à aposentadoria por invalidez/auxílio-doença, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão (§ 2º do art. 42).
Em resumo, a concessão de benefícios por incapacidade pressupõe a demonstração dos seguintes requisitos: a) a qualidade de segurado; b) cumprimento do prazo de carência de 12 (doze) contribuições mensais (quando exigível); c) incapacidade para o trabalho de caráter total e permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
No mais, deve ser ressaltado que, conforme jurisprudência dominante, nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez o julgador firma seu convencimento, de regra, através da prova pericial.
Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA. BAIXA DOS AUTOS À ORIGEM. REABERTURA DE INSTRUÇÃO. REALIZAÇÃO DE LAUDO. 1. Nas ações em que se objetiva a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. 2. Inexistindo prova pericial em caso no qual se faz necessária para a solução do litígio, reabre-se a instrução processual para que se realiza laudo judicial. 3. Sentença anulada para determinar a reabertura da instrução processual e a realização de perícia médica (TRF4ª, AC n.º 0009064-12.2010.404.9999/RS; Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira; DJ de 27/08/2010).
Quanto a isso, José Antônio Savaris, em sua obra "Direito Processual Previdenciário", 03ª ed., Juruá, 2011, p. 239, leciona que "a prova decisiva nos processos em que se discute a existência ou persistência da incapacidade para o trabalho é, em regra, a prova pericial realizada em juízo compreendida, então, à luz da realidade de vida do segurado".
Da qualidade de segurado e da carência
No caso em exame, a qualidade de segurado está diretamente relacionada ao termo inicial da incapacidade laboral, razão pela qual serão tais circunstâncias examinadas concomitantemente.
Da incapacidade
A prova pericial é fundamental nos casos de benefício por incapacidade e tem como função elucidar os fatos trazidos ao processo. Submete-se ao princípio do contraditório, oportunizando-se, como no caso dos autos, a participação das partes na sua produção e a manifestação sobre os dados e conclusões técnicas apresentadas. Não importa, por outro lado, que seu resultado não atenda à expectativa de um dos demandantes ou mesmo de ambos, porque se destina a colher elementos necessários à formação do convencimento do juízo, ao qual incumbe decidir sobre a sua realização e eventual complementação (art. 473 do CPC) e, posteriormente, apreciar seu poder de esclarecimento dos fatos, cotejando a perícia com os demais elementos carreados ao processo.
Durante a instrução processual foram realizadas duas perícias médicas.
A primeira, realizada em 26-12-2011 (fls. 69-70), por médico especialista em ortopedia/traumatologia, concluiu, ao exame clínico, o espessamento da bursa e grau de discopatia não acentuado, sem causar limitação física à autora para as atividades que exercia (serviços gerais, atendente de asilo, atendente de creche). Nessa ocasião a autora já referiu ser HIV positiva, mas não comprovou a doença por meio de documentos.
A segunda perícia médica (fls. 112/114), realizada em 24-10-2014, por fisiatra, explicita e conclui, resumidamente, que a autora é portadora de problemas ortopédicos (CID M51-8 - outros transtornos especificados de discos intervertebrais). Entretanto, com base no exame clínico e demais exames de imagem apresentados, asseverou não haver incapacidade, porque "não apresentou ao exame físico sinais de compressão de raiz nervosa na coluna lombar, redução de força muscular e-ou da amplitude articular de movimento dos membros inferiores para desempenhar as suas atividades; não sendo comprovado acompanhamento médico e-ou tratamento fisioterápico continuados/proporcionais para a intensidade da sua queixa em questão." A conclusão da perita foi pela não observância de doença incapacitante para o trabalho. Nessa ocasião, apesar de juntados aos autos exames realizados em 27-06-2012, evidenciando a presença de tuberculose, supostamente em decorrência do HIV (fls. 79-80), novamente nada foi consignado a respeito.
As perícias, portanto, foram no sentido de inexistência de incapacidade laboral, levando-se em conta os problemas de origem ortopédica. Os documentos juntados pela autora não foram capazes de infirmar as conclusões dos peritos. Há exames de imagem (tomografia computadorizada da coluna lombo-sacra em 03/05/2010 e ressonância magnética da coluna lombar em 02/06/2010), cujas conclusões apontam leves alterações degenerativas de alguns seguimentos lombares, sem compressões nervosas, discreta protrusão discal, possivelmente achados próprios da idade. Há à fl. 17 dois documentos emitidos por médicos (ortopedista e reumatologista, respectivamente), onde um refere que está sendo investigado quadro de artralgias, lombalgia e cervicalgia, com solicitação de exames; e o outro atesta que a autora refere dores lombares e cervicais, encontrando-se em tratamento e sem condições laborativas. Ambos os atestados têm a mesma data (14/07/2010). Não há como reconhecer a incapacidade com base em apenas um único atestado, quando há duas perícias contrárias e exames que não revelam um quadro tão agravado e que induza à conclusão diversa.
Veja-se que a autora busca o restabelecimento do benefício de auxílio-doença (NB541.366.726-0), deferido de 11/06/2010 a 05/07/2010, por conclusão de aptidão laboral. Essa foi a data da alta programada pelo INSS. Em consulta à perícia realizada pela administração previdenciária, constatou-se que o motivo do deferimento do benefício foi "dor lombar baixa". As patologias que acometem a coluna têm como característica a presença de momentos de agudização dos sintomas, com alternância de períodos de melhora do quadro. O que levou o INSS a deferir o benefício foi a constatação de que havia os sintomas limitantes, provavelmente relacionados à compressão nervosa, cuja melhora levou à alta. A perícia atual não constatou a presença dos sintomas, o que afasta o direito ao restabelecimento do benefício.
Além da coluna, consoante já referido, foi noticiado na primeira perícia e antes do segundo exame, que a demandante é portadora da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, bem como tuberculose. Foi oportunizado à autora que trouxesse aos autos documentos a evidenciar tais patologias (fl. 149).
O atestado da fl. 157, datado de 16-07-2015, afirma ser portadora de asma brônquica severa que a impossibilita para o trabalho. O laudo médico da fl. 158, datado de 28-04-2016, atesta também a presença do HIV, em tratamento contínuo, com pouca resposta clínica, principalmente do ponto de vista pulmonar, apresentando sequelas pulmonares de infecções prévias. Apresenta restrição pulmonar e sem condições de trabalhar. À fl. 159 o resultado do exame de carga viral realizado em 15-04-2016 e solicitação de antirretroviral para o HIV, datado de 03-2013 (fl. 160).
De todo o exposto, tem-se que a demandante é portadora do vírus HIV, sendo possível reconhecer a sua incapacidade advinda desse quadro.
Em princípio, o portador do vírus HIV, nos períodos assintomáticos, não está impedido de exercer atividades laborais. Como é sabido, recentes avanços no tratamento do vírus aumentaram bastante a qualidade e a expectativa de vida desses pacientes, que muitas vezes têm condições de levar vida normal por um longo período de tempo.
Entretanto, sem embargo do trabalho social que vem sendo desenvolvido pelos órgãos oficiais e por diversas organizações da sociedade civil, não se pode ignorar que ainda existe acentuada resistência de grande parte da sociedade, inclusive do meio empresário, em aceitar, sem distinções em seu meio, o portador do vírus HIV, esteja ou não com a doença AIDS/SIDA ativa. O estigma a que está sujeito é ainda bastante profundo e interfere sobremaneira nas suas chances de colocar-se profissionalmente no mercado de trabalho.
Não por outra razão que informações relativas ao eventual portador são revestidas de aspecto confidencial, na tentativa, quase nunca eficaz, de resguardá-lo das consequências nefastas da publicidade dessa condição de infectado.
Trata-se de realidade que não pode ser ignorada. A rejeição social implica no fechar de portas do mercado de trabalho, após confirmada a presença do vírus HIV.
De se considerar, também, que mesmo aquele cuja doença se encontra assintomática, precisa manter precauções permanentes, porquanto está sujeito a grande número de outras doenças chamadas oportunistas, que se manifestam ante a baixa imunidade do organismo portador do vírus.
Esse fato é reconhecido em estudo efetuado pelo próprio Ministério da Saúde, onde se percebe a preocupação com tais doenças, ainda que na fase assintomática do vírus, conforme retrata o item 6.1.2. da Norma Técnica de Avaliação da Incapacidade Laborativa para fins de Benefícios Previdenciários em HIV/AIDS, anexa à Resolução INSS/DC nº 89, DOU de 29.04.2002, verbis:
"Fase Assintomática
Após a fase aguda autolimitada, segue-se um período assintomático de duração variável, onde o estado clínico básico é mínimo ou inexistente, apesar de alguns pacientes apresentarem uma linfadenopatia generalizada persistente e indolor. Mesmo na ausência de sinais e sintomas, esses indivíduos podem apresentar alterações significativas dos parâmetros imunovirológicos, necessitando de monitoramento clínico-laboratorial periódico, no intuito de se determinar a necessidade e o momento mais adequado para iniciar o uso de terapia anti-retroviral.
A abordagem clínica nestes indivíduos prende-se a uma história clínica prévia, investigando condições clínicas de base, tais como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, DPOC, doenças hepáticas, renais, pulmonares, intestinais, doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose e outras doenças endêmicas, doenças psiquiátricas, se a pessoa faz uso prévio ou atual de medicamentos, enfim, situações que podem complicar ou serem agravantes em alguma fase de desenvolvimento da doença pelo HIV. A história familiar, hábitos de vida, avaliação do perfil emocional e psicossocial e seu nível de entendimento e orientação sobre a doença, também são importantes. No que diz respeito a avaliação laboratorial nesta fase, uma ampla variedade de alterações podem estar presentes..."
Assim, não se pode exigir do doente portador de HIV a mesma condição para o labor de uma pessoa que não tem o vírus ou que padece de outras espécies de doenças caracterizadas pela condição crônica ou progressiva.
A legislação, presentes tais pressupostos, dispensa tratamento específico ao portador do vírus HIV, ao permitir, por exemplo, o saque do FGTS (art. 6º, § 6º, inc. II, Lei Complementar 110/2001). Como se verifica, não é feita distinção entre o fato de estar ou não a doença em sua fase sintomática.
A Lei 7.670/88 considera a SIDA/AIDS para fins de concessão de auxílio doença ou aposentadoria pela Previdência Social, bem como outros benefícios, sem distinguir entre aqueles que já manifestam sintomas da doença e aqueles que são portadores de seu vírus determinante
Sobre a matéria, o STJ vem decidindo ser irrelevante a distinção que ora faz o INSS:
RECURSO ESPECIAL. MILITAR. REFORMA EX OFFICIO POR INCAPACIDADE DEFINITIVA. PORTADOR DO VÍRUS HIV. DESENVOLVIMENTO DA AIDS. IRRELEVÂNCIA. LEIS N.º 6.880/80 E 7.670/88. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. O militar portador do vírus HIV tem direito à concessão da reforma ex officio por incapacidade definitiva, nos termos dos artigos 104, II, 106, II, 108, V, todos da Lei n.º 6.880/80, c/c artigo 1º, I, "c", da Lei n.º 7.670/88.
2. É irrelevante se o militar é portador do vírus HIV ou se já desenvolveu a doença. De fato, a Lei n.º 7.670/88 não distinguiu tais situações, de modo que não cabe ao intérprete fazê-lo, aplicando-se o brocardo ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus.
3. Recurso especial não provido.
(STJ - RESP 662566 - 6a. T. - Rel. Min. Helio Quaglia Barbosa - unânime - DJ de 16/11/2004 - p. 343 - destaquei)
Exigir-se que, para manter sua subsistência, o segurado portador do vírus retorne ao trabalho, quando sua condição o coloca em especial situação de vulnerabilidade social, significa afrontar o princípio da dignidade da pessoa humana, que figura dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, inc. III).
Diversos são os precedentes deste Regional que seguem na mesma linha:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO DOENÇA. HIV. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE LABORAL. QUALIDADE DE SEGURADO.
1. Nas ações objetivando benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial, sem prejuízo que adote outros fatores e elementos para formar sua livre convicção, dada a liberdade de apreciação das provas.
2. A infecção com vírus HIV traz consigo o estigma social, representado pela resistência de grande parte da sociedade em aceitar, com normalidade, o portador da doença.
3. Em respeito ao fundamento da República Federativa do Brasil, representado pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, CF), é gravame exacerbado exigir que portador do vírus HIV retorne ao trabalho, em face dos transtornos psicológicos trazidos pelo forte estigma social em relação à doença, aliado ao sintomas da doença circulatória que acomete o autor.
4. Concluído pela incapacidade da parte autora, é de ser deferido o benefício de auxílio-doença, a contar da data do requerimento administrativo e, após, efetuar a sua conversão em aposentadoria por invalidez.
5. O autor mantinha a qualidade de segurado da Previdência Social por ocasião do requerimento administrativo.
6. Apelação e remessa oficial improvidas.
(AC 2002.71.00.041188-8 - 5ª Turma - Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat - unânime - DJ de 15/05/2007).
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PORTADOR DO HIV. INCAPACIDADE COMPROVADA. MARCO INICIAL. CONSECTÁRIOS.
1. Nas ações em que se objetiva a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial.
2. Ainda que a perícia médica judicial tenha atestado a capacidade laborativa do segurado portador do vírus da AIDS, submetê-lo à permanencia na atividade seria cometer, com ele, violência injustificável, ante à extrema dificuldade em virtude do preconceito sofrido. Precedentes desta Corte.
3. Demonstrado que o autor está total e permanentemente incapacitado para o exercício de atividades laborativas deve ser concedido o benefício da aposentadoria invalidez.
4. Marco inicial do benefício fixado na data da cessação administrativa do benefício de auxílio-doença precedente.
(AC 2006.70.15.003184-5 - 6ª Turma - Rel. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz - unânime - DJ de 17/06/2009).
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AIDS. INCAPACIDADE TOTAL E DEFINITIVA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. HONORÁRIOS. CUSTAS SC.
1. Demonstrado que na data do requerimento administrativo a parte autora apresentava a incapacidade laborativa, deve ser concedido o benefício por incapacidade, comprovada a condição de segurado nessa data, dispensado o preenchimento da carência contributiva.
2. Ainda que a perícia médica judicial não ateste a incapacidade laborativa total do segurado portador do vírus da AIDS, submetê-lo à volta forçada ao trabalho é cometer, com ele, violência injustificável, ante à extrema dificuldade em virtude do preconceito sofrido.
3. As parcelas vencidas devem ser atualizadas monetariamente de acordo com os critérios estabelecidos na Lei nº 9.711/98 (IGP-DI), desde a data dos vencimentos de cada uma, inclusive daquelas anteriores ao ajuizamento da ação, em consonância com os enunciados nº 43 e nº 148 da Súmula do STJ.
4. São cabíveis juros moratórios à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, por se tratar de verba de caráter alimentar, na forma dos Enunciados das Súmulas nº 204 do STJ e 03 do TRF da 4ª Região e precedentes do Superior Tribunal de Justiça (EREsp nº 207992/CE, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJU de 04-02-2002, seção I, p. 287).
5. Os honorários advocatícios a que foi condenada a Autarquia restam fixados em 10% e devem incidir tão-somente sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, excluídas as parcelas vincendas, na forma da Súmula nº 111 do STJ, conforme entendimento pacificado na Seção Previdenciária deste Tribunal e no Superior Tribunal de Justiça.
6. Considerando o processamento do feito na Justiça Estadual de Santa Catarina, são devidas as custas pela metade para o INSS, nos termos da Lei Complementar/SC nº 161, de 23 de dezembro de 1997, que alterou os dispositivos da Lei Complementar/SC nº 156, de 15 de maio de 1997.
(AC 2009.72.99.000616-3 - Turma Suplementar - Rel. Des. Federal Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle - unânime - DJ de 16/06/2009).
Por todas estas circunstâncias, a solução mais adequada ao caso presente é concluir pelo direito à aposentadoria por invalidez.
Resta fixar o termo inicial do benefício.
Alega a demandante que parou com suas atividades laborais desde quando cessado o benefício NB 541.366.726-0, em 05/07/2010. Em dezembro de 2011, noticia durante a primeira perícia, ser portadora do vírus HIV.
Em petição das fls. 78-80, novamente afirma ser portadora doença e junta exames comprovando estar acometida de tuberculose, datados de 27-06-2012.
Instada a comprovar a data em que detectada a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, junta aos autos documentos, em abril de 2016 (fls. 157-164), dentre os quais há requisição de solicitação de medicamentos antiretrovirais para início de tratamento, datada de 03/2013. Os demais atestados dão conta da doença, mas são datados de 2016.
Como se observa, apenas em 03/2013 há prova indubitável de que a autora é portadora do vírus HIV e necessitada de terapia antiretroviral.
Nessa data, considerando que a autora cessou suas contribuições ao RGPS em 06/2010 (CNIS das fls. 32-33), e considerando que possui mais de 120 contribuições vertidas ao sistema, manteve sua condição de segurada até 15-08-2013. Portanto, em março de 2013 ainda possuía vínculo com a Previdência Social.
Nesse contexto, o benefício de aposentadoria por invalidez terá como termo inicial a data de 11-03-2013, quando solicitado o coquetel antiretroviral.
Observo, entretanto, que o juízo monocrático deferiu a antecipação dos efeitos da tutela em 20/07/2010 (fls. 18/19), determinação cumprida pelo INSS, conforme consulta ao PLENUS, tendo o benefício se mantido ativo até 06/01/2016, quando cessado por determinação judicial.
Tais valores, por terem sido recebidos de boa-fé, não deverão ser descontados das parcelas devidas.
Deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/91 na hipótese de inexistência de má-fé do segurado. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Nesse sentido vem decidindo o STF, v.g.: AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia.
Um dos precedentes, da relatoria da Ministra Rosa Weber, embora não vinculante, bem sinaliza para a orientação do STF quanto ao tema:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.9.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito à repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, ARE 734199 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014)."
Não desconheço a existência dos precedentes do STJ, no julgamento dos Recursos Especiais 1.384.418/SC e 1.401.560/MT, este último originário do sistema de recursos repetitivos, com a seguinte ementa:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava.
Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Recurso especial conhecido e provido.
(STJ, Primeira Seção, REsp 1401560/MT, rel. Ari Pargendler, j. 12fev.2014, p. 13out.2015)
Entretanto, cabe registrar que a decisão proferida no referido acórdão, publicado em 13-10-2015, não foi unânime, bem como há decisão da Corte Especial no mesmo Tribunal em sentido contrário:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE DETERMINA O RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. CONFIRMAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO REFORMADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância.
2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento.
3. Por meio da edição da súm. 34/AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada.
4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família. Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais.
5. Embargos de divergência no recurso especial conhecidos e desprovidos." (EREsp 1086154 / RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, CE - CORTE ESPECIAL, 20/11/2013, DJe 19/03/2014) (grifei).
Trata-se de precedente de Corte Especial, em que o próprio STJ relativiza o julgamento anterior, retomando entendimento pela inexigibilidade da restituição nos casos em que a antecipação da tutela se originou de cognição exauriente, com confirmação em segundo grau. Ao fazê-lo, a Corte adotou como ratio a presença da boa-fé objetiva, advinda das decisões, ainda que provisórias, proferidas em favor daquele que recebe verba de caráter alimentar.
Esta decisão, adotada pela maioria dos julgadores do órgão especial - colegiado de maior composição, no mínimo enfraquece o entendimento da primeira seção, reduzindo a força vinculante de seu precedente, podendo-se cogitar, inclusive, da hipótese de overruling.
Em tais condições, a restituição de valores pagos indevidamente, seja por iniciativa do INSS, seja com base em antecipação da tutela posteriormente revogada, é incabível.
Consectários. Juros moratórios e correção monetária.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais.
Honorários advocatícios
Tendo havido modificação da sucumbência, são aplicáveis as normas do novo CPC.
Considerando a impossibilidade de se estabelecer com precisão o valor mensal do benefício aqui deferido, não é possível desde logo saber a quantos salários-mínimos equivalerá o total da condenação, para efeitos de enquadramento do percentual de honorários da tabela do parágrafo 3º, incisos I a V, do art. 85 do NCPC.
Assim, caberá ao INSS o pagamento dos honorários de sucumbência, integralmente, a serem definidos pelo juízo de origem, nos termos do § 4º, II, do art. 85 do NCPC, sobre o valor da condenação, considerando-se as parcelas vencidas até a decisão de procedência. A fixação deverá observar os critérios e limites previstos nos §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo legal.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
CONCLUSÃO
À vista do provimento do recurso da parte autora, alterada a sentença para reconhecer o direito à percepção da aposentadoria por invalidez desde a 11-03-2013, sem o desconto dos valores já recebidos a título de antecipação de tutela.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6548444v62 e, se solicitado, do código CRC CD85A6C2. | |
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Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
Data e Hora: | 24/11/2016 16:49 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001498-70.2014.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | MARIA ELISABETE DE ALMEIDA TAVARES |
ADVOGADO | : | Mario Lair de Souza |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
VOTO
Pelo Desembargador Federal Roger Raupp Rios:
Acompanho as conclusões da eminente relatora, ressalvando, todavia, fundamentação diversa no que toca à relevância da condição sorológica, assintomática ou não, para pessoas vivendo com HIV/AIDS, quanto ao direito a benefício por incapacidade. Assim o faço pelos fundamentos que seguem.
1)Ponto de partida: modelo integrado biomédico e social da capacidade, incapacidade e deficiência
Como ponto de partida, é necessário firmar que a análise da capacidade/incapacidade e deficiência, desencadeada pela invocação de qualquer moléstia, deve adotar uma perspectiva social, valendo-se do modelo biopsicossocial.
A compreensão da proteção constitucional social diante da incapacidade para o trabalho deve partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os direitos fundamentais sociais à saúde, ao trabalho e à previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I).
Arrolados os princípios pertinentes ao âmbito de proteção constitucional, o próximo passo é compreender o que é incapacidade enquanto categoria jurídica, para o que é imprescindível visualizá-la como fenômeno socialmente relevante que o direito destaca e juridiciza.
Do mesmo modo que outros elementos da vida social juridicizados, os diversos conceitos veiculados pelo direito referem-se a determinadas realidades, cuja nomeação possibilita não-só sua percepção, como também atua decisivamente em sua dinâmica no mundo das relações sociais juridicizadas. Nessa medida, ao lidar com conceitos o jurista não pode fazê-lo na fria assepsia da abstração alheia ao mundo, ambiente onde carne e ossos habitam, em especial quando se persegue o significado de incapacidade para a proteção constitucional previdenciária.
Com efeito, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência, segurança e risco, são binômios que só ganham sentido a partir dos corpos inseridos no mundo onde habitam. Mundo esse gestado pela relação complexa entre as diversas esferas da vida pessoal, corporal, psíquica, social, política, laboral e cultural, onde uma dimensão constrói a outra e é por ela simultaneamente construída. Não há, de fato, existência humana fora do tempo e do espaço socialmente construídos e vividos. Daí que saúde e doença, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência só possam ser corretamente compreendidos no tempo histórico, que é sempre e necessariamente social.
Postas essas premissas, tanto no quadro dos benefícios de incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), quanto no benefício de prestação continuada em virtude de deficiência, não há como afastar-se do modelo integrado.
Benefícios por incapacidade
Com efeito, não há como interpretar os artigos 42 (um corpo humano concreto, historicamente "considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência" - nas palavras da lei) e 59 da LBPS (um corpo humano concreto e histórico que "ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual" - igualmente na dicção legal) fora das coordenadas normativas constitucionais, fora da historicidade e da concretude.
Nesse quadro, não há conceituação juridicamente correta de incapacidade senão mediante a consideração conjunta da dimensão biomédica (aqui abrangendo também as avaliações psicológicas) e da dimensão social, uma vez que a falta de uma dessas dimensões inviabiliza no mundo concreto e na história onde tomam sentido e existência os conceitos e as realidades da saúde, da doença e da capacidade para o trabalho ou atividade habitual.
Com efeito, o debate sobre benefícios por incapacidade pode ser lido, dentre tantas formas, pelo destaque de alguns momentos: (1) a constatação dos limites estritamente biomédicos, (2) o desafio da fundamentação pela invocação de causas supralegais e (3) a invocação de analogia ou interpretação extensiva com o modelo constitucional da deficiência. Diante dessa evolução, aqui se sustenta, como fundamento jurídico para o reconhecimento do direito a benefícios relativos à incapacidade, um conceito juridicamente correto e adequado de incapacidade (4).
Em um primeiro momento, apercebeu-se a inadequação da compreensão da incapacidade, numa perspectiva estritamente biomédica, como "impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas, provocadas por doença ou acidente". Essa constatação levou à consideração de circunstâncias como idade e escolaridade do segurado (momento 2), denominadas nesse debate como "causas supralegais" (Rafael Machado de Oliveira, "Incapacidade biopsicossocial no Direito Previdenciário", disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/incapacidade-biopsicossocial-no-direito-previdenci%C3%A1rio, 31/08/2016).
Diante disso, num terceiro momento, invocou-se interpretação extensiva, assim como do recurso à analogia, como fundamentos para alcançar circunstâncias sociais que, em acréscimo à avaliação biomédica, levem eventualmente à conclusão pela proteção previdenciária por incapacidade (João Augusto Câmara da Silveira, "O conceito de incapacidade no âmbito do benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez", Revista Direito e Liberdade, disponível em http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/viewFile/711/640, 31/08/2016).
Nesse sentido, a propósito, a elaboração doutrinária e jurisprudencial que, passo a passo, consolidam a noção de "invalidade social", atentando para as circunstâncias de cada caso (idade, tipo de incapacidade, escolaridade, profissão, potencial agravamento, possibilidade de tratamento, risco na permanência na atividade, dentre outros) e valendo-se inclusive em analogia à proteção jurídica da deficiência, terreno onde a chamada abordagem biopsicossocial é juridicamente expressa e obrigatória.
A argumentação que fundamenta este voto diferencia-se das posições acimas resumidas. Nelas, o elemento central para a constatação da incapacidade é o diagnóstico médico de doença ou acidente que impossibilita o exercício de atividade profissional. A dimensão social terá relevância e será considerada quando acrescer elementos em situações onde, "a priori", o diagnóstico biomédico, por si só, não gera convencimento pela incapacidade e, daí, a situação exige maior investigação.
Na compreensão do conceito de incapacidade ora proposta afirma-se que não há possibilidade de considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela incapacidade, sem qualquer consideração social, como se fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares. No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo sobre a incapacidade não pode separar tais dimensões.
No modelo integrado da compreensão da incapacidade essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
Dois exemplos deixam isso bem claro: a biografia conhecida de Stephen Hawking e a história da homossexualidade.
Hawking é uma celebridade científica e até midiática mundial. Não somente graças à sua persistência, mas em especial pelo acesso a tratamento e equipamentos adequados, esse físico lecionou por anos e hoje é diretor de pesquisa em Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da prestigiada Universidade de Cambridge, ostentando capacidade para a vida acadêmica profissional, com vasta produção contemporânea. Sua história é exemplo vivo de como a "impossibilidade de desempenho", mesmo diante de doença tão severa (esclerose lateral amiotrófica) não pode ser, por si só, dissociada do contexto social, conclusiva pela incapacidade. A dimensão social, portanto, é decisiva para avaliar a "impossibilidade para desempenho", elemento nuclear do conceito de incapacidade.
A homossexualidade, enquanto orientação sexual, até pouco tempo atrás, provocou diagnósticos onde a terapia era a internação compulsória (isso para não falar da insistência de alguns ainda hoje querem considerá-la doentia, ao ponto de defenderem recursos públicos para terapias de saúde "de conversão"). A mesma pessoa, com a mesma corporalidade e psiquismo, alguns anos atrás diagnosticada com grave distúrbio, estigmatizada até como ameaça à sociedadel hoje é considerada distante de qualquer patologia. A dimensão social, portanto, é decisiva não-somente para avaliar "a impossibilidade de desempenho", mas também para interpretar o outro elemento nuclear do conceito de incapacidade, qual seja, "impossibilidade de desempenho provocada por doença".
Assentar um modelo integrado de compreensão da incapacidade não significa colocar em questão todo e qualquer diagnóstico médico conclusivo e, tantas vezes na prática, indisputável quanto à incapacidade de alguém. Trata-se de explicitar que a evidência da incapacidade medicamente atestada de alguém totalmente imobilizado (por esclerose, por exemplo) produz-se porque está (corretamente) implícito que, em tais circunstâncias presumidas ou demonstradas, efetivamente tão elevado grau de imobilidade gera a situação, para aquele indivíduo, social e historicamente situado, de incapacidade como impossibilidade de desempenho para atividades que garantam a subsistência.
Expostos esses fundamentos, conclui-se que a correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.
Acrescento mais alguns exemplos.
Hipótese nítida de aplicação do modelo integrado da incapacidade é a de mulher de idade avançada, com baixa escolaridade, impossibilitada fisicamente para serviços domésticos remunerados, em contexto social onde eventual tentativa de reabilitação ver-se-ia frustrada por crise no mercado de trabalho, associada ou não à carência de serviços públicos de educação. Como é fácil de ver, alegar que do ponto de vista médico tal segurada poderia desempenhar atividade escriturária seria desconhecer a abordagem biopsicossocial com prejuízo concreto e grave à segurada e frustração do dever constitucional de proteção social.
O mesmo se concluiria diante de alegação de capacidade para labor rural por segurada portadora de algumas limitações, à consideração de que as atividades rurais desempenhadas por mulheres são mais leves. O modelo social, ao revelar precisamente o contrário (a carga de trabalho rural feminino é mais pesada que a masculina), fornece conclusão oposta, vale dizer, pela presença de incapacidade.
O modelo integrado, ademais, abre espaço para concluir pela incapacidade em hipótese onde, apesar de parecer biomédico atestar taxativamente pela capacidade atual de segurado, as condições sociais concretas e disponíveis em que desempenha sua função acarretem, de modo previsível e plausível, dano efetivo à saúde, considerando o seu estado atual e as barreiras que enfrenta.
Por outro lado, o modelo social abre espaço para concluir pela capacidade para o trabalho sempre que, não obstante alguma limitação, o indivíduo tiver à sua disposição meios socialmente acessíveis, que lhe permitam desempenhar adequadamente e sem prejuízo à saúde as funções atinentes à sua ocupação.
Benefício de prestação continuada a pessoas com deficiência
Na mesma linha, a compreensão jurídica vigente da deficiência, tanto na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.472/1993, com a redação da Lei nº 12.435/2011), como na Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência), quanto na Lei Complementar nº 142/2013 (sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada no RGPS), adotam essa abordagem biopsicossocial, cujo fundamento maior se encontra na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao direito brasileiro com estatura constitucional.
Tanto num quadro (benefícios por incapacidade), quanto no outro (benefício de prestação continuada), isso implica adotar a compreensão desenvolvida na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), cujos termos incorporam os diversos elementos considerados pelo modelo integrado biopsicossocial, que abrange considerações biomédicas e sociais.
No quadro da CIF, reconhecida mundialmente como instrumento adequado para o desenvolvimento da legislação internacional e nacional em matéria de direitos sociais (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE E ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, "CIF: CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SÁUDE", São Paulo: Editora USP, 2008, p. 17), englobam-se os componentes relevantes para a saúde relacionados ao bem-etar em termos de domínios de saúde e de domínios relacionados à saúde, sendo esta efetivamente aplicável a todas as pessoas. Ela fornece uma descrição de situações relacionadas às funções do ser humano e suas restrições, de maneira integrada e acessível (p. 18).
Para o caso em apreço, onde se discutem restrições relacionadas à sorologia positiva para HIV, importa mencionar que são relevantes, no contexto da saúde, as funções dos corpos (funções fisiológicas dos sistemas orgânicos) e as estruturas dos corpos (partes anatômicas do corpo como órgãos, membros e componentes). Neste quadro definitório, deficiências são problemas nas funções ou nas estruturas do corpo como um desvio significativo ou uma perda (p. 21), desvio significativo este em face dos padrões populacionais geralmente aceitos no estado biomédico do corpo e de suas funções (p. 23).
Em situações envolvendo tal sorologia positiva, há sim, portanto, que se perquirir acerca da presença de deficiência em virtude de problemas nas funções corporais (em especial, nas funções do sistema imunológico), que podem inflingir ao indivíduo, nos termos da CIF, tanto limitações de atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF, "dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em situações de vida" (p. 21).
2) Benefício por incapacidade e benefício de prestação continuada a pessoa vivendo com HIV/AIDS: a assintomatologia, por si só, não define o reconhecimento ou não do direito
No modelo biopsicossocial, a avaliação biomédica que registra assintomatologia em segurado vivendo com HIV/AIDS, não tem como ignorar o preconceito e a discriminação presentes na vida em sociedade. Na mesma linha, não se pode apagar outras circunstâncias eventalmente presentes. A questão é verificar, no caso concreto, quais as possibilidades e os impedimentos que o indivíduo experimenta na vida em sociedade, que podem resultar em redução total ou parcial de capacidade para exercício de atividade laboral remunerada, como também impliquem restrição de participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições.
Logo, há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades.
Desse modo, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social. No mesmo diapasão, estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.
Com efeito, é necessário avaliar muitos outros fatores além da condição assintomática ou não, cuja presença pode importar em obstrução para participação igualitária na vida social. Há que se considerar, dentre outros, aspectos como: (a) intersecção com condição econômica e social; (b) intersecção com pertencimentos identitários que acarretam discriminação múltipla (como raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero); (c) qualidade da atenção em saúde acessível à pessoa vivendo com HIV/AIDS; (d) manifestações corporais diversas experimentadas, como lipodistrofias; (e) contexto social e cultural onde inserido o indivíduo, englobando, por exemplo, níveis de preconceito e discriminação, estrutura urbana, inserção e socialização em diversos grupos e corpos sociais intermediários.
3) A epidemia de HIV/AIDS e modelo biopsicossocial no contexto brasileiro
Há vários elementos a serem considerados, portanto, na aplicação do modelo biopsicossocial para a avaliação da incapacidade laboral em matéria de benefícios previdenciários. No caso da epidemia de HIV/AIDS no Brasil, a enumeração de cada um deles e sua ponderação requer cuidado e humildade, dada a complexidade histórica de cada um e a multicausalidade fatorial inafastável para um juízo positivo ou negativo de capacidade laboral.
Nesse esforço, do exame da literatura científica e da atenção às experiências de indivíduos e grupos vivendo com HIV/AIDS, destaco o histórico das respostas brasileiras diante da epidemia e os processos de estigmatização.
Com efeito, é decisivo ter um panorama das respostas brasileiras diante da epidemia do HIV/AIDS. Isso porque é nesse contexto em que pessoas assintomáticas se inserem nos dias de hoje, momento cuja atualidade e compreensão não se produzem no vazio histórico.
Conforme indica a literatura especializada, podem ser arroladas 4 fases nessa trajetória. A primeira fase (1982-1983), desencadeada a partir dos primeiros casos, registrou o surgimento dos primeiros programas (no Estado de São Paulo) e organizações não-governamentais (GAPA - Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS e ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS); ela foi marcada por ampla negação estatal e onde de pânico moral, medo, estigma e discriminação, em especial por líderes religiosos. A segunda fase (1986-1990) tem seu início marcado pelo Programa Nacional de AIDS, com abordagem mais pragmática e técnica, com o surgimento de ONGs (GAPAs) pelo país. Com elas, cresceu a pressão por respostas mais solidárias e comunitárias (destacou-se a liderança de Herbert Daniel), baseadas em compromissos éticos e políticos, não restritas à abordagem tecnocrática. De 1990 a 1992, a terceira fase foi bastante turbulenta, surgindo um distanciamento entre a atividade estatal e a sociedade, caracterizando praticamente um antagonismo (administração Collor de Mello). A quarta fase (1992 a 1996), retomou o rumo de respostas colaborativas entre sociedade e Estado, contando inclusive com financiamento internacional. Todos esses momentos revelam, não por acaso, correspondência entre os desenvolvimentos da história política nacional e as respostas à epidemia (Richard Parker, "Construindo os alicerces para a resposta ao HIV/AIDS no Brasil: o desenvolvimento de políticas sobre o HIV/AIDS, 1982-1996", In: "Divulgação em Saúde para Debate", Rio de Janeiro: CEBES/ABIA/Mailman School of Public Health - Columbia University, n. 27, ago. 2003, p. 8-49).
Em 1996, é promulgada a Lei Federal nº 9.313, marco histórico para o acesso a antirretrovirais, estabelecendo acesso universal, inaugurando experiência mundialmente reconhecida de modo positivo. Esse avanço, todavia, começa a ser desafiado a partir dos anos 2000, em decorrência de pressões vindas de detentores internacionais de patentes farmacêuticas, cujo direito de propriedade comercial passa a ser tensionado por perspectivas de direitos humanos e do direito à saúde, resultando na Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública, onde se admitiu o licenciamento compulsório para produção de medicamentos diante da epidemia.
No entanto, internamente, as respostas brasileiras verificaram fragilização desde 2006, em especial quanto à atenção primária em HIV/AIDS e ao apoio a iniciativas da sociedade civil, como registra Sonia Corrêa ("A resposta brasileira ao HIV e à AIDS em tempos tormentosos e incertos", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 7-16).
Como registram Fernando Seffner e Richard Parker ("A neoliberalização da prevenção do HIV e a resposta brasileira à AIDS", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 22-30), de 2003 a 2010, as respostas produziram-se no intrincado contexto em que lideranças da sociedade civil se integraram na máquina administrativa, com perda progessiva de autonomia da ONGs, que passaram a ser vistas mais como executoras de ações determinadas pelas políticas públicas, em apoio ao Estado.
Disputas comerciais, inclusive junto à OMC, colocaram então o desafio sanitário nacional da incorporação de medicamentos, marcando a trajetória das respostas à epidemia durante toda a década de 2010. Nesse período, o que predominou foram a opacidade, o conservadorismo e o tecnicismo em face da epidemia, fragilizando-se abordagens mais amplos, que envolveriam a promoção de direitos humanos, tanto na área da saúde, quanto em geral (Veriano Terto Jr., Felipe Carvalho, Pedro Villardi e Marcela Vieira, "A luta continua: avanços e retrocessos no acesso aos antirretrovirais no Brasil", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 37 e seguintes).
Por fim, nesse rapidíssimo escorço histórico, os tempos atuais nas respostas à epidemia revelam o recrudescimento de forças conservadoras e disseminadoras de antigos estereótipos altamente negativos, bloqueando não somente medidas de prevenção e informação, como também a incorporação de novas alternativas sanitárias. O resultado disso é a tendência, verificada nos últimos anos, de reversão de redução e de crescimento da epidemia. Como alerta Alexandre Granjeiro, há indícios de que a epidemia está reemergindo e tende a atingir patamares mais elevados do que os observados nos últimos 30 anos ("Da estabilização à reemergência: os desafios para o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS no Brasil", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 16-22).
A reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não.
Essas as constatações da literatura especializada (Francisco Inácio Bastos, "Da persistência das metáforas: estigma e discriminação e HIV/AIDS", In: "Estigma e Saúde", org. Simone Monteiro e Wilza Villela, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013, p. 91-104), que registra especialmente como os processos de discriminação e estigma resultam de interações e dinâmicas sociais que articulam marcadores sociais de desigualdades, como classe, gênero, cor/raça/etnia, entre outros, além das características individuais dos sujeitos (Simone Monteiro, Wilza Villela, Carla Pereira e Priscilla Soares, "A produção acadêmica recente sobre estigma, discriminação, saúde e AIDS no Brasil", In: "Estigma e Saúde", org. Simone Monteiro e Wilza Villela, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013 p. 62).
De fato, como ensina Veriano Terto Jr. ("La seropositividad AL VIH como identidad social y política en el Brasil", In: "Ciudadanía Sexual en América Latina: abriendo el debate", org. Carlos Cáceres e outros. Lima: Universidad Peruana Cayetano Heredia, 2004, p. 305-310), a epidemia reconceitualizou uma série de identidades sociais, dentre as quais a da pessoa soropositiva, passando a ser visto não somente como enfermo ou paciente, mas como sujeito que atua individual e coletivamente em face de vários contextos sociais e políticos.
Esses contextos são decisivos para as experiências e as respostas, que num ambiente de preconceito e discriminação foram inclusive percebidos como situações de morte civil (Herbert Daniel, "Vida antes da morte", RJ: Tipografia Jabuti, 1989). Tanto que, conforme apontam os estudos culturais, o soropositivo é assimilado mesmo à figura do monstro perigoso (e homossexual), como alerta Jeffrey Jerome Cohen ("A cultura dos monstros: sete teses", in: "Pedagogia dos monstros - os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras / Jeffrey Jerome Cohen ; tradução de Tomaz Tadeu da Silva --- Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 29):
"Tese: o monstro sempre escapa (soropositivo como perigoso) Bram Stoker's Dracula, de Francis Coppola, o subtexto homossexual presente desde a aparição da lésbica Lamia, de Sheridan Le Fanu (Carmilla, 1872), tal como os corpúsculos vermelhos que servem como o leitmotif do filme, sobe à superfície, primariamente como consciência da AIDS, transformando a doença do vampirismo em uma forma sádica (e muito medieval) de redenção por meio dos tormentos do corpo que sofre. Nenhuma coincidência, pois, que Coppola estivesse produzindo um documentário sobre a AIDS ao mesmo tempo em que ele estava trabalhando no Drácula."
4) A proteção previdenciária e o "dilema antidiscriminatório"
Um dado importante a ser considerado na decisão quanto à incapacidade laboral de pessoas assintomáticas vivendo com HIV/AIDS diz respeito às consequências da concessão de eventual benefício.
De fato, reconhecer o direito ao benefício pode ser uma necessidade diante de um risco social concreto e efetivo, eliminando ou ao menos reduzindo violações à vida digna do beneficiário. Ao mesmo tempo, pode alimentar processos sociais de estigmatização do indivíduo, seja pela identificação do beneficiário a um grupo discriminado, seja até mesmo por apartá-lo de certos ambientes sociais laborais, com potencial de integração e de colaboração sociais. Isso sem falar na violência simbólica e da injúria que podem resultar da combinação de estereótipos negativos contra beneficiários de direitos sociais ("vagabundos"; "pesos mortos para a sociedade") e preconceitos contra pessoas vivendo com HIV/AIDS ("seres perigosos" e degenerados por sua perversão e luxúria).
Em termos de políticas públicas e formulações jurídicas, estas possibilidades alertam para o chamado "dilema da diferença" (MINOW, Martha. Making All the Difference: Inclusion, Exclusion, and American Law Ithaca: Cornell University Press, 1990), que pode ser expresso em três versões e traduzido para a hipótese considerada em três versões:
a) primeira versão: a diferença pode ser recriada ao ser registrada ou ao ser ignorada (deferimento do benefício funcionando como marcador social de diferença sorológica ensejadora de discriminação);
b) segunda versão: a ambigüidade da neutralidade (indeferimento do benefício como desconsideração complacente com a discriminação vivida por sorologia);
c) terceira versão: a tomada de decisões baseadas em critérios formais, rígidos e universais (todo portador de HIV tem sempre direito ao benefício, independente de sintomatologia OU o portador assintomático, princípio, não tem direito ao benefício) ou a abertura para decisões individualizadas, com maior grau de concretização.
Trata-se de três versões do mesmo fenômeno. Ao destacar-se a diferença para proteger contra discriminação, pode-se engendrar mais preconceito e discriminação (primeira versão; sobre esse ponto, ver HALLEY, Janet. The Politics of the Closet: legal articulation of sexual orientation identity. In: ENGLE, Karen (org.); DANIELSEN, Dan. After Identity. New York: Routledge, 1995). Permanecer inerte diante de uma realidade de discriminação, sob a ambiguidade da neutralidade, pode conduzir à cumplicidade discriminatória (segunda versão). A terceira versão do dilema acumula os riscos insítos às duas primeiras formulações: confiar em regras universais, formais e rígidas, tentando evitar mais diferenciação e preconceito, quedando-se neutro, ou permitir margens cada vez maiores de liberdade de decisão diante de cada caso, tentando afastar o perigo da cumplicidade com a discriminação, com o risco de alimentar o dilema em sua primeira versão.
Diante deste quadro, como desenvolver e aplicar a legislação previdenciária, em se tratando de condição assintomática de pessoa vivendo com HIV/AIDS?
Um caminho para evitar esse impasse envolve três passos, na esteira da referida Martha Minow ('Justice Engendered' Harvard Law Review - The Supreme Court, 1986 Term, nov. 1987): (a) considerar os pontos de vista que produzem a diferença; (b) avaliar as circunstâncias suspeitas de discriminação e (c) levar a sério as diferentes perspectivas.
Nessa trilha, o primeiro passo exige atentar que: (1) a diferença não é algo intrínseco, mas sempre relacional, socialmente construída (por mais que a sorologia positiva para HIV seja um diagnóstico biomédico e que a assintomatologia também, distinguir e discriminar indivíduos por tal condição é uma construção social relacional); (2) sempre existe um paradigma pressuposto quando se qualifica algo ou alguém como 'diferente', sendo necessário, portanto, explicitá-lo e discuti-lo (o indivíduo soronegativo, obviamente sem qualquer sintoma, torna-se o paradigma de comparação produtor do diferente); (3) na produção da diferença, tal paradigma representa somente um dos pontos de vista possíveis, devendo-se considerar outros pontos de vista (há que se considerar o ponto de vista, a experiência do soropositivo assintomático quanto à inserção laboral); (4) via de regra, toma-se o status quo como algo natural, espontâneo e legítimo, donde a corriqueira confusão entre inação e neutralidade e medidas corretivas e favorecimento ou privilégio.
O segundo passo requer levar a sério as circunstâncias suspeitas de discriminação (no caso, a presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV) levando em consideração o maior número possível de perspectivas e relativizando os paradigmas assentes, fazendo com que um maior número de alternativas se apresente. Deste procedimento, por si só, não brotam soluções acabadas; todavia, ele permite que algumas discriminações antes desapercebidas se tornem visíveis e alerta contra preconceitos antes inquestionados, desapercebidos ou menosprezados contra "os diferentes".
O terceiro e derradeiro passo amplia alternativas e respostas em face da abertura apresentada por essas perspectivas. Tudo, é claro, sem resvalar da aceitação da diversidade para uma atitude de "mútua indiferença", dominada pela passividade, que se manifesta pela omissão, pelo refúgio em modelos e categorias cristalizadas ou pela simples negação da realidade discriminatória. Este procedimento, considerado como um todo, torna a dinâmica do direito da antidiscriminação e do direito previdenciário mais apta a responder às intrincadas questões sobre igualdade e discriminação, evitando, na medida do possível, efeitos negativos do "dilema da diferença".
Na hipótese sob julgamento, tomar os cuidados que esse percurso propicia implica superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático (primeiro passo); atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV, independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático, dependendo do contexto).
Vale dizer, a mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.
Assim se conclui não-somente em atenção ao modelo biopsicossocial da incapacidade e da deficiência, como também pela consciência do "dilema antidiscriminatório" que se apresenta caso a caso.
5) Aplicando o modelo biopsicossocial ao caso concreto
No caso concreto, como consignou a relatora, as condições concretas que o segurado experimenta implicam efetiva incapacidade, do ponto de vista jurídico.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo, acompanhando a relatora.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/07/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001498-70.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00330011420108210018
RELATOR | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Marcus Vinícius Aguiar Macedo |
APELANTE | : | MARIA ELISABETE DE ALMEIDA TAVARES |
ADVOGADO | : | Mario Lair de Souza |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/07/2016, na seqüência 686, disponibilizada no DE de 28/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
RETIRADO DE PAUTA.
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001498-70.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00330011420108210018
RELATOR | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | MARIA ELISABETE DE ALMEIDA TAVARES |
ADVOGADO | : | Mario Lair de Souza |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/11/2016, na seqüência 130, disponibilizada no DE de 03/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, TENDO O DES. FEDERAL ROGER RAUPP RIOS APRESENTADO RESSALVA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Destaque da Sessão - Processo Pautado
Certidão de Julgamento
Data da Sessão de Julgamento: 19/07/2016 (ST5)
Relator: (Auxílio Favreto) Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ
RETIRADO DE PAUTA.
Voto em 17/11/2016 18:27:29 (Gab. Des. Federal ROGER RAUPP RIOS)
Acompanho as conclusões da eminente relatora, ressalvando, todavia, fundamentação diversa no que toca à relevância da condição sorológica, assintomática ou não, para pessoas vivendo com HIV/AIDS, quanto ao direito a benefício por incapacidade. Assim o faço pelos fundamentos que seguem em voto de que peço a juntada.
Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8726670v1 e, se solicitado, do código CRC D493EC59. | |
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