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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL. PORTADOR DE HIV. CONDIÇÕES PESSOAIS. MODELO BIOPSICOSSOCIAL. TRF4. ...

Data da publicação: 29/06/2020, 10:00:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL. PORTADOR DE HIV. CONDIÇÕES PESSOAIS. MODELO BIOPSICOSSOCIAL. 1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença). 2. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto permanecer ele nessa condição. 3. A incapacidade laboral é comprovada através de exame médico-pericial e o julgador, via de regra, firma sua convicção com base no laudo, entretanto não está adstrito à sua literalidade, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova. 4. No caso em apreço, considerando a situação assintomática da requerente e o modelo biopsicossocial, foi denegada a concessão de auxílio-doença bem como de aposentadoria por invalidez. (TRF4, AC 0009635-07.2015.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 14/06/2017)


D.E.

Publicado em 16/06/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009635-07.2015.4.04.9999/RS
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE
:
ELENA DE FATIMA RAMOS SCHONS
ADVOGADO
:
Gicelda Lucia Tolotti
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL. PORTADOR DE HIV. CONDIÇÕES PESSOAIS. MODELO BIOPSICOSSOCIAL.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
2. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto permanecer ele nessa condição.
3. A incapacidade laboral é comprovada através de exame médico-pericial e o julgador, via de regra, firma sua convicção com base no laudo, entretanto não está adstrito à sua literalidade, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova.
4. No caso em apreço, considerando a situação assintomática da requerente e o modelo biopsicossocial, foi denegada a concessão de auxílio-doença bem como de aposentadoria por invalidez.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de maio de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator


Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8671019v12 e, se solicitado, do código CRC A2B8A983.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Roger Raupp Rios
Data e Hora: 02/06/2017 15:42




APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009635-07.2015.4.04.9999/RS
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE
:
ELENA DE FATIMA RAMOS SCHONS
ADVOGADO
:
Gicelda Lucia Tolotti
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento do benefício de auxílio-doença e sua conversão em aposentadoria por invalidez, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais, honorários periciais e honorários advocatícios, fixados esses em R$ 800,00, suspensa a exigibilidade de tais verbas em face de litigar sob o pálio da AJG.
A parte autora, em suas razões, sustenta que o laudo pericial reconhece ser portadora do vírus HIV. Refere que o próprio INSS concedeu, em momento pretérito, o benefício do auxílio-doença em face de reconhecer tal condição. Aduz, ainda, que há documentação farta dando conta da sua incapacidade e que, embora o perito tenha atestado estar a doença em fase assintomática, as condições pessoais induzem ao julgamento de procedência da demanda.
Sem contrarrazões do INSS, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Da ordem cronológica dos processos

Dispõe o art. 12 do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).

O caso presente encontra-se dentre aqueles considerados urgentes no julgamento, vez que se refere a benefício por incapacidade, estando a parte autora, hipossuficiente, hipoteticamente impossibilitada de laborar e obter o sustento seu e de familiares.

1) Ponto de partida: modelo integrado biomédico e social da capacidade, incapacidade e deficiência

Como ponto de partida, é necessário firmar que a análise da capacidade/incapacidade e deficiência, desencadeada pela invocação de qualquer moléstia, deve adotar uma perspectiva social, valendo-se do modelo biopsicossocial.

A compreensão da proteção constitucional social diante da incapacidade para o trabalho deve partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os direitos fundamentais sociais à saúde, ao trabalho e à previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I).

Arrolados os princípios pertinentes ao âmbito de proteção constitucional, o próximo passo é compreender o que é incapacidade enquanto categoria jurídica, para o que é imprescindível visualizá-la como fenômeno socialmente relevante que o direito destaca e juridiciza.

Do mesmo modo que outros elementos da vida social juridicizados, os diversos conceitos veiculados pelo direito referem-se a determinadas realidades, cuja nomeação possibilita não-só sua percepção, como também atua decisivamente em sua dinâmica no mundo das relações sociais juridicizadas. Nessa medida, ao lidar com conceitos o jurista não pode fazê-lo na fria assepsia da abstração alheia ao mundo, ambiente onde carne e ossos habitam, em especial quando se persegue o significado de incapacidade para a proteção constitucional previdenciária.

Com efeito, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência, segurança e risco, são binômios que só ganham sentido a partir dos corpos inseridos no mundo onde habitam. Mundo esse gestado pela relação complexa entre as diversas esferas da vida pessoal, corporal, psíquica, social, política, laboral e cultural, onde uma dimensão constrói a outra e é por ela simultaneamente construída. Não há, de fato, existência humana fora do tempo e do espaço socialmente construídos e vividos. Daí que saúde e doença, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência só possam ser corretamente compreendidos no tempo histórico, que é sempre e necessariamente social.

Postas essas premissas, tanto no quadro dos benefícios de incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), quanto no benefício de prestação continuada em virtude de deficiência, não há como afastar-se do modelo integrado.

Benefícios por incapacidade

Com efeito, não há como interpretar os artigos 42 (um corpo humano concreto, historicamente "considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência" - nas palavras da lei) e 59 da LBPS (um corpo humano concreto e histórico que "ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual" - igualmente na dicção legal) fora das coordenadas normativas constitucionais, fora da historicidade e da concretude.

Nesse quadro, não há conceituação juridicamente correta de incapacidade senão mediante a consideração conjunta da dimensão biomédica (aqui abrangendo também as avaliações psicológicas) e da dimensão social, uma vez que a falta de uma dessas dimensões inviabiliza no mundo concreto e na história onde tomam sentido e existência os conceitos e as realidades da saúde, da doença e da capacidade para o trabalho ou atividade habitual.

Com efeito, o debate sobre benefícios por incapacidade pode ser lido, dentre tantas formas, pelo destaque de alguns momentos: (1) a constatação dos limites estritamente biomédicos, (2) o desafio da fundamentação pela invocação de causas supralegais e (3) a invocação de analogia ou interpretação extensiva com o modelo constitucional da deficiência. Diante dessa evolução, aqui se sustenta, como fundamento jurídico para o reconhecimento do direito a benefícios relativos à incapacidade, um conceito juridicamente correto e adequado de incapacidade (4).

Em um primeiro momento, apercebeu-se a inadequação da compreensão da incapacidade, numa perspectiva estritamente biomédica, como "impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas, provocadas por doença ou acidente". Essa constatação levou à consideração de circunstâncias como idade e escolaridade do segurado (momento 2), denominadas nesse debate como "causas supralegais" (Rafael Machado de Oliveira, "Incapacidade biopsicossocial no Direito Previdenciário", disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/incapacidade-biopsicossocial-no-direito-previdenci%C3%A1rio, 31/08/2016).

Diante disso, num terceiro momento, invocou-se interpretação extensiva, assim como do recurso à analogia, como fundamentos para alcançar circunstâncias sociais que, em acréscimo à avaliação biomédica, levem eventualmente à conclusão pela proteção previdenciária por incapacidade (João Augusto Câmara da Silveira, "O conceito de incapacidade no âmbito do benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez", Revista Direito e Liberdade, disponível em http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/viewFile/711/640, 31/08/2016).

Nesse sentido, a propósito, a elaboração doutrinária e jurisprudencial que, passo a passo, consolidam a noção de "invalidade social", atentando para as circunstâncias de cada caso (idade, tipo de incapacidade, escolaridade, profissão, potencial agravamento, possibilidade de tratamento, risco na permanência na atividade, dentre outros) e valendo-se inclusive em analogia à proteção jurídica da deficiência, terreno onde a chamada abordagem biopsicossocial é juridicamente expressa e obrigatória.

A argumentação que fundamenta este voto diferencia-se das posições acima resumidas. Nelas, o elemento central para a constatação da incapacidade é o diagnóstico médico de doença ou acidente que impossibilita o exercício de atividade profissional. A dimensão social terá relevância e será considerada quando acrescer elementos em situações onde, "a priori", o diagnóstico biomédico, por si só, não gera convencimento pela incapacidade e, daí, a situação exige maior investigação.
Na compreensão do conceito de incapacidade ora proposta afirma-se que não há possibilidade de considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela incapacidade, sem qualquer consideração social, como se fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares. No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo sobre a incapacidade não pode separar tais dimensões.

No modelo integrado da compreensão da incapacidade essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".

Dois exemplos deixam isso bem claro: a biografia conhecida de Stephen Hawking e a história da homossexualidade.

Hawking é uma celebridade científica e até midiática mundial. Não somente graças à sua persistência, mas em especial pelo acesso a tratamento e equipamentos adequados, esse físico lecionou por anos e hoje é diretor de pesquisa em Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da prestigiada Universidade de Cambridge, ostentando capacidade para a vida acadêmica profissional, com vasta produção contemporânea. Sua história é exemplo vivo de como a "impossibilidade de desempenho", mesmo diante de doença tão severa (esclerose lateral amiotrófica) não pode ser, por si só, dissociada do contexto social, conclusiva pela incapacidade. A dimensão social, portanto, é decisiva para avaliar a "impossibilidade para desempenho", elemento nuclear do conceito de incapacidade.

A homossexualidade, enquanto orientação sexual, até pouco tempo atrás, provocou diagnósticos onde a terapia era a internação compulsória (isso para não falar da insistência de alguns ainda hoje querem considerá-la doentia, ao ponto de defenderem recursos públicos para terapias de saúde "de conversão"). A mesma pessoa, com a mesma corporalidade e psiquismo, alguns anos atrás diagnosticada com grave distúrbio, estigmatizada até como ameaça à sociedade hoje é considerada distante de qualquer patologia. A dimensão social, portanto, é decisiva não-somente para avaliar "a impossibilidade de desempenho", mas também para interpretar o outro elemento nuclear do conceito de incapacidade, qual seja, "impossibilidade de desempenho provocada por doença".

Assentar um modelo integrado de compreensão da incapacidade não significa colocar em questão todo e qualquer diagnóstico médico conclusivo e, tantas vezes na prática, indisputável quanto à incapacidade de alguém. Trata-se de explicitar que a evidência da incapacidade medicamente atestada de alguém totalmente imobilizado (por esclerose, por exemplo) produz-se porque está (corretamente) implícito que, em tais circunstâncias presumidas ou demonstradas, efetivamente tão elevado grau de imobilidade gera a situação, para aquele indivíduo, social e historicamente situado, de incapacidade como impossibilidade de desempenho para atividades que garantam a subsistência.

Expostos esses fundamentos, conclui-se que a correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.

Acrescento mais alguns exemplos.

Hipótese nítida de aplicação do modelo integrado da incapacidade é a de mulher de idade avançada, com baixa escolaridade, impossibilitada fisicamente para serviços domésticos remunerados, em contexto social onde eventual tentativa de reabilitação ver-se-ia frustrada por crise no mercado de trabalho, associada ou não à carência de serviços públicos de educação. Como é fácil de ver, alegar que do ponto de vista médico tal segurada poderia desempenhar atividade escriturária seria desconhecer a abordagem biopsicossocial com prejuízo concreto e grave à segurada e frustração do dever constitucional de proteção social.

O mesmo se concluiria diante de alegação de capacidade para labor rural por segurada portadora de algumas limitações, à consideração de que as atividades rurais desempenhadas por mulheres são mais leves. O modelo social, ao revelar precisamente o contrário (a carga de trabalho rural feminino é mais pesada que a masculina), fornece conclusão oposta, vale dizer, pela presença de incapacidade.
O modelo integrado, ademais, abre espaço para concluir pela incapacidade em hipótese onde, apesar de parecer biomédico atestar taxativamente pela capacidade atual de segurado, as condições sociais concretas e disponíveis em que desempenha sua função acarretem, de modo previsível e plausível, dano efetivo à saúde, considerando o seu estado atual e as barreiras que enfrenta.

Por outro lado, o modelo social abre espaço para concluir pela capacidade para o trabalho sempre que, não obstante alguma limitação, o indivíduo tiver à sua disposição meios socialmente acessíveis, que lhe permitam desempenhar adequadamente e sem prejuízo à saúde as funções atinentes à sua ocupação.

Benefício de prestação continuada a pessoas com deficiência

Na mesma linha, a compreensão jurídica vigente da deficiência, tanto na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.472/1993, com a redação da Lei nº 12.435/2011), como na Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência), quanto na Lei Complementar nº 142/2013 (sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada no RGPS), adotam essa abordagem biopsicossocial, cujo fundamento maior se encontra na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao direito brasileiro com estatura constitucional.

Tanto num quadro (benefícios por incapacidade), quanto no outro (benefício de prestação continuada), isso implica adotar a compreensão desenvolvida na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), cujos termos incorporam os diversos elementos considerados pelo modelo integrado biopsicossocial, que abrange considerações biomédicas e sociais.

No quadro da CIF, reconhecida mundialmente como instrumento adequado para o desenvolvimento da legislação internacional e nacional em matéria de direitos sociais (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE E ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, "CIF: CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SÁUDE", São Paulo: Editora USP, 2008, p. 17), englobam-se os componentes relevantes para a saúde relacionados ao bem-estar em termos de domínios de saúde e de domínios relacionados à saúde, sendo esta efetivamente aplicável a todas as pessoas. Ela fornece uma descrição de situações relacionadas às funções do ser humano e suas restrições, de maneira integrada e acessível (p. 18).

Para o caso em apreço, onde se discutem restrições relacionadas à sorologia positiva para HIV, importa mencionar que são relevantes, no contexto da saúde, as funções dos corpos (funções fisiológicas dos sistemas orgânicos) e as estruturas dos corpos (partes anatômicas do corpo como órgãos, membros e componentes). Neste quadro definitório, deficiências são problemas nas funções ou nas estruturas do corpo como um desvio significativo ou uma perda (p. 21), desvio significativo este em face dos padrões populacionais geralmente aceitos no estado biomédico do corpo e de suas funções (p. 23).

Em situações envolvendo tal sorologia positiva, há sim, portanto, que se perquirir acerca da presença de deficiência em virtude de problemas nas funções corporais (em especial, nas funções do sistema imunológico), que podem infligir ao indivíduo, nos termos da CIF, tanto limitações de atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF, "dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em situações de vida" (p. 21).

2) Benefício por incapacidade e benefício de prestação continuada a pessoa vivendo com HIV/AIDS: a assintomatologia, por si só, não define o reconhecimento ou não do direito

No modelo biopsicossocial, a avaliação biomédica que registra assintomatologia em segurado vivendo com HIV/AIDS, não tem como ignorar o preconceito e a discriminação presentes na vida em sociedade. Na mesma linha, não se pode apagar outras circunstâncias eventualmente presentes. A questão é verificar, no caso concreto, quais as possibilidades e os impedimentos que o indivíduo experimenta na vida em sociedade, que podem resultar em redução total ou parcial de capacidade para exercício de atividade laboral remunerada, como também impliquem restrição de participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições.

Logo, há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades.

Desse modo, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social. No mesmo diapasão, estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.

3) A epidemia de HIV/AIDS e modelo biopsicossocial no contexto brasileiro

Há vários elementos a serem considerados, portanto, na aplicação do modelo biopsicossocial para a avaliação da incapacidade laboral em matéria de benefícios previdenciários. No caso da epidemia de HIV/AIDS no Brasil, a enumeração de cada um deles e sua ponderação requer cuidado e humildade, dada a complexidade histórica de cada um e a multicausalidade fatorial inafastável para um juízo positivo ou negativo de capacidade laboral.

Nesse esforço, do exame da literatura científica e da atenção às experiências de indivíduos e grupos vivendo com HIV/AIDS, destaco o histórico das respostas brasileiras diante da epidemia e os processos de estigmatização.

Com efeito, é decisivo ter um panorama das respostas brasileiras diante da epidemia do HIV/AIDS. Isso porque é nesse contexto em que pessoas assintomáticas se inserem nos dias de hoje, momento cuja atualidade e compreensão não se produzem no vazio histórico.

Conforme indica a literatura especializada, podem ser arroladas 4 fases nessa trajetória. A primeira fase (1982-1983), desencadeada a partir dos primeiros casos, registrou o surgimento dos primeiros programas (no Estado de São Paulo) e organizações não-governamentais (GAPA - Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS e ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS); ela foi marcada por ampla negação estatal e onde de pânico moral, medo, estigma e discriminação, em especial por líderes religiosos. A segunda fase (1986-1990) tem seu início marcado pelo Programa Nacional de AIDS, com abordagem mais pragmática e técnica, com o surgimento de ONGs (GAPAs) pelo país. Com elas, cresceu a pressão por respostas mais solidárias e comunitárias (destacou-se a liderança de Herbert Daniel), baseadas em compromissos éticos e políticos, não restritas à abordagem tecnocrática. De 1990 a 1992, a terceira fase foi bastante turbulenta, surgindo um distanciamento entre a atividade estatal e a sociedade, caracterizando praticamente um antagonismo (administração Collor de Mello). A quarta fase (1992 a 1996), retomou o rumo de respostas colaborativas entre sociedade e Estado, contando inclusive com financiamento internacional. Todos esses momentos revelam, não por acaso, correspondência entre os desenvolvimentos da história política nacional e as respostas à epidemia (Richard Parker, "Construindo os alicerces para a resposta ao HIV/AIDS no Brasil: o desenvolvimento de políticas sobre o HIV/AIDS, 1982-1996", In: "Divulgação em Saúde para Debate", Rio de Janeiro: CEBES/ABIA/Mailman School of Public Health - Columbia University, n. 27, ago. 2003, p. 8-49).

Em 1996, é promulgada a Lei Federal nº 9.313, marco histórico para o acesso a antirretrovirais, estabelecendo acesso universal, inaugurando experiência mundialmente reconhecida de modo positivo. Esse avanço, todavia, começa a ser desafiado a partir dos anos 2000, em decorrência de pressões vindas de detentores internacionais de patentes farmacêuticas, cujo direito de propriedade comercial passa a ser tensionado por perspectivas de direitos humanos e do direito à saúde, resultando na Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública, onde se admitiu o licenciamento compulsório para produção de medicamentos diante da epidemia.

No entanto, internamente, as respostas brasileiras verificaram fragilização desde 2006, em especial quanto à atenção primária em HIV/AIDS e ao apoio a iniciativas da sociedade civil, como registra Sonia Corrêa ("A resposta brasileira ao HIV e à AIDS em tempos tormentosos e incertos", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 7-16).

Como registram Fernando Seffner e Richard Parker ("A neoliberalização da prevenção do HIV e a resposta brasileira à AIDS", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 22-30), de 2003 a 2010, as respostas produziram-se no intrincado contexto em que lideranças da sociedade civil se integraram na máquina administrativa, com perda progressiva de autonomia da ONGs, que passaram a ser vistas mais como executoras de ações determinadas pelas políticas públicas, em apoio ao Estado.
Disputas comerciais, inclusive junto à OMC, colocaram então o desafio sanitário nacional da incorporação de medicamentos, marcando a trajetória das respostas à epidemia durante toda a década de 2010. Nesse período, o que predominou foram a opacidade, o conservadorismo e o tecnicismo em face da epidemia, fragilizando-se abordagens mais amplos, que envolveriam a promoção de direitos humanos, tanto na área da saúde, quanto em geral (Veriano Terto Jr., Felipe Carvalho, Pedro Villardi e Marcela Vieira, "A luta continua: avanços e retrocessos no acesso aos antirretrovirais no Brasil", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 37 e seguintes).

Por fim, nesse rapidíssimo escorço histórico, os tempos atuais nas respostas à epidemia revelam o recrudescimento de forças conservadoras e disseminadoras de antigos estereótipos altamente negativos, bloqueando não somente medidas de prevenção e informação, como também a incorporação de novas alternativas sanitárias. O resultado disso é a tendência, verificada nos últimos anos, de reversão de redução e de crescimento da epidemia. Como alerta Alexandre Granjeiro, há indícios de que a epidemia está reemergindo e tende a atingir patamares mais elevados do que os observados nos últimos 30 anos ("Da estabilização à reemergência: os desafios para o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS no Brasil", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 16-22).

A reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não.

Essas as constatações da literatura especializada (Francisco Inácio Bastos, "Da persistência das metáforas: estigma e discriminação e HIV/AIDS", In: "Estigma e Saúde", org. Simone Monteiro e Wilza Villela, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013, p. 91-104), que registra especialmente como os processos de discriminação e estigma resultam de interações e dinâmicas sociais que articulam marcadores sociais de desigualdades, como classe, gênero, cor/raça/etnia, entre outros, além das características individuais dos sujeitos (Simone Monteiro, Wilza Villela, Carla Pereira e Priscilla Soares, "A produção acadêmica recente sobre estigma, discriminação, saúde e AIDS no Brasil", In: "Estigma e Saúde", org. Simone Monteiro e Wilza Villela, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013 p. 62).
De fato, como ensina Veriano Terto Jr. ("La seropositividad AL VIH como identidad social y política en el Brasil", In: "Ciudadanía Sexual en América Latina: abriendo el debate", org. Carlos Cáceres e outros. Lima: Universidad Peruana Cayetano Heredia, 2004, p. 305-310), a epidemia reconceitualizou uma série de identidades sociais, dentre as quais a da pessoa soropositiva, passando a ser visto não somente como enfermo ou paciente, mas como sujeito que atua individual e coletivamente em face de vários contextos sociais e políticos.

Esses contextos são decisivos para as experiências e as respostas, que num ambiente de preconceito e discriminação foram inclusive percebidos como situações de morte civil (Herbert Daniel, "Vida antes da morte", RJ: Tipografia Jabuti, 1989). Tanto que, conforme apontam os estudos culturais, o soropositivo é assimilado mesmo à figura do monstro perigoso (e homossexual), como alerta Jeffrey Jerome Cohen ("A cultura dos monstros: sete teses", in: "Pedagogia dos monstros - os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras / Jeffrey Jerome Cohen ; tradução de Tomaz Tadeu da Silva --- Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 29):

"Tese: o monstro sempre escapa (soropositivo como perigoso) Bram Stoker's Dracula, de Francis Coppola, o subtexto homossexual presente desde a aparição da lésbica Lamia, de Sheridan Le Fanu (Carmilla, 1872), tal como os corpúsculos vermelhos que servem como o leitmotif do filme, sobe à superfície, primariamente como consciência da AIDS, transformando a doença do vampirismo em uma forma sádica (e muito medieval) de redenção por meio dos tormentos do corpo que sofre. Nenhuma coincidência, pois, que Coppola estivesse produzindo um documentário sobre a AIDS ao mesmo tempo em que ele estava trabalhando no Drácula."

4) A proteção previdenciária e o "dilema antidiscriminatório"

Um dado importante a ser considerado na decisão quanto à incapacidade laboral de pessoas assintomáticas vivendo com HIV/AIDS diz respeito às consequências da concessão de eventual benefício.

De fato, reconhecer o direito ao benefício pode ser uma necessidade diante de um risco social concreto e efetivo, eliminando ou ao menos reduzindo violações à vida digna do beneficiário. Ao mesmo tempo, pode alimentar processos sociais de estigmatização do indivíduo, seja pela identificação do beneficiário a um grupo discriminado, seja até mesmo por apartá-lo de certos ambientes sociais laborais, com potencial de integração e de colaboração sociais. Isso sem falar na violência simbólica e da injúria que podem resultar da combinação de estereótipos negativos contra beneficiários de direitos sociais ("vagabundos"; "pesos mortos para a sociedade") e preconceitos contra pessoas vivendo com HIV/AIDS ("seres perigosos" e degenerados por sua perversão e luxúria).
Em termos de políticas públicas e formulações jurídicas, estas possibilidades alertam para o chamado "dilema da diferença" (MINOW, Martha. Making All the Difference: Inclusion, Exclusion, and American Law Ithaca: Cornell University Press, 1990), que pode ser expresso em três versões e traduzido para a hipótese considerada em três versões:

a) primeira versão: a diferença pode ser recriada ao ser registrada ou ao ser ignorada (deferimento do benefício funcionando como marcador social de diferença sorológica ensejadora de discriminação);

b) segunda versão: a ambigüidade da neutralidade (indeferimento do benefício como desconsideração complacente com a discriminação vivida por sorologia);

c) terceira versão: a tomada de decisões baseadas em critérios formais, rígidos e universais (todo portador de HIV tem sempre direito ao benefício, independente de sintomatologia OU o portador assintomático, a princípio, não tem direito ao benefício) ou a abertura para decisões individualizadas, com maior grau de concretização.

Trata-se de três versões do mesmo fenômeno. Ao destacar-se a diferença para proteger contra discriminação, pode-se engendrar mais preconceito e discriminação (primeira versão; sobre esse ponto, ver HALLEY, Janet. The Politics of the Closet: legal articulation of sexual orientation identity. In: ENGLE, Karen (org.); DANIELSEN, Dan. After Identity. New York: Routledge, 1995). Permanecer inerte diante de uma realidade de discriminação, sob a ambiguidade da neutralidade, pode conduzir à cumplicidade discriminatória (segunda versão). A terceira versão do dilema acumula os riscos insítos às duas primeiras formulações: confiar em regras universais, formais e rígidas, tentando evitar mais diferenciação e preconceito, quedando-se neutro, ou permitir margens cada vez maiores de liberdade de decisão diante de cada caso, tentando afastar o perigo da cumplicidade com a discriminação, com o risco de alimentar o dilema em sua primeira versão.
Diante deste quadro, como desenvolver e aplicar a legislação previdenciária, em se tratando de condição assintomática de pessoa vivendo com HIV/AIDS?

Um caminho para evitar esse impasse envolve três passos, na esteira da referida Martha Minow ('Justice Engendered' Harvard Law Review - The Supreme Court, 1986 Term, nov. 1987): (a) considerar os pontos de vista que produzem a diferença; (b) avaliar as circunstâncias suspeitas de discriminação e (c) levar a sério as diferentes perspectivas.

Nessa trilha, o primeiro passo exige atentar que: (1) a diferença não é algo intrínseco, mas sempre relacional, socialmente construída (por mais que a sorologia positiva para HIV seja um diagnóstico biomédico e que a assintomatologia também, distinguir e discriminar indivíduos por tal condição é uma construção social relacional); (2) sempre existe um paradigma pressuposto quando se qualifica algo ou alguém como 'diferente', sendo necessário, portanto, explicitá-lo e discuti-lo (o indivíduo soronegativo, obviamente sem qualquer sintoma, torna-se o paradigma de comparação produtor do diferente); (3) na produção da diferença, tal paradigma representa somente um dos pontos de vista possíveis, devendo-se considerar outros pontos de vista (há que se considerar o ponto de vista, a experiência do soropositivo assintomático quanto à inserção laboral); (4) via de regra, toma-se o status quo como algo natural, espontâneo e legítimo, donde a corriqueira confusão entre inação e neutralidade e medidas corretivas e favorecimento ou privilégio.

O segundo passo requer levar a sério as circunstâncias suspeitas de discriminação (no caso, a presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV) levando em consideração o maior número possível de perspectivas e relativizando os paradigmas assentes, fazendo com que um maior número de alternativas se apresente. Deste procedimento, por si só, não brotam soluções acabadas; todavia, ele permite que algumas discriminações antes desapercebidas se tornem visíveis e alerta contra preconceitos antes inquestionados, desapercebidos ou menosprezados contra "os diferentes".

O terceiro e derradeiro passo amplia alternativas e respostas em face da abertura apresentada por essas perspectivas. Tudo, é claro, sem resvalar da aceitação da diversidade para uma atitude de "mútua indiferença", dominada pela passividade, que se manifesta pela omissão, pelo refúgio em modelos e categorias cristalizadas ou pela simples negação da realidade discriminatória. Este procedimento, considerado como um todo, torna a dinâmica do direito da antidiscriminação e do direito previdenciário mais apta a responder às intrincadas questões sobre igualdade e discriminação, evitando, na medida do possível, efeitos negativos do "dilema da diferença".

Na hipótese sob julgamento, tomar os cuidados que esse percurso propicia implica superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático (primeiro passo); atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV, independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático, dependendo do contexto).

Vale dizer, a mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.

Assim se conclui não-somente em atenção ao modelo biopsicossocial da incapacidade e da deficiência, como também pela consciência do "dilema antidiscriminatório" que se apresenta caso a caso.

Do caso concreto

A qualidade de segurado e o cumprimento do requisito da carência não foram contestados pelo INSS, não sendo, a priori, pontos controvertidos na presente ação.

No que diz respeito ao requisito da incapacidade, durante a instrução processual, foi realizada perícia judicial, em 02/09/2014, conduzida pelo médico Paulo Roberto Pereira de Oliveira, clínico geral, que afirmou ser o autor portador de doença e pneumonia grave associada à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (CID Z21), sem apresentar incapacidade laborativa (resposta aos quesitos 5 (fl. 98), 8 (fl. 98), 15 (fl. 99), 2 (fl. 100), 4 e 6 (fl. 100). Manifesta o perito que a autora se encontra com quadro assintomático e com carga viral negativada, fazendo uso de antirretrovirais. Refere que a patologia está controlada, com carga viral não detectável.
Muito embora a prova técnica não tenha apontado a incapacidade definitiva para o trabalho, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem reiteradamente decidido que os portadores de HIV, ainda que assintomáticos, preenchem os requisitos para a concessão de aposentadoria por invalidez, ao argumento de que, submetê-los à volta forçada ao trabalho seria cometer, com eles, violência injustificável, ante à extrema dificuldade que enfrentam em decorrência do preconceito. Ocorre que este não é o caso dos autos.

É de ressaltar que a autora está realizando tratamento bem sucedido, tendo o expert, nessa senda, levado em consideração o exercício das atividades rurais por ela até então desempenhadas, não havendo óbice a sua manutenção.

Enfatizo que, em relação ao modelo biopsicossocial, considerando o preconceito e a discriminação presentes na vida em sociedade, in casu, a demandante (hoje com 43 anos de idade) laborava em propriedade familiar, circunstância essa que não a coloca em situação de discriminação que impossibilite exposição ao trabalho. Não há prova disso.

Consoante já referido, a conclusão pela incapacidade requer a demonstração de que a pessoa vivendo com HIV/AIDS se encontra impossibilitada de exercer atividades laborais remuneradas, em virtude de sua condição sorológica e das barreiras sociais que daí se desencadeiam.

Não se pode, portanto, estabelecer uma presunção absoluta de incapacidade, sendo necessário verificar-se concretamente as circunstâncias como se apresentam em cada caso e história de vida. Como dito, fatores tais como a localidade onde a pessoa vive e habita, os serviços públicos, sociais e comunitários disponíveis, o histórico laboral e grau de instrução, podem ser decisivos nesse exame.

Nesse sentido, pelo que sabemos nessa altura da caminhada processual, não se pode concluir favoravelmente ao pedido.

No caso concreto, ainda que vivendo em zona rural, bem como o registro do trágico suicídio do pai da autora (com relação, segundo a inicial, com a soropositividade, ainda que ocorrido em 2013, 5 anos após o diagnóstico, tudo conforme a inicial), não autorizam a conclusão pela incapacidade.

De fato, a requerente seguiu laborando em atividades agrícolas juntamente com seu grupo familiar após a notícia do diagnóstico, que se deu em fevereiro de 2008 (notas de produção agrícola, em nome da autora, relativos aos anos 2009 a 2011, fls. 25/27); bem como encontra-se, pelo que dos autos consta, assistida em sua condição de saúde (com acompanhamento médico e farmacológico adequados, estando inclusive com carga viral indetectável), sem esquecer da avaliação do perito judicial dando pela capacidade laboral.

Com efeito, em casos como esse, a incapacidade laboral decorrente da discriminação associada à soropositividade pode ser demonstrada por vários elementos, tais como testemunhas, depoimento pessoal, análise do histórico de vida e de trabalho, avaliação pericial onde constem tais obstáculos sociais, indicação da ausência de serviços públicos adequados, referências a manifestações discriminatórias presentes no contexto de vida concreto da autora.

Os estudos sociológicos e epidemiológicos, vinculados à saúde pública, efetivamente revelam que as repercussões do HIV na vida das mulheres variam muito. Sem nunca menosprezar nem deixar de alertar para a injustiça e para os danos provocados por um contexto social discriminatório, demonstram ainda assim muitas delas seguem trabalhando, conforme as ocupações profissionais disponíveis à sua formação educacional e história de vida.

Exemplo disso são as conclusões do estudo "Trajetória de mulheres vivendo com HIV/AIDS no Brasil. Avanços e permanências da resposta à epidemia"; Wilza Vieira Vilella e Regina Maria Barbosa). De um grupo de mulheres vivendo com HIV/AIDS, com trajetórias de vida em 6 cidades espalhadas por todas regiões do país, mais da metade, chegando a quase 2/3 delas em média, trabalhavam à época da pesquisa, em várias faixas etárias. Registre-se que esse dado relativo à inserção no mercado de trabalho se verificou em universo de mulheres onde predominou escolaridade limitada e, em sua maioria, idade predominante superior aos 30 anos de vida (http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n1/1413-8123-csc-22-01-0087.pdf ).

Desta forma, à míngua de outros elementos concretos que demonstrem que a parte autora efetivamente se encontra incapacitada de exercer atividades remuneradas, não há como deferir o benefício, sob pena de fazê-lo a partir de presunções que não encontram respaldo no conjunto probatório.

No entanto, sinalo que fica a possibilidade de a autora, realizado novo pedido administrativo ou judicial em face dessa condição, associado ao seu estado clínico, pugnar pela revisão do direito ao benefício que ora lhe é negado.

Mantida, pois, a decisão.

Conclusão

A sentença julgou improcedente a concessão de benefício. Desprovida a apelação da parte autora.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator


Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8671018v6 e, se solicitado, do código CRC A43D471C.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009635-07.2015.4.04.9999/RS
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE
:
ELENA DE FATIMA RAMOS SCHONS
ADVOGADO
:
Gicelda Lucia Tolotti
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
VOTO DIVERGENTE
O eminente Relator ratifica improcedência de incapacidade, ao fundamento de que a moléstia do segurado (AIDS) não é incapacitante:

A qualidade de segurado e o cumprimento do requisito da carência não foram contestados pelo INSS, não sendo, a priori, pontos controvertidos na presente ação.

No que diz respeito ao requisito da incapacidade, durante a instrução processual, foi realizada perícia judicial, em 02/09/2014, conduzida pelo médico Paulo Roberto Pereira de Oliveira, clínico geral, que afirmou ser o autor portador de doença e pneumonia grave associada à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (CID Z21), sem apresentar incapacidade laborativa (resposta aos quesitos 5 (fl. 98), 8 (fl. 98), 15 (fl. 99), 2 (fl. 100), 4 e 6 (fl. 100). Manifesta o perito que a autora se encontra com quadro assintomático e com carga viral negativada, fazendo uso de antirretrovirais. Refere que a patologia está controlada, com carga viral não detectável.
Muito embora a prova técnica não tenha apontado a incapacidade definitiva para o trabalho, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem reiteradamente decidido que os portadores de HIV, ainda que assintomáticos, preenchem os requisitos para a concessão de aposentadoria por invalidez, ao argumento de que, submetê-los à volta forçada ao trabalho seria cometer, com eles, violência injustificável, ante à extrema dificuldade que enfrentam em decorrência do preconceito. Ocorre que este não é o caso dos autos.

É de ressaltar que a autora está realizando tratamento bem sucedido, tendo o expert, nessa senda, levado em consideração o exercício das atividades rurais por ela até então desempenhadas, não havendo óbice a sua manutenção.

Enfatizo que, em relação ao modelo biopsicossocial, considerando o preconceito e a discriminação presentes na vida em sociedade, in casu, a demandante (hoje com 43 anos de idade) laborava em propriedade familiar, circunstância essa que não a coloca em situação de discriminação que impossibilite exposição ao trabalho. Não há prova disso.

No entanto, sinalo que fica a possibilidade de a autora, realizado novo pedido administrativo ou judicial em face dessa condição, associado ao seu estado clínico, pugnar pela revisão do direito ao benefício que ora lhe é negado.

Mantida, pois, a decisão.

Conclusão

A sentença julgou improcedente a concessão de benefício. Desprovida a apelação da parte autora.

Peço vênia para divergir de Sua Excelência, reafirmando a compreensão que sustentei neste Colegiado, nos autos da AC nº 2000.71.005.005038-6/RS, j. em 30-04-2003, no sentido de que a análise da incapacidade do portador do vírus HIV precisa levar em conta não apenas a progressão da doença, mas e principalmente, os fatores sociais que gravitam em torno da própria doença e suas consequências no ambiente do trabalho.
A ciência tem feito progressos significativos no tratamento da doença. O programa brasileiro de prevenção e combate à é exemplo admirado no mundo todo. Um portador do vírus HIV já não padece, hoje em dia, dos mesmos sofrimentos de que era vítima na década de 80. O doente ganhou uma possibilidade de sobrevida inimaginável há bem pouco tempo. Nada disso, porém, serve para afastar um dado inquestionável: o portador da moléstia convive com a possibilidade da morte (Albert Camus dizia que o único problema filosófico importante é a morte).
Todos sabemos que vamos morrer um dia. Essa ideia, no entanto, não nos atormenta cotidianamente. É de forma abstrata, por assim dizer, que enfrentamos essa inevitabilidade da condição humana. Com o doente de AIDS isso não ocorre. Apesar do avanço nas técnicas de tratamento (e mesmo da possibilidade de estabilidade da doença), a AIDS traz consigo a marca tenebrosa da "doença incurável". Há aqueles que reagem bem à doença, e à ociosidade preferem uma ocupação produtiva, talvez como forma terapêutica, o gosto pelo trabalho psicológico, desinteressando-se, em vista disso, não apenas das ocupações laborativas, como também das outras atividades normais da vida cotidiana. É ao doente, portanto, que se deve conceder a liberdade de escolha. Se o trabalho lhe faz bem, se ele o ajuda a enfrentar com maior eficácia os traumas gerados pela doença, deve-se-lhe conceder o direito de trabalhar. Se, ao contrário, o portador julga melhor abandonar de vez a atividade produtiva, ainda que tenha capacidade física para o trabalho, não se lhe pode censurar o direito de escolha. Nós ainda cultivamos nesse campo uma espécie de preconceito envergonhado. As relações de um portador do vírus HIV, salvo raríssimas exceções, não serão as mesmas no seu ambiente de trabalho. Submeter um doente de AIDS à volta forçada ao trabalho seria cometer contra ele uma violência injustificável.
Diante disso, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, é forçoso reconhecer que a confirmação da existência HIV configura o requisito incapacitante necessário à concessão do benefício assistencial ora reclamado, porquanto é cediço que, ao contrário de determinados setores sociedade onde já é possível a plena reinseração profissional das pessoas acometidas desta enfermidade, é consabido que, nas camadas populares, ainda permanece tal efeito estigmatizante que inviabiliza a obtenção de trabalho como o de diarista, exercido pela ora recorrente. Aliás, justamente pela necessidade de avaliação do contexto social, econômico e cultural dos portadores de HIV, a TNU firmou entendimento, consagrado na Súmula 78, no sentido de que, comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença. Diversa não é a orientação do Egrégio STJ e da Terceira Seção desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.ART. 20, § 2º DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.
II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador.
III - Recurso desprovido.
(REsp 360.202/AL, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 04/06/2002, DJ 01/07/2002, p. 377)
ASSISTÊNCIA SOCIAL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 8.742/93 (LOAS). REQUISITO DEFICIÊNCIA INCAPACITANTE. PORTADOR DO HIV. 1. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) possuir o requerente deficiência incapacitante para a vida independente ou ser idoso, e (b) encontrar-se a família do requerente em situação de miserabilidade. 2. Ainda que a perícia tenha concluído pela capacidade do segurado para o exercício de atividades laborativas, possível a concessão do benefício de prestação continuada no caso do portador do vírus da SIDA, considerando-se o contexto social e a extrema dificuldade para recolocação no mercado de trabalho, em virtude do notório preconceito sofrido. (TRF4, EINF 5017492-88.2012.404.7100, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 28/05/2015)
Frise-se, ainda, que a Lei 7.670/1988, que ainda se encontra em sua redação original, não faz qualquer distinção sobre a manifestação de sintomas para viabilizar a concessão dos inúmeros benefícios humanitários ali concedidos.
Por fim, não desconheço que o artigo 35 da Lei 13146/2015 dispõe que é finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho e que a Recomendação 200/2010 da OIT prevê que as pessoas com doenças relacionadas ao HIV não devem ser proibidas de continuar realizando seu trabalho, com adaptação razoável se necessário, pelo tempo em que a medicina as considere aptas para fazê-lo.
Entrementes, quando o portador do HIV busca a Previdência e Assistência Social para obter renda porque não consegue trabalho, especialmente em cenário econômico recessivo como este que vivenciado nesta década, é evidente que, a despeito do notável avanço da indústria farmacêutica para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e da elevada finalidade de integração social dos regulamentos nacionais e internacionais, houve uma falência sistêmica das políticas públicas de inclusão, o que bem demonstra a necessidade de assegurar a renda mínima indispensável à sua sobrevivência.

No caso em tela, tendo o expert certificado que a autora, agricultora de 43 anos de idade, é portador de AIDS (fl. 78), não há dúvidas que, sendo domiciliado na zona rural, encontra-se sujeito a inúmeras infecções decorrentes das lides rurícolas em condições climáticas adversas, própria do clima subtropical, sendo razoável assegurar-lhe a adequada proteção previdenciária ora requestada, máxime quando foi referido na inicial que o pai da autora cometeu suicídio em face dos comentários a respeito da doença da filha na pequena comunidade onde vivia (fl. 05), o que é corroborado pela certidão de óbito do genitor da autora à fl. 22.
Sendo assim, é devida a concessão de aposentadoria por invalidez desde a data do indevido cancelamento do auxílio-doença em 31-08-2008 (fl. 47), ressalvadas as prestações atingidas pela prescrição em face do ajuizamento em 18-02-2014 (fl. 02).

Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção Monetária e Juros
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária no ponto.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.

Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente julgado, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Reforma-se a sentença para conceder aposentadoria por invalidez desde a DCB (31-05-2008).
Dispositivo
Ante o exposto, com a devida vênia do eminente Relator, voto por dar provimento à apelação e determinar a imediata implantação do benefício.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ


Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, , na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8903914v4 e, se solicitado, do código CRC B5EEFFA9.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Paulo Afonso Brum Vaz
Data e Hora: 24/03/2017 18:17




EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009635-07.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00004784820148210069
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE
:
Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR
:
Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva
APELANTE
:
ELENA DE FATIMA RAMOS SCHONS
ADVOGADO
:
Gicelda Lucia Tolotti
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/03/2017, na seqüência 377, disponibilizada no DE de 09/03/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO RELATOR, DES. FEDERAL ROGER RAUPP RIOS, NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, O VOTO DIVERGENTE DO DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ DANDO-LHE PROVIMENTO E DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, E O VOTO DO DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO ACOMPANHANDO O RELATOR, FOI SOBRESTADO O JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015, PARA QUE TENHA PROSSEGUIMENTO NA SESSÃO DE 30-5-2017, MEDIANTE NOVA INCLUSÃO DO PROCESSO EM PAUTA.
VOTANTE(S)
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
:
Des. Federal ROGERIO FAVRETO
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Processo Pautado
Divergência em 24/03/2017 13:59:24 (Gab. Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ)

Voto em 28/03/2017 12:28:35 (Gab. Des. Federal ROGERIO FAVRETO)
Com vênia da divergência, acompanho o relator.


Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8909264v1 e, se solicitado, do código CRC A62D419A.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Lídice Peña Thomaz
Data e Hora: 28/03/2017 17:22




EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/05/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009635-07.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00004784820148210069
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE
:
Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR
:
Dr. Claudio Dutra Fontella
APELANTE
:
ELENA DE FATIMA RAMOS SCHONS
ADVOGADO
:
Gicelda Lucia Tolotti
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/05/2017, na seqüência 12, disponibilizada no DE de 12/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO DO DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, E O VOTO DA DES. FEDERAL SALISE MONTEIRO SANCHOTENE ACOMPANHANDO O RELATOR, A TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO APELO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, VENCIDOS EM PARTE OS DES. FEDERAIS PAULO AFONSO BRUM VAZ E JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
VOTANTE(S)
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
:
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Processo Pautado

Certidão de Julgamento
Data da Sessão de Julgamento: 28/03/2017 (ST5)
Relator: Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
APÓS O VOTO DO RELATOR, DES. FEDERAL ROGER RAUPP RIOS, NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, O VOTO DIVERGENTE DO DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ DANDO-LHE PROVIMENTO E DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, E O VOTO DO DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO ACOMPANHANDO O RELATOR, FOI SOBRESTADO O JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015, PARA QUE TENHA PROSSEGUIMENTO NA SESSÃO DE 30-5-2017, MEDIANTE NOVA INCLUSÃO DO PROCESSO EM PAUTA.

Comentário em 26/05/2017 11:35:37 (Gab. Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA)
Com a vênia do Relator, acompanho a divergência
Comentário em 26/05/2017 12:06:34 (Gab. Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE)
pedindo vênia à divergência, acompanho o eminente relator


Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9026112v1 e, se solicitado, do código CRC 39037B77.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Lídice Peña Thomaz
Data e Hora: 01/06/2017 13:55




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