APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020018-85.2017.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | EDIVALDO RODRIGUES DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | MARCIA WESGUEBER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE LABORAL. CARÊNCIA. PORTADOR DE HIV. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES DO STF E STJ. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O segurado que estiver total e permanentemente incapacitado para o trabalho tem direito à aposentadoria por invalidez se comprovado o cumprimento de carência.
2. Ainda que a perícia médica judicial tenha atestado a ausência de incapacidade do segurado portador do vírus do HIV, é possível conceder o benefício por incapacidade considerando as condições pessoais, o estigma social da doença e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
3. Critérios de correção monetária e juros de mora conforme decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
4. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 461 do CPC/73, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/15.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a aplicação do precedente do STF no RE nº 870.947 e determinar a implantação do benefície, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 15 de maio de 2018.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9386628v8 e, se solicitado, do código CRC F20F0B4D. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020018-85.2017.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | EDIVALDO RODRIGUES DOS SANTOS |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação de concessão de benefício de aposentadoria por invalidez ou de restabelecimento de auxílio-doença proposta por EDIVALDO RODRIGUES DOS SANTOS em face do INSS.
Diz que é portador de problemas de saúde, sendo que os exames que realizou apontam para a existência de HIV, doença incurável que acarreta inúmeros sintomas, dentre eles a baixa na imunidade, fragilizando ainda mais sua saúde e a impossibilitando de exercer qualquer atividade. Alega que esteve internado em estado grave na UTI de 13 a 28-2-2015.
Refere que recebeu auxílio-doença de 8-4 a 13-10-2015, quando foi cessado. Aduz que permanece sem condições físicas de trabalhar, razão pela qual requereu o benefício novamente, que também foi indeferido por ausência de incapacidade. Entende que preenche todos os requisitos para receber o benefício.
Processado o feito, a ação foi julgada improcedente (artigo 487, I, do CPC). Condenado o autor ao pagamento das despesas e custas processuais, bem como dos honorários advocatícios no valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da ação, suspensos em face da AJG.
A parte autora apela sustentando cerceamento de defesa, pois não foi considerada sua alegação de que o laudo é vago e obscuro. Aduz que o perito médico clínico geral não examinou corretamente o autor e não analisou os documentos por ele acostados aos autos. Afirma ser necessária nova perícia, agora com um especialista em infectologia. Entende que o laudo não está fundamentado. Requer sua nulidade.
Argumenta, ainda, que o autor permanece incapacitado para o trabalho, pois é de conhecimento de todos que um portador de HIV não possui as mesmas condições de saúde que outra sem a doença. O HIV debilita seu portador, deixando-o sem condições plenas, expondo-o a desencadeamento de doenças por fatores externos, impactos emocionais, etc. Requer a procedência da ação.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
Peço dia.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9386626v6 e, se solicitado, do código CRC A827B602. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020018-85.2017.4.04.9999/PR
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VOTO
DIREITO INTERTEMPORAL
Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data posterior a 18-3-2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16-3-2015), consoante decidiu o Plenário do STJ.
MÉRITO
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extraem-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 (doze) contribuições mensais; 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
Tendo em vista que a aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente, cabe ao juízo se cercar de todos os meios de prova acessíveis e necessários para análise das condições de saúde do requerente, mormente com a realização de perícia médica.
Aos casos em que a incapacidade for temporária, ainda que total ou parcial, caberá a concessão de auxílio-doença, que posteriormente será convertido em aposentadoria por invalidez (se sobrevier incapacidade total e permanente), auxílio-acidente (se a incapacidade temporária for extinta e o segurado restar com sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa) ou extinto (com a cura do segurado).
Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o artigo 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
(...)
Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o artigo 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Prevê a LBPS que, decorrido o período de graça na forma do § 4º, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Cumpre destacar que no caso dos segurados especiais não há obrigatoriedade de preenchimento do requisito carência conforme acima referido, sendo necessária, porém, a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua.
Assim dispõe o artigo 39 da Lei 8.213/91:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
(...)
Nestes casos, o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Entretanto, embora o artigo 106 da LBPS relacione os documentos aptos à comprovação da atividade rurícola, tal rol não é exaustivo, sendo admitidos outros elementos idôneos.
A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação, por meio de exame médico-pericial, da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto essa condição persistir. Ainda, não obstante a importância da prova técnica, o caráter da limitação deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar de que fatores relevantes - como a faixa etária do requerente, seu grau de escolaridade e sua qualificação profissional, assim como outros - são essenciais para a constatação do impedimento laboral e efetivação da proteção previdenciária.
Dispõe, outrossim, a Lei nº 8.213/91 que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito ao benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão.
CASO CONCRETO
1) qualidade de segurado do autor e 2) o cumprimento da carência: não havendo controvérsia a respeito, passo à análise da incapacidade laborativa.
3) a incapacidade para o trabalho: no caso concreto, foi realizada perícia médica no segurado em 8-11-2016 pelo perito médico, com laudo técnico acostado aos autos (Evento 29), conforme descrito a seguir:
a) enfermidades: doença pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV) especificada (B24);
b) incapacidade: inexistente;
c) grau da incapacidade: prejudicado;
d) prognóstico da incapacidade: prejudicado;
e) alcance da incapacidade: prejudicado;
f) início da incapacidade: prejudicado;
g) outras informações pertinentes: o autor está em tratamento para a doença, não apresentando, até o momento, incapacidade para o trabalho. No ano de 2015 apresentou quadro de neurotoxoplasmose, ficou internado em UTI. Nesse período, teve queda de nível da maca hospitalar causando fratura de punho direito e traumatismo craniano encefálico leve e lesão renal. Refere diminuição de campo visual após o quadro de neurotoxoplasmose.
Do exame dos autos colhem-se, ainda, as seguintes informações a respeito da parte autora:
a) idade: 27 anos;
b) escolaridade: ensino médio;
c) profissão: garçom;
d) comprovantes médicos acostados aos autos (Evento 1):
- registro de atendimento em Unidade Básica de Saúde;
- orientações do setor de neurologia para alta hospitalar;
- atestados médicos;
- exames de carga viral para HIV;
- exames laboratoriais;
- prontuários de internação hospitalar.
As conclusões periciais dão conta de que a parte autora está acometida pelo vírus do HIV, mas com capacidade para o trabalho.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
A parte autora alega que sua doença (HIV) a coloca em desvantagem perante a sociedade para o mercado de trabalho, além de lhe deixar com a baixa imunidade exposta a eventual doença oportunista.
Entendo que apenas o diagnóstico de HIV pelo segurado não seja suficiente para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade, há que se verificar o caso concreto, mormente quando a doença se apresenta assintomática, como é cenário clínico do autor.
Entretanto, esta Corte, em todas suas Turmas, vem concedendo benefício previdenciário por incapacidade a portadores de HIV ainda que não apresentem a doença em atividade, sob análise das condições pessoais e sociais desses requerentes. In verbis:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PORTADOR DE HIV. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Ainda que a perícia médica judicial tenha atestado a ausência de incapacidade do segurado, portador do vírus do HIV, é possível conceder o benefício por incapacidade, considerando as condições pessoais, o estigma social da doença e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
2. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
3. Invertidos os ônus sucumbenciais, os honorários advocatícios são fixados em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmulas 111, do STJ e 76 do TRF4).
4. Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC.
(AC nº 5000420-68.2015.404.7008/PR, TRF/4ª Região, Turma Regional suplementar do Paraná, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, por unanimidade, juntado aos autos em 5-10-2017)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. HIV. PORTADOR ASSINTOMÁTICO. ESTIGMA SOCIAL. CONDIÇÕES PESSOAIS, SOCIAIS, ECONÔMICAS E CULTURAIS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. A concessão dos benefícios por incapacidade depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
2. De um lado, o simples fato de a parte autora ser portadora de doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) não enseja, por si só, a concessão de benefício por incapacidade; de outro, o fato de o portador da doença ser assintomático não é suficiente para afastar a concessão do benefício.
3. Conforme consagrado pela TNU na Súmula nº 78, "comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença."
4. Estando evidenciada, em concreto, a incapacidade total e permanente do segurado para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, é de lhe ser concedido o benefício de aposentadoria por invalidez.
5. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, é de ser determinado o cumprimento imediato do acórdão quanto à implantação do benefício devido à parte autora, a ser efetivada em 30 (trinta) dias úteis.
(RE nº 5031165-16.2014.404.9999/PR, TRF/4ª Região, Turma Regional suplementar do Paraná, Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, por unanimidade, juntado aos autos em 29-8-2017)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. CONCESSÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS. AGRICULTOR. PORTADOR DE HIV. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
1. O julgador não está adstrito à prova pericial, podendo formar sua convicção, à luz do princípio da persuasão racional, com base em outros elementos provados nos autos (art. 479 do CPC/2015). Por tal razão, ante a documentação apresentada, e considerando-se a natureza e os sintomas da moléstia, é possível o reconhecimento da incapacidade laborativa.
2. Ainda que em oposição ao laudo pericial, concede-se o benefício por incapacidade ao portador de HIV, mesmo sem apresentar sintomas, quando, considerando-se suas condições pessoais, a natureza de sua ocupação habitual e o estigma social da doença, sua recolocação no mercado de trabalho mostrar-se improvável e não houver condições de permanecer exercendo sua atividade habitual.
3. Sentença reformada para conceder o auxílio-doença desde o requerimento administrativo e determinar sua conversão em aposentadoria por invalidez desde a data do laudo judicial.
(AC nº 0014002-40.2016.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 8-8-2017, publicação em 9-8-2017)
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. DIREITO DE IGUALDADE. PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA. PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS. SINTOMATOLOGIA E CONDIÇÃO ASSINTOMÁTICA. MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. DIFERIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. A experiência de pessoa vivendo com HIV/AIDS requer avaliação quanto à presença de deficiência em virtude de problemas em funções corporais, que podem resultar, nos termos da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), tanto limitações de atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF, "dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em situações de vida".
3. Há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades.
4. Do ponto de vista jurídico constitucional, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, e incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social, assim como estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.
5. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.
6. Necessidade de avaliação de outros fatores além da condição assintomática ou não, cuja presença pode importar em obstrução para participação igualitária na vida social, tais como: (a) intersecção com condição econômica e social; (b) intersecção com pertencimentos identitários que acarretam discriminação múltipla (como raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero); (c) qualidade da atenção em saúde acessível à pessoa vivendo com HIV/AIDS; (d) manifestações corporais diversas experimentadas, como lipodistrofias; (e) contexto social e cultural onde inserido o indivíduo, englobando, por exemplo, níveis de preconceito e discriminação, estrutura urbana, inserção e socialização em diversos grupos e corpos sociais intermediários.
7. Relevância de considerar-se a reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não.
8. É necessário superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático); atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com hiv, independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático, dependendo do contexto).
9. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
10. Preenchidos os requisitos no caso em apreço, é de ser concedido o benefício assistencial pleiteado.
11. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado.
12. Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF.
13. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual de Santa Catarina, deve a autarquia responder por metade das custas devidas, consoante a Lei Complementar nº 156/97 desse Estado, na redação dada pela Lei Complementar nº 161/97.
14. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015.
15. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal.
(AC nº 0000533-87.2017.404.9999, TRF/4ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, por unanimidade, d.e. 22-6-2017, publicação em 23-6-2017)
Ressalto que está expresso na Súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização da 4ª Região que Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença.
Julgo que as condições pessoais e sociais da pessoa com o vírus HIV em nossa sociedade ainda são, infelizmente, estigmatizadas. Poucos têm o conhecimento e o discernimento para diferenciar o que seja um 'portador do vírus HIV' de um 'doente de AIDS', menos pessoas ainda sabem como 'não se transmite o vírus', muitos acham que um simples contato seria o suficiente para um contágio letal.
Cabe, pois, a análise criteriosa não só da saúde e capacidade de trabalho que o segurado oferece à sociedade, mas, principalmente, a capacidade de trabalho do segurado que a sociedade quer/pode absorver do segurado.
É imprescindível considerar a idade do segurado (29 anos) comparado ao tempo em que é portador da doença (10 anos), a pouca instrução, o tipo de labor desenvolvido (garçom) e, por fim, a realidade do mercado de trabalho atual, já exíguo até para pessoas saudáveis. Nesse compasso, ordenar que a parte postulante, que é portadora de um vírus que reduz sua imunidade, limitando suas condições de trabalho (por certo não é fácil se manter em emprego no qual terá que servir o público), continue em sua vida profissional extenuante, negando-lhe o benefício no momento em que dele necessita, é contrariar o basilar princípio da dignidade da pessoa.
Por essa razão, entendo que deva ser alterada a sentença para que seja concedido à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez, desde seu requerimento administrativo. Devidas, também, as parcelas em atraso, descontados pagamentos já realizados a tais títulos.
CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo INPC a partir de 4-2006 (Lei n.º 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n.º 8.213/91), conforme decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
JUROS MORATÓRIOS
a) os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29-6-2009;
b) a partir de 30-6-2009, os juros moratórios serão computados de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, consoante decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Modificada a solução da lide, inverte-se a sucumbência, cabendo ao INSS o pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o montante das parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF/4ª Região), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.
CUSTAS PROCESSUAIS
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei nº 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).
TUTELA ESPECÍFICA
Quanto à antecipação dos efeitos da tutela, a 3ª Seção desta Corte, ao julgar a Questão de Ordem na Apelação Cível nº 2002.71.00.050349-7, firmou entendimento no sentido de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (QOAC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper, DE 01-10-2007).
Assim sendo, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
Na hipótese de a parte autora já estar em gozo de benefício previdenciário, o INSS deverá implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
a) apelação da parte autora: provida, nos termos da fundamentação;
b) de ofício: determinada a aplicação do precedente do STF no RE nº 870.947 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR e a implantação do benefício.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a aplicação do precedente do STF no RE nº 870.947 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR e determinar a implantação do benefício.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/05/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020018-85.2017.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00013720920168160161
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | EDIVALDO RODRIGUES DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | MARCIA WESGUEBER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/05/2018, na seqüência 773, disponibilizada no DE de 30/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A APLICAÇÃO DO PRECEDENTE DO STF NO RE Nº 870.947 E DO STJ NO RESP Nº 1.492.221/PR E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
: | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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