Apelação Cível Nº 5000132-90.2023.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0000390-10.2021.8.16.0067/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIZEU DE MATOS
ADVOGADO(A): FABRICIO GUIMARAES VILAS BOAS (OAB PR041767)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a averbação de tempo de trabalho rural de 03/01/1975 a 30/07/1990, bem como pleiteia a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou por resolvido o mérito da causa, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, e JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para:
a.) CONDENAR o INSS a averbar o exercício de atividade rural entre 03/01/1975 a 30/07/1990;
b.) IMPLANTAR o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição desde 24/07/2019 (DER).
b.) CONDENAR o INSS ao pagamento dos valores atrasados.
Sobre os valores da condenação deverão incidir juros moratórios, a contar da citação, fixados pelos índices oficiais da caderneta de poupança (art. 5º, da, Lei nº 11.960 /2009, que deu nova redação ao artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97).
No que diz respeito à atualização monetária é aplicável ao caso o IPCA-E, tendo como termo inicial a data de vencimento de cada parcela, até seu efetivo pagamento.
c.) CONDENAR, ainda, o INSS ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, consignando, previamente, que o percentual será aplicado sobre a condenação, excluídas eventuais parcelas vencidas após a sentença (STJ, Súmula nº 111).
Postergo a definição do percentual para momento posterior à liquidação do julgado, nos termos do artigo 85, §4º, inciso II, do Código de Processo Civil.
Cumpram-se as demais disposições pertinentes do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Cerro Azul, assinado e datado digitalmente.
O INSS apela, alegando que não é possível a averbação do labor rural da parte autora antes dos 12 anos.
Diz que a norma constitucional do art. 7°, XXXIII, possui caráter protetivo. Ela busca proteger o menor de dezesseis anos de consequências prejudiciais que possam decorrer do trabalho, bem como fomentar a opção pela educação.
Afirma que o STJ entende que pode ser computado o trabalho comprovadamente exercido a partir dos 12 anos - devendo prevalecer este entendimento - para uniformização da interpretação da Lei n. 8.213/1991, art. 11, VII, c; art. 11, § 6°; art. 13; Lei n. 8.212/1991, art. 14; e Decreto n. 3.048/1999, art. 18, § 2°, nas causas previdenciárias.
Pede que seja provido o recurso com a consequente reforma da sentença.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
MÉRITO
ATIVIDADE RURAL – SEGURADO ESPECIAL
O trabalho rural, na condição de segurado especial, encontra previsão no art. 11, VII, e § 1º da Lei 8.213/91, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII- como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em algomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de :
produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividades:
agropecurária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
conjugue ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
Ainda sobre a prova, acrescenta-se que nos termos da Súmula 149 do STJ não se admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do E. STJ e do TRF4:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A questão jurídica posta no recurso especial gira em torno da caracterização da condição de segurado especial, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade.
2. O Tribunal a quo concluiu pela inexistência de efetiva atividade campesina durante o período pretendido, porquanto ausente o início de prova material exigido por lei. Rever tal entendimento demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ.
Precedentes.
3. Ademais, o reconhecimento de tempo de serviço rurícola, para efeito de aposentadoria por idade, é tema pacificado pela Súmula 149 desta Egrégia Corte, no sentido de que a prova testemunhal deve estar apoiada em um início razoável de prova material.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1042311/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 23/05/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E COMO "BÓIA-FRIA". RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA. CONVERSÃO EM TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 3. O fato de a parte autora ter recolhido contribuições previdenciárias não constitui óbice à caracterização da sua condição de segurada especial, porquanto, não raras vezes, o segurado especial, com o intuito de garantir o direito à inativação - o qual até a edição da Lei nº 8.213/91 somente era garantido aos trabalhadores rurais com 65 anos de idade e que fossem chefes ou arrimos de família - inscrevia-se na Previdência Social com o fito de assegurar assistência médica, sem, contudo, deixar de exercer, exclusivamente, a atividade rural. Isso sem falar que tais contribuições não acarretam qualquer prejuízo ao INSS, uma vez que foram vertidas aos cofres públicos. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). Contudo, já tendo havido a implantação por força de antecipação de tutela, mantenho a implantação agora sob esse fundamento. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017)
Destaca-se, a propósito, que esta Turma já firmou entendimento de que os documentos civis tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4, AC Nº 0002853-52.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, , D.E. 10/11/2016; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008).
Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade (TRF4, AC Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017; TRF4, AC Nº 5002835-30.2011.404.7213, 5a. Turma, LORACI FLORES DE LIMA, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/03/2017).
Outrossim, há recente precedente deste Tribunal retratado nos autos da ação civil pública sob nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, com o fito de que o INSS:
c.1) se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, admitindo, para comprovação de seu exercício, os mesmos meios probatórios postos à disposição dos demais segurados;
c.2) altere seus regulamentos internos para adequá-los ao comando sentencial;
c.3) comunique às suas Gerências Executivas e Agências da Previdência Social a necessidade de fazer observar a obrigação estabelecida na sentença.
Esta Corte, por ocasião do julgamento da sessão do dia 09/04/2018, julgou integralmente procedente a ação, a fim de reconhecer a possibilidade de ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja, sem a fixação de requisito etário para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei nº 8.213/91.
A decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 1.225.475).
Entretanto, a possibilidade da contagem do intervalo de trabalho realizado antes dos 12 (doze) anos de idade, para fins de previdência, não desonera a parte de efetivamente comprovar o efetivo labor, que não pode ser mero auxílio eventual e sem significado em relação à produtividade do grupo familiar.
Para a comprovação da condição de segurado especial, a Lei 8.213/91 exige o desempenho de trabalho rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido aquele em que o trabalho dos membros da família se mostra indispensável à própria subsistência e seja exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sendo exigido, para o cônjuge, companheiro e filhos, comprovação do efetivo trabalho junto com o grupo.
Deste modo, mesmo que a jurisprudência aceite o reconhecimento do trabalho rural inclusive antes dos doze anos de idade, para tanto deve ficar comprovado que as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes dentro do grupo familiar iam além de um mero auxílio nas atividades cotidianas, mas que elas exerciam um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
Nesse sentido, o recente julgado desta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. IDADE MÍNIMA PARA O TRABALHO RURAL. REQUISITOS LEGAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade. Entretanto, essa atividade deve ir além de um mero auxílio, ou seja, o menor deve exercer um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
2. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905). (AC nº 5060204-92.2018.4.04.7000, Relator Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, un., juntado aos autos em 16/03/2022).
Finalmente, no que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
A partir do exposto, conclui-se, em síntese, que para o reconhecimento do labor rural permite-se:
a) o reconhecimento do tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que corroborado por prova testemunhal idônea e robusta (AgInt no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017);
b) o reconhecimento de documentos em nome de terceiros (parentes que compõem o grupo familiar) como início de prova material;
c) a averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar sem a fixação de requisito etário;
d) que os documentos tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor, valham como início de prova material.
Registro ainda que o aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
CASO CONCRETO – LABOR RURAL
A parte autora pretende seja reconhecido o exercício de labor rural, em regime de economia familiar, no período de 03/01/1975 a 30/07/1990. Para tanto, acostou aos autos os seguintes documentos:
a) Certidão de casamento no ano de 1987, qualificando-o como lavrador;
b) Histórico escolar comprovando matrícula e frequência em Escola Rural nos anos de 1975 a 1978;
c) Declaração da SSP/PR de que no ano de 1983 o autor declarou exercer a atividade de lavrador;
d) Matéria jornalística do ano de 1993 informando que o autor exerceu atividade de lavrador;
e) Ficha de atendimento Municipal qualificando o autor como lavrador;
f) Documento de aquisição de um imóvel rural.
Os documentos apresentados (itens a/f) servem como início de prova material da atividade rural do requerente após 1977, não sendo demais frisar que a jurisprudência não exige "a comprovação da atividade rural ano a ano, de forma contínua" pois início de prova material não significa prova cabal, mas algum "registro por escrito que possa estabelecer liame entre o universo fático e aquilo que expresso pela testemunhal." (TRF 4ª Região - AC n° 2000.04.01.128896-6/RS, Relator Juiz João Surreaux Chagas, DJU de 25-7-2001, p. 215).
Com efeito, a Certidão de casamento do ano de 1987, qualificando o autor como lavrador, bem como o Histórico escolar comprovando matrícula e frequência em Escola Rural nos anos de 1975 a 1978, servem como início razoável de prova material de que a família exerceu o labor rural no período controverso.
Na Audiência Judicial (evento 53), foram ouvidas duas testemunhas.
Luiz Manoel da Silva disse que conhece o autor desde quando eles eram crianças; que ele tinha aproximadamente nove anos; que conheceu o autor na fazenda Turvo; que o autor morava com os pais dele; que desde aquela época o autor plantava milho, feijão, mandioca; que o autor trabalhava com o pai e os irmãos; que o autor lá permaneceu até os vinte e cinco anos de idade; que a família plantava em uma área de terras que era cedida por um terceiro; que eles não pagavam para plantar nesse local e o que produziam ficava com a família; que a família não tinha outra renda; que o que a família ganhava na fazenda era muito pouco, então, a sobrevivência vinha do plantio; que o tamanho da área onde plantavam era de aproximadamente um alqueire.
Joaquim da Rosa disse que conhece o autor desde que ele tinha nove anos de idade; que conheceu o autor na localidade Barra do Teixeira; reside até hoje nesta comunidade; que o autor trabalhava na fazenda Rio do Turvo na agricultura; que eles plantavam milho, feijão, arroz, soja; que a família plantava em um terreno de terceiro; que plantavam em aproximadamente 1 alqueire; que era somente a família que trabalhava na propriedade; que trocavam dias de serviço, mas não tinham empregados; que quem trabalhava na agricultura era o pai do autor e os irmãos; que eles eram em quatro irmãos; que a sobrevivência da família era desse trabalho; que eles vendiam apenas o excedente, mas a maioria da produção era para consumo; que o autor trabalhou somente nessa fazenda.
O INSS apela, alegando que não é possível a averbação do labor rural da parte autora antes dos 12 anos.
Diz que a norma constitucional do art. 7°, XXXIII, possui caráter protetivo. Ela busca proteger o menor de dezesseis anos de consequências prejudiciais que possam decorrer do trabalho, bem como fomentar a opção pela educação.
Afirma que o STJ entende que pode ser computado o trabalho comprovadamente exercido a partir dos 12 anos - devendo prevalecer este entendimento - para uniformização da interpretação da Lei n. 8.213/1991, art. 11, VII, c; art. 11, § 6°; art. 13; Lei n. 8.212/1991, art. 14; e Decreto n. 3.048/1999, art. 18, § 2°, nas causas previdenciárias.
Pede que seja provido o recurso com a consequente reforma da sentença.
Possui razão a autarquia.
Isto porque, não é possível o reconhecimento o labor rural anterior aos 12 anos da parte autora, pelas razões que abaixo estão dispostas.
Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade (TRF4, AC Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017; TRF4, AC Nº 5002835-30.2011.404.7213, 5a. Turma, LORACI FLORES DE LIMA, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/03/2017).
Outrossim, há recente precedente deste Tribunal retratado nos autos da ação civil pública sob nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, com o fito de que o INSS:
c.1) se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, admitindo, para comprovação de seu exercício, os mesmos meios probatórios postos à disposição dos demais segurados;
c.2) altere seus regulamentos internos para adequá-los ao comando sentencial;
c.3) comunique às suas Gerências Executivas e Agências da Previdência Social a necessidade de fazer observar a obrigação estabelecida na sentença.
Esta Corte, por ocasião do julgamento da sessão do dia 09/04/2018, julgou integralmente procedente a ação, a fim de reconhecer a possibilidade de ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja, sem a fixação de requisito etário para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei nº 8.213/91.
A decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 1.225.475).
Entretanto, a possibilidade da contagem do intervalo de trabalho realizado antes dos 12 (doze) anos de idade, para fins de previdência, não desonera a parte de efetivamente comprovar o efetivo labor, que não pode ser mero auxílio eventual e sem significado em relação à produtividade do grupo familiar.
Para a comprovação da condição de segurado especial, a Lei 8.213/91 exige o desempenho de trabalho rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido aquele em que o trabalho dos membros da família se mostra indispensável à própria subsistência e seja exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sendo exigido, para o cônjuge, companheiro e filhos, comprovação do efetivo trabalho junto com o grupo.
Deste modo, mesmo que a jurisprudência aceite o reconhecimento do trabalho rural inclusive antes dos doze anos de idade, para tanto deve ficar comprovado que as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes dentro do grupo familiar iam além de um mero auxílio nas atividades cotidianas, mas que elas exerciam um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
Nesse sentido, o recente julgado desta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. IDADE MÍNIMA PARA O TRABALHO RURAL. REQUISITOS LEGAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade. Entretanto, essa atividade deve ir além de um mero auxílio, ou seja, o menor deve exercer um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
2. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905). (AC nº 5060204-92.2018.4.04.7000, Relator Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, un., juntado aos autos em 16/03/2022).
No caso em julgamento, é preciso destacar que não há nos autos nenhuma prova a qual revele que a parte autora, antes dos 12 anos, contribuía de forma efetiva para a produção rural da família. Inclusive, o Histórico escolar comprovando matrícula e frequência em Escola Rural nos anos de 1975 a 1978, indica que o autor estudou pelo menos até os 13 anos. Nesse aspecto, o fato de ter estudado quando era criança torna ainda mais improvável que tenha estudado e laborado a ponto de se considerar o período anterior aos 12 anos para fins previdenciários.
Assim, reformo a sentença em parte e julgo comprovado o exercício da atividade rural pelo autor no período de 03/01/1977 a 30/07/1990.
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 03/01/1965 |
Sexo | Masculino |
DER | 24/07/2019 |
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | - | 03/01/1977 | 30/07/1990 | 1.00 | 13 anos, 6 meses e 28 dias | 0 |
2 | - | 01/08/1990 | 19/01/1993 | 1.00 | 2 anos, 5 meses e 19 dias | 30 |
3 | - | 01/02/1993 | 31/03/1993 | 1.00 | 0 anos, 0 meses e 0 dias (Ajustada concomitância) | 0 |
4 | - | 01/01/1993 | 31/12/1996 | 1.00 | 3 anos, 11 meses e 11 dias (Ajustada concomitância) | 47 |
5 | - | 01/01/1997 | 31/12/2000 | 1.00 | 4 anos, 0 meses e 0 dias | 48 |
6 | - | 01/01/2001 | 31/12/2004 | 1.00 | 4 anos, 0 meses e 0 dias | 48 |
7 | - | 01/01/2005 | 31/12/2008 | 1.00 | 4 anos, 0 meses e 0 dias | 48 |
8 | - | 04/08/2009 | 31/12/2012 | 1.00 | 3 anos, 4 meses e 27 dias | 41 |
9 | - | 01/01/2013 | 31/12/2016 | 1.00 | 4 anos, 0 meses e 0 dias | 48 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 21 anos, 11 meses e 14 dias | 101 | 33 anos, 11 meses e 13 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 3 anos, 2 meses e 18 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 22 anos, 10 meses e 26 dias | 112 | 34 anos, 10 meses e 25 dias | inaplicável |
Até a DER (24/07/2019) | 39 anos, 4 meses e 25 dias | 310 | 54 anos, 6 meses e 21 dias | 93.9611 |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Em 16/12/1998 (EC 20/98), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpre o tempo mínimo de serviço de 30 anos, nem a carência mínima de 102 contribuições.
Em 28/11/1999 (Lei 9.876/99), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 30 anos, o pedágio de 3 anos, 2 meses e 18 dias (EC 20/98, art. 9°, § 1°, inc. I) e nem a idade mínima de 53 anos.
Em 24/07/2019 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada (93.96 pontos) é inferior a 96 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Assim, mantida a concessão do benefício previdenciário.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Mantenho a condenação do INSS aos honorários advocatícios, conforme determinado em sentença, dada a sucumbência mínima da parte autora.
TUTELA ESPECÍFICA
Com base no artigo 497 do CPC e na jurisprudência consolidada da Terceira Seção desta Corte (QO-AC 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper), determino o cumprimento imediato deste julgado.
Na hipótese de a parte autora já estar em gozo de benefício previdenciário, o INSS deverá implantar o benefício concedido ou revisado judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Requisite a Secretaria da 10ª Turma, à CEAB-DJ, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
DADOS PARA CUMPRIMENTO: ( x ) CONCESSÃO ( ) RESTABELECIMENTO ( ) REVISÃO | |
NB: | 194.554.236-2 |
ESPÉCIE: | Aposentadoria por tempo de contribuição |
DIB: | 24/07/2019 |
DIP: | 20 dias |
DCB: | - |
RMI: | a apurar |
Informações adicionais: | - |
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo do INSS: provido para afastar a averbação do labor rural da parte autora antes de completados 12 anos.
Determino o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar, de ofício, a implantação do benefício concedido ou revisado via CEAB, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003821849v12 e do código CRC 09b0556f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 11/5/2023, às 19:24:55
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2023 04:00:58.
Apelação Cível Nº 5000132-90.2023.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0000390-10.2021.8.16.0067/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIZEU DE MATOS
ADVOGADO(A): FABRICIO GUIMARAES VILAS BOAS (OAB PR041767)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. ANTES DE COMPLETADOS 12 ANOS. NÃO COMPROVADA INDISPENSABILIDADE. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade (TRF4, AC Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017; TRF4, AC Nº 5002835-30.2011.404.7213, 5a. Turma, LORACI FLORES DE LIMA, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/03/2017).
2. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar, de ofício, a implantação do benefício concedido ou revisado via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 09 de maio de 2023.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003821850v4 e do código CRC bd65d41b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 11/5/2023, às 19:24:55
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2023 04:00:58.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 02/05/2023 A 09/05/2023
Apelação Cível Nº 5000132-90.2023.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIZEU DE MATOS
ADVOGADO(A): FABRICIO GUIMARAES VILAS BOAS (OAB PR041767)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/05/2023, às 00:00, a 09/05/2023, às 16:00, na sequência 518, disponibilizada no DE de 19/04/2023.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR, DE OFÍCIO, A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO OU REVISADO VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante: Juíza Federal MÁRCIA VOGEL VIDAL DE OLIVEIRA
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2023 04:00:58.