Apelação Cível Nº 5003113-32.2014.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: BALDUINO PIODES RITA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de demanda julgada na sessão de 16-10-2019, em que esta Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, à unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial, e dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem com o fim de que fosse reaberta a fase instrutória para a realização da prova pericial requerida, em relação aos intervalos de 01-10-1986 a 22-12-1987, 06-01-1999 a 01-03-2002 e 01-05-2008 a 16-06-2009, restando prejudicado o apelo do INSS.
Sobreveio nova sentença, publicada em 01-02-2022, na qual o magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: 1) reconhecer a especialidade das atividades no(s) período(s) de 02/01/1979 a 03/11/1979, 09/12/1979 a 04/11/1981, 01/10/1986 a 22/12/1987, 25/06/1992 a 28/01/1993, 01/11/1993 a 28/02/1994, 01/03/1994 a 08/06/1994, 29/04/1995 a 26/02/1997 e 08/01/2010 a 13/07/2010; 2) condenar o INSS a averbar a especialidade da(s) atividade(s) no(s) período(s) reconhecido(s) nesta sentença.
Considerando a sucumbência recíproca (art. 86, CPC), condenou a parte autora em 50% das custas processuais, bem como as partes ao pagamento de 50% dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, os quais fixou nos percentuais mínimos previstos no § 3º do art. 85 do CPC sobre o valor atualizado da causa. A condenação da parte autora ficará sob condição suspensiva de exigibilidade, ante a concessão do benefício de AJG. Sem condenação do INSS em custas processuais.
Apela a parte autora pleiteando a reforma da sentença para que seja reconhecida a especialidade dos períodos de 02-06-1997 a 23-12-1998, 06-01-1999 a 01-03-2002, 23-05-2002 a 21-11-2007 e 01-05-2008 a 16-06-2009, em face da sua exposição habitual, permanente e associada aos agentes nocivos acima demonstrado (POEIRAS, decorrente das cinzas das caldeiras e PERICULOSIDADE, decorrente do risco de explosão das caldeiras). Por conseguinte, requer seja determinada a concessão da Aposentadoria por Tempo de Contribuição (Integral ou Proporcional) desde a DER, OU, mediante sua reafirmação, OU AINDA, em outro benefício que o autor faça jus. Caso contrário, postula a extinção do feito sem exame do mérito.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Remessa oficial
No caso dos autos, a sentença foi publicada na vigência do novo codex.
Tendo em vista que a decisão limitou-se a reconhecer o tempo de serviço especial, isto é, o provimento jurisdicional impugnado encerrou norma individual de cunho meramente declaratório, afasta-se, por imposição lógica, a reapreciação de ofício do julgado, pois trata-se de decisão que sequer possui resultado econômico aferível no momento em que exarada.
Em idêntico sentido, os seguintes julgados deste Regional: Apelação nº 5068143-84.2017.404.9999, 5ª Turma, rel. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke, juntado aos autos em 09-04-2018; Apelação nº 0000837-86.2017.404.9999, 6ª Turma, rel. Juíza Federal Convocada Taís Schilling Ferraz, publicação em 19-12-2017; Apelação nº 0004030-17.2014.404.9999, 6ª Turma, rel. para o acórdão Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, publicação em 11-09-2017.
Dessa forma, deixo de dar por interposta a remessa oficial.
Mérito
A controvérsia restringe-se ao reconhecimento do tempo de serviço prestado sob condições especiais, nos intervalos de 02-06-1997 a 23-12-1998, 06-01-1999 a 01-03-2002, 23-05-2002 a 21-11-2007 e 01-05-2008 a 16-06-2009, devidamente convertidos para tempo comum, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo, em 30-04-2013.
DA ATIVIDADE ESPECIAL
O reconhecimento da especialidade da atividade exercida é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 26-11-2014, os Embargos de Declaração no Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034, da Relatoria do Ministro Herman Benjamin, fixou o entendimento de que a configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor, seguindo assim orientação que já vinha sendo adotada desde longa data por aquela Corte Superior (AgRg no AREsp 531814/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 29-09-2014; AR 2745/PR, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 08-05-2013; AR n. 3320/PR, Terceira Seção, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24-09-2008; EREsp n. 345554/PB, Terceira Seção, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08-03-2004; AGREsp n. 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23-06-2003; e REsp n. 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23-06-2003) e também por este Tribual (APELREEX n. 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 30-03-2010; APELREEX n. 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. de 17-03-2010; APELREEX n. 2007.71.00.033522-7/RS, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. de 25-01-2010; e EINF n. 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 18-11-2009).
Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n. 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, com o fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n. 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n. 1.523, de 14-10-1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29-04-1995 (ou 14-10-1996) e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) a partir de 06-03-1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n. 1.523/96 (convertida na Lei n. 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica;
d) a partir de 01-01-2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o Perfil Profissiográfico Previdenciário, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o PPP já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição n. 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16-02-2017). De qualquer modo, sempre possível a comprovação da especialidade por meio de perícia técnica judicial.
Acerca da conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo n. 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28-05-1998, como segue:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO.
1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/91.
2. Precedentes do STF e do STJ.
Assim, considerando que o parágrafo 5.º do art. 57 da Lei n. 8.213/91 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei n. 9.711/98 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional n. 20, de 15-12-1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1.º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28-05-1998.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos n. 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n. 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo II) até 28-04-1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n. 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), n. 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05-03-1997, e, a partir de 06-03-1997, os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n. 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n. 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).
Na hipótese vertente, a parte autora pretende o reconhecimento da especialidade dos seguintes períodos:
a) 02-06-1997 a 23-12-1998, como caldeirista na empresa Serraria Cerro Azul Ltda.: CTPS, Formulário de Informações sobre Atividades Exercidas em Condições Especiais, e laudo de empresa similar do evento 1, PROCADM10, p. 38-39; evento 1, PROCADM11, p. 32-33; e evento 21, LAUDO6;
b) 06-01-1999 a 01-03-2002, como caldeirista na empresa Indústria e Comércio de Madeiras São Pedro Ltda.: CTPS e laudo pericial judicial do evento 1, PROCADM10, p. 40; e evento 71, LAUDOPERIC1;
c) 23-05-2002 a 21-11-2007, como operador de caldeira na empresa ADAMI S/A - Madeiras: CTPS e PPP embasado em laudo técnico do evento 1, PROCADM10, p. 40; e evento 1, PROCADM11, p. 36-37; e
d) 01-05-2008 a 16-06-2009, como operador de caldeira na empresa José Hideraldo Aleixo Transportes - ME: CTPS e laudo pericial judicial - evento 1, PROCADM10, p. 41; e evento 71, LAUDOPERIC1.
Pretende a parte autora o reconhecimento da especialidade dos intervalos acima em face da exposição a poeiras decorrentes das cinzas da caldeira, e por se tratar de atividade perigosa devido ao risco de explosão.
Em relação aos intervalos de 06-01-1999 a 01-03-2002 e 01-05-2008 a 16-06-2009, ausente qualquer prova de que o autor estava exposto a referidos agentes nocivos, tendo em vista que nada constou no laudo pericial judicial nesse sentido, o qual somente apontou calor e ruído abaixo dos limites de tolerância (evento 71, LAUDOPERIC1).
Já no tocante ao interstício de 23-05-2002 a 21-11-2007, muito embora o PPP, que está embasado em laudo técnico (evento 1, PROCADM11, p. 36-37), aponte como uma das funções do autor retirar cinza após a queima, não indica a exposição do segurado a quaisquer agentes agressivos.
E, quanto ao interregno de 02-06-1997 a 23-12-1998, o laudo de empresa similar juntado aos autos dá conta de que a exposição a poeiras ocorria apenas de modo eventual (evento 21, LAUDO6).
Como se verifica, não há prova de exposição habitual e permanente do autor a poeiras nocivas e à periculosidade a autorizar o reconhecimento da especialidade do tempo de serviço. Seria hipótese, portanto, de julgar improcedente a pretensão por falta de provas.
Contudo, em se tratando de deficiência probatória, é de se observar a jurisprudência da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, na seara do direito previdenciário, frente à sua natureza protetiva, é desarrazoado em hipóteses tais reconhecer a improcedência de pleito, formando a coisa julgada material (Recurso Repetitivo n. 1.352.721/SP, publicado no DJe de 28-04-2016, de que foi Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho):
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido.
Muito embora a hipótese apreciada pelo STJ seja relativa a tempo de serviço rural, certo é que a fundamentação adotada deve ser aplicada a qualquer situação em que ausente conteúdo probatório eficaz, tal como decidiu a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça ao julgar, em 26-10-2020, o AgInt no AgInt no AREsp n. 1538872/PR, da Relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO DO SEGURADO PARA RECONHECER A POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. AGRAVO INTERNO QUE SE LIMITA A DEFENDER A IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA REALIDADE DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284/STF. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...)
4. Ademais, cabe esclarecer que, ao contrário do que afirma o INSS, o entendimento firmado no REsp. 1.352.721/SP, julgado em sede de recurso repetitivo pela Corte Especial do STJ, fixa parâmetro para o julgamento de qualquer ação previdenciária, não se podendo restringir seu alcance à lides de trabalhadores rurais.
5. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
Nesse mesmo sentido os seguintes precedentes desta Corte: AC n. 5001505-66.2018.4.04.7208, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 17-12-2020; AC n. 0017718-80.2013.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Rel. Juíza Federal (convocada) Gabriela Pietsch Serafin, julgado em 14-12-2017; AC n. 0018761-18.2014.4.04.9999/SC, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 14-09-2017; e AC n. 0011414-31.2014.4.04.9999, Quinta Turma, Relator Des. Federal Roger Raupp Rios, julgado em 07-06-2016.
Assim, deve o feito ser extinto sem resolução do mérito quanto à pretensão de reconhecimento da especialidade do tempo de serviço de 02-06-1997 a 23-12-1998, 06-01-1999 a 01-03-2002, 23-05-2002 a 21-11-2007 e 01-05-2008 a 16-06-2009, em relação aos agentes nocivos poeiras minerais nocivas e periculosidade, nos moldes do artigo art. 485, inc. IV, do CPC de 2015, não se obstando, por conseguinte, o ajuizamento de nova ação para renovação do pleito mediante apresentação de novas provas.
Na sentença, o magistrado a quo apurou, até a data do requerimento administrativo (30-04-2013), 30 anos, 06 meses e 12 dias de tempo de contribuição, o que é insuficiente ao deferimento da aposentadoria por tempo de contribuição pretendida, ainda que proporcional, por falta de cumprimento do pedágio, sendo inviável, no caso concreto, a reafirmação da DER, uma vez que, ainda que somados os recolhimentos posteriores ao protocolo administrativo, o autor não implementa tempo suficiente ao deferimento de qualquer benefício até 22-04-2017, data em que passou a gozar de auxílio-doença por acidente do trabalho, o qual foi convertido em aposentadoria por invalidez decorrente de acidente do trabalho em 21-05-2018.
Assim, o apelo do autor deve ser provido apenas para extinguir o feito sem exame do mérito em relação ao pedido de reconhecimento da especialidade dos intervalos requeridos quanto aos agentes nocivos poeiras minerais e periculosidade.
A sucumbência resta mantida nos termos em que fixada na sentença.
Tutela específica
Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a Terceira Seção desta Corte, buscando dar efetividade ao disposto no art. 461, que dispunha acerca da tutela específica, firmou o entendimento de que o acórdão que concedesse benefício previdenciário e sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, em princípio, sem efeito suspensivo, ensejava o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, independentemente do trânsito em julgado ou de requerimento específico da parte, em virtude da eficácia mandamental dos provimentos fundados no referido artigo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, de minha Relatoria, julgado em 09-08-2007).
Nesses termos, entendeu o Órgão Julgador que a parte correspondente à obrigação de fazer ensejava o cumprimento desde logo, enquanto a obrigação de pagar ficaria postergada para a fase executória.
O art. 497 do novo CPC, buscando dar efetividade ao processo, dispôs de forma similar à prevista no Código de 1973, razão pela qual o entendimento firmado pela Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento da Questão de Ordem acima referida, mantém-se íntegro e atual.
Portanto, com fulcro no art. 497 do CPC, determino o cumprimento imediato do acórdão em relação à averbação dos períodos reconhecidos como especiais na sentença, conforme os dados a seguir, a ser efetivado em 45 dias.
Dados para cumprimento
1. ( x ) Averbação ( ) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão
2. Períodos a serem averbados:
Tempo especial: | 02-01-1979 a 03-11-1979, 09-12-1979 a 04-11-1981, 01-10-1986 a 22-12-1987, 25-06-1992 a 28-01-1993, 01-11-1993 a 28-02-1994, 01-03-1994 a 08-06-1994, 29-04-1995 a 26-02-1997 e 08-01-2010 a 13-07-2010 |
3. NB: 157.174.908-7
4. Espécie: aposentadoria por tempo de contribuição (B42)
5. DIB: não se aplica
6. DIP: não se aplica
7. DCB: não se aplica
8. RMI: não se aplica
Requisite a Secretaria da Turma Regional Suplementar de Santa Catarina o cumprimento da decisão à CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora para extinguir o feito sem exame do mérito quanto à pretensão de reconhecimento da especialidade do tempo de serviço de 02-06-1997 a 23-12-1998, 06-01-1999 a 01-03-2002, 23-05-2002 a 21-11-2007 e 01-05-2008 a 16-06-2009, em relação aos agentes nocivos poeiras minerais e periculosidade, nos moldes do artigo art. 485, inc. IV, do CPC de 2015, e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação dos períodos reconhecidos como especiais na sentença via CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios.
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Data e Hora: 23/5/2022, às 18:38:36
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Apelação Cível Nº 5003113-32.2014.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: BALDUINO PIODES RITA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS não implementados. ATIVIDADE ESPECIAL. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO. tutela específica.
1. Pela eficácia normativa do devido processo legal em sua dimensão substancial, as disposições do processo civil comum são flexibilizadas quando tocam uma causa previdenciária, de modo que a decisão denegatória de proteção social, por insuficiência de prova material, não pode impedir futura comprovação da existência desse direito fundamental à subsistência digna.
2. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial quanto ao tempo especial controverso, conforme determina o art. 320 do CPC de 2015, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção, sem exame do mérito (art. 485, IV, do CPC de 2015) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 486, §1º, do mesmo diploma), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa (Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia: REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16-12-2015).
3. O entendimento firmado no REsp. 1.352.721/SP, julgado em sede de recurso repetitivo pela Corte Especial do STJ, fixa parâmetro para o julgamento de qualquer ação previdenciária, não se podendo restringir seu alcance à lides de trabalhadores rurais (STJ, AgInt no AgInt no AREsp n. 1538872/PR, Primeira Seção, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 26-10-2020).
4. Apelo do autor provido apenas para extinguir o feito sem exame do mérito em relação ao pedido de reconhecimento da especialidade dos intervalos requeridos quanto aos agentes nocivos poeiras minerais e periculosidade.
5. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do CPC/2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação dos períodos reconhecidos como especiais na sentença, a ser efetivada em 45 dias.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora para extinguir o feito sem exame do mérito quanto à pretensão de reconhecimento da especialidade do tempo de serviço de 02-06-1997 a 23-12-1998, 06-01-1999 a 01-03-2002, 23-05-2002 a 21-11-2007 e 01-05-2008 a 16-06-2009, em relação aos agentes nocivos poeiras minerais e periculosidade, nos moldes do artigo art. 485, inc. IV, do CPC de 2015, e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação dos períodos reconhecidos como especiais na sentença via CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003182784v3 e do código CRC f165c08b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 23/5/2022, às 18:38:36
Conferência de autenticidade emitida em 01/06/2022 08:00:58.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5003113-32.2014.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: BALDUINO PIODES RITA (AUTOR)
ADVOGADO: DARCISIO ANTONIO MULLER (OAB SC017504)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 650, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA EXTINGUIR O FEITO SEM EXAME DO MÉRITO QUANTO À PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE DO TEMPO DE SERVIÇO DE 02-06-1997 A 23-12-1998, 06-01-1999 A 01-03-2002, 23-05-2002 A 21-11-2007 E 01-05-2008 A 16-06-2009, EM RELAÇÃO AOS AGENTES NOCIVOS POEIRAS MINERAIS E PERICULOSIDADE, NOS MOLDES DO ARTIGO ART. 485, INC. IV, DO CPC DE 2015, E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS RECONHECIDOS COMO ESPECIAIS NA SENTENÇA VIA CEAB - CENTRAL ESPECIALIZADA DE ANÁLISE DE BENEFÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 01/06/2022 08:00:58.