Apelação Cível Nº 5003258-66.2020.4.04.7215/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: NAIR DALMOLINI (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso da parte ré contra sentença (e. 18.1), prolatada em 07/05/2021, que julgou procedente o pedido de reconhecimento de labor rural de 01/04/1975 a 31/10/1991, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição a contar da DER (11/11/2019), nestes termos:
"(...) Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos para, resolvendo o processo, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil:
a) RECONHECER o labor rural em regime de economia familiar desenvolvido pela parte autora no período de 01/04/1975 a 31/10/1991 determinando ao INSS que proceda à respectiva averbação para todos os efeitos (exceto carência);
b) ORDENAR que o INSS conceda à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (DER: 11/11/2019).
c) CONDENAR o INSS ao pagamento das parcelas atrasadas, respeitada a regra da prescrição quinquenal, acrescidas de correção monetária nos termos da fundamentação.
d) CONDENAR o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, compreendidas na condenação as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula nº 76 do Tribunal Regional Federal da 4º Região e art. 85, § 3º, II, do CPC).
Partes isentas de custas nos termos do art. 4º, I e II, da Lei 9.289/96.
Sentença não sujeita ao reexame necessário (artigo 496, §3º, inciso I, do CPC) (...)."
Em suas razões recursais (e. 31.1), sustenta o INSS, em síntese, contra o reconhecimento de labor rural para menor de 12 (doze) anos de idade, referindo que, no caso dos autos, não restam configurados os elementos autorizadores do cômputo de tal atividade para fins previdenciários, por haver "prova de que a família proporcionava escola para os filho". Refere, ainda, ofensa aos princípios constitucionais do equilíbrio atuarial e precedência de fonte de custeio.
Com as contrarrazões (e. 34.1), foram remetidos os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se ao reconhecimento de labor rural de 01/04/1975 a 31/10/1991, que abrange período de labor de menor de 12 (doze) anos de idade, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Tempo de serviço rural
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula 149 do STJ.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural, consoante inclusive consagrado na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
De outra parte, afigura-se possível o reconhecimento de atividade rural para fins previdenciários no período dos 12 a 14 anos de idade. A jurisprudência deste Tribunal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é pacífica nesse sentido (TRF4ªR - 3ª Seção, EI 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 12/03/2003; STJ - AgRg no RESP 419601/SC, 6ª T, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 18/04/2005, p. 399 e RESP 541103/RS, 5ª T, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01/07/2004, p. 260; STF - AI 529694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. em 15.02.2005).
Cumpre gizar, por oportuno, que recentemente o Colendo STJ consolidou seu entendimento a respeito da extensão de validade do início da prova material na recente Súmula nº 577, cujo enunciado dispõe ser "possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
Ademais, para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. Assim, início de prova material deve viabilizar, em conjunto com a prova oral, um juízo de valor seguro acerca da situação fática.
No caso sub judice, a análise do conjunto probatório realizada pelo MM. Juízo a quo em sua lapidar sentença mostrou-se irretocável, tendo esgotado o tópico de forma conclusiva, motivo pelo qual, a fim de evitar desnecessária tautologia, peço vênia para transcrever o seguinte excerto, que adoto como razão de decidir:
"(...) No caso dos autos, NAIR DALMOLINI, nascido(a) em 01/04/1967, alega ter trabalhado nas lides rurícolas de economia familiar, no período em comento, em terras de propriedade de seu pai, situadas em Botuverá/SC.
Os documentos que instruíram o processo administrativo (E1, PROCADM6), especialmente as certidões de casamento, documentos escolares, ficha de filiação do pai da autora ao sindicato rural com comprovação de contribuições e a certidão de alistamento militar do irmão, indicando a atividade de agricultor, entre outros, indicam que a parte autora exerceu atividade na lavoura no período postulado.
Convém registrar, ainda, que a prova material encartada ao feito satisfaz a exigência legal para o reconhecimento do tempo de serviço rural pleiteado, na esteira da fundamentação acima lançada.
A prova testemunhal colhida por declarações (E11, DECL2), por seu turno, foi conclusiva ao confirmar o labor rural em regime de economia familiar desenvolvido pela parte requerente no período acima. Restou evidenciado que o labor era exercido de forma manual, sem o auxílio de empregados ou maquinário, em típicas condições de regime de economia familiar, no qual o labor rurícola era indispensável à subsistência do grupo.
Ademais, não há prova de que alguém da família exercia atividade urbana.
Concluo, assim, que a requerente efetivamente laborou como segurada especial, em regime de economia familiar, no período vindicado, devendo tal lapso ser acrescido (para todos os fins, exceto carência) ao tempo de serviço já apurado pelo INSS (...)." (e. 18.1)
Em relação ao trabalho do menor de 12 anos de idade, ponto específico de insurgência recursal do INSS, cumpre gizar que a recente jurisprudência deste Tribunal tem contemplado a possibilidade de reconhecimento do labor rural mesmo em período no qual o segurado contava com menos de 12 (doze) anos de idade. Isso porque o estabelecimento de uma idade mínima ensejaria uma dupla punição ao trabalhador: além de perder a plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado prematuramente, não poderia sequer aproveitar tal situação para, futuramente, ter esse trabalho reconhecido para fins previdenciário.
De fato, em reiteradas decisões, o STF já pacificou entendimento no sentido que o art. 7º, XXXIII, da Constituição 'não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos' (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). O Colendo STJ, por seu turno, analisando o art. 11 da Lei 8.213/91, igualmente assentou a orientação de que a norma de garantia do menor não pode ser interpretada em seu detrimento (REsp nº 1.440.024).
Consulte-se, a propósito, recente precedente deste Colegiado, em que se admite o cômputo, para fins previdenciários, o tempo de atividade campesina anterior aos 12 (doze) anos:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. 2. O cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003). 3. Apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. (TRF4, AC nº 5018190-31.2016.4.04.7205/SC, Rel. Des. Fed. Jorge Antonio Maurique, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, julg. em 31/01/2018, grifei)
Prevalece, assim, o entendimento de que não obstante a limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), a realidade fática brasileira demonstra que uma gama expressiva de pessoas inicia a vida profissional em idade inferior àquela prevista constitucionalmente, sem possuir a respectiva proteção previdenciária.
Cumpre gizar, por oportuno, que no âmbito da 6ª Turma desta Corte foi acolhido recurso em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face do INSS para que a autarquia se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades previstas no art. 11 da Lei 8.213/91. O Acórdão restou assim ementado:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. (...) 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida." (AC nº 5017267-34.2013.4.04.7100, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, jul. em 09/04/2018, grifei)
Esgotando a vexata quaestio, em recentíssimo julgado o Colendo STJ reiterou o entendimento pela inadmissibilidade de desconsiderar-se a atividade rural exercida por menos impelido a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o trabalhador. O Acórdão de tal decisão foi assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise judicial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes. 2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância. 3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica. 4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância. 5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção. 6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969). 7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores. 8. Agravo Interno do Segurado provido. (AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020 - grifei)
Concluiu-se, portanto, que por meio de início de prova material (sendo admissível a utilização de documentos em nome dos pais), além de prova testemunhal idônea, é possível o reconhecimento de tempo de serviço sem restrição de limite etário, inclusive em idade inferior a 12 (doze) anos.
No caso sub judice, em que pese o INSS alegar, em suas razões recursais (e. 31.2), que não restam configurados os elementos autorizadores do cômputo de tal atividade para fins previdenciários, por haver "prova de que a família proporcionava escola para os filho", percuciente análise dos autos revela que se tratava, na hipótese, de escola pública municipal (e. 1.8, pp. 38/39). A toda evidência, exigir que o menor de 12 anos, vulnerável, tenha sido privado até mesmo da educação formal proporcionada pelo poder público para que esse trabalho seja, décadas depois, valorizado também pelo Estado na concessão de benefício previdenciário ao segurado novamente vulnerável, implicaria em cumular a injustiça social histórica com injustiça social atual, o que com certeza não é o objetivo de nosso ordenamento jurídico e da interpretação pretoriana supra referida.
Assim, no caso dos autos restou comprovado o tempo de atividade rural, na condição de segurado especial, de 01/04/1975 a 31/10/1991 com a confirmação da sentença no ponto.
Conclusão quanto ao direito da parte autora
Confirma-se a sentença, que reconheceu o labor rural, na qualidade de segurada especial de 01/04/1975 a 31/10/1991, o qual abrange período de labor de menor de 12 anos de idade e que, quando computado ao tempo averbado pelo INSS, resulta no seguinte quadro, elaborado pelo MM. Juízo a quo (e. 18.1):
Assim, em 11/11/2019 (DER), a parte autora tinha direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 86 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. II, incluído pela Lei 13.183/2015).
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
No caso dos autos, o magistrado singular corretamente observou os critérios supra referidoss.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 12% (doze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Confirma-se a sentença, que reconheceu o labor rural, na qualidade de segurada especial de 01/04/1975 a 31/10/1991, o qual abrange período de labor de menor de 12 anos de idade e que, quando computado ao tempo averbado pelo INSS, assegura à parte autora o direito à concessão do benefício de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO na DER (11/11/2019). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 86 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. II, incluído pela Lei 13.183/2015).
Nega-se provimento ao recurso do INSS.
Determina-se a implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002894205v7 e do código CRC c57e79b2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
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Apelação Cível Nº 5003258-66.2020.4.04.7215/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: NAIR DALMOLINI (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. menor de 12 anos de idade. viabilidade. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.
2. A limitação da idade para o reconhecimento de tempo de serviço rural, a teor de orientação firmada pelas Cortes Superiores, encontra-se relacionada à vedação constitucional do trabalho pelo menor. Todavia, ainda que se trate de norma protetiva, não pode ser invocada em prejuízo ao reconhecimento de direitos, sendo possível, assim, a averbação da atividade campesina sem qualquer limitação etária (é dizer, mesmo aquém dos 12 anos de idade), desde que existente prova robusta confortando a pretensão. Precedentes do TRF4.
3. Exigir que o menor de 12 anos, vulnerável, tenha sido privado até mesmo da educação formal proporcionada pelo poder público para que esse trabalho seja, décadas depois, valorizado também pelo Estado na concessão de benefício previdenciário ao segurado novamente vulnerável, implicaria em cumular a injustiça social histórica com injustiça social atual, o que o objetivo de nosso ordenamento jurídico e da construção pretoriana sobre o tema.
4. Comprovado o labor rural no período controverso, tem o segurado direito à revisão do benefício previdenciário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 23 de novembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002894206v4 e do código CRC aebdf32a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 25/11/2021, às 13:57:33
Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:07.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/11/2021 A 23/11/2021
Apelação Cível Nº 5003258-66.2020.4.04.7215/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: NAIR DALMOLINI (AUTOR)
ADVOGADO: DAVID EDUARDO DA CUNHA (OAB SC045573)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/11/2021, às 00:00, a 23/11/2021, às 16:00, na sequência 252, disponibilizada no DE de 04/11/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:07.