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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 8. 213/1991. PESCADOR ARTESANAL. CATEGORIA PR...

Data da publicação: 07/07/2020, 05:35:58

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. PESCADOR ARTESANAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. MARINHEIRO. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. LAUDO SIMILAR. ANO MARÍTIMO. CONTAGEM DIFERENCIADA. NAVEGAÇÃO PORTUÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor na época da prestação do trabalho, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 2. No período anterior à Lei nº 8.213/1991, o reconhecimento do tempo de serviço especial pressupõe a vinculação à previdência social urbana, já que somente esse regime possibilitava a contagem do tempo de serviço para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço e especial. 3. O pescador artesanal somente pode computar o tempo de serviço especial, se optar pelo recolhimento de contribuições como autônomo, na forma da Lei nº 7.356/1985. 4. A atividade prevista no código 2.4.2 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/1964 (transportes marítimo, fluvial e lacustre - marítimos de convés, de máquinas, de câmara e de saúde) é enquadrada como especial até a edição da Lei nº 9.032/1995, que alterou o art. 57 da Lei nº 8.213/1991. 5. A partir da Lei nº 9.032/1995, é necessário demonstrar a efetiva exposição a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física. 6. É possível a comprovação da especialidade devido à exposição ao agente nocivo ruído, a partir da aplicação, por analogia, do conteúdo do laudo de condições ambientais de trabalho referente à empresa similar, em face da semelhança das atividades desempenhadas pelo segurado no setor de trabalho. 7. Os procedimentos de avaliação do ruído atendem às especificações técnicas para a medição de ruído contínuo ou intermitente. 8. Não se admite a contagem diferenciada do ano marítimo para o período de trabalho posterior a 16 de dezembro de 1998, visto que o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, vedou a contagem fictícia de tempo de serviço. 9. Não faz jus à contagem diferenciada do ano marítimo, no período anterior a EC nº 20/1998, o trabalhador dedicado à navegação de travessia ou portuária, pois não se sujeitou a longos períodos de afastamento da terra em navios mercantes destinados à navegação de longo curso, em atividade de transporte marítimo ou fluvial de carga ou passageiros. 10. Difere-se para a fase de cumprimento de sentença a definição do índice de atualização monetária aplicável, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009. 11. Ante as disposições do art. 497 do CPC, determina-se a imediata implantação do benefício. (TRF4, AC 5006274-55.2015.4.04.7101, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 12/09/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5006274-55.2015.4.04.7101/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: CARLOS EDUARDO GAUTERIO LOPES (AUTOR)

ADVOGADO: ANA CRISTINA BORGES DA CUNHA (OAB RS072646)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por Carlos Eduardo Gautério Lopes contra o INSS julgou os pedidos parcialmente procedentes, para: a) reconhecer como tempo de serviço especial os intervalos de 01-07-1990 a 31-07-1991, de 01-09-1991 a 12-06-1992, de 04-11-1992 a 28-04-1995 e de 02-03-1998 a 12-03-2015, bem como o direito à respectiva conversão em tempo comum pelo fator 1,40; b) reconhecer o direito à contagem diferenciada do período de 29-04-1995 a 21-01-1998 (ano marítimo de 255 dias), mediante a conversão pelo fator 1,41, correspondente ao ano marítimo; c) determinar ao INSS que conceda ao autor o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, no percentual de 100% (cem por cento), desde a data de entrada do requerimento administrativo (DER), em 20-10-2015; d) condenar o INSS ao pagamento das parcelas vencidas, a contar da DER, com acréscimo de correção monetária pelo INPC, a partir do vencimento de cada prestação, bem como de juros moratórios de 12% ao ano, a contar da citação.

Ambas as partes interpuseram apelação.

O autor postulou o reconhecimento do tempo de serviço especial nos períodos de 01-12-1987 a 30-06-1990 e de 01-08-1991 a 31-08-1991, nos quais laborou como pescador na embarcação Baião II, comprovado mediante rol portuário e caderneta de inscrição e registro no Ministério da Marinha. Aduziu que a legislação previdenciária, no período anterior a 28-04-1995, prevê o enquadramento por categoria profissional dos pescadores e exige apenas a comprovação do exercício da atividade. Em relação ao período de 29-04-1995 a 21-01-1998, no qual trabalhou como marinheiro de convés na embarcação Ariston II, pertencente à empresa Astro Maritime Navegação Ltda., alegou que o enquadramento por categoria profissional deve ser estendido até 05-03-1997, pois a Lei nº 9.032/1995, que exigiu a prova da efetiva exposição a agentes nocivos à saúde para enquadramento da atividade como especial, apenas foi regulamentada pelo Decreto nº 2.172/1997. Arguiu a nulidade da sentença, para que seja realizada a perícia técnica indireta, a fim de possibilitar a comprovação do desempenho de atividade especial na empresa Astro Maritime, já que não pode ser prejudicado pelo encerramento das atividades do empregador. Defendeu a contagem diferenciada do ano marítimo inclusive após a Emenda Constitucional nº 20/1998, porque o Decreto nº 2172/1997 não foi revogado na parte que trata do tema e a norma da Emenda Constitucional nº 20/98, que vedou a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, deve ser interpretada de acordo com a sua finalidade de proteger o segurado. Afirmou que, no caso dos trabalhadores marítimos, a sua jornada de trabalho é diferenciada, permanecendo longos períodos embarcados, sem usufruir de descanso semanal, do contato com familiares ou amigos, e o trabalho é penoso, com exposição a riscos e perigos à saúde e à integridade física. Pugnou ainda a contagem concomitante do ano marítimo com o tempo de atividade especial, consoante a decisão do Superior Tribunal de Justiça (AR 3.349, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julg, 10/02/2010, DJE 23/03/2010), visto que os privilégios foram garantidos à categoria dos marítimos por razões diferentes: o ano marítimo existe em razão da jornada de trabalho diferenciada, ao passo que o tempo de 25 anos para aposentadoria especial decorre da insalubridade a que se submetem os marítimos e os trabalhadores das demais categorias. Requereu, dessa forma, a concessão de aposentadoria especial.

O INSS arguiu a impossibilidade jurídica dos pedidos de contagem especial do trabalho como marítimo embarcado, no período posterior a 16-12-1998, e de sobreposição da contagem privilegiada com o cômputo do tempo especial. Insurgiu-se contra o reconhecimento da especialidade no período de 04-11-1992 a 28-04-1995, visto que o Decreto nº 83.080/1979, vigente na época do labor, não prevê a atividade de marinheiro de convés. Quanto ao período de 02-03-1998 a 12-03-2015, sustentou que a relação dos agentes químicos é exaustiva, sendo necessário descrever a composição química dos óleos e graxas, pois apenas são enquadráveis os compostos por hidrocarbonetos alifáticos ou aromáticos, que são cancerígenos. Alegou que o Perfil Profissiográfico Previdenciário não observou as normas técnicas para a quantificação do ruído, nem informou o profissional responsável pelos registros ambientais, e o laudo técnico não foi apresentado para todos os períodos. Afirmou que a descrição das atividades exercidas pelo autor afasta a habitualidade e a permanência da exposição ao ruído e impossibilita a identificação da fonte do agente nocivo. Defendeu a aplicação da Lei nº 11.960/2009 para o cálculo de correção monetária e de juros de mora, porquanto o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADI nº 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade da TR apenas para a atualização do precatório, não atingindo o débito judicial em fase de conhecimento.

Somente a parte autora ofereceu contrarrazões.

Após a remessa dos autos a este Tribunal Regional Federal, a parte autora providenciou a juntada de documentos (evento 9, ppp2, laudo3 a laudo8).

O INSS, embora tenha sido intimado, não se manifestou.

A sentença foi publicada em 30 de setembro de 2016.

VOTO

Impossibilidade jurídica do pedido

A preliminar de impossibilidade jurídica dos pedidos de contagem especial do trabalho como marítimo embarcado no período posterior a 16 de dezembro de 1998 e de sobreposição da contagem privilegiada com o cômputo do tempo especial não merece acolhimento.

As alegações expendidas pelo INSS dizem respeito ao mérito, já que tratam da falta de base legal à pretensão da parte autora. Além disso, a impossibilidade jurídica do pedido não mais consiste em motivo para a extinção do processo sem resolução do mérito, de acordo com o art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil em vigor.

Tempo de atividade especial

O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).

A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:

a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;

b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;

c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.

Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.

Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).

Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, a lei de conversão (Lei nº 9.711/1998) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.

Utilização de equipamento de proteção individual

A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a Medida Provisória nº 1.729/1998, convertida na Lei nº 9.732/1998, modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213/1991, estabelecendo que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial. Note-se que a questão atinente ao uso do EPI só passou a ter relevância, para fins de reconhecimento das atividades exercidas em condições especiais, a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729/1998.

O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:

I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)

No período posterior à MP nº 1.729/98, o uso de EPI se revela, de per si, ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano pelo ruído. Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.

Por essa razão, a declaração do empregador sobre a eficácia do EPI não tem o condão de afastar o reconhecimento da especialidade com base no agente nocivo ruído, conforme a tese firmada no Tema nº 555 do STF.

Assinale-se que é irrelevante o fato de a empresa deixar de recolher a contribuição adicional prevista no § 6º do art. 57 da Lei nº 8.213/1991, em razão da utilização de EPI, pois o direito ao benefício, no caso de segurado empregado, não depende da comprovação do recolhimento da contribuição previdenciária.

Agente físico ruído

Em se tratando do agente nocivo ruído, o reconhecimento da especialidade do labor exige, em qualquer período, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Ou seja, não basta, aqui, mesmo no período anterior a 28/04/1995, o enquadramento por categoria profissional, sendo exigida prova da exposição ao agente nocivo.

Em relação ao agente nocivo ruído, consideram-se os níveis de pressão sonora estabelecidos na legislação em vigor na data da prestação do trabalho, conforme o quadro a seguir:

Período trabalhadoEnquadramentoLimites de tolerância
até 05/03/19971. Decreto nº 53.831/1964; 2. Decreto nº 83.080/19791. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB
de 06/03/1997 a 06/05/1999Decreto nº 2.172/1997Superior a 90 dB
de 07/05/1999 a 18/11/2003Decreto nº 3.048/1999, na redação originalSuperior a 90 dB
a partir de 19/11/2003Decreto nº 3.048/1999 com alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003Superior a 85 dB

Cabe esclarecer que os Decretos nº 53.831/1964 e 83.080/1979 tiveram vigência concomitante até a edição do Decreto nº 2.172/1997, que revogou de forma expressa o fundamento de validade da legislação então vigente. Dessa forma, até 05/03/1997, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto n° 53.831/64.

O Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o limite de tolerância ao agente físico ruído para 85 decibéis, não pode ser aplicado retroativamente. Dessa forma, entre 06 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003, o limite de tolerância ao ruído corresponde a 90 decibéis, consoante o código 2.0.1 do Anexo IV dos Decretos n° 2.172/1997 e 3.048/1999. O Superior Tribunal de Justiça examinou a matéria em recurso especial repetitivo e fixou a seguinte tese:

Tema nº 694: O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). (REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014)

Sob essas premissas, portanto, é que deve ser avaliada a especialidade decorrente da exposição a ruído.

Caso concreto

Na inicial, a parte autora postulou o reconhecimento do tempo de serviço especial nos períodos de 01-12-1987 a 28-10-1991, de 30-10-1991 a 12-06-1992, de 04-11-1992 a 21-01-1998 e de 02-03-1998 a 12-03-2015.

A sentença julgou os pedidos parcialmente procedentes, conforme a fundamentação a seguir transcrita:

Nos intervalos de 01/12/1987 a 28/10/1991 e de 30/10/1991 a 12/06/1992, o autor alega ter laborado na embarcação Baião II, exercendo a função de pescador e aprendiz de pesca, respectivamente.

Para comprovar as suas alegações anexou aos autos rol portuário e caderneta de embarcado (COMP5/COMP9, evento 1).

Todavia, a especialidade do trabalho como pescador profissional somente pode ser reconhecida nos períodos em que houve vínculo empregatício ou contribuição, independentemente do fato de a pesca ter sido desenvolvida quando o autor estava ou não embarcado, até 29/04/1995.

Nessa toada, verifica-se que a primeira contribuição foi vertida em 01/07/1990 e, após, há registro de contribuições de 01/09/1991 em diante.

Assim, considerando que até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova - exceto para ruído - viável o reconhecimento do exercício de atividades especiais pelo demandante nos interregnos de 01/07/1990 a 31/07/1991 e de 01/09/1991 a 12/06/1992, consoante informações do CNIS atinente às contribuições (CNIS2, evento 8) e em conformidade com os itens 2.2.3 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64 e 2.2.1 do Anexo II do Decreto nº 83.080/79.

No intervalo de 04/11/1992 a 21/01/1998, por sua vez, o demandante laborou na embarcação Ariston II, exercendo a função de marinheiro de convés/moço de convés, de acordo com os róis portuários e cadernetas de embarcado acostadas ao feito (COMP2, evento 19).

As atividades de marinheiro de convés e moço de convés enquadram-se no descrito no item 2.4.2 do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/64, sendo, por conseguinte, consideradas como sujeitas a condições especiais e enquadradas por categoria, o que se mostraria viável, independentemente de outras provas, até 28-04-1995.

De 29/04/1995 a 21/01/1998, entretanto, inviável o reconhecimento do exercício de atividades especiais, porquanto o autor não logrou comprovar a exposição a agentes nocivos à saúde e à integridade física no interregno em questão.

No período de 02/03/1998 a 12/03/2015, por sua vez, o requerente desempenhou a função de mestre de embarcação, na empresa Rio Grande Marítima Ltda.

De acordo com o PPP juntado aos autos, suas atividades consistiam em auxiliar a atracação e desatracação de embarcações (PPP10, evento 1). O PPP aponta que o autor esteve exposto a ruído de 104dB(A), ao passo que o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA indica pressão sonora de 102dB(A).

Ademais, o PPRA refere o manuseio de óleos minerais, graxas e solventes "utilizados no sistema hidráulico e nos serviços de troca de óleo, lubrificações e limpeza de peças", bem como umidade excessiva.

No que concerne ao agente ruído, mostra-se despiciendo questionar a efetividade dos equipamentos de proteção individual. Nessa esteira, o aresto que segue:

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. APOSENTADORIA. CONVERSÃO. CONSECTÁRIOS. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. 1. A exposição a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. 2. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial a contar da data do requerimento administrativo. 3 Não incide a Lei nº 11.960/2009 apenas em relação à correção monetária equivalente à poupança, porque declarada inconstitucional (ADIs 4.357 e 4.425/STF), com efeitos erga omnes e ex tunc. 4. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 461 do CPC. (TRF4, APELREEX 5004376-25.2011.404.7205, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão (auxílio Vânia) Paulo Paim da Silva, juntado aos autos em 10/07/2014)

Ainda, preconiza a súmula nº 09 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais que, em se tratando de exposição ao agente ruído, a utilização de EPIs, ainda que elimine a insalubridade, não descaracteriza o tempo de labor especial prestado.

Frisa-se que a exposição ao ruído determinará a especialidade da atividade quando alcançados os níveis de pressão sonora previstos na legislação vigente à época em que o serviço foi prestado, conforme quadro abaixo transcrito:

(...)

Oportuno salientar, outrossim, que reconhecimento do tempo especial não pode ser afastado em razão de laudo extemporâneo à prestação do serviço. Desde que comprovado o exercício da atividade especial, por meio dos formulários previstos na legislação, ainda que tais documentos tenham sido elaborados em data posterior à prestação dos serviços, tal fato não compromete a prova do exercício de atividade em condições especiais. A apresentação do laudo pelo segurado sequer é exigida para comprovação do tempo especial, uma vez que a norma do art. 58, § 1º, exige apenas a apresentação do formulário (hoje, o PPP), cabendo tão somente à empresa manter o laudo pericial à disposição da fiscalização previdenciária (art. 58, § 3º, lei 8.213/91).

Desse modo, dever ser reconhecido o exercício de atividades especiais pelo demandante no intervalo de 02/03/1998 a 12/03/2015.

a) Períodos de 01-12-1987 a 30-06-1990 e de 01-08-1991 a 31-08-1991

A apelação do autor, quanto ao reconhecimento do tempo de serviço especial nos períodos de 01-12-1987 a 30-06-1990 e de 01-08-1991 a 31-08-1991, não merece provimento.

Nos períodos em questão, o autor estava inscrito como aprendiz de pesca, vinculado à Colônia de Pescadores Z-2, e desempenhou a atividade na embarcação Baião II, do tipo caíque.

Os pescadores artesanais foram incluídos na categoria de trabalhadores rurais, com base nas disposições do art. 15, § 1º, da Lei Complementar nº 11/1971, com a redação dada pela Lei Complementar nº 16/1973. O Decreto nº 73.617/1974, que regulamentou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, no art. 2º, inciso I, alínea "c", definiu como beneficiário do PRORURAL o pescador que, na condição de pequeno produtor, sem vínculo empregatício, trabalhe individualmente ou em regime de economia familiar, faça da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida e esteja matriculado na repartição competente.

A Lei nº 7.356, de 30 de agosto de 1985, que acrescentou o § 3º ao art. 5º da Lei nº 3.807/1960, possibilitou que os pescadores artesanais optassem pela filiação ao regime da Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), na qualidade de trabalhadores autônomos, desde que recolhessem as contribuições previdenciárias devidas à previdência social.

Portanto, no regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os pescadores artesanais pertenciam à mesma categoria dos trabalhadores rurais, com direito aos benefícios especificados na Lei Complementar nº 11/1971, salvo se recolhessem contribuição como autônomos.

Conquanto o Decreto nº 53.581/1964 e o Decreto nº 83.080/1979 enquadrem o trabalho de pescador como perigoso, o reconhecimento do exercício de atividade especial, no período anterior à Lei nº 8.213/1991, pressupõe a vinculação à previdência social urbana, já que somente esse regime possibilitava a contagem do tempo de serviço para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço e especial. Na época do antigo PRORURAL, os seus beneficiários não tinham direito à aposentadoria por tempo de serviço. Logo, os pescadores artesanais, para fazer jus ao reconhecimento da especialidade do tempo de serviço, a partir da vigência da Lei nº 7.356/1985, deveriam recolher as contribuições previdenciárias como autônomos.

No caso presente, as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) demonstram que o autor contribuiu como autônomo apenas nos períodos de 01-07-1990 a 31-07-1991 e de 01-09-1991 a 12-06-1992. Dessa forma, não há amparo legal ao reconhecimento do exercício de atividade especial nos períodos de 01-12-1987 a 30-06-1990 e de 01-08-1991 a 31-08-1991.

Em caso análogo, este Tribunal Regional Federal não enquadrou como especial o período de trabalho rural anterior à Lei nº 8.213/1991, embora a atividade estivesse enquadrada na legislação previdenciária:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. SENTENÇA ANTERIOR AO CPC DE 2015. CABIMENTO. APOSENTADORIA ESPECIAL -CONCESSÃO. EMPREGADO. ATIVIDADE RURAL COMO TRABALHADOR RURAL. CTPS. ESPECIALIDADE DA ATIVIDADE RURAL. RECONHECIMENTO. LABOR EM AGROPECUÁRIA. TEMPO PRESTADO APÓS A LEI 8.213/1991. COMPROVAÇÃO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. AVERBAÇÃO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. INDEFINIÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE DE CUMPRIMENTO. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. AFASTADA. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA. 1. Hipótese em que, não sendo possível verificar de plano se o valor da condenação excede ou não o limite legal de 60 salários mínimos (vigente à época da prolação da sentença), a sentença está sujeita à remessa ex officio. 2. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa o integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido. 3. Até 28-4-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29-4-1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e a contar de 6-5-1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. 4. Antes da Constituição Federal de 1988 havia expressa distinção entre os trabalhadores urbanos e rurais para efeitos previdenciários, e não existia sequer a possibilidade de o trabalhador rural contribuir para um regime previdenciário. A única exceção era quanto ao empregado de empresa agroindustrial ou agrocomercial que, embora prestando exclusivamente serviço de natureza rural, era considerado segurado da Previdência Social Urbana (artigo 6º, § 4º, CLPS/84). 5. Para o tempo de serviço do trabalhador rural, posterior à vigência da Lei nº 8.213/1991, admite-se o exame da exposição a agentes nocivos. (...) (TRF4 5010113-78.2012.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR

b) Período de 04-11-1992 a 21-01-1998

Conforme as anotações na carteira de trabalho, o autor trabalhou como empregado na empresa Astro Maritime Navegação Ltda., nos períodos de 01-06-1992 a 31-05-1993 e de 01-09-1994 a 01-04-1998, no cargo de marinheiro.

Nos períodos de 01-06-1993 a 31-10-1993 e de 01-12-1993 a 31-08-1994, o autor passou à condição de contribuinte individual, consoante os dados constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais (evento 8, cnis2).

A Caderneta de Inscrição e Registro no Ministério da Marinha contém registro de embarque e desembarque na função de moço de convés, no período de 04-11-1992 a 21-01-1998, na embarcação Ariston II, destinada à navegação de interior de porto (evento 19, comp2).

A relação das atividades profissionais nocivas à saúde ou à integridade física do trabalhador, na época da edição da Lei nº 8.213/1991, era regulamentada simultaneamente pelos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979.

As Instruções Normativas expedidas pelo próprio INSS expressamente determinam que ambos os decretos fundamentam o enquadramento das atividades sujeitas a condições especiais até 28 de abril de 1995. A título de exemplo, cita-se o art. 269 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015:

Art. 269. Para enquadramento de atividade exercida em condição especial por categoria profissional o segurado deverá comprovar o exercício de função ou atividade profissional até 28 de abril de 1995, véspera da publicação da Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, arroladas nos seguintes anexos legais:

I - quadro anexo ao Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, a partir do código 2.0.0 (Ocupações); e

II - Anexo II do Decreto nº 83.080, de 1979.

Parágrafo único. Serão consideradas as atividades e os agentes arrolados em outros atos administrativos, decretos ou leis previdenciárias que determinem o enquadramento por atividade para fins de caracterização de atividades exercida em condições especiais.

Por conseguinte, a atividade prevista no código 2.4.2 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/1964 (transportes marítimo, fluvial e lacustre - marítimos de convés, de máquinas, de câmara e de saúde - operários de construção e reparos navais) é plenamente aplicável até a edição da Lei nº 9.032/1995, que alterou o art. 57 da Lei nº 8.213/1991.

A apelação do INSS, no entanto, deve ser provida em parte. Ao contrário do empregado, o contribuinte individual somente tem direito ao cômputo do tempo de serviço se recolher as contribuições previdenciárias. Uma vez que o autor, na competência de novembro de 1993, era filiado à Previdência Social como contribuinte individual e não comprovou o pagamento da contribuição, não faz jus ao reconhecimento do exercício de atividade especial na competência de novembro de 1993.

Em relação ao período de 29-04-1995 a 21-01-1998, a sentença julgou improcedente o pedido, porque o autor não apresentou os documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade especial.

O argumento do autor de que é possível reconhecer o tempo de serviço especial com base no enquadramento por categoria profissional até 5 de março de 1997, porque a nova redação do art. 57 da Lei nº 8.213/1991, dada pela Lei nº 9.032/1995, somente teria sido regulamentada pelo Decreto nº 2.172/1997, é infundado. Com efeito, a ausência de regulamentação não impediu a aplicação imediata da lei, visto que os Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 permaneceram válidos na parte em que se compatibilizavam com a Lei nº 9.032/1995, ou seja, para estabelecer os agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde ou à integridade física, até que fosse definida a relação de agentes nocivos. Assim, a partir de 29 de abril de 1995, é necessário comprovar o trabalho em condições especiais, durante o período mínimo fixado.

No caso presente, entretanto, é dispensável determinar a realização de perícia técnica indireta, a fim de suprir a falta dos documentos não fornecidos pela empresa Astro Maritime Navegação Ltda.

Quando o estabelecimento em que o serviço foi prestado não está mais em funcionamento ou recusa-se a fornecer o laudo técnico, admite-se a utilização de estudo técnico realizado em outro estabelecimento que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida. O fato de o laudo técnico haver examinado as condições ambientais em empresa paradigma, e não na empresa em que a parte autora trabalhou, não lhe retira o valor probatório, conforme já decidiu este Tribunal (TRF4, EINF 0008289-08.2008.404.7108, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 15/08/2011; TRF4, EINF 0003914-61.2008.404.7108, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 10/06/2011).

Não se reduz a força probante do laudo técnico, ainda que a prova não tenha sido colhida no tempo em que foram prestados os serviços. Além de inexistir laudo da época dos fatos, é notório que a evolução tecnológica permitiu maior proteção ao trabalhador, em razão do aperfeiçoamento dos equipamentos de proteção individual e das máquinas e instrumentos de trabalho. Uma vez que as antigas condições ambientais eram ainda mais ofensivas à saúde do trabalhador, a extemporaneidade da perícia não afeta o seu valor probatório (TRF4, EINF 0031711-50.2005.404.7000, Terceira Seção, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 08/08/2013).

O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) da empresa Rio Grande Marítima Ltda. pode ser aproveitado para a comprovação do exercício de atividade especial na empresa Astro Maritime Navegação Ltda., já extinta. Os documentos juntados aos autos evidenciam a atuação das empresas no mesmo ramo de navegação de interior de porto e o desempenho de cargos semelhantes pelo autor: moço de convés e marinheiro regional de convés, responsáveis pela parte operacional das embarcações, em atividades de navegação e de manobras de atracação e desatracação.

Segundo o PPRA da empresa Rio Grande Marítima, elaborado em julho de 2014, as condições ambientais de trabalho nas embarcações destinadas a rebocar e auxiliar as manobras de atracação e desatracação na área portuária apresentam o fator de risco físico ruído, quantificado entre 102 dB e 107 dB, em navegação (evento 9, laudo 3 a laudo8).

Mostra-se inequívoca, portanto, a exposição do autor a ruído superior ao limite de tolerância em vigor na época (80 decibéis até 5 de março de 1997 e 90 decibéis entre 6 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003). Assim, faz jus ao reconhecimento da especialidade do tempo de serviço.

Acrescente-se que o uso de equipamento de proteção individual, no período anterior a 3 de dezembro de 1998, não descaracteriza a atividade como especial, diante da ausência de previsão na legislação previdenciária.

Em suma, a apelação do INSS deve ser parcialmente provida, para afastar o enquadramento da atividade no período de 01-11-1993 a 30-11-1993. A apelação do autor deve ser provida, para reconhecer a especialidade do tempo de serviço no período de 29-04-1995 a 21-01-1998.

c) Período de 03-03-1998 a 12-03-2015

No período de 03-03-1998 a 12-03-2015, o autor trabalhou na empresa Rio Grande Marítima, no cargo de marinheiro de convés, conforme as anotações na carteira de trabalho e previdência social. A Caderneta de Inscrição e Registro no Ministério da Marinha contém registro de embarque e desembarque nesse período, em embarcação destinada à navegação portuária, na função de marinheiro regional de convés, marinheiro fluvial auxiliar de convés e marinheiro auxiliar de convés (evento 19, comp3 e comp4).

As omissões no Perfil Profissiográfico Previdenciário apresentado no primeiro grau de jurisdição foram sanadas. O novo documento, juntado após a remessa dos autos ao tribunal (evento 9, ppp2), informou que o autor exerceu o cargo de mestre nos rebocadores Castor e Celso Corrêa, realizando as atividades atinentes à função de mestre de embarcação e ao auxílio na atracação e desatracação de embarcações. Indicou o fator de risco ruído, com intensidade de 102 decibéis, a técnica utilizada para a avaliação do agente ruído, o certificado de aprovação do equipamento de proteção individual e o nome do profissional legalmente habilitado, o NIT e o número da inscrição no conselho de classe.

O autor também providenciou a juntada da cópia integral do PPRA da empresa Rio Grande Marítima Ltda. (evento 9, laudo 3 a laudo 8). O documento contém as informações sobre as condições ambientais de trabalho nos rebocadores Castor e Celso Corrêa, as quais confirmam os fatores de risco constantes no PPP.

Note-se que o PPRA descreve o procedimento de avaliação do ruído de acordo com as especificações técnicas para a medição de ruído contínuo ou intermitente. O laudo mencionou que o medidor foi ajustado para operar no filtro de compensação "A" e no circuito de resposta lenta (slow) e as leituras foram efetuadas perto do ouvido dos trabalhadores. Também é possível afirmar, com base no laudo, que a exposição ao ruído é habitual e permanente, já que provém da sala de máquinas da embarcação.

No entanto, a sentença não se mostra correta, ao considerar o agente físico umidade e os hidrocarbonetos aromáticos (óleos, graxas e solventes) para fins de enquadramento, porquanto não se constata a habitualidade e a permanência. Quanto à umidade, a exposição somente ocorreria em dias de chuva; em relação aos agentes químicos, as atividades realizadas pelo autor, descritas no PPP, não envolvem, em princípio, os serviços de troca de óleo, lubrificação e limpeza de peças, motores e equipamentos.

Por fim, a utilização de equipamento de proteção individual não é suficiente para elidir os efeitos nocivos do ruído, consoante o entendimento do STF a respeito da matéria (Tema nº 555).

Assim, não merece provimento a apelação do INSS.

Ano marítimo

A controvérsia sobre a matéria diz respeito à contagem diferenciada do ano marítimo após a Emenda Constitucional nº 20/1998 e à sobreposição do cômputo do ano marítimo e do tempo especial.

O ano marítimo foi implantado pelo Decreto nº 22.872/1933, que criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), com o intuito de compensar os trabalhadores marítimos pelo confinamento em embarcações utilizadas nos serviços de navegação marítima, fluvial e lacustre e na indústria da pesca, e foi regulamentado no art. 54, § 1º, do Decreto 83.080/1979, e no art. 57, parágrafo único, dos Decretos nº 611/1992 e nº 2.172/1997. A legislação estabelece a contagem diferenciada do ano marítimo, em que cada 255 dias de embarque em navios mercantes nacionais, contados da data do embarque à do desembarque, equivalem a um ano de atividade em terra. Para fins de conversão, considera-se a proporção de 255 dias de embarque para 360 dias em terra, que resulta no fator 1,41.

A contagem privilegiada do tempo de serviço resulta da jornada desigual dos marítimos em determinados tipos de embarcações e de navegação e jamais se estendeu a todos os trabalhadores do setor aquaviário. A legislação somente previu o regime especial do ano marítimo para os trabalhadores que se submetiam a longos períodos de afastamento da terra em navios mercantes destinados à navegação de longo curso, em atividade de transporte marítimo ou fluvial de carga ou passageiros. Assim, a navegação de travessia, realizada em águas fluviais e lacustres e nas interiores, foi excluída da sua aplicação, assim como a de apoio portuário, realizada em atendimento às atividades específicas do porto, justamente porque não ocorre o confinamento. A Instrução Normativa nº 45/2010 dispõe claramente sobre a situação fática que permite a contagem do ano marítimo:

Art. 110. Será computado como tempo de contribuição o tempo de serviço marítimo exercido até 16 de dezembro de 1998, vigência da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, em navios mercantes nacionais, independentemente do momento em que o segurado venha a implementar os demais requisitos para a concessão de aposentadoria no RGPS.

Parágrafo único. O termo navio aplica-se a toda construção náutica destinada à navegação de longo curso, de grande ou pequena cabotagem, apropriada ao transporte marítimo ou fluvial de carga ou passageiro.

Art. 111. O marítimo embarcado terá que comprovar a data do embarque e desembarque, não tendo ligação com a atividade exercida, mas com o tipo de embarcação e o local de trabalho, cujo tempo será convertido, na razão de duzentos e cinquenta e cinco dias de embarque para trezentos e sessenta dias de atividade comum, contados da data do embarque à de desembarque em navios mercantes nacionais, observando que:

(...)

Art. 112. Não se aplica a conversão para período de atividade exercida em navegação de travessia, assim entendida a realizada como ligação entre dois portos de margem de rios, lagos, baias, angras, lagoas e enseadas ou ligação entre ilhas e essas margens.

O benefício instituído em favor dos marítimos reduz o tempo necessário para a aposentadoria por tempo de serviço, porém não se identifica com a aposentadoria especial concedida aos segurados que trabalham em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. A contagem privilegiada do tempo de serviço do marítimo decorre da jornada de trabalho diferenciada e não da insalubridade no labor. Prova disso é que o Decreto nº 53.831/1964 enquadrava todos os trabalhadores da categoria de transportes marítimo, fluvial e lacustre, inclusive os operários de construção e reparos navais, assim como os pescadores, embarcados ou não. O Decreto nº 83.080/1979 também não se refere ao marítimo ou ao pescador embarcado para definir o enquadramento dessas categorias.

O art. 201, § 1º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, vedou a contagem fictícia de tempo de serviço, permitindo a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria somente no caso de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado. Dessa forma, não se admite a contagem diferenciada do ano marítimo para o período de trabalho posterior a 16 de dezembro de 1998. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. TRABALHADOR MARÍTIMO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO. ANO MARÍTIMO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. 1. O ano marítimo é constituído por um período de 255 dias, implantado na vigência dos Institutos de Aposentadoria (IAPs) com o intuito de minorar o sofrimento dos trabalhadores marítimos, ocasionado pelo confinamento. Com a edição da EC nº 20/98, ficou proibida a utilização de tempo fictício para a contagem de tempo de contribuição. Tal, entretanto, não obsta a contagem do tempo pelo ano marítimo, anteriormente à sua edição, como reconhecido pelo próprio INSS, com a edição da Instrução Normativa nº 20 INSS/PRES, de 10/10/07, e suas alterações posteriores, dentre elas a IN nº 27, de 2/5/08. 2. O ano marítimo existe em razão da jornada de trabalho diferenciada, e o tempo de 25 anos para aposentadoria especial, em razão da insalubridade a que se submetem os marítimos e os trabalhadores das demais categorias consideradas atividades insalubres. 3. A aposentadoria do autor data de 1987. Assim, cabível a contagem do seu tempo de serviço considerando-se o ano marítimo de 255 dias e a concessão da aposentadoria especial, uma vez comprovado o exercício de atividade especial por tempo superior ao mínimo exigido pelo Decreto 83.080/79. 4. Ação rescisória julgada procedente.
(AR 3.349/PB, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2010, DJe 23/03/2010)

A respeito da possibilidade de aplicação concomitante do ano marítimo com o tempo de serviço especial, cabe transcrever parte do voto proferido pelo Relator, Ministro Arnaldo Esteves Lima, no julgamento da Ação Rescisória nº 3.349, acima referido:

Entretanto, antes da EC 20/98, já existia o ano marítimo. Cuida-se de um ano ficto de 255 dias, implantado na vigência dos Institutos de Aposentadoria (IAPs). Essa contagem diferenciada tem o intuito de minorar o sofrimento dos trabalhadores marítimos, ocasionado pelo confinamento, porque incabível a adoção do mesmo critério de contagem do tempo de serviço prestado pelo segurado que trabalha em terra, o qual conta com jornada de trabalho de 8 horas, retorna ao lar todos os dias, usufrui de descanso semanal, etc.

(...)

Em suma, ao contrário do asseverado pelo acórdão rescindendo, não se trata de considerar duas vezes o tempo de serviço exercido em atividade considerada perigosa, insalubre ou penosa, sob o mesmo fundamento. Não há confundir o ano marítimo de 255 dias, criado em razão da longa jornada de trabalho daqueles que trabalham confinados nas embarcações, com a exigência de 25 anos de trabalho para a aposentadoria especial. O ano marítimo existe em razão da jornada de trabalho diferenciada, e o tempo de 25 anos para aposentadoria especial, em razão da insalubridade a que se submetem os marítimos, e os trabalhadores das demais categorias consideradas atividades insalubres. Se assim não fosse, não haveria razão para a adoção do ano marítimo, uma vez que outros trabalhadores, submetidos a atividades insalubres, cuja jornada de trabalho é de 8 horas, têm o ano de 360 dias e a exigência do mesmo tempo de serviço de 25 anos.

No caso presente, embora se admita, em tese, a possibilidade de contagem do tempo de serviço com base tanto no ano marítimo como no exercício de atividade especial, as provas acostadas aos autos não demonstram a situação fática prevista no Regulamento da Previdência Social para o reconhecimento dos períodos de embarque do autor como ano marítimo. Conforme as anotações na Cadernetas de Inscrição e Registro do autor, as embarcações Baião II e Ariston II dedicavam-se à navegação portuária e de interior de porto e a empresa Rio Grande Marítima Ltda. exercia a navegação portuária (evento 19, comp2 e comp3). Essas espécies de navegação não sujeitam o trabalhador a longos períodos de confinamento, não se incluindo nas hipóteses de cômputo privilegiado, para fins previdenciários, de um ano cheio de trabalho a cada 255 dias de labor embarcado. Sobre a questão, colhe-se o seguinte julgado deste Tribunal Regional Federal:

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. MARINHEIRO. CONTAGEM DIFERENCIADA. ANO MARÍTIMO. NAVEGAÇÃO TRAVESSIA. IMPOSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. AGENTE. FÍSICO RUÍDO. QUÍMICO. HIDROCARBONETOS. USO DE EPI. APOSENTADORIA ESPECIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI 8.213/91. 1. É possível a contagem diferenciada do ano marítimo (convertendo o tempo de embarcado para tempo de serviço em terra pelo fator 1,41) até 28/04/1995. 2. Apenas o período de navegação por travessia não permite a contagem diferenciada, devendo ser interpretada restritivamente. 3. O período da contagem diferenciada do ano marítimo pode ser enquadrado como especial ou convertido em comum pelo fator 1,4. Precedente. 4. A atividade de marinheiro de convés é enquadrada como especial (trabalhador em transporte marítimo, fluvial e lacustre), elencada como atividade especial no item 2.4.2 do Anexo do Decreto n.º 53.831/64, em razão da insalubridade, com direito à aposentadoria aos 25 anos de trabalho, até 28/04/1995. (...) (TRF4 5035934-14.2012.4.04.7000, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 11/07/2017)

Portanto, a sentença deve ser mantida quanto a esse ponto, ainda que por fundamento diverso. Cabe salientar que, em relação à contagem diferenciada, pelo fator 1,41, do interregno de 29-04-1995 a 21-01-1998, acolhida pelo juízo de primeiro grau, não houve insurgência do INSS. Desse modo, não havendo devolução da matéria ao conhecimento do tribunal, a sua modificação implicaria reforma em prejuízo da parte que recorreu.

Requisitos para a concessão de aposentadoria especial

A soma dos períodos de atividade especial (01-07-1990 a 31-07-1991, 01-09-1991 a 12-06-1992, 04-11-1992 a 31-10-1993, 01-12-1993 a 21-01-1998 e de 03-03-1998 a 12-03-2015) corresponde a 24 anos e 12 dias de tempo de serviço especial. Logo, o autor não preenche os requisitos para a concessão de aposentadoria especial.

Assim, mantém-se a condenação do INSS a conceder o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, nos termos do art. 201, § 7º, da Constituição Federal, a contar da data do requerimento administrativo (20-10-2015).

Correção monetária e juros de mora

O Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017), fixando as seguintes teses sobre a questão da correção monetária e dos juros moratórios nas condenações impostas à Fazenda Pública:

1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e

2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018), discutiu a aplicabilidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação às condenações impostas à Fazenda Pública. Quanto aos índices de correção monetária e aos juros de mora aplicáveis às ações previdenciárias, a tese firmada no Tema nº 905 foi redigida nos seguintes termos:

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

No entanto, há fato superveniente a ser considerado no julgamento.

O Ministro Luiz Fux deferiu excepcionalmente efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos no RE 870.947, a fim de obstar a imediata aplicação do acórdão, enquanto não for decidida a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na parte em que disciplina a atualização monetária do débito judicial segundo o índice aplicável à caderneta de poupança (TR).

Já a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, ao realizar o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário interposto contra o acórdão proferido no REsp 1.492.221/PR (Tema 905 do STJ), determinou o sobrestamento do recurso e atribuiu-lhe efeito suspensivo, até a publicação do acórdão a ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos embargos de declaração opostos no RE 870.947/SE.

Contudo, é desnecessário aguardar a decisão do STF nos embargos de declaração para que o feito tenha prosseguimento. Considerando o caráter acessório dos critérios de correção monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, a ausência de definição sobre a matéria não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento. Desde que sejam firmados o cabimento e o termo inicial dos juros e da correção monetária em decisão judicial, a eficácia temporal do afastamento da aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997 pode ser definida na fase de cumprimento de sentença, observando-se as decisões do STF sobre a questão.

Dessa forma, mostra-se adequado e racional diferir para a fase de execução a solução definitiva sobre os critérios de correção monetária aplicáveis ao débito judicial, conforme preconizam os artigos 4º, 6º e 8º, todos do CPC, pois somente nesse momento é que o real valor da condenação é determinado.

A fim de evitar novos recursos antes da solução definitiva sobre o tema, a alternativa é iniciar o cumprimento do julgado conforme os índices da Lei nº 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou de RPV pelo valor incontroverso. Após o julgamento da matéria pelo STF, cabe ao juízo da execução decidir sobre a existência de diferenças remanescentes a serem requisitadas, em conformidade com a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no RE 870.947.

Assim, deve ser diferida para a fase de cumprimento de sentença a definição sobre os critérios de atualização monetária, aplicando-se inicialmente a Lei nº 11.960/2009. Quanto aos juros de mora, reforma-se a sentença, para incida a taxa de juros da caderneta de poupança, a partir da citação.

Implantação imediata do benefício

Assim dispõe o art. 497 do CPC: "Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente".

A respeito da matéria, a Terceira Seção deste Tribunal pacificou o entendimento neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE. 1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo. 2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário. 3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). 4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença. 5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal. 6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação. 7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora. (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, 3ª Seção, relator para acórdão Des. Federal Celso Kipper, D.E. 01/10/2007)

Dessa forma, considerando as disposições do art. 497 do CPC e a ausência de recurso com efeito suspensivo por força da lei, determina-se a implantação imediata do benefício no prazo de até trinta dias úteis. Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Conclusão

Dou parcial provimento à apelação da parte autora, para condenar o INSS a reconhecer o exercício de atividade especial no período de 29-04-1995 a 21-01-1998 e a convertê-lo para tempo comum.

Dou parcial provimento à apelação do INSS, para: a) afastar o enquadramento da atividade como especial no período de 01-11-1993 a 30-11-1993; b) determinar a aplicação da taxa de juros da caderneta de poupança, para o cálculo dos juros de mora; c) diferir a definição sobre os critérios de atualização monetária para a fase de cumprimento de sentença, aplicando-se inicialmente a Lei nº 11.960, de 2009.

De ofício, determino a imediata implantação da aposentadoria.

Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do autor e à apelação do INSS e determinar, de ofício, a imediata implantação da aposentadoria.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001202185v146 e do código CRC d8edefe5.Informações adicionais da assinatura:
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5006274-55.2015.4.04.7101
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5006274-55.2015.4.04.7101/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: CARLOS EDUARDO GAUTERIO LOPES (AUTOR)

ADVOGADO: ANA CRISTINA BORGES DA CUNHA (OAB RS072646)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. PESCADOR ARTESANAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. MARINHEIRO. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. LAUDO SIMILAR. ANO MARÍTIMO. CONTAGEM DIFERENCIADA. NAVEGAÇÃO PORTUÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor na época da prestação do trabalho, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.

2. No período anterior à Lei nº 8.213/1991, o reconhecimento do tempo de serviço especial pressupõe a vinculação à previdência social urbana, já que somente esse regime possibilitava a contagem do tempo de serviço para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço e especial.

3. O pescador artesanal somente pode computar o tempo de serviço especial, se optar pelo recolhimento de contribuições como autônomo, na forma da Lei nº 7.356/1985.

4. A atividade prevista no código 2.4.2 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/1964 (transportes marítimo, fluvial e lacustre - marítimos de convés, de máquinas, de câmara e de saúde) é enquadrada como especial até a edição da Lei nº 9.032/1995, que alterou o art. 57 da Lei nº 8.213/1991.

5. A partir da Lei nº 9.032/1995, é necessário demonstrar a efetiva exposição a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.

6. É possível a comprovação da especialidade devido à exposição ao agente nocivo ruído, a partir da aplicação, por analogia, do conteúdo do laudo de condições ambientais de trabalho referente à empresa similar, em face da semelhança das atividades desempenhadas pelo segurado no setor de trabalho.

7. Os procedimentos de avaliação do ruído atendem às especificações técnicas para a medição de ruído contínuo ou intermitente.

8. Não se admite a contagem diferenciada do ano marítimo para o período de trabalho posterior a 16 de dezembro de 1998, visto que o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, vedou a contagem fictícia de tempo de serviço.

9. Não faz jus à contagem diferenciada do ano marítimo, no período anterior a EC nº 20/1998, o trabalhador dedicado à navegação de travessia ou portuária, pois não se sujeitou a longos períodos de afastamento da terra em navios mercantes destinados à navegação de longo curso, em atividade de transporte marítimo ou fluvial de carga ou passageiros.

10. Difere-se para a fase de cumprimento de sentença a definição do índice de atualização monetária aplicável, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.

11. Ante as disposições do art. 497 do CPC, determina-se a imediata implantação do benefício.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor e à apelação do INSS e determinar, de ofício, a imediata implantação da aposentadoria, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2019.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001202186v7 e do código CRC 2cf0ed78.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 12/9/2019, às 23:34:28


5006274-55.2015.4.04.7101
40001202186 .V7


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 10/09/2019

Apelação Cível Nº 5006274-55.2015.4.04.7101/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI

APELANTE: CARLOS EDUARDO GAUTERIO LOPES (AUTOR)

ADVOGADO: ANA CRISTINA BORGES DA CUNHA (OAB RS072646)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 10/09/2019, na sequência 317, disponibilizada no DE de 26/08/2019.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR, DE OFÍCIO, A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DA APOSENTADORIA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



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