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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8. 213. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMI...

Data da publicação: 05/05/2021, 11:01:48

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8.213. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE RURAL INTERCALADA COM URBANA. PROVAS DOCUMENTAIS EM NOME DE FAMILIARES. 1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. 2. Admitem-se como início de prova material os documentos em nome de membros da família, para fins de comprovação do exercício de atividade rural em regime de economia familiar. 3. A certidão de casamento e a ficha de sócio em sindicato de trabalhadores rurais, constando a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos meios de prova previstos no art. 106 da Lei nº 8.213. 4. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. 5. A ausência de prova documental quanto a determinado tempo pode ser suprida por eficaz depoimento de testemunhas (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça). 6. No caso em que existem períodos rurais intercalados com urbanos, é preciso comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. 7. Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF 4ª Região, Tema 21 no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5032883-33.2018.4.04.0000). (TRF4, AC 5021315-30.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 27/04/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5021315-30.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: IESA ARAUJO ZUCHETTO

ADVOGADO: CRISTINA DIAS FERREIRA (OAB RS076951)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por Iesa Araújo Zuchetto contra o INSS julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento do tempo de serviço rural e de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (07/10/2015). A parte autora foi condenada ao pagamento das custas e das despesas do processo, assim como dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, ficando suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência.

A autora interpôs apelação. Afirmou que desempenhou atividade rural junto com o pai adotivo e sua família nos períodos de 30/04/1977 a 30/08/1981, de 02/08/1982 a 30/03/1985 e de 01/07/1985 a 30/10/1991, comprovado por início de prova material. Disse que não possui pai registral, carecendo de comprovação documental da filiação paterna. Aduziu que a prova testemunhal confirmou o trabalho no meio rural desde os doze anos, com exceção nos períodos em que laborou em atividade urbana. Argumentou que a jurisprudência há muito firmou-se no sentido de equiparar os boias-frias, diaristas rurais e safristas ao segurado especial. Alegou que a qualificação profissional do marido como rurícola em atos do registro civil estende-se à esposa, de forma que esses documentos devem ser considerados início de prova material. Ponderou que os vínculos empregatícios não descaracterizam a sua condição de trabalhadora rural, já que duraram pouco tempo, não possuindo caráter permanente. Subsidiariamente, postulou a reafirmação da data de entrada do requerimento, caso não preencha os requisitos necessários para o benefício pretendido.

O INSS não ofereceu contrarrazões.

A sentença foi publicada em 9 de janeiro de 2017.

VOTO

Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991

Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do artigo 194, parágrafo único, inciso II, da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).

Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.

Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, estabelece o Tema nº 638 do STJ:

Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula nº 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Lei nº 11.718/2008.

O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.

Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.

A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:

Tema nº 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Tema nº 533: Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.

Caso concreto

A controvérsia diz respeito ao exercício da atividade rural pela autora nos períodos de 30/04/1977 (quando completou doze anos de idade) a 30/08/1981, de 02/08/1982 a 30/03/1985 e de 01/07/1985 a 30/10/1991.

As provas documentais apresentadas são as seguintes (evento 3, pet17):

a) certidão de nascimento da autora, na data de 30/04/1965, constando que é filha de Adélia Araújo;

b) histórico escolar da autora, expedido pela Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Sul, no qual consta que frequentou a Escola Rural de Serrinha, no Município de Arroio do Tigre, nos anos de 1975 e 1977, e que é filha de João Alfredo de Morais e Adélia Araújo;

c) declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arroio do Tigre, atestando que o Sr. João Alfredo de Morais filiou-se no quadro social da instituição em 05/09/1974 e permaneceu como filiado até 30/06/1987;

d) ficha de associação no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arroio do Tigre, em nome de João Alfredo de Morais, constando a autora como dependente;

e) certidão de nascimento de Paulo César de Morais, meio- irmão da autora, na data de 27/10/1980, constando que ambos os pais são agricultores;

f) certidão de nascimento de Sérgio de Morais, meio-irmão da autora, na data de 01/05/1986, constando que o pai é agricultor;

g) certidão de casamento religioso da autora com Roque Zuchetto, na data de 24/03/1988;

h) nota de produtor rural em nome do marido da autora, emitida em 1990;

i) informação de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural ao Sr. João Alfredo de Morais, com data de início em 12/08/2010;

O juízo determinou a realização de prova oral, na qual foram ouvidas três testemunhas.

Eldino Eppa afirmou que a autora trabalhou na agricultura desde os 12 anos até os 26/27 anos de idade; por um período, a autora trabalhou com a família nas terras de Ildor Seibert; os pais da autora eram agricultores; plantavam para o sustento da família; os produtos eram mandioca, feijão, milho, fumo; quem criou a autora foi o Sr. João Alfredo de Morais, seu padrasto; a família sempre trabalhou em terras de terceiros; o sustento provinha somente da atividade rural.

Aristides de Matos declarou que conhece a autora desde pequena, eram vizinhos na área rural; a autora trabalhou na lavoura desde os 9 anos de idade; a família trabalhou como meeira nas terras de Eldino, Orli e outros; o sustentao da família era somente da atividade na agricultura; o Sr. João Alfredo era o padrasto da autora; ele criou a autora como pai desde criança; a família morava e trabalhava na Vila Progresso em Arroio do Tigre; a autora trabalhou como doméstica por um tempo.

Romildo Seibert disse que a autora trabalhou na agricultura desde os 12 anos até os 26 anos de idade; a família da autora exerceu a atividade rural nas terras do pai da testemunha durante um tempo; eles plantavam batata, milho, mandioca, fumo; a autora trabalhou na lavoura junto com os pais; a família da autora não tinha terras próprias; o pai da autora era João Alfredo de Morais; ele criou a autora como filha; a familia sempre laborou no meio rural e o sustento provinha dessa atividade; a autora trabalhou com carteira assinada na cidade por um tempo.

Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. As notas fiscais de comercialização ou de entrega dos produtos agropecuários à cooperativa rural demonstram, sem dúvida, o efetivo desenvolvimento do trabalho rurícola, porém não representam o único meio de prova da atividade rural.

O próprio INSS admite a aptidão probatória da ficha de sócio em sindicato de trabalhadores rurais e da certidão de nascimento, desde que conste no documento a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.

Embora conste apenas o nome da mãe nos documentos pessoais da autora, o conjunto probatório evidencia que o seu padrasto, o Sr. João Alfredo de Morais, criou-a como filha (o histórico escolar expedido pela Secretaria Estadual de Educação e a ficha de associação no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arroio do Tigre). De qualquer forma, existe nos autos início de prova material que qualifica a mãe da autora como agricultora (a certidão de nascimento do meio-irmão Paulo César).

No período anterior ao casamento, é certo que autora ainda residia com a família no meio rural. Logo, não há óbice ao aproveitamento do início de prova material referente ao seu padrasto e à sua mãe, desde que a autora tenha efetivamente trabalhado nas lides rurícolas em regime de economia familiar.

No caso dos autos, as provas documentais evidenciam o exercício do trabalho rural como meio de subsistência da família. Os documentos, além de serem contemporâneos do período requerido, são plenamente aceitos como início de prova material. Portanto, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural, atendendo à exigência do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991.

Por outro lado, não se exige que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido. É possível ampliar a eficácia probatória do início de prova material, seja quanto ao período anterior ao documentado, seja quanto ao posterior. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja robusta e forneça subsídios relevantes acerca dos fatos.

A prova testemunhal confirmou, de modo firme e coerente, que a autora exerceu atividade rural com a sua família desde tenra idade até por volta dos 26 anos de idade. Todavia, no ano de 1991, quando a autora completou 26 anos de idade, ela já estava casada.

Segundo a própria autora declarou na entrevista rural realizada na via administrativa, trabalhou com seus pais até casar, em 1988. Após o casamento, passou a trabalhar com seu marido na lavoura em terras de terceiros e permaneceu na atividade rural até por volta de 1996. Dessa forma, a autora desvinculou-se do seu grupo familiar de origem no desenvolvimento do labor rural; por conseguinte, não pode se valer das provas documentais da atividade rurícola em nome do seu padrasto.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exige, além de lastro probatório mínimo, a complementação por prova testemunhal idônea que confirme o efetivo exercício da atividade rurícola. Em relação ao período posterior ao casamento, há início de prova material, ainda que escasso, porém os depoimentos não ofereceram um mínimo subsídio a respeito, sequer mencionaram que a autora havia casado. Logo, as provas produzidas nos autos não possibilitam o acolhimento do pedido quanto ao período de 24/03/1988 a 30/10/1991.

A respeito do afastamento da autora do labor rural, as anotações na sua carteira de trabalho indicam que ela trabalhou em atividade urbana nos períodos de 16/09/1981 a 02/07/1982 e de 01/04/1985 a 30/06/1985.

Conquanto a existência de períodos rurais intercalados com urbanos não constitua óbice, por si só, ao reconhecimento do exercício da atividade rural, é necessário comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. No caso em que a atividade é exercida em regime de economia familiar, os documentos em nome de membros da família são aptos para a comprovação do tempo de serviço rural, contanto que a prova testemunhal seja segura e convincente. Este Tribunal Regional Federal discutiu a questão em incidente de resolução de demandas repetitivas, firmando-se a seguinte tese (Tema 21):

Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF4 5032883-33.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 28/08/2019)

As testemunhas mencionaram que a autora dedicou-se à atividade urbana por um tempo, ainda que não tenham informado o lapso temporal em que isso ocorreu. É compreensível a imprecisão a respeito das datas, sobretudo porque a interrupção do labor rurícola não foi longa (9 meses no primeiro intervalo e três meses no segundo). Desse modo, é possível formar convencimento quanto ao efetivo retorno da autora ao trabalho na agricultura.

Constata-se, assim, que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por firme prova testemunhal, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural pela autora nos períodos de 30/04/1977 a 30/08/1981, de 02/08/1982 a 30/03/1985 e de 01/07/1985 a 23/03/1988.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição

O tempo de atividade rural corresponde a 4 anos, 4 meses e 1 dia (30/04/1977 a 30/08/1981), 2 anos, 7 meses e 29 dias (02/08/1982 a 30/03/1985) e 2 anos, 8 meses e 23 dias (01/07/1985 a 23/03/1988).

A soma dos períodos reconhecidos nesta demanda e do tempo de serviço já contabilizado pelo INSS na data do requerimento administrativo resulta no seguinte quadro:

Marco temporal

Anos

Meses

Dias

Carência

Até 16/12/1998

14

0

17

54

Até 28/11/1999

14

11

29

65

Até a DER (07/10/2015)

30

10

8

256

Pedágio (EC nº 20/1998)

4 anos, 4 meses e 17 dias

Nessas condições, em 16 de dezembro de 1998, a autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional, conforme as regras anteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998, porque não cumpria o tempo mínimo de serviço de 25 anos, nem a carência mínima de 102 contribuições.

Em 28 de novembro de 1999, a parte autora igualmente não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional, conforme as regras de transição do art. 9º, § 1º, inciso I, da Emenda Constitucional nº 20/1998, porque não preenchia o tempo mínimo de contribuição de 25 anos, o pedágio de 4 anos, 4 meses e 17 dias, a carência de 108 contribuições e nem a idade mínima de 48 anos.

Por fim, em 7 de outubro de 2015 (DER), a parte autora preencheu os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, com base no art. 201, §7º, da Constituição Federal. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei nº 9.876/1999, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 85 pontos (art. 29-C, inciso II, da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Lei nº 13.183/2015).

Correção monetária e juros de mora

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema nº 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).

Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema nº 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213/1991).

Os juros moratórios são devidos de acordo com a taxa de juros da caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada), a partir da citação.

O art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, dispõe que haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Ao empregar a expressão “uma única vez”, o legislador afastou a capitalização, ou seja, a aplicação de juros sobre parcelas que já incluam juros.

Ônus de sucumbência

Caracteriza-se a sucumbência mínima da parte autora, pois, afinal, obteve o reconhecimento do direito ao benefício pretendido. Cabe, então, somente ao INSS responder pelo pagamento de honorários advocatícios.

A verba deve incidir sobre o valor das prestações vencidas até a data do julgamento da apelação, segundo o entendimento da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e da Súmula nº 76 deste Tribunal Regional Federal.

Arbitra-se o valor dos honorários de acordo com os percentuais estabelecidos no art. 85, § 3º, do CPC, em grau mínimo, uma vez que não houve, na presente demanda, complexidade que justifique a adoção de outro percentual.

Ainda que a autarquia previdenciária também deva suportar as custas e despesas processuais em razão da sucumbência, o INSS é isento do pagamento das custas na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, inciso I, da Lei Estadual nº 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado).

Essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual nº 14.634/2014, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985.

Cabe frisar que, embora a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular foi declarada (ADIN estadual nº 70038755864).

Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas, não se aplicando às despesas processuais.

Implantação imediata do benefício

Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a implantação do benefício postulado.

Conclusão

Dou parcial provimento à apelação da parte autora, para condenar o INSS a: a) reconhecer o exercício de atividade rural nos períodos de 30/04/1977 a 30/08/1981, de 02/08/1982 a 30/03/1985 e de 01/07/1985 a 23/03/1988 e proceder à averbação do tempo de serviço para todos os efeitos previdenciários, salvo período de carência; b) conceder à autora o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo; c) pagar as prestações vencidas com atualização monetária e juros de mora, nos termos da fundamentação.

De ofício, concedo a tutela específica.

Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002452832v34 e do código CRC 49d4eed5.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5021315-30.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: IESA ARAUJO ZUCHETTO

ADVOGADO: CRISTINA DIAS FERREIRA (OAB RS076951)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

previdenciário. aposentadoria por tempo de contribuição. tempo de serviço rural anterior à lei nº 8.213. início de prova material. regime de economia familiar. atividade rural intercalada com urbana. provas documentais em nome de familiares.

1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.

2. Admitem-se como início de prova material os documentos em nome de membros da família, para fins de comprovação do exercício de atividade rural em regime de economia familiar.

3. A certidão de casamento e a ficha de sócio em sindicato de trabalhadores rurais, constando a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos meios de prova previstos no art. 106 da Lei nº 8.213.

4. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.

5. A ausência de prova documental quanto a determinado tempo pode ser suprida por eficaz depoimento de testemunhas (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça).

6. No caso em que existem períodos rurais intercalados com urbanos, é preciso comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material.

7. Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF 4ª Região, Tema 21 no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5032883-33.2018.4.04.0000).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de abril de 2021.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002452833v7 e do código CRC c642000d.Informações adicionais da assinatura:
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5021315-30.2017.4.04.9999
40002452833 .V7


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/04/2021 A 20/04/2021

Apelação Cível Nº 5021315-30.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): JUAREZ MERCANTE

APELANTE: IESA ARAUJO ZUCHETTO

ADVOGADO: CRISTINA DIAS FERREIRA (OAB RS076951)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/04/2021, às 00:00, a 20/04/2021, às 14:00, na sequência 500, disponibilizada no DE de 30/03/2021.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA

Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 05/05/2021 08:01:47.

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