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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8. 213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATE...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:21:10

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8.213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ATIVIDADE RURAL INTERCALADA COM URBANA. 1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. 2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. 3. A ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais e o certificado de alistamento militar, nas quais constem a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213. 4. Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça). 5. No caso em que existem períodos rurais intercalados com urbanos, é preciso comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. 6. Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF 4ª Região, Tema 21 no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5032883-33.2018.4.04.0000). (TRF4, AC 5004683-75.2017.4.04.7105, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 17/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004683-75.2017.4.04.7105/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: JOLAR ALDORI FLORES FONSECA (AUTOR)

ADVOGADO: REGIS DIEL (OAB RS056572)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por Jolar Aldori Flores Fonseca contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 02/03/1988 a 30/10/1991 e de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (09/06/2016). O autor foi condenado ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, ficando suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência.

O autor interpôs apelação. Referiu que a sentença não reconheceu o tempo de atividade rural, por entender que, diante da insuficiência da prova material, não poderia ser admitida a prova exclusivamente testemunhal. Afirmou que retornou ao exercício do labor na agricultura juntamente com seus pais, após trabalhou em atividade urbana. Sustentou que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e o Superior Tribunal de Justiça pacificaram a jurisprudência quanto à possibilidade de extensão da eficácia do início de prova material da atividade rurícola, tanto para período anterior quanto posterior, bastando que o conjunto probatório demonstre o efetivo desempenho de atividade rural durante o intervalo alegado. Aduziu que, no regime de economia familiar, principalmente em tempos mais remotos, a documentação era emitida em nome do arrimo da família, normalmente o pai. Destacou que a prova testemunhal produzida na justificação administrativa confirmou o trabalho na agricultura com seus pais no período controverso.

O INSS apresentou contrarrazões.

A sentença foi publicada em 27 de junho de 2018.

VOTO

Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213

Segundo o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a Súmula 149: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).

Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.

Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 11.718.

O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.

Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.

A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:

Tema 532 - O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Tema 533 - Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.

Caso concreto

O autor pleitou o reconhecimento do tempo de atividade rural no período de 02/03/1988 a 30/10/1991. Contudo, o intervalo de 02/03/1988 a 21/03/1988 já foi computado pelo INSS, em razão de vínculo empregatício.

Assim, a controvérsia refere-se ao período de 22/03/1988 a 30/10/1991.

No processo administrativo de requerimento de aposentadoria, o INSS homologou o período de atividade rural entre 03/06/1976 a 20/01/1985.

As provas documentais apresentadas são as seguintes (evento 1, procadm4):

- declaração da Cooperativa Tritícola Regional de Santo Ângelo Ltda. - COTRISA, acompanhada pela proposta para admissão de associado, atestando que o pai do autor, Jolar de Oliveira Fonseca, agricultor, é associado da entidade desde o ano de 1964;

- certidão expedida pelo INCRA, relativa à existência de cadastro de imóvel rural localizado no Município de Santo Ângelo/RS, com área de 42 hectares, nos anos de 1965 a 1984, reduzido para 32,6 hectares nos anos de 1985 a 1992, em nome do pai do autor, sem contratação de assalariados;

- termo de abertura do livro de registro de associados no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Ângelo, no ano de 1968, no qual o pai do autor, admitido como sócio, declarou a profissão de agricultor;

- histórico escolar emitido pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Presidente Arthur da Costa e Silva, localizada em Esquina Rondinha, relativos aos anos de 1971 a 1976;

- certificado de alistamento militar do autor, emitido no ano de 1982, no qual consta a qualificação como agricultor e o local de residência em Esquina Rondinha, no Município de Santo Ângelo;

- título eleitoral do autor emitido no ano de 1982, constando a qualificação de estudante;

- cadastro do autor na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, na condição de produtor rural, com início no ano de 1992 e baixa no ano de 2002, na localidade de Esquina Rondinha, no Município de Entre-Ijuís.

Consta informação ainda sobre o benefício de aposentadoria por velhice a trabalhador rural, concedida ao pai do autor em 1986 e cessada em 1996.

Por determinação do juízo, o INSS realizou justificação administrativa, com a oitiva das testemunhas Júlio Alves de Mello, Marino Antônio Macalai e Itamir Teixeira de Oliveira (evento 37). Tendo em vista que o teor dos depoimentos é convergente, transcrevem-se somente as declarações de Marino Antônio Macalai:

Declara que conhece o requerente desde criança. Que conheceu o requerente na Esquina Rondinha, interior de Entre Ijuís. Declara que morava a 500 metros de onde o requerente morava. O depoente declara que ainda mora na localidade. Que o requerente morava com os pais. Que ele trabalhava na lavoura. Que a terra era de seus pais. Que eles tinham 40 hectares de terra. Que era somente a família quem trabalhava na lavoura. Que eles não tinham empregados. Declara que via o requerente trabalhando na lavoura. Que com 8 anos de idade ele já ajudava os pais na lavoura e que ele ficou junto com os pais até quando ele tinha em torno de 30 anos de idade. Declara que o requerente veio morar na cidade de Santo Ângelo trabalhar como empregado por mais ou menos 1 ano. Que não deu certo e que daí ele voltou a morar e trabalhar junto com os pais na lavoura. Que o requerente e sua família viviam da lavoura. Que eles plantavam milho, soja, trigo, mandioca. Que eles cravam porco, gado e galinha. Que o requerente ajudava em todos os serviços da lavoura. Que o requerente estudou primeiramente na escola da comunidade e depois ele foi estudar na cidade de Entre Ijuís. Que ele vinha todos os dias para a escola estudar. Que quando ele estudava na URI também vinha lá de fora para a escola. Que ele vinha de ônibus para a escola.

A apelação do autor merece provimento.

Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. As notas fiscais de comercialização ou de entrega dos produtos agropecuários à cooperativa rural demonstram, sem dúvida, o efetivo desenvolvimento do trabalho rurícola, porém não representam o único meio de prova da atividade rural.

O próprio INSS admite a aptidão probatória da ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais e do certificado de alistamento militar, desde que conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.

Além disso, a certidão do INCRA relativa ao cadastro de imóvel rural, sem a contratação de empregados, consiste em prova hábil à comprovação do tempo de atividade rural, consoante dispõe o art. 106 da Lei nº 8.213.

No caso presente, existem documentos contemporâneos aos anos de 1988 a 1991 que são plenamente aceitos como início de prova material. Aliás, a contemporaneidade da prova documental não é revelada apenas pela sua emissão, mas também pelo seu conteúdo. Logo, a declaração da COTRISA evidencia fatos que ocorreram desde 1968 até 1991. A inscrição do autor como produtor rural, por sua vez, ainda que seja posterior a 1991, pode ser valorada como prova documental.

Demais, não se exige que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido. É possível ampliar a eficácia probatória do início de prova material, seja quanto ao período anterior ao documentado, seja quanto ao posterior. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja robusta e forneça subsídios relevantes acerca das propriedades em que houve o trabalho na lavoura, os períodos de atividade rural, as tarefas desempenhadas, etc.

Portanto, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural, atendendo à exigência do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213.

A existência de períodos rurais intercalados com urbanos não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento do exercício da atividade rural. Contudo, é necessário comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. No caso em que a atividade é exercida em regime de economia familiar, os documentos em nome de membros da família são aptos para a comprovação do tempo de serviço rural, desde que a prova testemunhal seja segura e convincente a respeito. Nesse sentido, a tese fixada no julgamento de incidente de demandas repetitivas por este Tribunal Regional Federal:

Tema 21 - Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF4 5032883-33.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 28/08/2019)

O conjunto probatório não deixa dúvida acerca do fato de que o autor somente desempenhou o labor rurícola no período controvertido. Com efeito, os depoimentos foram unânimes em afirmar que a parte autora, após trabalhar no meio urbano no Município de Santo Ângelo, retornou à propriedade rural pertencente a seu pai e passou a desenvolver a atividade agrícola juntamente com os seus familiares. Uma vez que o autor continuou trabalhando em regime de economia familiar com a sua família, as provas documentais da atividade rurícola em nome do seu pai podem ser utilizadas como início de prova material.

Constata-se, assim, que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por firme prova testemunhal, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural pelo autor no período de 22/03/1988 a 30/10/1991.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição

O INSS computou o tempo de contribuição de 31 anos, 6 meses e 23 dias, no julgamento do recurso administrativo interposto pelo autor (evento 1, out5).

O tempo de atividade rural reconhecido em juízo corresponde a 3 anos, 7 meses e 9 dias (22/03/1988 a 30/10/1991).

A soma do tempo de contribuição resulta em 35 anos, 2 meses e 2 dias.

Dessa forma, em 9 de junho de 2016 (DER), a parte autora preencheu os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme o art. 201, §7º, da Constituição Federal.

O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei nº 9.876, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 95 pontos (art. 29-C da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 13.183).

Correção monetária e juros de mora

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pela Lei nº 11.960, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).

Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213).

O art. 5º da Lei nº 11.960, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494, dispõe que haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Ao empregar a expressão “uma única vez”, o legislador afastou a capitalização, ou seja, a aplicação de juros sobre parcelas que já incluam juros.

Os juros moratórios incidem a contar da citação, conforme a taxa de juros da caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada).

A partir de 9 de dezembro de 2021, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113, deve incidir, para os fins de atualização monetária e juros de mora, apenas a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulada mensalmente.

Honorários advocatícios

O INSS, sucumbente na causa, deve arcar com o pagametno de honorários advocatícios.

Os honorários incidem sobre o valor das prestações vencidas até a data do julgamento da apelação, segundo o entendimento da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça e da Súmula 76 deste Tribunal Regional Federal, no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor previstas no art. 85, §3º, do CPC.

Tutela específica

Tendo em conta que já foi concedida aposentadoria por tempo de contribuição à parte autora desde 23 de janeiro de 2020, é desnecessário determinar a implantação do benefício.

Conclusão

Dou provimento à apelação do autor, para condenar o INSS a: a) reconhecer o exercício de atividade rural no período de 22/03/1988 a 30/10/1991 e proceder à averbação do tempo de serviço, salvo para efeito de carência; b) conceder o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (09/06/2016); c) pagar as prestações vencidas com atualização monetária e juros de mora nos termos da fundamentação.

Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação da parte autora.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003377365v22 e do código CRC a2fb7648.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 17/8/2022, às 17:28:21


5004683-75.2017.4.04.7105
40003377365.V22


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:21:09.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004683-75.2017.4.04.7105/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: JOLAR ALDORI FLORES FONSECA (AUTOR)

ADVOGADO: REGIS DIEL (OAB RS056572)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

previdenciário. aposentadoria por tempo de contribuição. tempo de serviço rural anterior à lei nº 8.213. regime de economia familiar. início de prova material. atividade rural intercalada com urbana.

1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.

2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.

3. A ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais e o certificado de alistamento militar, nas quais constem a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213.

4. Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça).

5. No caso em que existem períodos rurais intercalados com urbanos, é preciso comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material.

6. Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF 4ª Região, Tema 21 no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5032883-33.2018.4.04.0000).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003377366v3 e do código CRC 833235ed.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 17/8/2022, às 17:28:21


5004683-75.2017.4.04.7105
40003377366 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:21:09.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/08/2022 A 16/08/2022

Apelação Cível Nº 5004683-75.2017.4.04.7105/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

APELANTE: JOLAR ALDORI FLORES FONSECA (AUTOR)

ADVOGADO: REGIS DIEL (OAB RS056572)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/08/2022, às 00:00, a 16/08/2022, às 16:00, na sequência 173, disponibilizada no DE de 28/07/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:21:09.

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