Apelação Cível Nº 5018400-37.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ALCIR SANTIN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de recurso da parte autora (
) contra sentença ( ), prolatada em 28/02/2019, que julgou parcialmente procedente o pedido nestes termos:DISPOSITIVO Ante o exposto, com resolução de mérito (art. 487, I, c/c art. 490, ambos do CPC), julgo parcialmente procedente o pedido inicial formulado por Alcir Santin em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para tão somente declarar, para fins de averbação, o tempo de atividade especial exercido pelo autor nos períodos de 01/12/1982 a 30/11/1983, de 02/01/1985 a 30/09/1985, de 03/11/1987 a 01/07/1988, de 28/04/1989 a 30/04/1990 e de 17/09/1993 a 31/12/2000, devendo ser acrescentado ao tempo de contribuição do autor, em razão da conversão respectiva, 4 anos, 3 meses e 11 dias. Em razão da sucumbência, tendo em vista que a autarquia ré decaiu de parte mínima dos pedidos (já que não foi concedido o benefício pretendido), condeno o autor ao pagamento das despesas, custas processuais e à satisfação dos honorários advocatícios do patrono da parte adversa, verba esta que fixo em10% do valor, nesta data, equivalente a 12 prestações do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição que seria concedido (CPC, art. 292, § 2º), a teor dos arts. 85 e seguintes do CPC, o que leva em consideração o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação de serviços, bem como o prazo de duração do processo. Suspensa a exigibilidade, todavia, por força do artigo 98, § 3º, do CPC, uma vez que o autor é beneficiário da justiça gratuita (fl. 178). Sentença não sujeita a reexame necessário.
Em suas razões recurais a parte autora destaca que deve a sentença ser reformulada, determinando-se a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, por meio do reconhecimento do período especial de 01/01/2001 a 31/12/2004 e de 01/01/2005 a 28/02/2014.
É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se ao enquadramento, como tempo especial, do período de 01/01/2001 a 31/12/2004 e de 01/01/2005 a 28/02/2014, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Exame do tempo especial no caso concreto
Passo à análise dos períodos controversos:
1. Período: 01/01/2001 a 31/12/2004
Empresa: Município de Galvão
Atividade/função: motorista (transporte escolar)
Agente nocivo: inexistente
Prova/debate: Laudo pericial judicial que apontou ruído abaixo do limite de tolerância:
A parte autora não trouxe qualquer elemento de convicção que infirmasse as conclusões periciais, limitando-se a alegações genéricas de que o ruído era superior pelo fato de se tratar de veículo antigo.
Logo, se os fatores de risco a que o autor estava exposto não permitem enquadrar a atividade como nociva, deve ser mantida a sentença de improcedência.
Por outro lado, especificamente no que se refere às condições periculosa e penosa do trabalho, prestado em veículo motorizado, realizando transporte de crianças, a solução que melhor se amolda ao caso é a extinção do feito sem exame do mérito, a teor do art. 485, inciso IV, do CPC, o que não obsta o ajuizamento de nova ação para renovação do pleito, mediante apresentação de novas provas, à vista do julgamento exarado pelo STJ, no Recurso Repetitivo de Controvérsia nº 1.352.721/SP (Tema 629), Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 28/04/2016:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, pub. no DJ em 28/04/2016, p. 118).
Saliente-se que, não obstante o caso que foi objeto de análise naquele julgado ser relativo à aposentadoria por idade, a ratio decidendi mostra-se aplicável a todas as hipóteses em que se rejeita a pretensão a benefício previdenciário em decorrência de ausência ou insuficiência de lastro probatório, consoante leciona o eminente Juiz Federal José Antonio Savaris:
"Orientando-se ao encerramento sem o julgamento do mérito, contudo, o juiz se abre ao apelo do bem da vida que se encontra em discussão, distanciando-se da forma processual civil em nome de um valor maior. Resguardando a possibilidade de o indivíduo reunir os elementos de prova necessários e obter finalmente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da existência humana, à ideia da não preclusão do direito previdenciário. (...) Na extinção do processo sem o julgamento do mérito por falta de provas, há também um importante reconhecimento da insuficiência do poder de cognição do juiz. A decisão final deixa de ser vista como um veredicto imutável para ser melhor compreendida como uma decisão 'nesses termos' ou 'por agora'. É isso o que expressa a decisão que extingue o feito sem julgamento do mérito: primeiro, a possibilidade de que existam provas favoráveis ao autor que não constam dos autos e que poderiam mudar a sua sorte; segundo, a injustiça ou a gravidade de se tornar essa decisão imutável e, assim, negar definitivamente o benefício previdenciário em que pese aquela possibilidade. (...) Com base nesse entendimento [REsp 1352721, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16.12.2015], deve ser extinto sem jultamento de mérito o processo previdenciário em que a decisão judicial não reconhece o direito ao benefício em razão da ausência ou insuficiência de prova material, pressuposto para a comprovação do tempo de serviço (Direito Processual Previdenciário. Curitiba. 2016: Alteridade, p. 93-94).
Conclusão: Merece parcial acolhida o recurso da parte autora no ponto, para extinguir o feito, sem exame de mérito, com fulcro no art. 485, inciso IV, do CPC, quanto às condições periculosa e penosa do trabalho prestado pelo autor.
2. Período: 01/01/2005 a 28/02/2014
Empresa: Prefeitura Municipal de Galvão;
Função: Motorista de transporte de pacientes, utilizando diversos veículos, como caravam, entre outros. Acompanhava os pacientes até o hospital ou no local de fazer exames.
Agente nocivo: agentes biológicos ("microorganismos patológicos");
Enquadramento: Códigos 1.3.1 e 1.3.2 do Decreto 53.831/64, Códigos 1.3.2 do Decreto n. 83.080/79, e Código 3.0.1 dos Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto n. 4.882/03;
Provas: A prova testemunhal aponta para efetivo contato com pacientes doentes (
):Vanderlei Bez Batti, testemunha compromissada, disse que: i) conheceu o autor trabalhando na prefeitura; ii) antes de o depoente entrar na Prefeitura o autor trabalhava na garagem, como motorista de caminhão, mas depois de um tempo ele trabalhou como motorista da saúde, sendo que o depoente foi secretário da saúde por um tempo; iii) nesse período o autor foi motorista de ambulância e de van, no transporte de pacientes para consultas e exames; iv) o autor levava os pacientes para toda a Região, indo para Chapecó, Pato Branco, Florianópolis, Curitiba, Passo Fundo, não lembara se o autor chegou a ir para cidades mais longes, mas como não haviam tantas especialidades na região, acontecia de ir para cidades mais distantes; v) eram levadas pessoas para hemodiálise, para tratamento oncológico, e bastante para questões de ortopedia; vi) quando havia emergência, tinha um enfermeiro junto, se não era transporte de rotina, não tinha enfermeiro acompanhando; vii) antigamente era o motorista que fazia tudo, carregar pacientes, com exceção de emergências, quando precisava de oxigênio ou soro, nesses casos ia uma enfermeira ou técnica de enfermagem junto; viii) não sabe se nas emergências utilizava equipamentos de proteção; ix) nos transportes de rotinas as pessoas vão para consultas e exames, ao que sabe não eram usados EPIs nesses casos; x) antes disso, sabe que o autor trabalhou no transporte escolar, então utilizava um micro-ônibus ou um ônibus, mas não sabe o modelo; xi) o autor trabalhou com o depoente de 2006 a 2008, porque o depoente foi secretário da saúde nesse período; xii) o autor já trabalhava no Município antes deste período.
Zelide Dalla Corte, testemunhas compromissada, contou que: i) conhece o autor desde os seus 15 ou 20 anos; ii) quando conheceu o autor acredita que ele ainda não trabalhava na Prefeitura; iii) na Prefeitura o autor era motorista da ambulância e levava doentes também com outro carro; iv) no começo, ao que acredita, ele foi motorista de caminhão, mas não era do tempo da depoente; v) em1997 a depoente começou a trabalhar lá, o autor já trabalhava na saúde; vi) o autor levava os pacientes para Curitiba, Florianópolis, Chapecó, Xanxerê; vii) sobre as doenças que as pessoas tinham, se eram contagiosas, a depoente disse que tinha "de tudo um pouco"; viii) quando ele ia viajar as vezes tinham um médico ou enfermeira que ia junto, quando era mais grave; ix) o autor tinha contato com as pessoas que transportava, de carregar por exemplo, as vezes ia sozinho e ajudava.
Ademar Brick, testemunha compromissada, relatou que: i) conhece o autor desde a infância; ii) de início o autor trabalhava em uma serraria, depois foi para a prefeitura, há muitos anos; iii) na prefeitura, no início o autor trabalhava comum caminhão, puxando pedra, depois foi para a saúde; iv) trabalhou também no transporte de alunos; v) não entende muito de ônibus, não soube dizer que marca ou modelo eram os ônibus que o autor trabalhou; vi) quando trabalhou de motorista da saúde, o autor conduzida carro e ambulância, levava as pessoas para consultas em Chapecó, Xanxerê, Pato Branco, São Lourenço do Oeste, e com a ambulância ia para Florianópolis, Curitiba, levava pacientes de hemodiálise; vii) ao que sabe, o autor transportava muito doentes para hemodiálise, não sabe quais outras doenças os pacientes tinham; viii) o autor ajudava a carregar as pessoas que estavam mais debilitadas; ix) o depoente chegou a ir com o autor para outras cidades para consultas médicas; x) o autor trabalhou muitos anos no transportes de pacientes, mas não soube dizer quantos, acredita que mais de 10 anos.
O Laudo pericial judicial (
) apontou para a possibilidade de contágio com portadores de doenças infectocontagiosas. A despeito disso afirmou não ser possível precisar quais doenças e qual o período de exposição, o que levou o Magistrado a quo ao juízo de improcedência.No caso, o perito realizou juízo de valor sobre a habitualidade e permanência da exposição nociva, ultrapassando o munus que lhe é conferido e ingressando em esfera de análise reservada a este juízo.
Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Sobre a habitualidade e a permanência na sujeição aos agentes agressivos, esta Corte, ao julgar os EINF nº 0010314-72.2009.404.7200 (Relator Des. Federal Celso Kipper, Terceira Seção, D.E. 07/11/2011), decidiu que Para caracterização da especialidade não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada.
De fato, Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente (TRF/4, AC nº 2000.04.01.073799-6/PR, 6ª Turma, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09/05/2001). Deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Cumpre gizar, outrossim, que o código 3.0.1 do anexo IV ao Decreto nº 3.048/99 não exige que o trabalho se dê em ambiente isolado, em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas. Ao contrário, a interpretação do preceito legal indica que é suficiente o trabalho em contato direto com pacientes doentes, entre eles os portadores de moléstias infecto-contagiantes. O risco de contágio é iminente e pode se dar mediante um único contato com o paciente portador de tais enfermidades ou com o material contaminado, restando configurada a especialidade objeto da norma previdenciária.
Na esteira deste entendimento, o próprio INSS alterou a sua orientação no âmbito administrativo, tendo em conta que a IN/INSS nº 77/2015 revogou o art. 244, parágrafo único da IN/PREs nº 45, que exigia, para o cômputo de tempo especial do profissional de saúde, o trabalho exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas em áreas de isolamento.
De fato, A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes (TRF4, APELREEX 5002443-07.2012.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 26/07/2013).
Da mesma forma, a Turma Nacional de Uniformização, sobre o tema debatido, já sinalizou que, no caso de agentes biológicos, o conceito de habitualidade e permanência é diverso daquele utilizado para outros agentes nocivos, pois o que se protege não é o tempo de exposição (causador do eventual dano), mas o risco de exposição a agentes biológicos. (PEDILEF nº 0000026-98.2013.490.0000, Relator Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros, DOU 25/04/2014, páginas 88/193).
Conforme dispõe a NR-15 do MTE, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo XIV, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados. Naturalmente, tal condição é extensível também ao veículo em que os pacientes eram inicialmente transportados e no qual recebiam um primeiro atendimento e onde os procedimentos médicos emergenciais eram eventualmente realizados.
Por fim, segundo o código 1.0.0 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, como regra geral, o que determina o direito ao benefício é a exposição do trabalhador ao agente nocivo presente no ambiente de trabalho e no processo produtivo, em nível de concentração superior aos limites de tolerância estabelecidos.
A Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/2016, ao regulamentar a matéria, prevê que:
Art. 278. Para fins da análise de caracterização da atividade exercida em condições especiais por exposição à agente nocivo, consideram- se:
I - nocividade: situação combinada ou não de substâncias, energias e demais fatores de riscos reconhecidos, presentes no ambiente de trabalho, capazes de trazer ou ocasionar danos à saúde ou à integridade física do trabalhador; e
II - permanência: trabalho não ocasional nem intermitente no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do contribuinte individual cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, em decorrência da subordinação jurídica a qual se submete.
§ 1º Para a apuração do disposto no inciso I do caput, há que se considerar se a avaliação de riscos e do agente nocivo é:
I - apenas qualitativo, sendo a nocividade presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, conforme constante nos Anexos 6, 13 e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 - NR-15 do MTE, e no Anexo IV do RPS, para os agentes iodo e níquel, a qual será comprovada mediante descrição:
a) das circunstâncias de exposição ocupacional a determinado agente nocivo ou associação de agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho durante toda a jornada;
b) de todas as fontes e possibilidades de liberação dos agentes mencionados na alínea "a"; e
c) dos meios de contato ou exposição dos trabalhadores, as vias de absorção, a intensidade da exposição, a frequência e a duração do contato;
II - quantitativo, sendo a nocividade considerada pela ultrapassagem dos limites de tolerância ou doses, dispostos nos Anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da NR-15 do MTE, por meio da mensuração da intensidade ou da concentração consideradas no tempo efetivo da exposição no ambiente de trabalho.
Como se vê, em relação aos agentes biológicos, não se faz necessária a análise quantitativa, bastando a qualitativa para fins de enquadramento da atividade como insalubre, razão pela qual entendo possível o acolhimento do apelo da parte autora no ponto.
Uso de EPI: nocividade do trabalho não foi neutralizada pelo uso de EPIs. Em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se, no bojo do IRDR (Tema nº 15 deste Regional), ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS em 2017, aprovado pela Resolução nº 600, de 10/08/2017, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação.
Conclusão: Tem-se por devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período, conforme a legislação aplicável à espécie, merecendo acolhida o recurso da parte autora.
Fator de conversão
Destaco que, quanto ao fator de conversão deve ser observada a relação existente entre os anos de trabalho exigidos para a aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição na data do implemento das condições, e os anos exigidos para a obtenção da aposentadoria especial (15, 20ou 25 anos de tempo de atividade, conforme o caso).
Em se tratando de benefício que a ser deferido a segurado que implementou as condições já na vigência da Lei nº 8.213/91, como sabido, a concessão do benefício depende da comprovação de 35 anos de tempo de serviço ou de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. Nesse contexto, a relação a ser feita para a obtenção do fator aplicável para a conversão do tempo de serviço especial para comum, quando se trata de enquadramento que justifica a posentadoria aos 25 anos de atividade, é de 25 anos para 35, se homem, e 25anos para 30, se mulher, resultando, assim, num multiplicador de 1,4 paraaquele e 1,2 para esta.
Prestado o serviço sob a égide de legislação que o qualifica como especial, o segurado adquire o direito à consideração como tal até quando possível a conversão. A conversão, todavia, só pode ser disciplinada pela lei vigente à data em que implementados todos os requisitos para a concessão do benefício. Não se pode confundir critério para reconhecimento de especialidade com critério para concessão de benefício, aí incluídas a possibilidade e a sistemática de conversão de tempo especial pretérito.
O Decreto 3.048/99, em seu artigo 70, determina a utilização do fator 1,40 quanto ao homem e 1,20 quanto à mulher para a conversão do tempo especial sob regime de 25 anos, independentemente da data em que desempenhada a atividade.
Do direito do autor no caso concreto
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 20/11/1962 |
Sexo | Masculino |
DER | 27/03/2014 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a DER (27/03/2014) | 29 anos, 8 meses e 22 dias | 336 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência | |
1 | -ACÓRDÃO | 01/01/2005 | 28/02/2014 | 0.40 Especial | 9 anos, 2 meses e 0 dias + 5 anos, 6 meses e 0 dias = 3 anos, 8 meses e 0 dias | 0 | |
2 | -INCONTROVERSO | 01/12/1982 | 30/11/1983 | 0.40 Especial | 1 anos, 0 meses e 0 dias + 0 anos, 7 meses e 6 dias = 0 anos, 4 meses e 24 dias | 0 | |
3 | -
| 02/01/1985 | 30/09/1985 | 0.40 Especial | 0 anos, 8 meses e 29 dias + 0 anos, 5 meses e 11 dias = 0 anos, 3 meses e 18 dias | 0 | |
4 | -
| 03/11/1987 | 01/07/1988 | 0.40 Especial | 0 anos, 7 meses e 29 dias + 0 anos, 4 meses e 23 dias = 0 anos, 3 meses e 6 dias | 0 | |
5 | -
| 28/04/1989 | 30/04/1990 | 0.40 Especial | 1 anos, 0 meses e 3 dias + 0 anos, 7 meses e 7 dias = 0 anos, 4 meses e 26 dias | 0 | |
6 | -
| 17/09/1993 | 31/12/2000 | 0.40 Especial | 7 anos, 3 meses e 14 dias + 4 anos, 4 meses e 14 dias = 2 anos, 11 meses e 0 dias | 0 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a DER (27/03/2014) | 37 anos, 8 meses e 6 dias | 336 | 51 anos, 4 meses e 7 dias | inaplicável |
Em 27/03/2014 (DER), a parte autora tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, porque a DER é anterior a 18/06/2015, dia do início da vigência da MP 676/2015, que incluiu o art. 29-C na Lei 8.213/91.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Com o provimento da apelação e a concessão do benefío, tem-se a sucumbência mínima da parte autora. Assim, a parte ré deverá arcar com a integralidade dos ônus sucumbenciais, de modo que estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
Reforma-se em parte a sentença, a fim de:
a) Em relação ao período de 01/01/2001 a 31/12/2004, extinguir o feito, sem exame de mérito, com fulcro no art. 485, inciso IV, do CPC, quanto às possíveis condições periculosa e penosa do trabalho prestado pelo autor.
b) enquadrar como tempo especial o período de 01/01/2005 a 28/02/2014, garantida a conversão pelo fator 1,4.
c) reconhecer que em 27/03/2014 (DER), a parte autora tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, porque a DER é anterior a 18/06/2015, dia do início da vigência da MP 676/2015, que incluiu o art. 29-C na Lei 8.213/91.
d) condenar o INSS aos ônus da sucumbência;
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Dados para cumprimento: (x ) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 158.791.916-5 |
Espécie | aposentadoria por tempo de contribuição |
DIB | 27/03/2014 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
RMI | a apurar |
Observações | Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele. Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação. |
Requisite a Secretaria da Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício via CEAB.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003161171v23 e do código CRC 6f203272.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 19/5/2022, às 18:27:53
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:01:23.
Apelação Cível Nº 5018400-37.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ALCIR SANTIN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por tempo de contribuição. TEMPO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
1. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo de serviço comum no âmbito do Regime Geral de Previdência Social.
2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
3. A exposição a agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
4. A exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível o cômputo do tempo de serviço especial diante do risco de contágio sempre presente. Precedentes.
5. Quando comprovada judicialmente a especialidade da atividade desempenhada no período controverso, e uma vez preenchidos os demais requisitos legais, tem a parte autora direito ao benefício pleiteado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003161172v3 e do código CRC 15250ed1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 19/5/2022, às 18:27:53
Conferência de autenticidade emitida em 27/05/2022 04:01:23.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5018400-37.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ALCIR SANTIN
ADVOGADO: JACIRA TERESINHA TORRES (OAB SC009899)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 146, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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