Apelação Cível Nº 5017454-70.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA CRESPAO FAGUNDES
RELATÓRIO
A parte autora ajuizou, em 10/04/15, ação ordinária em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pleiteando a concessão de Aposentadoria Rural por Idade.
Prolatada sentença de procedência, publicada em 21/09/15, cujo dispositivo ficou assim redigido (ev.35 ):
“JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, com fundamento na Lei n. 8.213, de 24-7-1991, art. 143. DETERMINO A IMEDIATA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR IDADE A AUTORA ANA CRESPÃO FAGUNDES, com fundamento no Código Processual Civil, art. 273, I.”
Na petição do evento 40, a parte autora requereu dispensa da remessa necessária e certificação do trânsito em julgado.
Em suas razões recursais (ev. 42), o INSS requereu a reforma da sentença, sustentando a ausência de comprovação da atividade rural no período necessário para a concessão do benefício e a saída da parte autora do meio rural há mais de 10 anos, sendo a atividade urbana do esposo que sustentava a família. Alegou que a parte autora, na via administrativa, admitiu que não trabalhava mais no meio rural e pagava para terceiros realizarem o trabalho e, ainda, que as testemunhas não relataram a verdade dos fatos. Pleiteou a suspensão do cumprimento da tutela antecipada.
A parte autora opôs embargos de declaração do despacho que reconheceu a tempestividade da apelação, apontando contradição, uma vez que a fluência do prazo recursal teria se iniciado a partir da data da sentença publicada em audiência (21/09/15) e portanto, quando da interposição da apelação (26/10/15), o prazo já teria decorrido. Aduz ainda que pugnou pela dispensa do reexame necessário porque os cálculos apresentados comprovariam valor inferior a 60 salários mínimos.
Intimado para manifestação, o INSS defendeu a tempestividade do recurso por dispor da prerrogativa de intimação pessoal, de acordo com decisão da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Paraná, que estabelece, para intimação, utilização de ferramenta específica disponível no PROJUDI, o que foi observado pela secretaria 2 dias após a prolação da sentença (ev.57).
O juízo de admissibilidade da apelação foi relegado a esta instância (ev.59) e, sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o Relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Tempestividade da apelação
Tendo em vista que, de acordo com determinação da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, foi utilizada ferramenta específica para intimação do INSS e o sistema eletrônico no âmbito estadual considerou o início da fluência do prazo recursal a partir da data da intimação da sentença (evento 36), a tempestividade da apelação deve ser reconhecida.
Remessa Oficial
A sentença recorrida foi publicada em data anterior a 18.03.2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.03.2015).
Nos termos do artigo 475 do Código de Processo Civil (1973), está sujeita à remessa ex officio a sentença prolatada contra as pessoas jurídicas de direito público nele nominadas, à exceção dos casos em que, por simples cálculos aritméticos, seja possível concluir que o montante da condenação ou o direito controvertido na causa é inferior a 60 salários mínimos.
Na hipótese dos autos, não sendo possível verificar de plano se o valor da condenação ou do direito controvertido excede ou não o limite legal de 60 salários mínimos (vigente à época da prolação da sentença), aplica-se a regra geral da remessa ex officio.
Prescrição Quinquenal
Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de caráter alimentar, não há falar em prescrição do fundo de direito.
Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio que precede o ajuizamento da ação, conforme os termos da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
Aposentadoria Rural por Idade
A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91), deve observar os seguintes requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres); e (b) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que de forma descontínua, independentemente do recolhimento de contribuições (art. 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III, e 39, I, da Lei nº 8.213/91).
Quanto à carência, o art. 143 da Lei nº 8.213/91, estabeleceu regra de transição para os trabalhadores rurais que passaram a ser enquadrados como segurados obrigatórios, na forma do art. 11, I, "a", IV ou VII, assegurando "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício".
Já o art. 142 da Lei de Benefícios previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Outrossim, nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994, data da publicação da Medida Provisória nº 598, por meio da qual foi alterada a redação original do referido art. 143 (posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, por um período de 5 anos (60 meses) anterior ao requerimento administrativo, não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei nº 8.213/91, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser relativizada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido.
Em qualquer dos casos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação (STF, RE 631240, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 3.9.2014).
Registre-se que o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, quando necessária ao preenchimento de lacunas - não sendo esta admitida, exclusivamente, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, bem como da Súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., j. 10.10.2012).
Ainda, quanto à questão da prova, cabe ressaltar os seguintes aspectos: (a) o rol de documentos constantes no artigo 106 da Lei n. 8.213, de 1991, os quais seriam aptos à comprovação do exercício da atividade rural, é apenas exemplificativo; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido (STJ, AgRg no AREsp 327.119, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,1ª T., j. 2.6.2015); (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (STJ, Tema 554, REsp n.º 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., j. 10.10.2012); e (d) É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório (Súmula 577 do STJ).
Salienta-se que a declaração de sindicato de trabalhadores rurais, sem a respectiva homologação do INSS e isoladamente considerada, não se consubstancia em início de prova material, uma vez que constitui mera manifestação unilateral, não sujeita ao crivo do contraditório. (TRF4, EINF 2006.71.99.000415-1, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 19.09.2008).
Destaque-se, ainda, que é admitido, como início de prova material, nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, documentos de terceiros, membros do grupo parental. De fato, o artigo 11, § 1 º, da Lei n. 8.213, de 1991, define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Nesse contexto, os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, no caso dos trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 16 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também desimportar a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes especificamente, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada, permitindo-se, em algumas situações extremas, até mesmo a prova exclusivamente testemunhal (STJ, RESP 72216, Rel Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª T., j. 25.10.1994).
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do artigo 11, VII da Lei nº 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação "empregador II-b" nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar (artigo 1º, II, b, do Decreto-Lei nº 1166, de 15.4.1971).
Cumpre salientar também que muitas vezes a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se ficar com estas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pela Seguradora mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão da parte autora, cabe ao INSS judicializar a prova administrativa, de forma a emprestar-lhe maior valor probante.
Caso Concreto
A parte autora implementou o requisito etário (55 anos) em 2015, pois nascida em 21/01/60 (OUT2, ev.1) e requereu o benefício administrativamente em 23/01/15 - NB 168884456-0. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividades rural nos 180 meses anteriores ao implemento da idade mínima ou anteriores ao requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável, mesmo que de forma descontínua.
Como início de prova material do labor rurícola, constam dos autos os seguintes documentos:
- notas fiscais de comercialização da produção agrícola, emitidas em nome da parte autora e seu cônjuge, datadas de 07/05/07, 29/12/94, 08/01/97, 03/07/98, 22/10/00, 12/07/01, 05/05/03, 05/05/04, 04/04/09, 24/06/11, 19/09/12, 14/02/13, 31/03/14 (OUT11, 13,14,15,18, 20 ev.1);
- notas fiscais de comercialização da produção agrícola, emitidas em nome do cônjuge da parte autora, datadas de 14/06/06, 29/10/08, 17/07/02, 02/05/05, 14/06/06 (OUT11,14,15,16 ev.1);
- matrícula de um imóvel rural com área de 88.289m2, expedida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Barracão, datada de 19/03/01, em que constam a parte autora e seu esposo como adquirentes (OUT12, ev.1) ;
-contrato particular de compra e venda de área rural, datado de 01/08/91, em que o esposo da autora consta como comprador (ev1 - OUT4);
-contrato particular de comodato, firmado com Pedro Hilleshein, em 24/08/04, em que a parte autora foi qualificada como arrendatária, com reconhecimento de firma (ev.1, OUT5)
-contratos particulares de comodato, firmados com Sadi Riva,em 06/06/08, 10/10/10, 11/10/12, 03/09/13 em que a parte autora foi qualificada como arrendatária, com reconhecimento de firma (ev.1, OUT6,7,8,9)
Com a contestação foram apresentados dados do CNIS do esposo da parte autora (OUT3,5 ev.26) e cópias dos processos administrativos referentes a requerimento de auxílio-doença e de aposentadoria rural por idade, contendo as entrevistas administrativas (OUT11,12, ev.26).
Com razão o INSS.
A princípio, a farta documental apresentada com a petição inicial sinalizando a vocação rural da apelada e de seu esposo foi corroborada pelas testemunhas ouvidas em juízo (evs. 34 e 68), as quais foram unânimes em assegurar que o casal sempre viveu no campo e se dedicou, de modo exclusivo, à lavoura de subsistência, cultivando milho, feijão, arroz e mantendo criação animal para consumo próprio. Ambas as testemunhas foram enfáticas ao afirmarem que o esposo da apelada nunca desempenhou atividade urbana.
Todavia na prática, conquanto o repertório material trazidos com a inicial seja, via de regra, apto a demonstrar o exercício de atividade rural pela apelada durante o período de carência, o que se infere da análise conjunta dos autos, é que os dados neles contidos, ainda que aparentemente mostrem a condição rural da apelada, são, no caso em exame, inservíveis por não expressarem a realidade de vida da apelada. Tal convicção decorre das diversas incongruências verificadas no cotejo dos documentos e dos relatos da própria apelada e das suas testemunhas.
Nítidas incoerências são verificadas entre o relato das testemunhas ouvidas em juízo e o depoimento da apelada na entrevista rural referente ao presente pedido (OUT11,12ev.26): enquanto as testemunhas asseguram em juízo que o casal sempre viveu e trabalhou no campo, a apelada declarou que vive (em casa cedida) e trabalha sozinha no campo e o esposo vive na cidade, em residência própria, e exerce atividade urbana, ressaltando que a principal fonte de renda da família é a rural.
Note-se que os dados do CNIS revelam histórico laboral urbano do seu esposo, já que desde 01/10/82 há vínculos com empresas de variados ramos urbanos. De acordo com o espelho de detalhamento de vínculo, em 06/15, ele trabalhava como empregado na empresa Zuli Construtora de Obras Ltda, com salário de R$ 1.544,16 (OUT3,5 ev.26).
De fato, considerada a integralidade dos elementos de prova que compõem os autos, a realidade transparece mais cristalina pelas palavras da própria apelada na entrevista rural realizada em 2013, em requerimento de auxílio-doença (OUT12, ev.26). Na ocasião, a apelada confirmou o trabalho urbano de sua filha e seu esposo e contou residir, há cerca de 10 anos, na cidade de Salgado Filho em casa própria - distante 20 Km do meio rural - e admitiu que firmou contratos de comodato com intuito de “tirar” nota de produtor, porque não trabalha mais, somente paga para terceiros realizarem plantio e colheita, ficando a maior parte do tempo na cidade. Ainda revelou que obteve notas de venda de leite com conhecidos, em troca da ajuda para tirar leite.
Não se pode ignorar ainda que o resultado da pesquisa de campo determinada pelo INSS para elucidar as versões inconciliáveis apresentadas pela apelada em seus depoimentos (OUT13, ev.26) ratificou o conteúdo da entrevista rural prestada em 2013. A diligência constatou, em 10/03/15, nos relatos dos vizinhos da propriedade do alegado arrendante (Sadi Riva) que a apelada nunca teria trabalhado na propriedade e só ia para a região rural em fins de semana, a passeio, porque seus irmãos vivem nas proximidades. E mais, com a localização do endereço urbano da apelada, foi inquirida vizinha da residência que alegou ser "muito conhecida da apelada" e reiterou que ela reside há cerca de 10 anos no local, há muito tempo já não trabalha mais, vivendo dos rendimentos urbanos do esposo e, quando trabalhava, era diarista na cidade.
Por óbvio, diante da conjuntura revelada pela própria apelante e confirmada na diligência do INSS, a prova oral produzida em juízo não se presta a contribuir para a caracterização da sua qualidade de segurada especial, uma vez que, repisa-se, as testemunhas não se mostraram congruentes com a verdade deslindada.
Mister registrar também, ante o cenário consubstanciado nos autos, a inviabilidade da utilização dos indícios materiais por ela trazidos para reconhecimento de exercício de atividade rural no período de carência, considerando as declarações da própria apelante e o apurado pelo INSS em pesquisa de campo.
Nessa perspectiva, a sentença prolatada na origem deve ser reformada, por não restar caracterizada sua condição de segurado especial no período de carência. Assim, a apelada não faz jus ao recebimento do benefício de aposentadoria por idade rural, devendo, a antecipação de tutela deferida pelo juízo de 1º grau, ser revogada.
Devolução de Valores
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela implica obrigação de devolver os valores recebidos a título de benefício durante a sua vigência, que passam a ser indevidos. O STJ uniformizou o entendimento sobre a matéria, editando o Tema nº 692, que tem o seguinte teor:
A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Em julgados posteriores, a 1ª e a 2ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça têm ratificado o entendimento:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. CABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ REALINHADA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.401.560/MT. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A Primeira Seção, ao julgar o REsp 1.401.560/MT, em sede de representativo da controvérsia, realinhou sua posição e concluiu pelo cabimento da restituição de parcelas previdenciárias recebidas em razão de tutela antecipada posteriormente revogada 2. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl no REsp 1700161/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. 03.05.2018)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVOGAÇÃO POSTERIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DECIDIDA EM RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFRONTO COM ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - O acórdão recorrido está em confronto com o entendimento firmado nesta Corte, ao julgar o Recurso Especial n. 1.401.560/MT, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, segundo o qual é devida a devolução de valores relativos a benefício previdenciário, percebidos em razão de antecipação dos efeitos da tutela que fora posteriormente revogada. III - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. IV - Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp 1667457/PB, Rel. Min. Regina Helena Costa, 1ª T., j. 28.09.2017)
Portanto, é cabível a devolução dos valores recebidos em decorrência da antecipação de tutela, ora revogada.
Consectários da Condenação
Honorários Advocatícios
Considerando o integral provimento do recurso, inverte-se o ônus da sucumbência, cabendo à parte autora arcar com os honorários recursais no valor de 10% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em face do benefício da gratuidade da justiça.
Custas
Inexigibilidade temporária também das custas, em face do benefício da assistência judiciária gratuita em favor da parte autora.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do CPC.
Conclusão
- remessa ex officio: conhecida;
- apelação: provida
- revogada a tutela antecipada anteriormente deferida
Dispositivo
Ante o exposto, voto por conhecer da remessa oficial, dar provimento à apelação do INSS, e revogar a tutela antecipada deferida.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000575532v77 e do código CRC 7a48e626.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5017454-70.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA CRESPAO FAGUNDES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. atividade rural. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL não apta. PROVA TESTEMUNHAL incongruente .tema 692
1. Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário, todavia, que o segurado especial apresente início de prova material (artigo 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal idônea, a teor do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, sendo admitidos, inclusive, documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, nos termos da disposição contida no enunciado nº 73 da Súmula do TRF da 4ª Região.
2. Hipótese em que a incogruências nos depoimentos e a apresentação de provas materiais inservíveis impedem o reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria rural por idade, porquanto não preenchidos os requisitos contidos no artigo 143 da Lei nº 8.213/91.
3. O STJ uniformizou o entendimento sobre a devolução de valores recebidos em antecipação de tutela, editando o Tema nº 692, que tem o seguinte teor: A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu conhecer da remessa oficial, dar provimento à apelação do INSS, e revogar a tutela antecipada deferida, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 17 de agosto de 2018.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000575533v5 e do código CRC d4130ddf.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/08/2018
Apelação Cível Nº 5017454-70.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA CRESPAO FAGUNDES
ADVOGADO: ELOIR CECHINI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/08/2018, na seqüência 761, disponibilizada no DE de 01/08/2018.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma Regional Suplementar do Paraná, por unanimidade, decidiu conhecer da remessa oficial, dar provimento à apelação do INSS, e revogar a tutela antecipada deferida.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:41:15.