Apelação Cível Nº 5000825-54.2022.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CLAIRTON RODRIGUES DA FONSECA (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, em que foram julgados procedentes os pedidos, com dispositivo de seguinte teor:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado neste processo, resolvendo o mérito, o que faço com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o efeito de:
1) reconhecer o exercício de atividade de trabalho sob condições especiais no(s) período(s) de 08/09/1988 a 21/09/1989; 07/11/1989 a 05/05/1993; 06/07/1993 a 10/05/1995; 06/01/1986 a 04/08/1987; 13/10/1997 a 30/06/2004; 01/08/2007 a 06/02/2012, 01/07/2004 a 31/07/2007 e 03/07/2018 a 25/02/2019;
2) determinar ao INSS que conceda à parte autora o benefício de aposentadoria especial (NB 1853985730), a contar da DER (27/06/2019), com RMI a ser apurada pelo INSS; ressalto que a partir da data da efetiva implantação da aposentadoria especial o segurado não pode continuar a exercer atividade laborativa especial ou a ela retornar, sob pena de cessação do benefício; e
3) condenar o INSS a pagar à parte autora as diferenças vencidas e vincendas, decorrentes da concessão do benefício, a partir da DER, atualizadas monetariamente, conforme critérios definidos na fundamentação.
A parte autora é beneficiária da gratuidade da justiça.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a ser apurado de acordo com as Súmulas 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e 111 do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil. O INSS é isento do pagamento de custas, na forma do art. 4º, inciso I, da Lei n. 9.289/96.
Sentença não sujeita ao reexame necessário, na forma do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Apelou o INSS sustentando, em síntese, não ser possível o cômputo como especial dos períodos de 13/10/1997 a 30/06/2004; de 01/08/2007 a 06/02/2012, de 01/07/2004 a 31/07/2007 e de 03/07/2018 a 25/02/2019, pela não comprovação de que a exposição a agentes nocivos ocorria de forma habitual e permanente. Subsidiariamente, pleiteou pelo reconhecimento da prescrição quinquenal das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, bem como o prequestionamento da matéria aduzida para fins recursais.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Mérito
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 13/10/1997 a 30/06/2004, de 01/07/2004 a 31/07/2007, de 01/08/2007 a 06/02/2012 e de 03/07/2018 a 25/02/2019;
- à consequente concessão de aposentadoria especial, a contar da DER ((27/06/2019);
Da atividade especial
O ponto controvertido foi assim analisado na decisão recorrida:
"(...)
Períodos laborados em CODECA COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DE CAXIAS DO SUL.- períodos de 13/10/1997 a 30/06/2004; 01/08/2007 a 06/02/2012, 01/07/2004 a 31/07/2007 e 03/07/2018 a 25/02/2019;
Os PPPs juntados (f. 43-48 procadm04) informam que havia exposição a agentes biológicos nocivos, nas atividades de coletor e servente.
Observa-se, portanto, que a parte autora encontrava-se exposta a agentes biológicos relacionados nos Códigos 1.3.2 do Quadro anexo ao Decreto n. 53.831/64, 1.3.4 do Anexo I do Decreto n. 83.080/79 e 3.0.1 do Anexo IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
Ademais, cumpre destacar que a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região posicionou-se no sentido de que a exposição do trabalhador aos agentes biológicos, para fins de reconhecimento do tempo de serviço especial, não precisa ocorrer durante toda a jornada de trabalho, com relação aos períodos laborados depois do advento da Lei n. 9.032/95, inclusive, conforme decisão que reproduzo a seguir:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE ESPECIAL PARA COMUM. PERÍODO POSTERIOR À LEI 9.032/95. AGENTES BIOLÓGICOS. EFETIVO E CONSTANTE RISCO DE CONTAMINAÇÃO. PROVIMENTO. 1. Reafirmação do entendimento consolidado desta Turma no sentido de que, para o enquadramento do tempo de serviço como especial após o início da vigência da Lei nº 9032/95, não é necessário que a exposição a agentes biológicos ocorra durante a integralidade da jornada de trabalho do segurado, bastando, nesse caso, que haja efetivo e constante risco de contaminação e de prejuízo à saúde do trabalhador, satisfazendo, assim, os conceitos de habitualidade e permanência, analisados à luz das particularidades do labor desempenhado (IUJEF 0004501-62.2010.404.7254, Relatora p/ Acórdão Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo, D.E. 16/03/2012). 2. Incidente conhecido e provido. 3. Devolução à turma de origem para readequação. ( 5018776-09.2013.404.7000, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator LEONARDO CASTANHO MENDES, juntado aos autos em 14/02/2017, grifo nosso)
Em idêntico sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE INSALUTÍFERA. AGENTES BIOLÓGICOS. NOCIVIDADE COMPROVADA. EPI. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO POSTULADO MANTIDA. CONSECTÁRIOS. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. [...] 2. Em se tratando de agentes biológicos, necessário destacar o risco proveniente do exercício da atividade com exposição a elementos de natureza infecto-contagiosa. Também impende referir que, segundo a jurisprudência dominante deste Tribunal, a exposição a agentes biológicos não precisa ocorrer durante toda a jornada de trabalho, uma vez que basta o contato de forma eventual para que haja risco de contração de doenças. 3. O uso de EPIs (equipamentos de proteção), por si só, não basta para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado. Seria necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho. [...] (TRF4 5029889-14.2014.404.7100, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/06/2017, grifo nosso)
Desse modo, deve ser reconhecido o tempo de serviço especial.
(...)."
Acrescente-se que com relação a exigência de comprovação da exposição habitual e permanente do segurado a agentes nocivos para fins de caracterização da especialidade de suas atividades foi introduzida pela Lei n.º 9.032/95, razão pela qual, para períodos anteriores a 28-04-1995, a questão perde relevância.
Em relação aos intervalos posteriores a 28/04/1995, registro que a habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei n.º 9.032/95, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição é ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n. 0003929-54.2008.404.7003, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24/10/2011; EINF n. 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF n. 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF n. 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Deve-se lembrar, ainda, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
No caso, o autor laborava como coletor de lixo domiciliar e urbano, em caminhão de coleta, com amontoamento do lixo, inclusive orgânico, sendo claramente indissociável do desempenho do labor o contato com agentes nocivos biológicos.
Assim, fica mantida a sentença.
Do direito à aposentadoria
Mantido o tempo de serviço, fica inalterada a sentença quanto ao direito ao benefício.
Transcorridos menos de cinco anos entre a DER (27/06/2019) e o ajuizamento da ação (25/01/2022), não há quaisquer parcelas atingidas pela prescrição quinquenal.
Honorários advocatícios
Negado provimento ao recurso do INSS, deve ser observada, em cumprimento de sentença, a majoração de 50% da verba honorária fixada na origem, pela incidência do §11 do artigo 85 do CPC.
Tutela específica - implantação do benefício
Possível desde logo a determinação de implantação do benefício, sem prejuízo da respectiva cessação, caso o INSS verifique que o segurado permaneceu ou retornou ao exercício de atividade especial, nos termos da decisão do STF no tema 709.
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada.
Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 185.398.573-0 |
Espécie | 46 - aposentadoria especial |
DIB | 01/10/2019 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | Não se aplica |
RMI | a apurar |
Observações |
|
Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Conclusão
Honorários advocatícios majorados nos termos do §11 do artigo 85 do CPC. Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5000825-54.2022.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CLAIRTON RODRIGUES DA FONSECA (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS BIOLOGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO.
1. A exposição a agente biológico enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
2. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Precedentes desta Corte.
3. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente.
4. Presentes os requisitos de tempo de contribuição e carência, é devida à parte autora a aposentadoria especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de março de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/03/2023 A 22/03/2023
Apelação Cível Nº 5000825-54.2022.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CLAIRTON RODRIGUES DA FONSECA (AUTOR)
ADVOGADO(A): ELIAS VANIN (OAB RS082313)
ADVOGADO(A): ELISANDRA ALVES BORDIN (OAB RS089054)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/03/2023, às 00:00, a 22/03/2023, às 16:00, na sequência 326, disponibilizada no DE de 06/03/2023.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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