Apelação Cível Nº 5007677-22.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: NEUSA ROSA BALBINOT BOLIS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto pela parte autora (Evento 54) contra sentença, publicada em 20/09/2019, que julgou improcedente o pedido formulado na inicial (evento 47, out 1), condenando " a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da causa, com base no § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil, suspenso o pagamento porquanto ela é beneficiária da justiça gratuita."
Elenca a parte autora os seguintes pedidos: seja reconhecida a especialidade do período de 01/01/2004 a 02/06/2011 e, por conseguinte, que tais especialidades sejam refletidas na revisão do benefício da Aposentadoria por Tempo de Contribuição auferida pelo senhor Leonir Bolis, que ensejou na concessão da Pensão por Morte em favor da parte recorrente quando falecimento do Senhor Leonir, sendo que os reflexos da revisão também deverão alcançar a referida pensão, nos termos requeridos na inicial
Foram apresentadas contrarrazões (contraz61).
É o relatório.
VOTO
O marido falecido da autora havia protocolizado, em 04/02/2014, requerimento administrativo para a concessão da aposentadoria por tempo de serviço n. 166.975.201-9, que fora negado ante à falta de tempo de serviço/contribuição (evento 1, dec12, fl. 14). Na contagem de tempo de contribuição desta aposentadoria não fora reconhecido como especial o período de 01/01/2004 a 02/06/2011.
A parte autora propôs ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pretendendo o reconhecimento como especial de referido período (01/01/2004 a 02/06/2011) bem como a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do primeiro requerimento administrativo (04/02/2014) causando os reflexos devidos ao seu benefício de pensão por morte
Legitimidade ativa da parte autora
É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a pensionista do ex-segurado, que é dependente previdenciária dele, inclusive recebendo pensão por morte, tem legitimidade ativa para requerer em nome próprio, a revisão de aposentadoria que deu origem à pensão de que é beneficiária, bem como o pagamentos das diferenças decorrentes a que teria direito o segurado falecido em vida, visto que tal direito integra-se ao patrimônio do falecido e transfere-se aos sucessores, por seu caráter econômico e não personalíssimo.
Prescrição
Em se tratando de benefício previdenciário de prestação continuada, a prescrição não atinge o fundo de direito, mas tão somente os créditos relativos às parcelas vencidas há mais de 05 (cinco) anos, contados da data do ajuizamento da ação, consoante a iterativa jurisprudência dos Tribunais. Assim, tendo a parte autora proposto a presente ação em 06/07/2018, e datando o requerimento administrativo de 2014, não há parcelas atingidas pela prescrição.
Períodos reconhecidos na esfera administrativa
A autora pleiteia o reconhecimento de período de atividade especial (01/01/2004 a 02/06/2011) desempenhada pelo de cujus desde a data do primeiro requerimento administrativo, formulado em 04/02/2014.
Quanto a tal período, não cabem maiores digressões.
Num segundo requerimento administrativo, datado de 01/09/2015, tal período foi considerado nocivo pela autarquia, sendo concedido o benefício de aposentadoria por contribuição 173.466.789-0 (evento 1, dec18, fl. 26) ao segurado.
Não há motivo lógico para não considerar tais períodos como especiais já na primeira DER.
É certo que a Autarquia tem a possibilidade de rever, em princípio, os atos administrativos que concedem benefício ou reconhecem direito aos segurados, a teor do art. 43 da Lei nº 9.784/99 e do art. 103-A da Lei nº 8.213/91. Todavia, esse poder-dever da Administração encontra limites em normas que protegem a situação jurídica do segurado, a fim de se evitar arbitrariedades.
Ora, tendo a autarquia considerado como tempo de serviço especial os sobreditos intervalos, ainda que somente quando do segundo requerimento do benefício, ocorre a coisa julgada adminstrativa, não sendo facultado à Administração desfazer ato de reconhecimento de direito com base em simples reavaliação de processo administrativo perfeito e acabado, razão pela qual estes lapsos também serão contabilizados como tempo de serviço diferenciado no cálculo do benefício deferido a contar da data do primeiro requerimento.
Ausente prova de ilegalidade a justificar a anulação do ato, não tem cabimento o seu desfazimento, baseado meramente na mudança de critério interpretativo ou reavaliação da prova, sob pena de violação da segurança jurídica.
Em caso análogo, já decidiu esta Corte que A existência de "coisa julgada administrativa", decorrente do formal reconhecimento pelo INSS do labor exercido pela parte autora, para fins de tempo de serviço, a partir de documentos válidos e valorados como suficientes à época, impede que se reaprecie a situação, sob pena de violação à natureza jurídica. Mera mudança de interpretação ou de critério de análise de provas por parte da Administração não afeta situação jurídica regularmente constituída.(TRF4 5011307-05.2015.4.04.7205, Quinta Turma, Relatora Juiza Federal Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 16/05/2017).
Ao lado disso, destaco que o cômputo administrativo do período especial postulado no presente feito equivale ao reconhecimento jurídico do pedido, nos termos do art. 487, III, "a", do CPC.
O período de 01/01/2004 a 02/06/2011 (07 anos, 05 meses e 02 dias) deve ser computado como especial também na primeira DER, portanto.
Destaco, por pertinente, que o reconhecimento desse período ocorreu no segundo requerimento administrativo, datado de 01.09.2015, não havendo falar em revisão da RMI do benefício 173.466.789-0 (evento 1, dec 18) com base nesse interstício, portanto.
Fator de conversão
Destaco que, quanto ao fator de conversão deve ser observada a relação existente entre os anos de trabalho exigidos para a aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição na data do implemento das condições, e os anos exigidos para a obtenção da aposentadoria especial (15, 20ou 25 anos de tempo de atividade, conforme o caso).
Em se tratando de benefício que a ser deferido a segurado que implementou as condições já na vigência da Lei nº 8.213/91, como sabido, a concessão do benefício depende da comprovação de 35 anos de tempo de serviço ou de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. Nesse contexto, a relação a ser feita para a obtenção do fator aplicável para a conversão do tempo de serviço especial para comum, quando se trata de enquadramento que justifica a posentadoria aos 25 anos de atividade, é de 25 anos para 35, se homem, e 25anos para 30, se mulher, resultando, assim, num multiplicador de 1,4 paraaquele e 1,2 para esta.
Prestado o serviço sob a égide de legislação que o qualifica como especial, o segurado adquire o direito à consideração como tal até quando possível a conversão. A conversão, todavia, só pode ser disciplinada pela lei vigente à data em que implementados todos os requisitos para a concessão do benefício. Não se pode confundir critério para reconhecimento de especialidade com critério para concessão de benefício, aí incluídas a possibilidade e a sistemática de conversão de tempo especial pretérito.
O Decreto 3.048/99, em seu artigo 70, determina a utilização do fator 1,40 quanto ao homem e 1,20 quanto à mulher para a conversão do tempo especial sob regime de 25 anos, independentemente da data em que desempenhada a atividade.
Do direito do autor no caso concreto
No caso dos autos, somando-se o tempo especial reconhecido em sede judicial convertido pelo fator 1,4 (02 anos, 11 meses e 19 dias), com o lapso reconhecido em sede administrativa (33 anos, 04 meses e 17 dias) tem-se que o falecido segurado, por ocasião do requerimento administrativo (DER - 04/02/2014), contava com 36 anos, 04 meses e 06 dias de tempo de serviço/contribuição.
Nessas condições, tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição já na PRIMEIRA DER - 04/02/2014 - (regra permanente do art. 201, §7º, da CF/88).
Em decorrência, a autora faz jus aos valores que seriam recebidos pelo instituidor a título de aposentadoria por tempo de contribuição desde a PRIMEIRA DER - 04/02/2014, até a data do segundo requerimento administrativo em 01/09/2015 (quando foi concedida a aposentadoria por tempo de contribuição 173.466.789-0)
Assegura-se à parte autora, da mesma forma, que o cálculo da pensão por morte tome como base tal benefício (n. 166.975.201-9) caso se mostre mais vantajoso do que aquele que foi concedido administrativamente (173.466.789-0), nos termos da decisão proferida pelo STF no RE 630.501.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
- recurso da parte autora acolhido para:
a) computar o período de 01/01/2004 a 02/06/2011 como especial também na primeira DER (04/02/2014).
b) reconhecer que o instituidor da pensão por morte tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição já na PRIMEIRA DER - 04/02/2014 - (regra permanente do art. 201, §7º, da CF/88). Assim, a autora faz jus aos valores do benefício 166.975.201-9 até a data do segundo requerimento - 01/09/2015 (aposentadoria por tempo de contribuição 173.466.789-0).
- Deve o benefício mais vantajoso servir de base para cálculo da pensão por morte (STF, RE 630.501).
- INSS condenado aos ônus da sucumbência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício.
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Apelação Cível Nº 5007677-22.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: NEUSA ROSA BALBINOT BOLIS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. atividade ESPECIAL. computo na primeira der. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PENSÃO POR MORTE.
1. O ato administrativo válido é dotado de presunção de legitimidade e veracidade, devendo ser respeitado o devido processo legal no caso de sua desconstituição. Não é cabível a mera reapreciação da prova sem demonstração de qualquer ilegalidade do ato anterior, pois a alteração de seu conteúdo simplesmente ofende a coisa julgada administrativa, que confere estabilidade aos atos praticados, pautados, ainda que em tese, em lei.
2. No caso dos autos, computando-se o período especial postulado na primeira DER, o segurado falecido tinha direito à aposentadoria contribuição integral já nesta data, fazendo a autora jus ao recebimento de tais valores, bem como ao cálculo da pensão por morte com base neste benefício, caso se mostre mais vantajoso do que aquele que foi concedido administrativamente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 30 de junho de 2020.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001814486v10 e do código CRC d470e82a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 22/06/2020 A 30/06/2020
Apelação Cível Nº 5007677-22.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: NEUSA ROSA BALBINOT BOLIS
ADVOGADO: DARCISIO ANTONIO MULLER (OAB SC017504)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 22/06/2020, às 00:00, a 30/06/2020, às 16:00, na sequência 418, disponibilizada no DE de 10/06/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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