Apelação Cível Nº 5005683-90.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: FRANCISCO JOSE ALOISIO RAUSCHER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto pela parte autora (apelação 57) contra sentença, publicada em 20/11/18, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos (sent 50):
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para, unicamente, RECONHECER o exercício de atividade rural desenvolvida pelo autor Francisco José Aloísio Rauscher no período de 09/03/1988 a 30/04/1995, determinando, em consequência, que o ente previdenciário proceda, de imediato, à averbação do período de 09/03/1988 a 31/10/1991, sendo o período de 01/11/1991 a 30/04/1995 apenas passível de cômputo mediante indenização, conforme explanado na fundamentação. Diante da sucumbência recíproca, condeno o autor ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas processuais e o réu ao restante (30% - trinta por cento), este na forma do artigo 33, parágrafo único, do Regimento de Custas do Estado, com a redação dada pela Lei Complementar n. 161/97. Condeno, ainda, a parte autora ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de R$1.860,00 (mil oitocentos e sessenta reais) e o réu ao pagamento de R$800,00 (oitocentos reais) na forma do art. 85, §§2º e 8º, do CPC. Restam suspensas as exigibilidades em relação ao autor, pois deferido o benefício da Justiça Gratuita (fl. 431). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se.
O autor requer seja a sentença parcialmente reformada, para: a) Reconhecer os períodos urbanos de 08/1999, de 03/2006 a 09/2006, de 12/2006 a 03/2007 e de 12/2007, incluindo tais competências a carência e ao tempo de serviço do apelante; b) Determinar a confecção do cálculo e a emissão do boleto para a indenização do labor rural posterior a 31/10/1991, do período de 01/11/1991 a 30/04/95; c) Com o reconhecimento dos pedidos das alienas “a” e “b”, requer a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER.
O INSS juntou ao feito GPS, tendo a parte, no evento 18 comprovado o devido recolhimento dos valores discriminados na guia.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de recurso interpostos pela parte autora contra sentença que julgou parcialmente procedente os pedidos formulados na inicial.
Busca o apelante, em síntese, reconhecimento do período rural de 01/11/1991 a 30/10/1994 e dos períodos urbanos de 08/1999, de 03/2006 a 09/2006, de 12/2006 a 03/2007 e de 12/2007, nos quais alega ter recolhido contribuições previdenciárias na qualidade de contribuinte individual.
Períodos urbanos comuns
Busca a parte autora a reforma da sentença a fim de que sejam computados os períodos urbanos de 08/1999, de 03/2006 a 09/2006, de 12/2006 a 03/2007 e de 12/2007, nos quais alega ter efetuado recolhimentos na qualidade de contribuinte individual.
Cabe notar que, no período postulado já havia entrado em vigor inovação legislativa promovida pela Lei nº 10.666/2003, ao determinar a responsabilidade da empresa contratante pela retenção da contribuição, como demonstra a redação do art. 4º:
"Art. 4º. Fica a empresa obrigada a arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração, e a recolher o valor arrecadado juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia dois do mês seguinte ao da competência."
Veja-se, a propósito, a decisão deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PRESTADOR DE SERVIÇOS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ÔNUS DA EMPRESA. AÇÃO PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O contribuinte individual é segurado obrigatório da Previdência Social, e como tal, a sua filiação decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada. Assim, o marido da autora estava filiado à Previdência Social ao tempo do óbito, porquanto exerceu a atividade de motorista autônomo, conforme as provas carreadas aos autos. 2. Em se tratando de contribuinte individual, que presta serviço de natureza urbana, o ônus quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias é da empresa contratante, nos termos do art. 4º da Lei 10.666/03. 3. Na vigência da Lei nº 8.213/91, dois são os requisitos para a concessão de benefício de pensão por morte, quais sejam, a qualidade de segurado do instituidor e a dependência dos beneficiários que, se preenchidos, ensejam o seu deferimento. 4. Sentença reformada, para condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de pensão por morte desde a data do requerimento administrativo. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo)." (TRF4, AC 2006.71.18.001782-8, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 25/07/2008).
É ônus do tomador de serviços o recolhimento das contribuições devidas e, acaso não satisfeitas, não é lícito que acarrete prejuízo à autora em seu direito, até porque a Autarquia dispõe de estrutura fiscalizatória própria para a apuração de tais omissões das empresas. A responsabilidade, portanto, caso existente, deve recair nos seus empregadores, a ser aferida por meio de instrumento processual existente no ordenamento jurídico pátrio.
O Magistrado a quo assim examinou o ponto:
Inicialmente, passo à análise do pedido de inclusão dos períodos de agosto/1999, março/2006 a setembro/2006, dezembro/2006 a março/2007, dezembro/2007, fevereiro/2012 a julho/2012, ao tempo de contribuição do autor. Pleiteia o autor o cômputo dos referidos períodos ao se tempo de contribuição, sob o argumentos de que verteu contribuições à Previdência Social como contribuinte individual, nas referidas competências. Ocorre que não existem nos autos provas suficientes a comprovar tal alegação. Não foram acostados quaisquer documentos indicativos do recolhimento das contribuições, pelo autor, nos referidos meses pleiteados – tampouco acostou-se documentos que comprovassem a sua atividade urbana nos referidos períodos. Os únicos documentos acostas (fls. 39/329) dizem respeito a períodos já reconhecidos administrativamente pela parte ré. Desta feita, não obteve, o autor, êxito em demonstrar um início razoável de prova documental no que tange às alegações formuladas. Sendo assim, os períodos de agosto/1999, março/2006 a setembro/2006, dezembro/2006 a março/2007, dezembro/2007, fevereiro/2012 a julho/2012, reclamados na peça inicial não devem ser reconhecidos, ante a insuficiência de provas documentais aptas a sua comprovação.
Com efeito, o ônus da prova no tocante ao tempo urbano comum incumbe à parte autora, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 373, I, do CPC:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
E, nesse contexto, é preciso que a parte autora envide os esforços necessários para obtenção de documentos/provas.
Na hipótese concreta, os comprovantes apontados no apelo pela parte autora em nenhum momento se referem ao autor.
Compulsando os documentos anexados no evento 2, outros 25 a 32, verifica-se que não é possível vincular aqueles recolhimentos ao autor (neles não constam o nome/CPF do autor e não há qualquer menção a qualquer atividade que o autor tenha prestado para a empresa, não se referindo sequer a documentação à totalidade do período postulado). Assim, não há como acolher o recurso no ponto.
Não há provas de que o autor tenha prestado serviços para a tomadora "Cooperativa dos trabalhadores do Vale do Uruguai" nos períodos postulados e tampouco prova do respectivo recolhimento da contribuição previdenciária.
Por outro lado, diante da hipossuficiência da parte autora, seria desarrazoado reconhecer a improcedência do pleito formando a coisa julgada material, haja vista que recente precedente da Corte Especial do STJ, em sede de recurso representativo de controvérsia, mudou o encaminhamento das demandas previdenciárias com ausência ou insuficiência de provas:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3.(...). 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, pub. no DJ em 28/04/2016, p. 118).
A ratio decidendi do caso mostra-se aplicável a todas as hipóteses em que se rejeita a pretensão a benefício previdenciário em decorrência de ausência ou insuficiência de lastro probatório, consoante leciona o eminente Juiz Federal José Antonio Savaris:
"Orientando-se ao encerramento sem o julgamento do mérito, contudo, o juiz se abre ao apelo do bem da vida que se encontra em discussão, distanciando-se da forma processual civil em nome de um valor maior. Resguardando a possibilidade de o indivíduo reunir os elementos de prova necessários e obter finalmente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da existência humana, à ideia da não preclusão do direito previdenciário. (...) Na extinção do processo sem o julgamento do mérito por falta de provas, há também um importante reconhecimento da insuficiência do poder de cognição do juiz. A decisão final deixa de ser vista como um veredicto imutável para ser melhor compreendida como uma decisão 'nesses termos' ou 'por agora'. É isso o que expressa a decisão que extingue o feito sem julgamento do mérito: primeiro, a possibilidade de que existam provas favoráveis ao autor que não constam dos autos e que poderiam mudar a sua sorte; segundo, a injustiça ou a gravidade de se tornar essa decisão imutável e, assim, negar definitivamente o benefício previdenciário em que pese aquela possibilidade. (...) Com base nesse entendimento [REsp 1352721, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16.12.2015], deve ser extinto sem jultamento de mérito o processo previdenciário em que a decisão judicial não reconhece o direito ao benefício em razão da ausência ou insuficiência de prova material, pressuposto para a comprovação do tempo de serviço(Direito Processual Previdenciário. Curitiba. 2016: Alteridade, p. 93-94).
Em síntese, a solução que melhor se amolda ao caso a extinção em parte do feito sem exame do mérito, em relação aos períodos urbanos postulados (08/1999, de 03/2006 a 09/2006, de 12/2006 a 03/2007 e de 12/2007), com fulcro no art. 485, inc. IV, NCPC, o que não obsta o ajuizamento de nova ação para renovação do pleito, pelo segurado, mediante apresentação de novas provas, conforme recentemente decidido por este Colegiado, por unanimidade, nos autos da Apelação Cível nº 0011414-31.2014.4.04.9999 (TRF4, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, julg. em 07/06/2016).
Período rural de 01/11/1991 a 30/04/95
Tendo a parte autora efetuado o pagamento das contribuições referentes ao período rural posterior a 31/10/91, conforme se depreende dos documentos anexados no evento 18, tem esta o direito de ver reconhecido o período correlato – ou seja de 03 anos e 06 meses – na contagem de tempo de contribuição.
Dessa forma, o período em debate deve ser computado para todos os fins de direito previdenciário, merecendo acolhida o recurso da parte autora no ponto.
Do direito do autor no caso concreto
No caso dos autos, somando-se o tempo rural incontroverso reconhecido na sentença (3 anos, 7 meses e 22 dias), com o lapso computado no presente acórdão (03 anos, 06 meses) e o tempo reconhecido em sede administrativa (27 anos, 03 meses e 08 dias - outros 9, fl. 47) tem-se que o autor, por ocasião do requerimento administrativo (DER - 10/10/16), contava com 34 anos, 05 meses de serviço/contribuição, não atingindo o requisito temporal para concessão do benefício.
Reafirmação da DER
A Terceira Seção desta Corte, no julgamento realizado nos autos do processo nº 5007975-25.2013.4.04.7003, realizado na forma do artigo 947, § 3º, do CPC - Incidente de Assunção de Competência -, concluiu pela possibilidade de reafirmação da DER, prevista pela IN/INSS nº 77/2015 (redação mantida pela subsequente IN nº 85, de 18/02/2016), também em sede judicial, nas hipóteses em que o segurado implementa todas as condições para a concessão do benefício após a conclusão do processo administrativo, inclusive quanto ao labor prestado pela parte autora após o ajuizamento da ação, para fins de concessão de benefício previdenciário (Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 06-04-2017).
Tal orientação foi sufragada pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema nº 995, realizado em 22/10/2019, ocasião em que a Primeira Seção concluiu por firmar a seguinte tese jurídica: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. (REsp 1.727.063/SP, REsp 1.727.064/SP e REsp 1.727.069/SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, publicados em 02/12/2019).
Posteriormente, o STJ, ao apreciar os embargos de declaração opostos aos REsp 1.727.063, REsp 1.727.064 e REsp 1.727.069, manifestou-se no sentido de que, no âmbito da reafirmação da DER: (a) é desnecessária a apresentação de novo requerimento administrativo; (b) independe de pedido expresso na inicial, podendo ser determinada de ofício e, existindo pertinência temática com a causa de pedir, o juiz poderá reconhecer de ofício outro benefício previdenciário daquele requerido; (c) o termo inicial do benefício (DIB) será fixado na data do implemento dos requisitos necessários à inativação pretendida, sem atrasados; (d) o julgamento da apelação poderá ser convertido em diligência, a fim de se viabilizar a produção de provas; e (e) deverá ser analisada, preferencialmente, no julgamento do recurso de apelação e, excepcionalmente, por ocasião dos embargos de declaração.
Vale registrar que é descabido o sobrestamento do processo, pois já foi certificado o trânsito em julgado dos REsps 1.727.063, 1.727.064 e 1.727.069, ocorridos, respectivamente, em 29/10/2020, 29/09/2020 e 29/10/2020.
No tocante aos consectários, foram traçadas as seguintes diretrizes: (a) tendo sido reconhecido o direito da parte autora à concessão do benefício no curso da ação, não há falar em parcelas vencidas em momento anterior ao seu ajuizamento, mas tão somente a partir da DER reafirmada; (b) quanto à mora, é sabido que a execução contra o INSS possui dois tipos de obrigações: a primeira consiste na implantação do benefício, a segunda, no pagamento de parcelas vencidas a serem liquidadas e quitadas pela via do precatório ou do RPV. No caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirão, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, embutidos no requisitório de pequeno valor; e (c) com relação aos honorários advocatícios, descabe a sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo. Por outro lado, havendo oposição da autarquia, configurada está a sucumbência, o que enseja o pagamento da verba honorária, a ser fixada em 10% sobre o montante das parcelas vencidas a contar da DER reafirmada e até a data do acordão, nos termos da Súmula nº 76 do TRF/4 (Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 21/05/2020).
Estabelecidas tais premissas, a ilação que se infere da análise sistemática dos julgados relativos ao Tema 995 (mérito e embargos de declaração) é a de que a DIB deve ser fixada no momento do preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, ainda que o reconhecimento do direito ocorra em data posterior (sentença e/ou acórdão), conforme a tese fixada no paradigma do representativo de controvérsia:
Quanto aos valores retroativos, não se pode considerar razoável o pagamento de parcelas pretéritas, pois o direito é reconhecido no curso do processo, após o ajuizamento da ação, devendo ser fixado o termo inicial do benefício pela decisão que reconhecer o direito, na data em que preenchidos os requisitos para concessão do benefício, em diante, sem pagamento de valores pretéritos.
O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário. (...) A reafirmação da DER se mostra compatível com a exigência da máxima proteção dos direitos fundamentais, com a efetiva tutela de direito fundamental. Não se deve postergar a análise do fato superveniente para novo processo, porque a Autarquia previdenciária já tem conhecimento do fato, mercê de ser a guardiã dos dados cadastrados de seus segurados, referentes aos registros de trabalho, recolhimentos de contribuições previdenciárias, ocorrências de acidentes de trabalho, registros de empresas que desempenham atividades laborais de risco ou ameaçadoras à saúde e à higiene no trabalho.
Com efeito, no julgamento dos EDs opostos ao Tema 995, o Superior Tribunal de Justiça ratificou o entendimento de que o termo inicial para pagamento do benefício corresponde ao momento processual em que reconhecidos os requisitos do benefício. Ainda, destacou que, no caso de se reafirmar a data de entrada do requerimento não se tem o reconhecimento tardio do direito, mas seu reconhecimento oportuno no decorrer do processo, para não se postergar a análise do fato superveniente para novo processo (EDcl no REsp 1.727.063, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, publicado em 04/09/2020).
Na hipótese dos autos, a parte autora ingressou com seu requerimento administrativo em 10/10/2016, e ajuizou a presente demanda em 15/03/2019. Por outro lado, consoante extrato do CNIS, podem ser contabilizados os seguintes períodos posteriores ao requerimento administrativo:
- 10/10/2016 a 30/11/2016 e 01/01/2017 a 15/06/2017 = recolhimentos na qualidade de contribuinte individual;
Portanto, é possível que se compute em favor do autor o tempo de contribuição subsequente ao protocolo do pedido de concessão do benefício de aposentadoria até o implemento dos requisitos necessários à obtenção do benefício que, na hipótese, como demonstram simulações de cálculo, ocorre em 15/06/2017.
Dito isso, havendo a reafirmação da DER em juízo antes do ajuizamento da ação (15/03/2019), mas posterior à conclusão do processo administrativo (24/01/17), a DIB deve ser mantida em 15/06/2017, quando a parte autora atingiu o tempo mínimo de 35 anos de tempo de serviço/contribuição, além da carência exigida.
Nesta toada, colaciono precedentes:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA ESPECIAL. CÔMPUTO DE TEMPO ESPECIAL. REAFIRMAÇÃO DA DER. EFEITOS FINANCEIROS. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (...) No caso de reafirmação da DER para momento anterior ao ajuizamento da ação, não há que se falar em pagamento de valores retroativos ao ajuizamento da ação. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp 1865542/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2020, DJe 11/12/2020)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA MEDIANTE REAFIRMAÇÃO DA DER. IMPLEMENTO DOS REQUISITOS ANTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR. PAGAMENTO DOS VALORES ATRASADOS. INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESE ENSEJADORA DO RECURSO. PREQUESTIONAMENTO. (...) Ao definir, no julgamento do REsp 1.727.063, Tema 995, que é possível a reafirmação da DER mesmo que isso ocorra no período entre o ajuizamento da demanda e o seu julgamento nas instâncias ordinárias, o STJ não pretendeu excluir a possibilidade de se reafirmar a DER para momento anterior à propositura da ação, mas apenas esclarecer que ela também é possível quando ocorre após esse marco processual. 3. Assentou o STJ, no julgamento dos EDcl no REsp 1.727.063, Tema 995, que a necessidade de prévio requerimento administrativo para posterior ajuizamento de ação previdenciária, decidida pelo STF no julgamento do RE 641.240/MG, "não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento", não tendo sido excetuados os casos em que o implemento dos requisitos ocorre antes do ajuizamento da demanda. 4. Havendo reafirmação da DER, os efeitos financeiros do benefício são devidos desde a data do implemento dos requisitos, caso isso ocorra antes da conclusão do processo administrativo ou então após o ajuizamento da demanda. Ocorrendo, contudo, após o término do processo administrativo e antes da propositura da ação, os efeitos financeiros da aposentadoria são devidos não desde a data do preenchimento dos requisitos, mas desde o ajuizamento, tendo em vista que somente nesta data terá havido nova manifestação do segurado em obter a inativação. (...) (TRF4, AC 5016963-09.2016.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 04/06/2021)
Dito isso, havendo a reafirmação da DER, em juízo, entre as datas de conclusão do processo administrativo e de propositura da ação, esta última será o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício, embora a DIB possa ser fixada na data de implemento dos requisitos, pois se mostrou acertada a decisão administrativa de indeferimento da aposentadoria, sendo que somente com o ajuizamento da ação houve nova manifestação do requerente no sentido de obter a inativação.
Em caso análogo, este Tribunal já decidiu que, Havendo reafirmação da DER, os efeitos financeiros do benefício são devidos desde a data do implemento dos requisitos, caso isso ocorra antes da conclusão do processo administrativo ou então após o ajuizamento da demanda. Ocorrendo, contudo, após o término do processo administrativo e antes da propositura da ação, os efeitos financeiros da aposentadoria são devidos não desde a data do preenchimento dos requisitos, mas desde o ajuizamento, tendo em vista que somente nesta data terá havido nova manifestação do segurado em obter a inativação. (...) (TRF4, AC 5016963-09.2016.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 04/06/2021).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
Recurso da parte autora parcialmente acolhido para:
a) reconhecer o período rural posterior a 31/10/91 (01/11/91 a 30/04/95), tendo em vista que houve o adequado recolhimento das contribuições devidas;
b) computar o tempo de serviço prestado após a DER e anterior ao ajuizamento da ação para fins de deferimento da aposentadoria por tempo de contribuição integral, com a reafirmação da DER para a data do implemento dos requisitos legais, ocorrido em 15/06/2017.
c) termo inicial dos efeitos financeiros da concessão do benefício na data do ajuizamento da ação (15/03/2019), mantida a DIB na data de reafirmação da DER (15/06/2017), quando a parte autora implementou os requisitos para a inativação.
- INSS condenado aos ônus da sucumbência;
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício na DER reafirmada.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002621615v21 e do código CRC 669860b7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 25/11/2021, às 14:12:10
Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:07.
Apelação Cível Nº 5005683-90.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: FRANCISCO JOSE ALOISIO RAUSCHER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. atividade rural posterior a 31/10/91. indenização. possibilidade de cômputo para fins de inativação. aposentadoria por tempo de contribuição. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE.
1. Após o devido pagamento da indenização pelo segurado, o período rural posterior à vigência da Lei nº 8.213/91 (mais especificamente a partir de 01/11/1991) pode ser computado para a obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
2. O Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial repetitivo (Tema 995), concluiu por firmar a tese de que É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. Tal ilação, porém, não exclui a possibilidade de se reafirmar a DER para momento anterior à propositura da demanda.
3. Nos casos de reafirmação da DER entre as datas de conclusão do processo administrativo e de ajuizamento da ação, esta última será o termo inicial dos efeitos financeiros da concessão do benefício, embora a DIB possa ser fixada na data de implemento dos requisitos, pois se mostrou acertada a decisão administrativa de indeferimento da aposentadoria, sendo que somente com o ajuizamento da ação houve nova manifestação do requerente no sentido de obter a inativação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício na DER reafirmada, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 23 de novembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002621616v6 e do código CRC 61c9f081.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 25/11/2021, às 14:12:10
Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:07.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/11/2021 A 23/11/2021
Apelação Cível Nº 5005683-90.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: FRANCISCO JOSE ALOISIO RAUSCHER
ADVOGADO: AIRTON SEHN (OAB SC019236)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/11/2021, às 00:00, a 23/11/2021, às 16:00, na sequência 225, disponibilizada no DE de 04/11/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO NA DER REAFIRMADA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:07.